A luta a ser travada escrita por MT


Capítulo 1
Capítulo 1- Fim


Notas iniciais do capítulo

Começa na última luta da carreira do protagonista e se desdobra nos acontecimentos ligados a ela indo dos eventos fora do controle dele às consequências das ações que tomou diante estes ocorridos que, se você ler por tempo o bastante, perceberá como explicam a decisão de John Santiago de abandonar o pugilismo e sua atitude ao final desta obra.

Obrigado por ler, peço que tente ser paciente com o texto porque a história não tem culpa de eu não ser o R.R.Martin(apesar de tentar) e se julgar que algo está ruim eu agradeceria se me contasse o quê ou/e desse dicas para que eu possa ri na cara do Rick Riordan um dia e aperfeiçoe minha escrita.



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— Continue se movendo e atacando a guarda em busca de aberturas, não pare na frente dele após acertar, dê alguns golpes no corpo também.

Assenti e me ergui assim que o gongo soou. Mas não pude seguir os comandos do velho, meu oponente disparou em minha direção e através de seus punhos me mostrou o que os cristãos chamariam de purgatório. Pesados, velozes e com uma técnica perfeita que assassinava qualquer esperança de acertar um counter. Era lindo, como o fogo, e terrível, como ser queimado. Os socos deixavam suas marcas em minha pele enquanto era espremido por sua força. A torcida gritava e gritava, como se a pressão de ser esmagado contra o corner já não bastasse, chegou um momento em que não fui capaz de discernir se eram palavras de incentivo ou insulto que ressoavam junto ao baque dos socos na minha guarda. Estava prestes a cair. Minhas pernas tremiam e meus braços, eu sequer os sentia mais.  Cair, eu precisava cair, não apenas porque o corpo desabava aos poucos, mas também porque aqueles não eram punhos que alguém fosse querer acertando sua face.

Eram punhos assassinos e monstruosos, as coisas mais assustadoras que lembrava de já ter visto dentro de um ringue e o dono dessas armas passava uma pressão quase tão grande quanto.

Ele carregava uma expressão feroz e tranquila ao mesmo tempo, o sujeito prestes a encaixar um belo golpe em mim, sua boca estava fechada e sua face não contorcia-se de forma notável, ainda assim existia uma aura selvagem residindo ali. Era como um tigre no meio da caçada. Os punhos emergiam de braços enormes e musculosos que moviam-se como as patas de um felino, ágeis demais. Por um momento, durante frações de instantes, aceitei que aquela luva poria fim a minha jornada. Ele era o campeão nacional dos pesos super-leves, eu apenas um desafiante que nem sequer almejava se manter muito tempo nos ringues profissionais. Mas a esquerda dele, olhando para a luta da arquibancada, com tensão pairando sobre si, os olhos castanhos da única pessoa que acreditou em mim quando mal conseguia acertar as luvas de treino não pareciam desejar que aquele fosse o fim. Suas íris ainda não haviam perdido o brilho. Algo me dizia que ainda possuia fé, apesar de seus lábios rijos e punhos cerrados ou talvez justamente por isso.

 

Mariana perguntou o que há muitos anos atrás e então, de algum modo, conseguiu fazer com que eu parasse de pensar em desistir ou no quão impossível parecia e buscasse ir até o fim.

— Mesmo que no fim seja uma decepção ou a maior e mais incrível conquista da sua vida, não deve fugir do que deseja. - foram suas palavras enquanto apertava minha mão e fitava-me as íris. De algum modo elas não soaram infantis.

 

Um direto de esquerda típico de canhotos se aproximava, mas estava o vendo perfeitamente. Seu ângulo, formato e até quase a ordem de movimento vinda do cérebro. Foi como um desses momentos sobrenaturais raros que às vezes é relatado por alguns atletas. Eu via o golpe como nunca tinha visto nada antes, em câmera lenta e em altíssima definição.  Mas só quando o punho encontrou minha face e tudo ficou branco foi que lembrei de tentar esquivar.

 

Ouvi um suspiro e fitei a figura pairando sobre mim. Um sujeito velho, cabelos brancos e mesmo assim mais volumosos que o meu, trajando uma camisa azul com um nome grafado. Parecia cansado e ansioso. Uma corrente elétrica pareceu atingir minha espinha.

O campeão, a luta, o direto de esquerda. Onde estavam? Ergui o tronco, os músculos tensos, e logo senti a dor percorrer os antebraços, a testa e as costelas. Tentei me apoiar nos braços, mas eles tremeram e minha coluna despencou sobre a cama. Saliva escapou junto com um rugido surdo.

Panos brancos e suportes para soros passaram como um flash pela visão periférica durante a queda. Mas no fim encarava o teto caído e machucado.

— Acabou.

Sim, lembrei a medida que a luva acertando minha face tornava-se uma imagem clara e nítida trazendo de volta a memória da luta contra o campeão.

— Sabe em que round terminou? Que golpe seu adversário usou? Por que perdeu? - sua voz era calma, porém severa, o timbre de alguém experiente e austero.

As venezianas da janela balançaram e uma corrente de ar adentrou o quarto. Não consegui proferir as palavras. ´´Ele acertou quatro golpes no corpo durante o quarto round, desde o fim do segundo meus jabs começaram a ser esquivados com frequência enquanto meus diretos deixaram de conseguir conter seu avanço, no quinto minhas pernas estavam muito tensas o que me impediu de reagir a tempo quando o campeão disparou do seu corner para finalizar.``.  Virei o rosto para a esquerda, tirando-o do meu campo de visão, eu conhecia as palavras.

— Mariana está lá fora? - perguntei.

— Sim, ela foi atender uma ligação, provavelmente logo estará de volta.

Só no instante em que a vi romper pela porta com aquela expressão foi que entendi. ´´Eu perdi…``. Um sorriso longo e as pálpebras erguidas demais, dando um volume maior a seus olhos, não eram sinais que  possuía na face quando estava feliz.

— Como você está? - perguntei para ela quando atravessou a porta. O velho havia saído após fazer um pequeno resumo do porque tinha acabado no quinto round, um que não diferia muito da minha autoanálise.

Ela deu uma risada leve e se aproximou da cama. Um passo, dois, três e logo estava parada ao alcance das minhas mãos. Quis agarrar sua cintura e a trazer para cima de mim, arrancar aquele vestido branco e fazer ali mesmo, mas estampado no rosto dela só conseguia ver uma coisa. ´´ Eu perdi. ``.

— Não deveria ser eu a perguntar isso? - dei de ombros e gesticulei para a cadeira.

Ela recusou com um balançar de cabeça.

— Sinto muito pela sua derrota… - as palavras saíram da boca dela, mas claramente não eram as que desejava dizer.

— Me desculpa, devia ter ganhado. Acho que não vai ser tão legal o personagem baseado em mim perder sua luta mais importante, não é? Hahaha.

Mariana segurou minha mão. Meus olhos se fincaram ali, no nosso toque. Não tinha coragem de encará-la, de ver a tristeza que proporcionei a única pessoa a quem devia manter feliz. Principalmente quando esta trajava um sorriso de mentira para que eu não ficasse para baixo ao perceber que a havia decepcionado.

— Tudo bem. - a voz dela soava calma, mas existia uma certa tensão abaixo daquilo. - Você pode vencer a próxima.

Uma sensação ruim subiu do estômago até a garganta. Ela sabia e mesmo assim…

 

Aquela fala me fez perceber que as vezes realmente deixavamos nos levar pela decisão um do outro como quando fui convencido a comprar dois livros de amigos dela do nyah fanfiction ou quando a fiz segurar os aparadores de soco para mim. A ideia dos aparadores acabou de uma forma positiva, mas ela nunca mais repetiu a dose.

Eu devia ter falado tanto sobre largar o mundo profissional se não conseguisse o cinturão que provavelmente acabei a coagindo a aceitar. Pelo visto Mariana não esperava ver isso acontecer quando disse ´´Claro.``.

 

— O que você quer dizer com ´´vencer a próxima``?

A mão dela pressionou a minha e então soltou, virando-se e caminhando até a saída.  Não sobrou uma palavra em meio as passadas de Mariana, as letras não juntavam-se o bastante para isso e desmanchavam-se.

— Você sabe o que quer fazer, então faça. - falou antes de atravessar a porta. Não desista, quase escutei-a dizer.

´´Não desista…``, não era a primeira vez que ouviria aquilo, quando tudo começou era a frase que mais repetia a mim mesmo. Mas já havia deixado de lado seu significado, o posto numa caixa onde todas as coisas com as quais não tenho entrado em contato nos últimos tempos acaba parando. A caixa do esquecimento.

 

Saí do hospital algumas horas depois com a lua pendendo no céu, peguei um táxi até minha casa e cheguei lá em poucos minutos. Não senti nada em especial ou pensei em algo interessante, apenas existi enquanto meu corpo movia-se parado.  Assim que desci do veículo dei de cara com o prédio que erguia-se como sempre, austero, cinza, com pequenos quadrados iluminados espalhados por seu torso, uma figura imponente que resistia diariamente as intempéries da natureza ao seu redor. De um orfanato para um apartamento, da sarjeta para um orfanato, quem é esse que vem lá? A frase de um livro assaltou meus pensamentos.

 

Mas, naquele momento, o prédio me pareceu estranhamente zombeteiro, como se algo nele fosse uma sátira ao que acabara de ocorrer. ´´Austero``, algo duro e resistente que sobrevive mais por ser mais forte. Soque-o se quiser, mas continuará a vê-lo de pé.

 

— Boa noite! - disse prontamente o porteiro.

— Boa.

— Foi uma grande luta! Aqueles golpes, incríveis!

Sorri, ao menos havia dado um bom espetáculo.

— Obrigado.

— Ah… você aguentou bem.

 

Subi as escadas até o décimo andar e percorri o corredor até chegar a porta do meu quarto. A maçaneta estava fria como aço e o peso da madeira parecia ter sido incrementado. O positivismo e a leveza tinham feito as malas e partido para alguma ilha a quilômetros dali, percebi, e em seu lugar ficara um sentimento não tão agradável que gerava um peso extra ao meu redor.

Ultrapassei o batente e fechei a porta. O breu me recebeu sem fazer perguntas, apenas avisando que Mariana havia saído. Minha mão subiu até o interruptor e o pressionou acendendo as luzes. Antes que desse mais um passo avistei uma folha sobre a cama. Provavelmente um bilhete informando para onde tinha ido, ao menos foi o que me obriguei a pensar enquanto me dirigia até ele. A ideia absurda de que ela me abandonara rastejava no meu interior.

´´Estou fora.`` é o que dizia. Apesar de ser uma escritora as vezes ela conseguia ser bem vaga em suas mensagens.   Atirei o papel para longe e joguei-me sobre o colchão, ficar deitado por horas havia me deixado exausto. De olhos fechados podia sentir meu corpo de tal forma que era quase como se pudesse vê-lo. Cada músculo, movimento e sensação. Percebê-lo assim sempre ajudava antes de uma luta. Agora tomava o espaço dos conflitos eclodindo aqui e ali dentro da minha cabeça. Mas eu ainda tinha perdido a chance de ter o cinturão, havia cometido erros durante a disputa e decepcionara Mariana. Um pequeno tremor subiu pela minha espinha. Talvez ela tenha mesmo me abandonado… balancei a cabeça e me sentei. Estava pensando demais. Haviam alguns dias de descanso vindo, teríamos tempo o suficiente para discutir o assunto.

 

Depois daquilo a luta contra o campeão nacional dos pesos super-leves, Marcus Feliciano, foi repetindo-se várias e várias vezes na minha cabeça sob comentários do que eu poderia ter feito melhor. Não fechei os olhos por um bom tempo.

 

Quando Mariana adentrou o recinto eram  três da madrugada. A porta foi aberta debilmente e a figura normalmente bela e nobre de minha companheira surgiu não tão nobre ou bela quanto de costume.  Seus cabelos e roupas estavam bagunçados e amassados, a postura era a de alguém prestes a desabar sob o peso do próprio corpo com as costas dobradas e o rosto vermelho úmido nas bochechas e testa. Parecia uma pessoa completamente diferente, como se um jarro majestoso houvesse sido remontado com fita adesiva a partir de seus cacos.

Após um ou dois segundos de hesitação me levantei e fui até ela o mais rápido que meu corpo sonolento conseguia se mover. Assim que cheguei perto e a apoiei em mim percebi um cheiro de álcool forte pairando ao seu redor, um indício claro de onde estivera.

 

Uma parte de mim entrou em desespero naquele momento, tanto pelo claro mal estar dela quanto do que pode ter ocorrido onde estivera bebendo. Eu tive medo de perdê-la por qualquer motivo que fosse.

 

Após acomodá-la na cama sentei ao seu lado e observei enquanto sua consciência terminava de desvanecer. Tentei imaginar um motivo para aquilo, mas acabei imaginando vários, um menos otimista que o outro.

Diferente de mim, Mariana possuía diversos círculos de influência para o seu psicológico e era muito mais atraente(apesar de eu ser suspeito para opinar, por ser homem e tal…). Eu, família, amigos, escrita, críticas, si mesma. Todos mais complexos e multifacetados do que os com que costumo lidar. E nem sempre estou a par deles.

Tentei dormir, mas assim que fui capaz de fechar os olhos o som do despertador provou que era uma ideia boba. Aquele dia não estava cotado para isto.

As ruas ainda carregavam traços da noite, uma sonolência que aos poucos ia sendo extinguida e renascida como o frenesi que percorre as cidades humanas. Alguns carros já rondavam pelo asfalto e lojas começavam a serem abertas. Meus pés causavam atrito no solo enquanto fazia o trajeto de costume e percebia cada pontada de dor proveniente da luta pelo título emergindo. Costelas, rosto, barriga, braços. Mesmo um idiota notaria que sair para dar uma volta não havia sido uma das ideias mais sensatas.

Parei desajeitadamente a poucos metros de uma padaria que acabara de abrir as portas. Uma conhecida minha. E entrei.

 

Havia uma tensão no meu peito naquele momento, um frio percorrendo a superficie dos meus ossos. Podia ser apenas fadiga pesando sobre as pálpebras e  corpo, turvando o discernimento e aumentando o nervosismo, mas eu não tinha certeza.

— Ah, não pensei que sairia da cama tão cedo depois daquela surra.

— Imagino que tenha sido muito ingênuo em esperar que fosse o turno de outro alguém… - murmurei.

— Hahaha, se Mariana escuta isso!

Ele era um dos que entraram no boxe ao ver que até mesmo um orfão esquisito como eu havia conseguido uma força relevante. Um filho de padeiro se inspirando num filho sem pais. Normalmente se esperaria um show de comédia de algo assim. Aproximei-me do balcão, mais para dentro podia ver os demais responsáveis pelo estabelecimento trabalhando, amassando massa, colocando bandejas no fogão e trazendo os pães para seus postos. Encarei Pablo. Ele sorria despreocupadamente e não desviava o olhar.  Aquele homem era forte desde de seu primeiro dia, diferente de mim levou apenas um ano para subir num ringue profissional, e a única meta que tinha deixado clara… bom, ela não seria mais possível graças a mim.

Abri a boca, mas as letras fincaram suas presas em minha garganta.

— Olha, se for uma declaração de amor vou logo avisando que não estou afim de encarar nenhuma baixinha loira. - Pablo riu e continuou. - Dizem que ela tem um arsenal de livros em casa e conhece xingamentos o suficiente para destruir o espírito de alguém.

— Cala a boca e me vê uns pão aí…

— Hahaha, claro, mas - seu tom ficou sério. - tome cuidado, ontem houve troca de tiros perto da praça por onde costuma correr, cinco morreram e um foi preso, fora os civis que acabaram no hospital por causa de bala perdida. Milena está fora em alguma competição de xadrez então também não vai encontrá-la por lá.

— Não é como se eu fosse querer levar uma surra no xadrez enquanto me recupero mesmo. - respondi. - E sinceramente correr não é algo que poderei fazer antes de uma ou duas semanas.

Ele assentiu e virou-se para pegar os pães.

— Assisti sua luta. O campeão é insano, pegar o ritmo dos seus jabs em pouco mais de um round? Segurar o avanço sob seus diretos? Aquele cara era mesmo humano? - estava com um tom descontraído, mas vi o antebraço dele ficar tenso. - Fico arrepiado só de lembrar e isso torna você ainda mais incrível que antes. Quero mesmo lutar com Jonh Santiago, o astro do ginásio Rompe Barreiras. Apesar do nome da sua academia ser meio esquisito.

— É sua academia também.

Pablo deu de ombros e me entregou a sacola onde pusera os pães. Havia pequenos cortes na face dele dos sparrings que fizemos há uns dois dias. Senti as palavras arranharem minha garganta, ´´Vou largar a vida de profissional``, mas dessa vez foram meus lábios que apertaram-se e impediram que falasse.

 

Saí da loja sem contar para ele que sua meta não existia mais.  Ninguém jamais voltaria a me encarar num ringue profissional. Aquele era o fim.


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Notas finais do capítulo

Então, se chegou até aqui, você tem algo a responder.
O que será revelado no próximo capitulo? Por que diabos o escritor o fez dar aquela caminhada até a padaria se não para dar uns pegas no padeiro? Será que Mariana não notou a ereção, que apesar de não citada, deve ter ocorrido devido a alegação de excitação?

Bom trabalho leitor, após responder está liberado dos seus serviços por hora. DESCANSAR!