A luta a ser travada escrita por MT


Capítulo 2
Capitulo 2- Marco Zero


Notas iniciais do capítulo

É o seguinte, a forma como ela disse não foi posta, mas ele dá um resumão dos pontos principais e fica com cara de corno e pensamento de corno filosofo. Tadinho dele é o caralho! Esse maluco roubou, repito, robou o dinheiro do caixa de uma mercearia uma vez deixando o dono dela, um senhor de sessenta anos e principal fonte de sustento de um par de garotinhas de doze anos, com um sério caso de paranoia quanto a abandonar a loja o que fez com que negligenciasse as pequenas! Isso é carma leitor!
Obrigado por ler, você é um bom humano.



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Quando voltei a encontrei na mesa de café da manhã, no saguão do restaurante. Aparentemente a ressaca não fora forte o bastante para prendê-la a cama ou privá-la de sua capacidade de encantar meus olhos. Quase sorri ao vê-la como costumava parecer, um pequeno trabalho divino que deus esqueceu de guardar para si. Sua face, o cabelo dourado cujas pontas arranhavam os ombros, os lábios rosados, o semblante frazindo e as coxas volumosas, sem lágrimas, desalinho ou cansaço, apenas sua pessoa em estado incorruptível. Carregava até mesmo o caderno de notas consigo, alternando-se entre lê-lo e escrever e morder o canto esquerdo do lábio com uma expressão concentrada.

 

No entanto, algo havia acontecido.

Senti o coração palpitar e comprimir ao me aproximar e ouvir.

 

— Sinto muito pelo seu pai… - foi tudo que pude dizer ao fim do relato. Ela mantivera o olhar fixo durante toda a conversa, toda a história, desde a ligação da mãe a traição que cometera depois de beber para tentar se acalmar, mas eu não correspondi a partir de um certo ponto. Queria que ela tivesse omitido a traição ou estivesse brincando quanto a isso. No entanto, não existiram sorrisos e as palavras foram despejadas. Pode-se dizer que é o mesmo que ocorre com um lago?  Você joga uma pedra e mesmo que queira ele jamais será igual a antes. A pedra que Mariana atirou na nossa relação a fez mudar ou talvez simplesmente tenha mudado a mim. De um instante para o outro aquela pessoa diante dos meus olhos tornou-se diferente.

Quando nos conhecemos Mariana e o a pai eram voluntários no orfanato para o qual eu havia sido transferido depois dos problemas que causei num outro numa cidade de Sergipe. Era uma garota séria, um pouco rude e bastante determinada, tinha uma mania de querer controlar o andamento das coisas, um hábito sob o qual eu era pego com regularidade maior que o restante, mas certamente era alguém forte em que podia depositar uma quantidade infindável de confiança. E se chegara tão longe no boxe a ponto de conseguir vencer alguns campeonatos amadores e ter uma disputa pelo título no profissional é graças a teimosia motivadora dela. Mas nunca a vira fazer nada nem próximo de sair para se embebedar ou se atracar romanticamente com outra pessoa. Ter admitido que cometera esse tipo de atitude fazia meu estômago agitar-se e nauseás subirem.

Ela perdeu o pai! minha mente argumentava, mas a sensação de adagas perfurando-me o coração seguia firme. Por um momento minha cabeça pareceu girar. Perdi a certeza do chão abaixo dos meus pés, respirar tomava mais esforço do que eu lembrava, minhas íris começavam a ser incomodadas por uma humidade ascendente. Quis abraçá-la, forte o bastante para esquecer aquela conversa e poder continuar como era antes. Mas não movi um dedo.

— Eu vou para a casa da minha mãe ajudar com os preparativos do funeral… você pode pensar sobre isso e depois me dar uma resposta. - ela parou um instante e depois continuou. - Não apenas sobre isso, sobre se aposentar também.

— Entendo. - falei monótono, frio, distante.

Mariana varreu-me a face com um olhar e notei um leve tremor atravessar seus lábios.

— Vou arrumar as minhas coisas.

Ela se levantou da mesa, deixando o prato pela metade, e foi embora. Não a vi apertar os olhos, mover a boca num sorriso ou no seu oposto, mas percebi o olhar que Mariana dirigiu ao chão antes de virar-se. Aquilo era algo que conhecia, ela fizera o mesmo quando disse que gostava dela de forma romântica, pedindo-a em namoro, pela primeira vez e a garota recusara com uma seleção de palavras gentis que na época imaginava que não conhecesse. Naqueles dias passei mais tempo dormindo do que acordado, comi menos e evitei sparrings na academia porque não conseguia focar. Eu sentia como se faltasse algo no meu sangue, o elemento responsável por conferir força e ânimo.

A observei sair do refeitório, com o nariz ardendo e água ameaçando desabar sobre as bochechas. Me perguntei o que eu queria naquele momento. A resposta não podia ser me menos impressionante. Ela vestia blusa azul folgada e uma calça jeans e se afastava acima de pequenas pernas.

 

Queria ter querido pará-la com mais intensidade e então o ter feito ao invés de simplesmente virar o rosto para outro lado, tomar um banho, ir até um bar não muito distante dali e ler a fanfic sobre a filha de Loki. Era uma história leve e divertida, mas não amenizou o frio correndo por minha barriga como eletricidade.

 

— Olá. Bom… como você está? Foi uma boa luta, - ela sorriu arrancando o celular da minha mão e sustentou meu olhar irritado. - ao menos para o outro cara.

Por um momento quis dizer ´´sim, claro, a maldita disputa pelo cinturão! Obrigado por me lembrar dessa merda!``, mas fiquei quieto, sentindo-me pesado e lento demais para trocar gracejos, principalmente os que podiam terminar em briga. Fabricia fazia comentários assim já havia anos e eu respondia para rirmos juntos, Mariana às vezes nos olhava como se fossemos um par de idiotas.

— Uma bebida, de preferência uma com gosto agradável. - respondi.

— Suco de uva?

— Bebida alcoólica.

— Você não bebe.

— Então vou querer meu celular de volta. - estiquei a mão, mas Fabricia afastou o aparelho.

— É por causa da derrota? Sabe, não foi tão feia assim. - brincou. - Só tipo, completamente unilateral.

— Haha, muito engraçado. - falei e investi novamente para pegar o celular. Fracassei.

Ergui-me da cadeira e tentei pegá-la, Fabricia dançou ao meu redor rindo enquanto mantinha o dispositivo fora do alcance das minhas mãos. Ela demonstrou uma face distorcida e surpresa, uma que me fez desviar o olhar quando a agarrei pela cintura. Queria pedir desculpas, mas o dono do bar a céu aberto foi mais rápido.

Mas que porra, para de brincar e vai trabalhar!

Ele  era baixo e corpulento, com braços grandes e barriga redonda e inchada, sua voz ostentava o tom de trovões explodindo.

Larguei ela e voltei, quase tropeçando nos pés e na mesa, para a cadeira. Fabricia deixou o celular sobre o cardápio.

— Vou trazer algo já já.

Ela se foi, as curvas de seu corpo destacadas pelo avental que fazia parte da sua roupa ficar justa, pedindo desculpas ao patrão, de volta ao serviço.

 

— Aqui está um copo de vinho alemão, um gole e certamente estará caindo de bêbado!

Olhei o conteúdo. Um liquido dourado com a superficie tomada por espuma branca e odor forte e ácido, tão semelhante a urina que quase desviei o rosto.

— Na verdade é cerveja comum. - Fabricia revelou colocando a garrafa na mesa. - Mas não deve ser tão ruim depois que tiver tomado dois ou três copos, boa sorte. Passo aqui para te ajudar nessa tarefa triste e árdua quando as coisas se acalmarem. A noite é uma criança, mas quem sai durante ela são os adultos.

 

Fabricia me trouxe álcool e ,mais tarde assim que o número de clientes diminuiu, companhia, a bebida era ruim. Conversamos e bebemos entre a ida dela para atender um cliente e outra sobre bobagens diversas. Filmes, bêbados e qualquer tema que lembrassemos. Era agradável estar com ela, uma pessoa leve e animada. Fácil também. Não precisava me preocupar com o que dizer nem com gestos ou erros passados.

 

Apesar da sensação de que faltava algo consegui sorrir bastante.

 

Passaram-se horas, pessoas e sensações, tanto boas quanto ruins. O álcool lavara minha cabeça e a deixara leve para tudo. Dizia e pensava como se ambos fossem um. Em dado momento tinha os punhos cerrados e no outro manchas de sangue nas mãos. Também satisfação bombeando como sangue em minhas veias. As coisas aconteciam quase sem deixar algo para minha consciência perceber. Mãos delicadas empurraram meu peito num instante e em um piscar de olhos a escuridão de um quarto forçava-me a adaptar a visão.

Queria sentir de novo, a satisfação que eu sabia ter encontrado ali em algum momento.

A ressaca não teve remorso e fez-me sofrer pelas ações do dia anterior, mesmo que eu mal as recordasse. Estava sentado com as costas apoiadas na cabeceira de uma cama estranha dentro de um quarto estranho quando voltei a sobriedade. Senti que a punição era mais branda do que deveria. Eu amava Mariana, dizia a mim mesmo e sentia pulsar, depois de simplesmente vê-la partir sem fazer nada uma dor de cabeça é muito pouco. A figura ao meu lado contorceu-se e murmurou algo incompreensível. Meu corpo ficou tenso e minha respiração agitada. Cabelos negros com ondulações suaves e uma silhueta esbelta delineada abaixo de um cobertor ostentando a imagem de um tigre. Forcei a mente. Bar, brincadeira, uma briga? Não conseguia lembrar. As cenas estavam embaralhadas e entrecortadas além de turvas e sem áudio. Chequei a mim mesmo e um pequeno alívio assaltou-me ao notar ainda estar vestido.

 

— Uou, isso é para ser sexy? Sabe, eu preferiria que tivesse feito o café da manhã.

Meus braços haviam perdido a sensibilidade há um bom tempo quando ela acordou. Tinha também o corpo brilhando devido ao suor e uma poça considerável abaixo de mim. Desabei sobre o fruto do trabalho exercido assim que a ouvi.

— São apenas exercícios de rotina. - disse ofegante.

— Sua rotina fede. - ela fez notar enquanto passava por cima de mim.

 

Fabricia agiu normalmente. Fez cuscuz e ovos para o dejujum, conversou a sua maneira simples e envolvente e tirou sarro da cena que fiz ao pé da cama. Claro, também ordenou que limpasse a poça de suor. Quando acabei fui acompanhado até a saída.

 

Eu não tinha certeza do que ocorrera entre nós, mas achei que seria rude perguntar.

 

— Ah, caso esteja se perguntando, só dormimos. Não fizemos nada digno de um conto erótico

Duas tonelados repentinamente evaporaram de minha alma, mas ainda sentia algo preso no meu peito se alastrando como um cancêr. Eu confiava nela e, de qualquer forma, o assunto um dia chegaria mesmo que não por mim.

— Não sei se te contei num rompante de sinceridade de bêbado, mas acho que preciso dizer, Mariana me traiu e foi embora.

Ela encarou-me com uma seriedade pouco presente em sua face durante nossas conversas. Um brilho severo e melancolico no olhar.

— Entendo, bem achei que estava estranho demais até para você... - não conseguiu empregar a voz o descontraimento do que dizia, o que deixou claro o quanto aquele assunto soava desconfortável. - Ela sempre foi a mais sensata entre vocês e um pouco emburrada, mas traidora parece tão…

— Outra pessoa, eu sei, foi o que pensei também. - completei. - O pai dela morreu e aparentemente estava bêbada. Não sei o que dizer, talvez eu tenha julgado-a mais severamente do que deveria. Não ter tentado convencê-la a ficar pode ter sido um erro.

Não ter envolto ela num abraço e dizer que tudo ficaria bem foi um erro, continuei em pensamento. Minha barriga contraiu e os punhos ficaram tensos ao notar essa perspectiva.

— Mariana sempre foi uma anãzinha teimosa. - ela disse com um sorriso largo demais para ser espontâneo. - Mas aposto que ela vai voltar e acertar as coisas.

Assenti, mas eu não via aquela pessoa tentando justificar seus erros. Mariana não iria retornar. Carregar sua mancadas e seus acertos sem se constranger sob nenhum dos dois é parte do que a tornava tão forte. Ela havia pedido desculpas e dito que se arrependia, nunca ousou mencionar a bebida ou a tristeza como justificativa. Ninguém veria a mulher que Mariana se tornara insistir por perdão.

E talvez não a apoiar após a morte do pai tenha sido um crime ainda pior.

 

Houve uma falta de palavras longa depois daquilo que cessou com um simples ´´até logo`` e minha partida. A manhã começava a nascer rabiscando o céu de um tom alaranjado e o frio dissipava-se aos poucos. Mas a enxaqueca não deu-se tempo para admirar a cena e continuou a trabalhar. Uma martelada após a outra, incessante e desgastante.

 

Não fui para casa.


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Notas finais do capítulo

Bom trabalho chegando até aqui leitor, fez bem, muito bem, mas ainda não acabou. Tenho perguntas que precisam de respostas.
Mariana se pegou com um homem mesmo? Esse puto do protagonista tá indo para onde fudido desse jeito? Fabrícia tá com cara de culpada,foi ela quem tava se pegando com Mariana?
Ótimo leitor, se já terminou as questões pode ir respirar um pouco e espalhar suas teorias sobre a história.