A luta a ser travada escrita por MT


Capítulo 11
Capítulo 11- Battle Royal


Notas iniciais do capítulo

Bom dia!



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Os corredores sob a arena eram largos, poderiam comportar quatro pessoas lado a lado facilmente, as paredes cinza prateadas e o teto com uma longa lâmpada que seguia-o iluminando o caminho acabou, ao menos para mim e para minha escolta que aparentava ser capaz de com imenso prazer torcer meu pescoço, na dianteira de uma porta dupla metálica que guarnecia o vestuário. A tensão abraçou-me gentilmente pelas costas e foi aos poucos apertando seus braços em torno do meu corpo. Estava lembrando do campeão, da sua força, e pensando sobre Boneco e o que ele faria se sobrevivesse ao plano, no cadáver que ele já criara e em Fabrícia pendendo entre a vida e a morte numa cama branca. Não consegui ignorar o arrepio que cada devaneio sombrio trouxe enquanto abria a porta, mas forcei-me a andar indiferente a eles. Um passo de cada vez sobre o frio e áspero concreto que cobria o chão daquele estádio.

Era uma sala ampla com cinco fileiras de bancos de madeira pintados de azul esticando-se longamente entre duas colunas de armários dispostos nas extremidades, colados as paredes e tingidos de vermelho escarlate. As cores estavam desgastadas e com brechas por onde se podia vislhumbrar o ferro abaixo. Um cenário que refletia bem o que ouvira a respeito do lugar. ´´Má sorte`` as palavras sussuram-se sozinhas em minha mente.

Lá dentro haviam alguns outros homens, vestidos formalmente com ternos azuis e cinza, a exceção dos dois que trajavam camisas leves e shorts que pouco iam além do joelho. E ataduras. Lutadores, oponentes, inimigos, pensei, imediatamente fechando os punhos e dando-lhes um olhar mais atento. Já os tinha visto na noite da primeira luta, o judoca e o brigão cujo estilo parecia um emaranhado desenvolvido em conflitos nos becos de alguma metrópole. O lutador de rua era esguio e alto com uma musculatura definida e aquele que usa judo não maior que eu, mas compensava em robustez e volume do corpo, não muito definido, porém, grande e sólido. Também me fitaram, com olhos gulosos e cheios de cautela.

Fui guiado a um terceiro canto e auxiliado a pôr a bandagem. Sentei num dos bancos longos enquanto a colocavam e notei que foramos divididos em três grupos naquela sala, os de terno azul ao fundo na quinta fileira, os de cinza a frente na terceira e os que vieram comigo, os tingidos de negro ao fundo na primeira fileira. Eramos peões de facções diferentes, talvez até inimigas mortais, seria mesmo seguro deixar-nos juntos numa única sala, pôr essa curta distância e acreditar que nada dará errado? Decidi largar o pensamento e prestar atenção no trabalho com  aquele pano branco. Quando terminaram com a bandagem recebi espaço para um shadow-boxing. Eles também rodearam-me para impedir que fosse espiado. Mas seus olhos encobertos pelas lentes negras incidindo sobre mim deixaram meus movimentos tão desajeitados que seria até bom se os outros sujeitos vissem. Quanto menos esperassem, menos levantariam a guarda.

Ouvia barulho vindo de cima, na arquibancada. Das conversas altas, das risadas, do show de abertura. Estava começando e o público já  fora a seus lugares. Seria diferente do que foi na última vez e isso dificilmente significaria um jogo de cartas. Pelo tamanho do palco talvez nos dessem espadas e assistissem enquanto matávamos um ao outro.

Sentia os ossos ocos sob pele e músculo, parecia que se eu me descuidasse enquanto fazia um movimento o faria tremendo. Parei, suado e aquecido, e fiz um gesto com a mão para desarmarem aquela cortina humana improvisada. Estava começando a ficar ainda menos tranquilo de pé do que estivera sentado. A luta ou o quer que houvesse sido preparado precisava vir logo e rápido. Logo cogitaria socar os homens presentes na sala para aplacar a agitação que o shadow boxing não pudera. Aqueles a minha volta eram grandes, de rostos rudes e mãos cruéis, mas se fossem algo mais além disso eu não teria de estar ali como campeão do chefe deles. Podia abatê-los e sair para realizar um adiantamento do plano.

E morrer sobre uma poça de sangue com pedaços da cabeça pairando em diversos lugares diferentes após ser pego por homens armados na entrada, genial para um suicida cristão.

Do lado de fora o ruído da apresentação cedia espaço para os aplausos e assobios sinalizando aos lutadores que sua hora tinha acabado de atravessar o batente. Um dos meus companheiros de camarim deu uma risada alta e retumbante, o judoca, percebi, ao virar-me para descobrir o autor, que pareceu fazer eco nas paredes com o timbre de sua voz. 

—Desejo-lhes sorte, meus amigos. - disse num tom alto e exagerado.

—E eu desejo que caia e torça a merda do tornozelo. - respondeu o outro, amargo. Não queria estar ali tanto quanto eu ao que parecia.

Como resposta o sujeito robusto riu, um trovejar em pele de risada. Atentei-me a aquilo, arrogância e má vontade, eles teriam um sério ponto fraco se as características mostradas refletissem em sua batalha. Então o metal arrastou-se sobre o chão pesadamente. Às portas surgiram dois sujeitos trajando coletes contra impacto e máscaras de receptores de baseball. Sob elas o olhar era frio, denso e perigoso, como animais selvagens, um brilho azul claro e, de algum modo, também sombrio. Quando falaram não consegui conter a surpresa. 

— Sigam-nos. - disseram em uníssono e foi aí  que notei as armas de choque, quando as fizeram crepitar ao virarem-se e seguirem para fora. 

Minha escolta também se impos as minhas costas, para fazer evaporar a hesitação em obedecer.  

 

Foi uma caminhada curta até irrompermos do corredor ao gramado e a partir dele cada passo seguia-se abaixo de um ensurdecedor estouro de sons. Estava cheio, mas não como esperava. Na olhada rápida que dei vi poucos que não estivessem trajados de vestidos ou ternos. Isso fez-me tensionar mais os músculos, não via como acabaria numa luta normal. Pessoas ricas costumavam assistir a coisas mais extremas que o povo de classe média e baixa. Chegamos ao centro do campo. E os restantes também. Marcus Feliciano e mais outro, um sujeito negro com faixas de cabelo paralelas no topo da nuca, de estatura alta e braços longos marcados pela protuberância dos músculos. Mas o mundo pareceu resumir-se ao campeão nacional dos pesos super-leves. Planos, outros oponentes, eram todos pedaços fedorentos de bosta jogadas ao vento. Tinha de olhá-lo, decifrar suas forças e fraquezas mesmo que se tratassem de uma irregularidade na respiração ou nas retinas, precisava acertá-lo e fazer com que não fosse capaz de levantar. 

Fui despertado pela voz da cabine do comentarista dando-nos um fio de luz sobre que tipo de espetáculo os animais adestrados no gramado dariam.

—Bem vindos, ilustres senhoras e senhores! Nessa noite traremos de volta as lutas de gladiadores! Sim, estes homens, todos de uma vez, se espancarão até a morte usando os punhos! - o timbre dele não soava mais terrível do que a de outro narrador qualquer, mas havia sangue e crueldade naquelas palavras. Além da clara falta de criatividade, Mariana nunca escreveria uma fala tão porca. - E aqueles que cairem e não puderam levantar… - a risadinha que ele deu fez um arrepio acertar minha espinha. - Serão mortos quando o campeão levantar-se único no ringue!

Exitiam guardas nas extremidades do campo carregando armas de fogo e suas faces não demonstraram qualquer sinal de surpresa com a sentença dada aos perdedores. Se perdesse rápido demais poderia morrer por melhor que o plano se saísse. Aquele pensamento amargou-me na boca.

Os meus adversários tiveram reações diferentes. O negro que veio junto a Marcus Feliciano pusera um sorriso convencido, o campeão mantivera a face séria e compenetrada, o judoca riu e desejou-nos uma boa luta, o lutador de rua o xingou e começou a reclamar em murmúrios zangados. Eu tentei manter o rosto duro, certo de que o suor frio fora mascarado pelo quente. Mas o coração já estava bombeando sangue de forma voraz e acelerada. Respirei fundo, uma, duas, três, e a agitação nervosa permaneceu como um carrapato grudado a minha pele. A morte do garoto, fabricia no hospital, Mariana indo embora, Marcus Feliciano, Boneco, a academia em pedaços, todos os desastres relacionados ao agora passaram por minha cabeça quando a calma desvaneceu, zumbindo como um raio e no momento que o apito soou, a única coisa que restou foi uma raiva selvagem.

 

Os árbitros de íris azuis afastaram-se até quase sair pela demarcação das laterais e o som agudo explodiu seguido de perto do grito do comentarista. As luzes ali eram fortes, claras e preenchiam o mundo do verde gramado ao cinza metálico das arquibancadas. Vozes brandiam palavras como punhos famintos, gritos que atravessavam pele e carne partindo suas costelas e trincando seu maxilar. 

—Comecem! 

Meu punho explodiu na face do lutador de rua trazendo o primeiro lampejo de sangue da noite. Ele caiu com um baque surdo e carmim nos lábios. Virei-me para o praticante de judô, mas ele seguia na direção de Marcus Feliciano com passadas naturais, firmes e gesticulando com as mãos enquanto disparava palavras que não discerni. O sujeito grande e negro olhava para mim com um sorriso quieto, apenas uma contorção dos lábios. Aquele homem tinha uma presença forte, tanto pelo porte quanto pela expressão, e eu fui de encontro a seu desafio logo que a primeira saraivada de gritos frenética da plateia findou após a queda do homem que acertei. Porém uma mão tocou meu ombro, puxando-o violentamente antes que eu desse o segundo passo, e vi a cor sumir num clarão negro.

Durou um instante, mas assim que o mundo retirou seu manto negro a dor explodiu na minha cabeça. Outro golpe seguiu aquilo. Uma joelhada, e outra, lançadas contra meu estômago como porretes de aço, a gola da minha caimsa foi pega e as mãos do agressor acabaram me arremessando ao chão enquanto meus pulmões tentanvam desesperadamente conseguir ar. Acima de mim o lutador de rua observava com o rosto contorcido pela fúria. Aproximou-se de punhos cerrados e boca a gotejar sangue. Ergueu o pé sobre minha cabeça, a bota enlameada brilhando maliciosamente e um bradar excitado vindo da plateia juntamente a rajada de vento fria da noite. E então a baixou.

Rolei para o lado e forcei-me a enxergar além do torpor da dor. O inimigo estava ali e dos seus lábios pendia um líquido rubro, um inchaço em desenvolvimento e um montante de xingamentos por dizer. E se aproximava a passos apressados naquele exato instante. Ergui-me num impulso, mas os danos haviam afetado minhas pernas, não pude fazer muito mais que ficar de pé. O punho dele veio na minha direção como um flash. Levantei a guarda, porém, o impacto ainda fez com que recuasse alguns passos. Ele continuou socando e enviando-me para mais próximo das linhas laterais. Seu ritmo não era o mesmo em todos os golpes, mas não possuía mais que quatro variantes que seguiam uma atrás da outra, o que o fazia tão regular quanto qualquer outro. Bastava esperar mais um pouco para que as pernas voltassem a responder como se deve e a luta acabaria. Um arranque após o direto, largo um direto no estomago dele e quando o ver curvar-se arranco a cabeça do sujeito com um upper.

 Mas o lutador de rua escorregou caindo de barriga para cima largando uma praga durante a queda. Foi aí que senti que talvez houvesse mesmo um deus e que, sendo esse o caso, ele estava do meu lado. O homem contra quem lutava moveu-se depressa e quase conseguiu pôr-se de pé antes de meu upper lançá-lo furiosamente de volta ao chão com uma cortina de sangue acompanhando o trajeto. A plateia aplaudiu como se estivessem num show. Olhei para eles, seus rostos sorridentes e alegres, e me senti aliviado em saber que não sentiria remorso quando aqueles apreciadores de batalhas até a morte fossem acorrentados. Se eram mais que isso, eu realmente apreciaria não saber e continuar satisfeito com a ideia de serem punidos.

A alguns metros dali uma batalha mais feroz se desenrolava, com trocas de golpes velozes e movimentação intensa. Marcus Feliciano defrontava o homem negro e comprido sendo sobrepujado pela diferença gritante de alcance e a arma extra que um boxeador não possuía. Chutes. Ele lutava para encurtar a distância, usando de esquivas laterais que faziam os  punhos rasparem pela ponta de sua orelha, mas assim que entrava a perna do adversário acertava-o com velocidade e potência arrepiantes, ele aproveitava o impulso e movia-se para o ponto cego do campeão dos pesos super leves, afastando os combatentes de volta à posição inicial. Sem um corner ou limitações de espaço aproveitáveis, aquele se mostraria um desafio infernal para Marcus Feliciano. 

De repente a adrenalina abandonou meu corpo e a dor puxou-me como uma amante insistente. Mas não pude tirar os olhos da dança de punhos e pés enquanto sangue e suor eram lançados ao ar. As palmas vindas da arquibancada seguiam os diretos que colidiam contra a guarda e os chutes que gritavam ao acertar a pele sobre carne. Aquilo soava a uma batalha que duraria até o raiar do sol, tempo o suficiente para que as portas fossem arrombadas por centenas de homens armados. Porém não estava satisfeito com isso. Aquele que lutava havia me vencido, aterrorizado e se erguido com uma nova vitória para sua brilhante coleção, não lutar agora faria com que todas essas coisas continuassem a me assombrar de seus túmulos no passado. 

Fechei os punhos, mas não sai do lugar. Não podia simplesmente entrar no meio da luta. Minha barriga se contorceu e minha boca engoliu em seco, até mesmo meus dentes pareciam forçar-se um sobre o outro. Mas não podia entrar no meio da luta. E se entrasse seria acertado tantas vezes que mesmo o hospital não seria um destino para mim. Estava observando grandes e poderosos golpes sendo desferidos, esquivados e defendidos, mas não conseguia encontrar brechas nas quais acertar um counter ou maneiras de acertar a distância e conseguir um nocaute sobre a resistência monstruosa que ambos demonstravam. Era simplesmente mais fraco que eles. Pensar nisso só fazia meu estômago se embrulhar mais.

Sempre me chamavam de fraco nas ruas e, depois que saí delas pego por um policial e arrastado até uma instituição para fedelhos sem pais, continuou a ser assim, mas eu nunca havia sentido a verdade sob essas palavras, mesmo não duvidando, até hoje. Sou incapaz de esquivar daqueles punhos e de ferir algum dos dois, deixar a luta seguir seu próprio rumo era a opção mais sensata. Mas depois que dei o primeiro passo meus pés não pararam diante de nenhum argumento.


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Notas finais do capítulo

Good night!



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