A Aranha na Teia escrita por Elvish Song


Capítulo 11
Maior do que qualquer missão


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!!!! Voltei! Sei que estou super atrasada, mas o último mês e meio foi barra, entre trabalho e faculdade. Bom, finalmente estou aqui, e só posso agradecer profundamente a todos que participam, lendo, comentando... Vocês são demais!
E como tem um assunto que confundiu algumas pessoas, por só ser mencionado em alguns diálogos, aqui vai a explicação sobre a Lucy:
Ela tem genes mutantes, e o soro da Black Widow em seu corpo, o qual acelera o metabolismo e promove o aprimoramento ao máximo do organismo. Isso, somado às mutações da própria Lucy, fazem com que ela cresça duas vezes mais rápido do que o normal. Então, a menina tem 3 anos e meio de vida, mas seu desenvolvimento físico corresponde a uma criança de 7 anos. Sua mente é um pouco mais complicada, pois seu emocional equivale a seus 7 anos de desenvolvimento, mas a capacidade de raciocínio e compreensão, devido ao estímulo constante da telepatia, que a expõe o tempo todo a novos conhecimentos, é ainda mais avançado - no momento, por volta dos 10-12 anos. Espero que não pareça muito confuso, e se tiver ficado pouco claro, podem pedir mais informações nos comentários, ok?

Sem alongar demais, vamos à história!

Alguém se arrisca a dizer ao que o título se refere? Apostem, e confiram ao longo do texto!
Boa leitura!



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Quatro meses depois

Natasha levou o pulso à boca, murmurando em tom quase inaudível, enquanto se mantinha suspensa na quina das paredes do armazém, entre a tubulação de ferro oxidado e o concreto áspero que lhe servia de apoio.

— Meninos, eles estão aqui dentro. Podem criar a distração. – A procura por outras bases da HIDRA e a busca pelo Cetro os levara até o Oriente Próximo, em recantos perdidos ao sul da Turquia, por onde passava uma rede de tráfico de armas e pessoas. As Crianças de Nuremberg certamente haviam sido, ao menos até o momento, os maiores sucessos da experimentação em seres humanos, mas nem de longe os únicos. Como Romanoff bem sabia, este era um ramo antigo e firmemente solidificado nas estruturas da organização. Assim como a promoção de atos terroristas e disseminação do caos.

As pistas os haviam levado àquele armazém, por onde passava boa parte dos carregamentos bélicos, e que servia como ponto de encontro por estar fora do radar. Havia mais no subterrâneo - nada tão grandioso quanto na divisa do Canadá, é claro, mas não menos digno de nota por isso – em instalações e informação. Principalmente o abrigo antiaéreo de onde as operações regionais eram coordenadas, e onde a espiã sabia que encontraria pessoas capazes de os conduzir à próxima etapa. Bom. Estava ficando cansada do jogo de perseguição, ainda que houvessem tido vitórias sucessivas contra a organização.

— Avise quando descerem: vamos colocar tudo abaixo. – Soou a voz de Thor no comunicador.

— Vamos ser rápidos: não podemos ficar aqui tempo demais. Capturamos Mehmet e o levamos para o quinjet. – Foi Clint quem falou, seguro por um cabo ao teto, do outro lado do vão. Olhando para Natasha, piscou duas vezes e a viu mover minimamente a cabeça em concordância. Hora de agir. – Estamos indo.

A dupla se soltou de seus apoios e caiu em pé silenciosamente, avançando como um par de leopardos até as sentinelas mais próximas, que sequer tiveram tempo de ver quem ou o que partiu seus pescoços antes de ir ao chão, sem vida. Ocultando-se por trás de pilhas de caixas, avançaram um por cada lado em direção ao fim do armazém, deixando atrás de si um rastro de destruição. Estavam no final do caminho quando alarmes começaram a soar, indicando que Thor, Tony e Steve se haviam feito notar. Mesmo em lados opostos, os dois espiões usaram os ganchos de seus cintos para se içar fora do caminho dos mercenários que saíam como um batalhão de formigas, munidos de armamento pesado. E uma vez que não é um hábito humano olhar para cima, sem um motivo, Romanoff e Barton conseguiram avançar pendurados por mãos e pés nas tubulações, até sair do alcance da visão dos traficantes.

Era uma corrida contra o tempo, pois precisavam chegar ao bunker e invadi-lo antes que as portas se lacrassem! A necessidade fez Natasha ignorar a prudência e saltar para o chão, mesmo com alguns homens ainda circulando; encontraram todos a morte nas balas da espiã, a qual usava as paredes habilmente para se impulsionar por cima dos oponentes, saltando por sobre suas cabeças. Virou a última esquina a tempo de ver um turco alto e forte puxando a pesada porta de metal maciço, já quase fechada; a mulher preparou seu gancho, mas, do outro lado, Clint fora mais rápido: uma flecha ligada a um cabo atravessou o pescoço do homem, derrubando-o no caminho da porta e impedindo que esta se fechasse.

—  Mandou bem. – A mulher se espremeu agilmente pela abertura estreita, seguida com alguma dificuldade por Barton, começando a saltar os lances de escada que seguiam cada vez mais para o interior da terra. Não era um lugar especialmente grande, mas não fora construído com esse propósito, afinal; os depósitos de armas da época da Guerra Fria haviam sido construídos mais fundo, nas montanhas pouco mais ao sul.

Ainda nas escadas, o arqueiro e a espiã se abaixaram ao ouvir o ribombar de botas vindos em sua direção. Trocaram um de seus olhares e assentiram, Clint pegando seu arco e lançando uma flecha de fumaça que obscureceu a visão aos pés da escada, dando a ele e à parceira tempo de descer em um movimento sincronizado, direto sobre os oponentes. Os tiros eram disparados sem precisão devido à névoa espessa, enquanto os dois assassinos davam cabo dos seis homens.

— Pegue nosso alvo. – Falou Barton, esmagando o rosto de alguém com o cotovelo, e atirando em outro. – Eu cuido, por aqui.

— Evite pancadas no rosto: não combina com os seus olhos. – Natasha deixou escapar, antes de eletrocutar mais um adversário e rolar para longe. Não demorou para ouvir Clint vindo atrás de si, porém encontraram novo obstáculo em seu caminho pelos corredores estreitos... Doze homens e mulheres extremamente bem armados, com proteções pesadas, fuzis e facões nada amistosos. Ah, sim... Mercenários de elite. É claro que haveria mercenários de elite. – Pegue os da direita.

Clint assentiu, mas um ruído atraiu a atenção de Natasha, fazendo-a se virar; e ali, atrás de ambos, estava uma mulher com cerca de um metro e noventa, atlética, cabelos castanhos cortados curtos, com músculos que fariam inveja a muitos agentes homens da SHIELD... Seu equipamento era semelhante ao de Natasha, porém usava facas enormes em lugar dos bastões elétricos da Viúva Negra. Der’mo...

— Estávamos esperando, Agente Romanoff. – Disse a mulher, dirigindo-se então aos mercenários. – Cuidem dele. A Viúva Negra é minha. Querem ambos vivos. – Um sorriso de escárnio percorreu seus lábios finos. – Vivos. Não necessariamente inteiros. – Algo explodiu, e Natasha soube que Clint explodira uma das próprias flechas bem diante de si, para confundir os oponentes. Ato contínuo, a Viúva Nega se voltou, sabendo que o amigo usara o arco para se erguer no ar e saltar, e atirou os dardos venenosos dos Ferrões nos quatro primeiros mercenários das filas. Gastou toda a sua carga de veneno, é fato, mas agora Clint tinha apenas oito para lidar. Foi o tempo justo para se inclinar para trás até seus ombros quase tocarem o chão, antes de um facão cortar o ar onde segundos antes estivera sua cintura! Desconfiava que “vivos” era apenas uma recomendação, não uma exigência...

Ao contrário da maioria dos oponentes grandes e corpulentos, a adversária de Romanoff era ágil, veloz e tinha excelentes reflexos; se Natasha fosse apenas um pouco maior, os facões a teriam atingido em cheio diversas vezes! Suas manobras acrobáticas eram pouco úteis contra uma adversária tão alta e munida de armas de médio alcance, obrigando a russa a trazer o próprio estilo de luta para o chão. Seus ataques eram velozes e contínuos, tentando eletrocutar a morena, porém encontrando-se em situação de equilíbrio de forças com ela. Mais além, analisando o estilo de luta da outra, a Viúva Negra percebia influências de seu próprio estilo, e habilidades rudimentares baseadas nas suas... Aquela mulher fora aprimorada com o mesmo tipo de soro e treinamento que ela. Talvez não com o mesmo tipo de sucesso, mas eficaz em torná-la rival à altura!

— Como foi o procedimento? – Romanoff recuou, bloqueando cada faca com um de seus bastões, tencionando distrair a outra com memórias desagradáveis e dolorosas. E não havia palavra melhor para descrever a infusão e efeito do Soro do que “dor”. – Você já era grandona, ou ganhou corpo? Se mudou sua estrutura, deve ter sido um inferno. - Um momento de distração permitiu que a espiã alcançasse as escadas, usando o terreno mais alto como vantagem. Saltando, aterrissou sobre uma das lâminas, aproximou-se velozmente da outra e atingiu seu rosto com o cotovelo; ato contínuo, girou e golpeou o braço que ainda segurava a outra faca. A outra reagiu depressa, deixando o golpe dobrar seu cotovelo para dentro, sem soltar a arma: a lâmina passou ao longo de todo o flanco de Natasha, apenas não penetrando devido à blindagem da roupa.

Ante a falha, e sentindo o peso da outra em suas costas, junto com um soco pouco acima dos rins que arrancou todo o ar dos pulmões de Romanoff, a agente colocou toda a sua força em uma segunda cotovelada que esmagou o nariz da outra, obrigada a recuar. Aproveitando-se do atordoamento, Natasha saltou, desviando o facão com seu bastão direito e envolvendo as pernas no pescoço da outra. Um giro, e colocou-a no chão, mas as mãos enormes e poderosas agarraram suas panturrilhas, impedindo-a de se esquivar. Em vez de lutar para escapar, a outra as rolou no chão, ficando por cima. E apesar do aperto em seu pescoço, que a deixava mais e mais fraca, golpeou incessantemente as costelas da ruiva, a qual podia sentir gradualmente o enfraquecer da oponente, e imprimiu ainda mais força nos joelhos. Um segundo depois, o corpo enorme subitamente amoleceu e caiu sobre a espiã, que apenas conseguiu vislumbrar a ponta de uma flecha saindo pelo topo do crânio do ora cadáver.

A russa rolou a morta para o lado a fim de fugir do peso, sentindo suas costelas gritarem em protesto ao fazê-lo. Bem, teria de ignorar isso, por ora. Livre, colocou-se em pé e correu em se colocar ao lado de Clint. Parte dos oponentes que ele enfrentava – cinco, agora – desviou a própria atenção para a nova combatente, que usou a parede para se lançar no ar por sobre o grupo, aterrissando suave e velozmente no chão, uma das facas tomada à rival morta na mão esquerda girando pra cortar os tendões dos dois indivíduos à sua frente. Um foi esfaqueado no tronco, e o outro eletrocutado antes de atingirem o chão. Clint aproveitou a folga que isso lhe deu e liquidou mais um adversário apunhalando-o com a flecha, a qual encontrou lugar na garganta do segundo; com um murro forte, desorientou o último inimigo em pé, o qual Natasha finalizou.

— Você está sangrando. – A espiã apontou, percebendo um largo corte no flanco do amigo. Sem esperar, rasgou tecido das calças reforçadas de um dos cadáveres e o utilizou para envolver o torso de Barton, ignorando seus protestos. – Já fez o suficiente, Clint. Vou pegar nosso cara, e damos o fora daqui. – Ela pressionou o próprio comunicador. – Tony, o que quer que estejam fazendo aí em cima, acelere. Clint levou uma facada, precisa ser retirado agora.

— Estou descendo, Romanoff. – A voz do Homem de Ferro soou nos comlinks de ambos, e a careta de Hawkeye falou mais que vinte frases. A despeito disso acabou por anuir e concordar com a espiã: não fora apenas um corte largo, mas uma facada profunda; não parecia ter atingido o pulmão, mas o fígado não estava fora de cogitação...

— Nat, tome cuidado.

— Cuidado você. – Ela pegou um fuzil e o entregou nas mãos do parceiro. – Atire em qualquer coisa que se mexa. Se for o Tony, não vai atravessar a armadura. Encontro vocês lá em cima. – Ela apertou levemente o ombro do amigo e seguiu pelas galerias, munida de suas pistolas, do facão e de uma AK.

Por três vezes ela se deparou com uma dupla de mercenários de guarda, porém estes mal tiveram tempo de ver o que os acertou. Pois se preparavam para enfrentar as armas visíveis, mas o que realmente os desarmou e aniquilou foram os ferrões elétricos da Viúva Negra, bem como seus golpes letais. Os tiros foram apenas a finalização. Finalmente, chegou ao âmago daquele pequeno labirinto, onde seu alvo se ocultava; não parecia amedrontado, mas tampouco a recebeu com o deboche comum a muitos inimigos. Não, dificilmente alguém da HIDRA receberia a Black Widow com deboche, às custas das próprias vidas.

— Devia imaginar que nem os mercenários a iriam parar. – Foi o comentário de Mehmet, ao erguer as mãos ao lado da cabeça. Natasha não caiu no gesto de rendição:

— Largue a bomba, Mehmet. – Ela viu a pontada de raiva e frustração nos olhos do homem, que baixou as mãos e removeu o colete, revelando diversos explosivos atados ao próprio corpo.

— Está ligada na minha carne, agente. Se meu coração parar, ela explode. Se eu apertar este botão – Ele indicou o círculo vermelho na base do próprio pescoço – Ela explode. E se uma corrente elétrica percorrer o equipamento... – Suas palavras foram interrompidas por um avanço veloz da ruiva, cujo pulso bateu contra sua nuca, disparando uma descarga forte o suficiente apenas para desacordá-lo.

— Ela explode. Sim, eu pude supor. – Completou a russa, cuidando de erguer o homem em suas costas, sem colocar peso no colete de explosivos. – Como eu odeio esse lance de suicidas. – Carregar um homem adulto, mais dez quilos de equipamento acoplado a seu corpo, foi uma experiência desagradável, para dizer o mínimo. Não pelo esforço, mas devido às costelas indubitavelmente quebradas que lhe faziam perder o fôlego a cada degrau. – Depois que você piar, eu mesma vou te explodir, filho da mãe.

Para a felicidade da espiã, o armazém acima provavelmente já fora destruído, uma vez que Steve e Thor a aguardavam ainda nas galerias subterrâneas; o asgardiano imediatamente pegou cuidadosamente a perigosa carga de Natasha, que alertou:

— Se alguma carga elétrica percorrer o colete de bombas, elas explodem. Tome cuidado, Thor.

O deus assentiu e começou a carregar Mehmet para fora, enquanto Steve analisava o modo da parceira caminhar e a erguia nos braços. Natasha não protestou: Steve não estava sendo cavalheiro, mas acelerando a saída dali. 

*

Chegar em casa nunca parecera tão bom: durante o ataque ao armazém, havia sido necessário um Código Verde, e acalmar o Hulk exigiu toda a lábia de Natasha, que aos poucos conseguia desenvolver uma técnica para lidar com o gigante e trazer o doutor Banner de volta. No caminho, ela e Steve haviam ajudado a consertar o estrago da facada em Clint, que felizmente não tivera nenhum órgão vital atingido, mas perdera muito sangue e precisara de uma transfusão na qual Rogers fora o doador. Enquanto isso, Tony desligara as bombas do corpo do terrorista e as removera, mantendo o cativo sedado. Iriam entregá-lo à SHIELD, mas apenas depois de conseguirem as informações desejadas.

Após os cuidados com Barton, Romanoff se sentara novamente no banco lateral que ocupava inicialmente, claramente preocupada, e Steve se sentou ao seu lado; sabia o quanto a companheira amava o arqueiro, e a máscara inexpressiva que vestia não era o suficiente para o soldado não notar os detalhes que a denunciavam: uma minúscula contração para baixo, no canto dos lábios, de tensão e algum medo. Olhos no chão, eventualmente fugindo para observar o parceiro por breves segundos, fixando-se nele apenas quando o próprio Clint iniciava o contato visual, geralmente com alguma piadinha idiota que arrancava da russa um revirar de olhos e imperceptível sorriso de alívio... Somado a isso tudo, seus olhos não brilhavam, mas estavam enevoados de cansaço, levemente toldados de dor. A mulher nunca deixava de surpreender Steve com a própria força, mas também com a vulnerabilidade existente sob centenas de barreiras e armaduras erguidas ao longo de... O que quer que houvessem feito a ela, ao longo de noventa anos.

Sentando-se ao lado dela, ele próprio não se sentindo em sua melhor forma, após quase uma semana em campo, Rogers encostou a própria mão à dela, aguardando pela aceitação do toque. Mais além do que apenas não se afastar, Natasha deslizou os dedos para sobre os dele, suspirando com um leve sorriso de canto:

— Você está péssimo, Capitão. – E apesar do tom de troça, ela não brincara: coberto de fuligem, com hematomas e arranhões, os cabelos escurecidos de suor e cinzas bagunçados e grudados à cabeça, ele realmente parecia saído de uma demolição por explosões. Mesmo dolorida e cansada, preocupada com Clint (não que Clint fosse morrer, isso era simplesmente uma hipótese jamais considerada por sua mente, independente de quão feios fossem os ferimentos que levasse) e antecipando mentalmente o trabalho que precisariam realizar ao chegar, a espiã não podia deixar de ler Steve como páginas claras de um livro. Os olhos de azul iridescente, como os mares da Grécia, tinham cansaço e preocupação em si, enevoados com a sensação mista de dever cumprido e o sabor agridoce da vitória às custas das vidas que tiveram de tomar. Ela o conhecia. Sabia dos pesadelos com a Guerra. E sabia o quanto isso tudo o lembrava da Guerra. Não, Steve não estava bem, ainda que fosse morrer antes de admitir, e talvez por isso se dessem tão bem: eram parecidos em mais coisas do que seria possível imaginar. A prova disso foi o moço apertar de leve sua mão e dar um meio sorriso ao dizer:

— É só fuligem. Estou bem. – Ele fitou Clint, mais aliviado ao ver o amigo com os ferimentos tratados e fora de risco. – Acho que todos estamos um pouco quebrados. Como estão suas costelas?

— Já tive piores, não se preocupe. Amanhã ou depois estarão curadas. – Ela cruzou as pernas sobre o banco. – Não esperava que houvessem usado o soro da Black Widow fora da Sala Vermelha. – A fala foi mais para si do que para Steve, e por um momento ela se recriminou: nunca entrara em detalhes sobre o próprio passado, e não pretendia fazer isso, agora. Não porque não confiasse no americano, mas simplesmente porque... Há coisas que é melhor não saber. Coisas que não mudariam nada entre eles, mas eventualmente causariam no companheiro desconfortos mais do que desnecessários.

Rogers encostou a cabeça lateralmente na de Natasha, e ficaram em silêncio por algum tempo, ambos conscientes do que o outro pensava: não precisavam falar para entender que aquela corruptela do soro da Viúva Negra – corruptela, pois fora administrado em alguém sem o rígido treinamento das espiãs de elite da KGB, e provavelmente em dose menor e única – viera não do que restasse da SV, mas das amostras coletadas da russa em Nuremberg. Ela evitara pensar em quantos indivíduos poderiam ser aprimorados ou criados a partir daquela quantidade ínfima de DNA, mas a verdade é que não importava a quantidade: pelo refinado processo de PCR, poderiam replicar o material quantas vezes quisessem. A noção apenas fazia Romanoff querer caçar e destruir mais depressa cada indivíduo da HIDRA. Porém, não havia o que pudesse fazer naquele exato momento, de modo que os pensamentos da ruiva se voltaram para um futuro mais próximo: a chegada em casa. Mas foi de Steve que veio o primeiro comentário:

— Creio que devamos deixar Lucy dormir na casa de Peggy, hoje. Ela sabe o que fazemos, mas entre saber e nos ver nesse estado, bom...

— Sim. Ela já tem traumas e preocupações o suficiente, sem nos ver com ossos quebrados, cortes, e o padrinho esfaqueado. – Todos os Vingadores tinham um acordo não-verbal de proteger Lucy daquele aspecto de suas vidas o máximo possível. Sim, havia coisas das quais a pequena precisava tomar conhecimento para sua própria segurança, mas nada além disso. Não que realmente fosse possível esconder algo dela, mas a garota entendia a intenção de sua família e, acima de tudo, respeitava os limites de suas mentes, sem invadir memórias ou buscar informações por si mesma, ao menos nos pensamentos alheios. Pensando na filha, a espiã buscou o celular nos fundos do jato e discou o número do telefone da pequena.

— Mama!!! Você voltou?! Pegou os homens maus? – A vozinha dela ecoou com empolgação do outro lado da linha.

— É claro que sim, malishka. Estou quase chegando em casa. E você? Dando muita dor de cabeça para a Pepper?

— Eu sou um anjinho! Vovó Peggy está de prova! Tia Pep me deixou dormir aqui, ontem e hoje.  – Protestou a menina, rindo baixinho. – Quando vocês chegam? Estão todos bem?

— Bastante cansados, e talvez com um ou dois ossos fora do lugar certo, mas todos vivos. Ainda vai ter de nos aturar por muito tempo. – Natasha brincou, e ia continuar, quando Lucy a atalhou:

— Não tem que se sentir mal por estar cansada demais para vir me pegar de carro, mama: foi quase uma semana em campo. Eu já ia dormir aqui, hoje, porque achamos que iam demorar mais, e você e papa precisam descansar.

— Agora lê pensamentos pelo telefone? – Foi Steve quem perguntou, sorrindo, aproveitando-se de a chamada ter ido para o viva-voz.

— Só sei como vocês voltam do trabalho, papa. Alguém se machucou muito? Digo... Mais que o normal?

— Estão todos bem. Alguns pontos aqui ou ali, umas poucas costelas machucadas. Nada com que se preocupar, malen’kaya. Como você está?

— Mama, estou bem. – Insistiu a menina, com voz doce. – Sharon é de confiança, e a vovó Peggy tem a própria segurança. Sabe que adoro ficar aqui, e ontem até consegui convencer a tia Hill a me atualizar da missão de vocês.

— Lucy... – Steve chamou em tom de censura. – Sabe o que pensamos de se meter nos assuntos dos Vingadores.

— Eu só queria saber se tinha alguma notícia ruim que estivessem escondendo. Mas agora vocês estão de volta, e não preciso mais me preocupar. É justo, não acha? Quero dizer... Por que eu tenho que ficar no escuro, sem saber como a minha família está?

— Já chega, mini-mim. – Natasha quase riu do atrevimento da filha. – Você é uma coisinha enxerida, mas entendi seu ponto. Se não passar disso, está tudo bem. Vamos pousar logo, então vou desligar. Cuide-se, e não enlouqueça Sharon.

— Prometido. Amo vocês.

— Também te amamos. – Foi Steve quem respondeu, mas o rosto de Natasha era suficiente para dizer a todos no avião que o Capitão falava por ambos. – Até amanhã, princesinha.

— Até amanhã, papa, mama. Estou com saudades.

— Nós também. – Natasha desligou e revirou os olhos com divertimento. – Pirralhinha abusada.

— Com quem será que ela parece? – Perguntou Tony, agora sentado à cadeira do piloto.

— Ah, me poupe, Stark... – Natasha saiu de seu lugar, ignorando o riso baixo de Tony, e foi à maca examinar Clint mais de perto. – Consegue vir para as poltronas, Clint?

— Nat, eu lutei com esse negócio aberto. – Respondeu o arqueiro, apoiando-se nos braços para erguer o tronco, sem contudo recusar o apoio fornecido pela amiga ao ficar em pé. Não colocou seu peso nos ombros dela, mas usou-a como ponto de referência para manter o equilíbrio até se sentar e fechar o cinto. – Obrigado.

A espiã apenas apertou fraternamente o ombro de Barton e voltou para a própria poltrona, fechando seu cinto enquanto o quinjet perdia altitude. Fora um voo estranhamente silencioso, o de retorno, e os seis Vingadores mal podiam esperar para se encontrar cada um nos próprios aposentos.

*

Natasha acordou ao sentir Steve se agitar ao seu lado; ainda sonolenta, levou a mão a seu ombro para acalmá-lo – pesadelos eram outra coisa que partilhavam, em suas vidas – mas, tão logo o tocou, o soldado se levantou com um grito que fez a espiã saltar para o outro lado do quarto, por reflexo. Ao ver que o namorado se encontrava ainda preso no pesadelo, debatendo-se como ela não se lembrava de já tê-lo visto fazer, aproximou-se com cuidado e o imobilizou de bruços contra a cama, chamando-o:

— Steve, é só um pesadelo! Acorde!!! – Terror noturno em um homem com a força de Rogers só poderia resultar em catástrofe, se não contido! Mesmo ela mal conseguia segurá-lo, as mãos escorregando seu aperto dos pulsos dele; se forçasse o ângulo do braço um pouco mais, quebraria seu braço, mas não conseguiria segurar por muito mais tempo sem aplicar maior torque. – STEVE, ACORDE!

O grito o arrancou subitamente do sono, fazendo os olhos cor de safiras se abrirem e quase de imediato adquirirem lucidez. Tão logo o corpo do companheiro relaxou, ela o soltou e rolou de cima dele, ajoelhando-se ao seu lado com preocupação.

— Nat? – O loiro ainda se encontrava ofegante e ligeiramente trêmulo ao esfregar o rosto, sentando-se, banhado em suor frio. – Machuquei você?

— Não, eu estou bem. – A ruiva pousou a mão em seu rosto, preocupada. – Com o que estava sonhando?

— Com a guerra. – Os olhos do soldado se turvaram com lembranças desagradáveis. – As explosões e os gritos, ontem... Bom, todo temos fantasmas. – Romanoff meneou a cabeça negativamente, antes de se erguer e abrir o armário de Rogers, escolhendo uma camiseta e shorts e jogando-os sobre ele.

— Não use minhas esquivas contra mim, Steve. Vamos: gastamos um pouco de energia na academia enquanto você se acalma. – Sempre que acordava dos pesadelos, desde que fora descongelado, o americano fugia para áreas de treinamento a fim de esgotar o próprio corpo e tentar se esquivar às memórias. Fora assim que a espiã descobrira sobre os pesadelos dele, aliás: numa noite em que usara a mesma estratégia, na SHIELD, e haviam se encontrado no ringue.

— Nat, você está com as costelas quebradas... – Ele já não sabia por que ainda insistir, mas tentar cuidar da namorada era um instinto. Se Natasha achava que ia lutar contra ela, hoje, podia tirar o pônei da chuva: não seria ele a atrasar mais a recuperação das fraturas, ou mesmo piorá-las.

— Não precisa me socar: pode descontar nos sacos de boxe. Mas vou descer com você. – Ela própria colocou vestiu uma camiseta do namorado sobre a roupa de baixo se escorou no batente, observando-o. Havia vários hematomas, pequenos cortes e esfoladuras pelo torso e pernas, todos já em processo de cicatrização. Sumiriam ainda mais rápido que os dela, felizmente, mas a russa não conseguia se impedir de torcer levemente o canto da boca, em desagrado. Não gostava da ideia de Steve machucado, porque isso a lembrava de que ele também era mortal e, tanto quanto Clint, poderia morrer em campo. E tanto quanto o arqueiro, Rogers não era uma vida da qual se sentisse pronta para abrir mão ou aceitar a morte, restando apenas a negação.

O elevador abriu as portas e as luzes automáticas se acenderam enquanto a dupla ia para os pesos de boxe, sem se preocupar em enfaixar as mãos antes de se pôr a golpear os sacos; Steve se sentia mais calmo pela presença da espiã, mas as memórias ainda estavam ali, e ambos sabiam disso.

— Quer ficar sozinho? – A espiã via o homem se conter nos golpes, e imaginou se sua presença não o inibiria um pouco. Contudo, assim que se afastou, a mão de Steve se fechou em seu pulso.

— Por favor, Nat, fique. – Ele a encarou timidamente, quase receoso de parecer tão vulnerável diante dela. – Você entende, mesmo que eu não saiba como ou o porquê.

— Eu entendo. – Natasha o abraçou de modo nada semelhante aos momentos de paixão ou quando o provocava. Era um abraço terno, de conforto e compreensão. – Não está sozinho, Steve. – O soldado retribuiu ao abraço, relaxando um pouco ao pousar a testa contra a cabeça da mulher a quem amava. Ficaram em silêncio por alguns segundos antes que respondesse:

— Eu sei. – Ele a se afastou e encarou os olhos verdes dela. – Você já esteve em guerras, antes. – Era uma constatação, não uma pergunta. Algo escrito nos olhos da espiã, onde havia a mais pura compreensão, e não a compaixão curiosa de quem apenas quer ajudar, mas nunca vivenciou os sentimentos do outro. Não. Ela sabia.

— Já. Não como um soldado, mas já. – Ela hesitou por um momento, e então prosseguiu. – Você tem várias semanas boas, em que consegue dormir sem ouvir os gritos, ao ponto de pensar que finalmente superou. Então alguma coisa acontece, e todo eles estão lá, de novo. Seus fantasmas, seus demônios. Nunca vão embora, porque são parte de você. – Também não havia o menor indício de indagação. Ela o puxou consigo para o chão e se sentou diante do americano. – Com o que estava sonhando, Steve? Já te vi ter pesadelos, mas nunca um assim.

Os olhos do loiro se tornaram levemente mais brilhantes, com a sombra de um lacrimejar, rápida demais para afirmar com certeza que ocorrera, antes de ser varrida por um bater das pálpebras. Ele não era o tipo que se abria... Mas Natasha também não era e, no último ano, vinha aos poucos se revelando. Podia retribuir essa confiança. Contudo, a fim de tornar um pouco mais leve o momento, deu um leve sorriso e propôs:

— Se eu te contar, vai me dizer em que guerras esteve, e quando nasceu? – Já não acreditava que Natasha tivesse a idade que aparentava. A essas alturas, acreditaria em qualquer coisa que ela dissesse.

— Que falta de cavalheirismo, Rogers. Perguntando a idade de uma dama. – Ela debochou baixinho, mas então anuiu. – Justo.

Steve comprimiu os lábios e se perdeu em pensamentos por alguns instantes, antes de finalmente começar:

— Geralmente eu sonho com a Guerra. Com os dias em que liderei o Comando Uivante. Cada um daqueles homens valia dez de qualquer outro que conheci depois, e faria tudo de novo, porque foi a coisa certa. Mas a guerra traz o que temos de pior em nós... Às vezes, no calor do combate, todos os rostos eram apenas máscaras de raiva, e apenas o uniforme podia diferenciar aliado de inimigo. Era nessas horas que tudo ficava pior: quando tudo o que diferenciava os soldados era a cor de seus uniformes. Podiam ser boas pessoas, lutando por algo em que acreditavam; até onde eles sabiam, nós éramos os vilões. E mesmo que eu soubesse exatamente quem os comandava... Bom, nunca gostei de tirar vidas. Mas não me alistei porque gostasse; era só a coisa certa a fazer.

Natasha sabia do que Steve falava. Mesmo sendo uma criança, à época da Segunda Guerra, ela fora inspirada pelos heróis soviéticos, especialmente pelas Snippers de elite e pelas Night Witches, proclamadas na União Soviética como heroínas incontestáveis, dispostas a dar tudo por sua pátria. Mulheres cujos nomes e histórias fizeram-na mais e mais patriótica, mais disposta a se tornar como elas e a dar tudo o que seu país precisasse. Não importava por quais meios, ela faria qualquer coisa para ser como tais heroínas; ante tal sentimento, as torturas e abusos se tornavam mais suportáveis, apenas meios para um fim. Não estivera pessoalmente na Segunda Guerra, mas fora treinada como snipper pela própria Lyudmila Pavlichenko, umas das maiores snippers, com mais de trezentas mortes confirmadas no front, incluindo snippers inimigos enviados para matá-la. E a despeito de a SV ser o Inferno na Terra, ela aceitava o sofrimento de bom grado, porque tornava-a forte para fazer “a coisa certa”. Ainda que futuramente viesse a discordar diametralmente do que tais palavras significavam...

— Você disse que geralmente sonha com isso. Mas e hoje?

— Os sonhos foram mais vívidos. Quase sempre são embotados e em flashes, mas hoje... Eu estava lá, de novo. Vendo meus amigos serem feridos ou mortos. Vendo Bucky cair... – Os olhos azuis estavam vagos e preenchidos por uma dor além de palavras. – Parece estúpido estar de luto por algo que aconteceu há setenta anos mas, para mim, foram só alguns meses. – Steve respirou fundo e se ergueu, mãos em punho apoiadas nos quadris. Falar ajudara mais do que esperava, e com certeza mais do que socar os pesos de boxe costumava. – Ele não era apenas meu amigo, Nat. Era como meu irmão. Ele e eu éramos como você e Clint. Agora sei que, de alguma forma, ele está vivo, mas não se lembra de coisa alguma, e tem sido usado como arma pela HIDRA... Não sei o que é pior.

— Não foi sua culpa, Steve. – A garganta de Romanoff coçava e ardia com a necessidade de falar o que sabia sobre o Soldado Invernal, mas era tão pouco! Nunca chegara a conhecer Bucky... Conhecera James, o treinador do Projeto Black Widow, o homem sem passado, frio como o inverno russo, sobre o qual nenhuma certeza tivera, até começar a trabalhar na SHIELD. Contar o que fosse apenas causaria mais dor a Steve, e não teria serventia alguma. Assim, como a espiã profissional que era, guardou esse segredo. – Ele não teria ido, se não acreditasse em você. Quando alguém parte para o combate, sabe que pode não voltar para casa, naquele dia. Isso está além do seu controle, do dele, ou de qualquer um. Não foi sua culpa.

— Eu tento me dizer isso e fingir que acredito. – Os olhos de safira se desviaram para um ponto aleatório do amplo recinto, e mais silêncio reinou antes de o Capitão suspirar profundamente, aliviado, e se virar para a companheira. – Agora... Poderia me esclarecer sobre as guerras em que já esteve, e em que época nasceu?

Natasha inclinou a cabeça e sorriu de canto:

— Quando acha que nasci?

— Pelo seu rosto, eu chutaria década de oitenta. Mas com tudo o que já conversamos, tendo ouvido suas histórias, mudo a aposta para final dos anos sessenta. – Ela riu baixo, o que o fez arquear as sobrancelhas. – Errei muito?

Natasha apoiou as mãos no tatame, inclinando-se para trás nos braços estendidos ao responder:

— Eu nasci em 1928, Capitão. Na época da Segunda Guerra, só tive atuação relevante nos últimos dois anos, mas compensei isso estando em muitos conflitos armados ao longo da Guerra Fria. – Ela gargalhou quando o queixo de Steve caiu um pouco. – Surpreso? É: o Soro da Black Widow atrasa o envelhecimento. Eu tinha dezoito, quando o injetaram em mim, e desde então envelheci uns oito ou dez anos, apenas.

Steve sabia sobre o Soro da Black Widow, mas Romanoff sempre fora tão esquiva a falar do próprio passado, que ele nunca perguntara em mais detalhes; agora, tudo fazia muito mais sentido! Nat tinha praticamente a sua idade! Ele não conseguia imaginar como ela fora capaz de desertar após tantas décadas sob o comando da KGB, e tinha noção de sequer começar a entender os detalhes do passado sobre o qual ela odiava falar.

— Espero que só dez anos de diferença não te intimidem demais. – Ela provocou, e apenas por seu modo de desconversar o americano sabia ser um assunto dolorido.

— Seria muito tarde para me arrepender, de qualquer jeito. – Steve sorriu e estendeu a mão para a russa. – Eu te amo, Natasha.

— Estou emocionada, Capitão. – A ruiva lhe lançou um de seus olhares quase travessos ao se erguer sem ajuda. – Ainda não sou artigo de museu, como você.

— É muito descaramento me chamar de fóssil, sendo quase da mesma idade, sabia? Quem tem telhado de vidro não deveria arremessar pedras. – Mas argumentar com Natasha era um jogo que sempre terminava rebatido:

— Já viu meu rosto ou nome em algum museu, Capitão? – Ponto para ela. – Você tem uma ala apenas sua, então... Por essa lógica, é o único fóssil.

— Está sofismando, Natasha. – O casal se dirigia entre provocações e risos baixos para o elevador, o braço dele nos ombros da ruiva, o dela em redor da cintura do soldado.

— Olhe só que rapaz exemplar: frequentou as aulas de filosofia e ainda prestou atenção. Só é um sofisma se puder invalidar um dos argumentos, ou a conclusão lógica tirada deles.

— Um fóssil não deixa de ser um por estar enterrado, em vez de exposto em um museu, correto? Por essa lógica, você é o fóssil que não foi descoberto. – Ele riu baixo e entrou com a Viúva Negra no elevador. – Período Carbonífero? Aranhas gigantes?

— Você é um chato, Capitão. – Se fosse qualquer outra pessoa provocando-a, estaria um pouco irritada, ou no mínimo usando sarcasmo defensivo. Com Steve, bem... Era chumbo trocado, e divertido. – Sente-se melhor?

— Muito. – Ele sorria com a mão livre pousada sobre a mão da ruiva em sua cintura. – Obrigado, Nat. Por tudo.

— Estamos quites, Steve.

*

— Steve, Natasha! Que felicidade rara, ter os dois aqui! – Peggy se levantou da cadeira e foi abraçar ambos, que retribuíram com expressões felizes.

— Peggy. – Steve sorriu e se endireitou. – Muito trabalho cuidar da nossa pirralha?

— Eu sempre quero a minha neta por perto, e vocês sabem disso. – A ex-diretora da SHIELD abraçou a russa. – Romanoff. Vejo que voltou inteira!

— Não tinha você lá para derrubar o meu jato, Carter. – A espiã rebateu com divertimento, antes que uma vozinha de criança vibrando com empolgação os alcançasse:

— MAMA!!!! DAIDÍ!!!! – Só o que viram foi um facho de cabelos vermelhos, e no momento seguinte Lucy se pendurava em ambos, abraçando-os com força. O casal riu e correspondeu ao abraço da garotinha, que terminou e escalar a mãe para ficar no colo. – Senti saudades!

— E por isso no espionou durante a missão? – A mulher ruiva podia até tentar esconder seu orgulho, mas suas tentativas eram nada convincentes. Em resposta à falsa censura, a criança abriu seu melhor sorriso inocente:

— Eu sou filha e neta das duas melhores espiãs do mundo! Estou seguindo a tradição.

Natasha ficou tensa com aquela fala, e seu sorriso morreu enquanto fechava os olhos e respirava fundo, escolhendo as palavras em meio ao calafrio que as frases da criança lhe haviam causado. Morreria antes de ver sua filha trilhar o caminho que ela fizera – não por escolha, é verdade – ou o de Carter. Era um modo de vida cruel e doloroso, que acarretava mais perigos do que se podia mencionar, especialmente para uma mulher! Sabia muito bem disso, pois sentira cada uma dessas consequências na própria pele. Mesmo Peggy tivera sua vida terrivelmente mudada e sofrera inúmeras provações e, por tudo o que houvesse de sagrado no mundo, jamais admitiria que tal fosse o destino de sua garotinha!

— Você não é uma espiã, Lucy, e não vai buscar esse tipo de vida, enquanto eu estiver viva. – Seu tom falou muito mais do que suas palavras, ríspido e duro como nunca havia soado com a filha, cujos olhos ficaram levemente marejados, e o sorriso se tornou uma expressão triste e envergonhada. Percebendo de imediato o que se passava na cabeça de ambas, Peggy lançou um olhar de censura para Romanoff e pousou uma mão no ombro da “neta”:

— O que sua mãe quer dizer é que... É uma vida perigosa e difícil, querida. E ela tem muito medo de te ver machucada, ou pior. A Dona Aranha é delicada como um coice de mula, mas é apenas medo de você seguir por um caminho que custou muito, para nós duas. Um caminho do qual ela te salvou, e não quer te ver nele outra vez.

A pequena ainda parecia triste, mas também indignada, e protestou:

— Não vou ser uma garotinha para sempre, mama! E já passei por muita coisa, sabe que eu estou na vantagem, que consigo...

— Sim, você consegue. – Concordou Natasha. – Consegue se tornar uma assassina, perder a pureza e bondade que tem para substituí-las por um vazio indiferente, quando não aguentar mais sofrer pelas coisas que faz. Você consegue se tornar mentirosa, manipuladora, um instrumento nas mãos dos outros. Foi para isso que a projetaram, não foi? É isso o que quer ser, Projeto Lucy? – A menina estava a um passo de chorar, quando Steve apertou o ombro de Natasha e sussurrou apenas para ela:

— Nat, pare. Está assustando Lucy, em vez de ajudando. – A espiã respirou fundo, percebendo ter passado dos limites, e se ajoelhou de frente para a filha, segurando seus bracinhos sem força, mas com firmeza, olhos nos olhos:

— Você é o tesouro mais precioso que eu nunca imaginei poder ter. E eu preferiria perder a alma, ou ter o coração arrancado do peito, a deixar você passar pelas coisas que eu passei. Consegue entender isso, filha? Consegue entender que eu não posso simplesmente ver você se tornar o que eu fui, ou mesmo o que Peggy foi? Que não posso te ver sofrer o que sofremos?

Lucy anuiu, sentindo o desespero da mãe, embora não o compreendesse totalmente. Tentava apenas deixar orgulhosas as mulheres que considerava serem as mais incríveis em todo o mundo! Não pretendia se tornar alguém ruim, mas pensara que podia ser uma espiã que agisse pelas causas certas, como vovó Peggy fizera... Mas o desespero não apenas nos pensamentos, mas no olhar da mãe, faziam-na rever seu conceito... Talvez não fosse exatamente o que imaginara...

— Eu só queria te deixar orgulhosa, mama. – Steve e Peggy se entreolhavam, mortificados. Não sabiam se sentiam mais pela criança ou pela mulher... Ainda assim, apenas observaram: nenhum dos dois jamais presenciara Romanoff expressar emoções de modo tão intenso, sem se importar com a presença alheia, e a última coisa que deviam fazer agora seria se manifestarem.

Natasha, por sua vez, esfregou o rosto com um suspiro, antes de segurar o rosto da filha com uma das mãos e responder:

— Eu já tenho orgulho de você. Da sua bondade, coragem, inteligência... Não quero que desperdice tudo isso seguindo o caminho que me obrigaram a seguir.

— Mas hoje você salva pessoas, mama...

— Reparando os erros de uma vida. Se um dia ser uma Vingadora for o seu desejo, eu não posso te proteger para sempre. Mas por tudo o que é sagrado, jure que não vai tentar ser como eu. O preço é alto demais.

A garotinha hesitou um pouco, então anuiu:

— Desculpe, mama.

— Não tem que pedir desculpas. Está tudo bem. – E vendo o quão sem jeito a pequena ainda estava, puxou-a para si e ergueu-se com ela no colo, sentada em seu quadril. Somente agora Romanoff se lembrava de Steve e Peggy ali presentes e, não fosse sua habilidade em disfarçar emoções, seu rosto teria a mesma cor dos cabelos, agora. – Minhas desculpas por isso.

Natasha Romanoff perdendo a frieza e pedindo desculpas no mesmo dia? Com certeza alguma catástrofe grande se avizinhava! Peggy, porém, conseguia apenas sorrir: filhos mudavam as pessoas. Ela mesma sabia disso: mudara pelos seus, e mesmo a implacável ex-agente russa não passara totalmente incólume a essa experiência. Se ainda era a mesma pessoa sarcástica, implacável e rígida para com todos os demais, com a garotinha ruiva isso tudo mudava, e era possível ver a verdadeira Natasha, por sob todas as camadas de disfarces e muralhas emocionais cuidadosamente construídas ao longo de décadas.

— Alguns sermões têm de ser dados na hora. – Peggy deu de ombros, o semblante levemente satisfeito por ver mudanças para melhor em sua amiga de tanto tempo. – Ficam para o almoço?

Steve e Natasha se entreolharam e deram de ombros: não havia nada tão urgente, assim, então o soldado respondeu:

— Sempre um prazer estar com você, Peggy.

— Ótimo! Até porque, hoje fomos Lucy e eu que preparamos tudo! – Ela viu o franzir de sobrancelhas de ambos os amigos, e os interrompeu antes que se manifestassem. – E o primeiro a dizer que eu não devo fazer isso ou aquilo vai levar um tiro na perna! Estou velha, não morta!

Steve riu baixo:

— Você é uma péssima influência, Peggy Carter.

— Como se eu fosse a pior influência para Lucy. – A ex-agente revirou os olhos. – Ela convive com Tony Stark, Thor, Natasha Romanoff e Clint Barton! Preciso dizer algo mais?

— Bom ponto...

— Eles não são má influência. – Protestou Lucy. – Tio Tony até parou de beber quando estou perto, tio Clint só me ensina coisas legais, tio Thor é... Bom, talvez ele seja uma má influência, mas porque veio de outro mundo, com outras regras. E Mama é uma pessoa forte e corajosa, cuida de mim e manda na equipe direitinho.

— Ah, é sua mãe quem manda na equipe? – Perguntou Steve, levantando as sobrancelhas enquanto tirava do forno a carne assada recheada com legumes. – Pensei que o líder fosse eu.

Lucy gargalhou, já esquecida da reprimenda:

— Daidí, ela só te deixa achar isso para você não ficar triste. Mas eu nunca te vi desobedecer, quando mama dá uma ordem. – Peggy quase se engasgou com o riso:

— Steve, você está feito, com essas duas! Eu te avisei que as Romanoff são mulheres duras na queda.

— Estou comprando minha entrada no céu. – Respondeu o Capitão com um sorrisinho, fazendo uma careta quando Nat o chutou por baixo da mesa.

— Você sabe que mereceu. – disse a russa, baixinho, com seu lindo sorriso de lado.

— Você sabe que nos ama, daidí. – Lucy disparou quase ao mesmo tempo que a mãe, fazendo Peggy e Steve rirem, e a mulher inglesa comentar:

— Meu Deus, os genes Romanoff são mesmo dominantes! Rogers, você está perdido.

— Bem... Ouvi de um amigo da aeronáutica um ditado novo: em família de militar, a mulher é sempre uma patente superior.

— Rapaz sábio. – Ponderou Peggy, divertida. O reencontro que começara tenso agora se tornara leve, divertido, um almoço normal entre melhores amigos. E assim seguiu até o final.

*

Uma vez que Steve se retirara após um bom tempo de trabalho, Natasha continuou sozinha a verificar informações processadas por JARVIS, cruzando dados e referências. Devia estar dormindo, mas não conseguia desligar sua mente o suficiente. Já era madrugada quando ouviu passinhos leves no corredor; girando a cadeira, encarou a figura da filha, com seu dragãozinho de pelúcia nos braços e uma camisola branca nova – a pequena crescera muito, desde a vinda para a Torre dos Vingadores – os cabelinhos cacheados soltos e bagunçados.

— Malen’kaya, o que está fazendo acordada? – Natasha olhou para o relógio, que marcava duas e quarenta, e estendeu a mão num chamado para a criança, que se aproximou e fechou os dedinhos em torno dos seus.

— Tive um pesadelo. – A garotinha começou a chorar. – Você não vai me mandar embora, vai?

O coração da espiã se apertou com a fala e o pranto da menina, e imediatamente a russa a puxou para um abraço protetor, trazendo-a para seu colo:

— Nunca! De onde tirou isso?

— Eu sonhei... Que você me mandava embora porque eu queria ser uma espiã. Que me mandava embora porque não queria que eu fosse como você. – O rostinho molhado de lágrimas se enterrou no pescoço da mãe, que a abraçou com toda a ternura e se levantou, indo sentar no leito com sua pequena.

— Escute bem, Lucy Natalianova Romanoff: você é minha filha, e eu nunca, por motivo algum, mandaria você embora. Eu te amo, e nunca te abandonaria. Perder você seria como arrancar meu coração. Entendeu? – A garotinha anuiu, ainda um pouco chorosa, e Romanoff secou suas lágrimas com os dedos, tocando a fronte da criança com a sua e mantendo-a em seu abraço até que ela se acalmasse. – Não pensei que o assunto fosse te afetar assim, moya malenkaya. Deveria ter tido mais tato para falar, mas... Eu fiquei com medo, quando te ouvi falar que queria ser como eu.

— Porque não queria que eu tivesse uma vida tão difícil...

— É mais do que isso, Lu. – Natasha se sentou mais aprumada e acariciou os cabelos da filha, penteando-os com os dedos. Sua postura era rija, e havia relutância em seu semblante quando começou a fala novamente. – Lembra-se de quando chegamos aqui, e você me perguntou se eu tinha vindo de um lugar como aquele do qual a tirei?

— Você disse que tinha...

— É. Mas ninguém me tirou de lá. Eles não me projetaram geneticamente, mas me programaram em todo o resto para ser a espiã perfeita. Sem emoções, sem vínculos, sem qualquer lealdade além da devida aos superiores e à Pátria. – Lucy podia sentir a tensão e o desconforto na voz da mãe, mas aos poucos começava a entender melhor... – Fui uma espiã a minha vida inteira, não por escolha, mas porque me moldaram para ser assim. Fiz coisas... Horríveis. Coisas que todo espião é obrigado a fazer, em algum momento. E com o tempo, essas coisas não só deixam de te provocar horror, como param de ter significado.

— A culpa do que quer que tenha feito... Não foi sua, mama. – Agora era a menina que desejava confortar a mãe, que meneou a cabeça num sorriso fraco:

— Não é o ponto aqui, moy angel. O que eu quero dizer é... Essa vida não vale a pena. Mesmo para pessoas como vovó Peggy, ou tio Clint... Cada um deles passou por muitas coisas ruins, e eles mesmos tiveram de fazer coisas que os deixavam mortificados. Para se proteger, você aos poucos para de sentir qualquer coisa. E começa a se submeter e aceitar qualquer coisa. Como espiã, ou você trabalharia para um governo, e seria usada por ele, muitas vezes contra pessoas inocentes, ou seria uma freelancer, e isso a tornaria criminosa. Apenas pessoas com intenções menos do que nobres te procurariam. É um caminho que só traz decadência, sofrimento e degradação, de todos os tipos. E como eu poderia deixar a minha devushka sequer pensar em seguir esse caminho?

Lucy ficou em silêncio, metabolizando o que a mãe lhe dissera, sentindo muito mais do que escutando a intenção de amor e proteção por detrás do que mais cedo fora dito de forma ríspida.

— Então... Brigou comigo porque me ama. Porque não queria que eu seguisse o caminho que estavam me programando para seguir, como fizeram com você...

— Eu te amo mais do que tudo. Eu mesma arrancaria o coração de meu peito, se fosse o preço para que você nunca tenha uma vida como a minha foi. Como queriam que sua vida fosse. Ty v moya dotchurga (Você é minha garotinha). Prefiro morrer a ver qualquer coisa de ruim te acontecer.

— Não quero que você morra, mama. – A pequena protestou, odiando a simples ideia de poder perder a mãe.

— Eu também não quero morrer. Quero viver para ver a mulher formidável que vai ser. Mas se fosse o preço para você ter a chance de ser essa mulher, então... Eu pagaria, sim, e com felicidade. – As duas se abraçaram, a filha se aninhando no colo de sua mãe. – Só me prometa que não vai seguir os meus passos. Que não será como eu.

— Eu... Posso prometer não entrar para a espionagem. – Começou a menina, fitando o rosto da mulher. – Mas tudo o que eu mais quero é ser como você: boa, corajosa, sempre tentando fazer a coisa certa e cuidando de quem está perto. E, um dia, uma mãe tão maravilhosa quanto você. – Agora havia um sorriso no rostinho dela, marcando suas covinhas, e Nat sorriu também, beijando a testa da criança antes de se reclinar nos travesseiros e aninhá-la contra si, puxando as cobertas sobre ambas.

— Nisso, você já é muito melhor do que eu. Tenho orgulho de você, dorogaya, nunca pense o contrário. Está bem?

— Ya lyublyu tebya, mama (eu te amo, mamãe). – A pequena se aconchegou com seu dragãozinho, parcialmente deitada sobre o corpo de Natasha, que estava mais do que disposta a sacrificar mais algumas horas de sono e concluir seu trabalho depois. Agora entendia os motivos da doutrinação da Sala Vermelha: amor não era um conto de fadas. Era a única coisa que podia importar mais do que qualquer missão.


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Notas finais do capítulo

É isso! O que estão achando? Bom, ruim?
As tretas só estão começando, afinal, agora será um embate cada vez mais ferrenho contra a HIDRA!
Para quem gosta de Dr. Strange, recomendo a fic da minha amiga CrowKiss, The Apprentice. A escrita dela é absolutamente envolvente e o plot é muito bom! Aos interessados, aqui vai o link: https://www.spiritfanfiction.com/historia/doctor-strange-the-apprentice-17485109
Obrigada a todos que leem! Vocês todos têm lugar no meu coração!



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