A Aranha na Teia escrita por Elvish Song


Capítulo 10
Na mira da SHIELD


Notas iniciais do capítulo

Hellooooo! Voltei! Mais um capítulo, agora aumentando um pouco a tensão, com momentos fofos para aliviar.
Quero agradecer muito à minha amiga do spirit, CrowKiss, que me ajudou incrivelmente com esse capítulo e é a madrinha oficial da história, e também a todas que leram e comentaram, que têm feito parte dessa história!
Espero que esse capítulo possa ser um momento de entretenimento durante essa quarentena, e que todos estejam bem, e a salvo em suas respectivas casas!
Sem mais enrolação, vamos à história!



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Natasha apertou o braço em redor de Lucy, que estava claramente assustada enquanto eram levadas no carro do Agente Coulson para algo relacionado a uma das poucas informações que a menina conseguira ler nos pensamentos do homem: SHIELD. A situação a deixava ainda mais confusa, pois a mãe confiava apenas parcialmente no homem... Sem falar na quantidade de pessoas escoltando-as!

    - Shhh, всё хорошо, малышка. Я здесь.

    Enquanto tentava confortar a filha, Romanoff prestava atenção a cada gesto e expressão de Coulson; imaginava que a SHIELD se reergueria aos poucos, do que restara daqueles não corrompidos pela HYDRA, mas não significasse que confiasse na SHIELD. Pelo menos não em relação a uma garota capaz de explodir cérebros.

    - Imaginei que seria você, no comando. - Disse enfim para o velho conhecido. - Agora, que tal me dizer aonde vamos? Localização geográfica, mais precisamente.

    - Confidencial. Você não é mais da SHIELD, eu não posso falar.

    - Sabe que vou descobrir, de qualquer jeito.

    - Mas não pela minha boca. - Havia um tom relativamente leve e divertido em sua voz. - Relaxe, Romanoff: ao contrário das frias em que você me meteu por toda a vida, não vou te colocar, ou a uma criança, em perigo.

    - Temos noções bem diferentes do que perigo significa, Phil. - Com efeito, o maior medo da espiã era o que uma agência de inteligência governamental poderia imaginar e desejar de uma criança como Lucy. Eventualmente ela poderia se ver obrigada a arrasar o que sobrara da agência.

    Os vidros filmados do carro escureceram até que a mulher e a criança não mais podiam ver o percurso, e uma tela escura desceu de modo a permitir a comunicação, mas dificultar qualquer vislumbre do entorno. Ato contínuo, a espiã apertou em seu celular o botão de emergência, que rastrearia todo o percurso realizado, situando-a perfeitamente no terreno. Se fosse necessário, enviaria para os colegas.

    - Desculpe por isso, Natasha. É só...

    - Procedimento padrão. Já decorei seus discursos, Phil. Para um espião, você se tornou previsível demais. - Ela estava tranquila. - Não vai me impedir de saber exatamente onde estamos. Sabe disso, não é?

    - Ficaria decepcionado se algo simples assim te impedisse. - Ele percebeu pelo retrovisor o modo como a criança pequena se encolhia contra a mãe. - Não tenha medo, Lucy: estamos levando vocês para um lugar seguro, onde vamos limpar a barra da sua mãe... De novo.

    - Por quê? - Indagou a pequena, percebendo haver boas intenções no agente, embora houvesse... Mais. Várias camadas, e nem todas a agradavam.

    - Porque sua mãe é uma amiga de muito tempo, e não vou deixá-la em problemas, ainda mais quando quem atacou vocês, também tem sido um problema para nós. Não se preocupe: estarão seguras, e logo poderão voltar para casa.

Lucy apenas se agarrou mais à mãe, que a cobriu com o braço e apertou-a contra seu corpo, dando-lhe conforto e segurança.

— Está tudo bem. Voltamos para casa logo, eu prometo: ele só vai nos ajudar a abafar o que aconteceu.

O carro desceu uma rampa que se abriu em uma colina à beira da estrada, e por um momento a escuridão foi cegante, antes de luzes brancas se acenderem enquanto avançavam em um túnel. Romanoff pegou a filha e a colocou em seu colo, sussurrando ao ouvido da criança:

— Fique comigo o tempo todo. Não solte a minha mão, está bem? Se eu soltar sua mão, agarre meu casaco ou se esconda atrás de mim, mas não fique longe, e tudo ficará bem. Eu prometo.

— O que vão fazer conosco, mama?

— Vão só fazer algumas perguntas. Se quiserem qualquer coisa a mais do que isso, eu resolvo. Confia em mim?

A garotinha ponderou por alguns instantes, antes de responder:

— Não pode ser mais difícil do que detonar aquele laboratório todo. E eu confio em você, mama.

— Ótimo. – A espiã abraçou sua garotinha enquanto iam mais e mais fundo na terra.

*

Os agentes olhavam com misto de temor e respeito, alguns com inveja, para a espiã ruiva que cruzava os corredores ao lado de Coulson, e havia também uma curiosidade geral acerca da menina que a ex-agente carregava no colo, sem confiar naquele ambiente para deixar sua filha ficar fora da proteção que seus braços ágeis podiam fornecer.

— Tenho de admitir, Phil... Trabalho admirável reconstruindo a agência.

— Nada fácil, mas felizmente estamos purgados de infiltrados. – Ele se voltou brevemente para a conhecida. – Graças a você e certo símbolo americano.

— Disponha. – Havia leve sarcasmo na voz de Natasha, que sabia haver da parte de alguns um certo ressentimento, pois não apenas os segredos da HYDRA haviam sido revelados ao público. – Ao que parece, a maioria ainda se lembra de mim...

— Você sempre deu motivos fortes e causou impressões marcantes. – Rebateu Phil, abrindo uma das salas. Em vez da sala de interrogatório que Natasha esperara, era uma sala de espera climatizada, com uma mesa redonda de seis lugares, um sofá grande e uma poltrona, além de um bebedouro. – Vou fazer o possível para apagar os registros da ocorrência. Um entrevistador virá, e um psicólogo infantil.

— Não quero falar com ninguém. – Lucy se manifestou com veemência. Já havia passado por “entrevistas” demais, e não passaria por isso de novo!

— Lucy... Você matou uma pessoa. Precisa falar com alguém. – Phil tentou argumentar, mas foi cortado pela garota:

— Eu tenho minha mãe. Não quero falar com mais ninguém. Não vou falar. – Vendo-se acuada, a menina parecia uma leoazinha pronta para defender seu território. Uma leoazinha com presas perigosas. Foi Natasha quem interveio, abaixando-se junto à filha:

— Lucy, fique calma. Isso é tudo parte de um protocolo, e não vou sair do seu lado por um segundo. Ninguém vai te obrigar a falar coisa alguma, a quem seja. Eu falarei com o entrevistador e, se quiser, você pode falar com o psicólogo. Estarei na mesma sala, segurando sua mão. Pode fazer isso? – A garotinha pareceu se aliviar de imediato e, após alguns segundos pensativa, anuiu discretamente.

— Certo... – Phil começava a ter medo do que significava ter uma mini-Romanoff capaz de explodir cérebros, por aí... Precisava conversar com Natasha a sério. – Fiquem o mais confortáveis que puderem, farei o possível para tudo ocorrer rapidamente.

Natasha anuiu e, enquanto Phil saía, um funcionário trouxe cobertas para ambas. Procedimento-padrão, uma vez que frio intenso podia se seguir a situações de muito estresse, embora todos ali soubessem não ser esse o tipo de reação da Viúva Negra. Porém, a agente ficou mais do que feliz em poder envolver sua garotinha, que realmente começava a se arrepiar e esfregar os próprios bracinhos.

— Pronto, pequena. Vai se sentir melhor, agora. – A russa enrolou bem o cobertor em torno da filha e se sentou na poltrona, com ela no colo. Ficaram em silêncio por alguns momentos, até a menina erguer a cabeça e fitar os olhos da mãe:

— Mama... Sabe que eu não queria matar aquela pessoa, não sabe? Mas era ele, ou você... Eu só queria impedir que você levasse um tiro... E na raiva, não controlei a força... – Natasha meneou a cabeça e pousou um dedo sobre os lábios da filha:

— shhh. Eu sei disso. Reconheço assassinos muito bem, Lucy, e você não é uma. Agiu para me proteger, e agiu com muita coragem; Mas aquilo não foi assassinato: foi defesa.

— Você jura? Não sou... Uma pessoa ruim? – Havia uma enorme mágoa consigo mesma, e receio em relação às próprias atitudes. Receio de ser rejeitada, de não ser boa como deveria. Essa percepção partiu o coração de Natasha, que fitou fixamente os olhos de Lucy:

— Escute bem, Lucy Natalianova Romanoff: eu sou conhecida por ser uma mentirosa hábil, mas juro pela minha vida que jamais direi uma mentira que seja a você. E você é a melhor pessoa que conheço, com o coração mais puro e doce que já conheci. O que aconteceu não foi a sua intenção, mas um acidente enquanto tentava não matar um inimigo, mas salvar a minha vida. Entende a diferença nisso? – A garotinha anuiu, levemente chorosa, e Natasha a aconchegou contra si. – Tenho orgulho de como se comportou hoje: mesmo com medo, obedeceu na hora certa e, ainda assim, quando percebeu que precisava agir, fez isso com coragem. Estou muito orgulhosa.

— Eu sabia que nada de ruim ia acontecer. – Sussurrou a pequena, mexendo nos cachos da mãe. – Estava com você. Nada de ruim vai acontecer, se estivermos juntas, não é?

Natasha comprimiu os lábios, desejando poder prometer isso à filha, mas jurara nunca dizer uma mentira. Assim, falou o mais próximo disso que poderia:

— Enquanto estivermos juntas, ninguém jamais fará mal a você. Moya devoshka. – A russa encostou a testa na da filha, que fechou os olhos e disse no tom mais doce e sincero que poderia haver:

— Te amo, mama. – Por um segundo Natasha sentiu como se houvesse sido o seu cérebro a ser explodido, e talvez fosse mais fácil lidar com essa alternativa. Droga! Como responder a isso? Não sabia o que sentia pela menina! Queria-a segura, acima de tudo, e daria a própria vida sem hesitar, para proteger a dela. Mas não porque fora condicionada a isso, e sim porque, se tivesse de queimar o mundo para proteger Lucy, ela o faria. Para fazer a filha sorrir, ela faria coisas bobas como lutas de cócegas ou jogos infantis, e pela menina aprendera a abraçar e oferecer aconchego com mais frequência, mesmo que não fosse o seu normal. Não sabia mais, ou melhor, não queria mais imaginar uma vida sem sua garotinha porque... Porque a amava?

— Eu também te amo, filha. – Conseguiu dizer, enfim, sabendo que não mentia. Não sabia se era o amor que devia sentir, ou que outras mães sentiam por seus filhos, mas era o que ela, Natasha, tinha a oferecer. Só podia esperar que fosse o suficiente para aquele pequeno anjo.

— Você sempre vai ser o suficiente para mim, mama. – Ah, claro que ela ouvira os pensamentos de Romanoff! Natasha ainda não tinha muita certeza de como reagir, mas manteve o braço circundando a menina. Só lhe importava realmente manter Lucy a salvo, até estarem novamente em casa.

— Tente descansar, Lu. – A russa puxou levemente a cabeça da garotinha para seu ombro. – As coisas podem demorar um pouco, por aqui.

— Como vão encobrir o que aconteceu, mama? – Mesmo deitada no ombro da mãe, a mente de Lucy ainda não conseguia desacelerar.

— Eles têm contatos. Vão espalhar a notícia de que foi um tiroteio entre gangues, imagino, ou algo similar. Você não precisa se preocupar.

A criança não conseguia não se preocupar. Não por si, mas pela mãe. Bem, é claro que se preocupava por si, mas... Sabia que teriam de enfrentar Natasha antes de encostar em si, e era o que mais a agoniava.

— Mama... Foi a HIDRA, não foi? Era atrás de mim que estavam.

— Sim. – Como prometera, sem mentiras, ainda que a voz da mulher soasse relutante. – Eles são determinados. Mas não vão te levar de volta, e você não vai me perder. – a mãe tocou a fronte da filha com a sua. – Não pense mais nisso, agora. Estamos a salvo, é tudo o que  importa.

A pequena anuiu e silenciou, relaxando aos poucos no colo da mãe. Não adiantava pensar em tudo isso agora, pois nenhuma das duas podia fazer o que fosse, naquele momento e lugar. Mas já tinha uma ideia traçada para pôr em prática tão logo voltasse para casa.

Cerca de meia hora se passou, antes que a porta se abrisse e três pessoas entrassem: um homem latino, de terno – setor burocrático... Natasha detestava esses ratos! – uma agente de cabelos platinados e raízes escuras, vestida com o uniforme da SHIELD que um dia a própria Romanoff usara, e uma segunda mulher de cabelos castanhos e lisos, usando jaleco – psicóloga, é claro. Esta última se adiantou, fazendo Romanoff adotar postura ainda mais alerta, embora nada em si denunciasse a tensão dos músculos sob a pele, prontos para reagir, se preciso. Lucy, por sua vez, desvencilhou-se do cobertor e sentou-se ereta no colo da mãe, cenho franzido, a posição de alarme idêntica à da mulher mais velha.

— Pensei que haviam nos esquecido. – O tom de Natasha era calmo e levemente irônico: parte do segredo de estar sempre na vantagem era agir como alguém que de fato está. – Em que posso lhes ser útil, agentes?

— Senhorita Romanoff, sou a doutora Clarence Fitzwood. Esses são os agentes...

— Medinez e Habel. – Completou a russa, ficando em pé enquanto deixava a filha arás de si. – Trabalhei na SHIELD até bem pouco tempo atrás, como deve saber. – Num gesto formal e impessoal, ela estendeu a mão e cumprimentou o trio. – O que posso fazer por ex-colegas?

— Bem, senhorita Romanoff, estamos aqui para colher seu depoimento, e o da criança. – Explicou-se o homem de terno, agente Medinez. – O Diretor Coulson dará seu melhor para livrá-la de possíveis eventos decorrentes do que se passou. Mas carecemos de explicações melhores, para podermos fazer algo.

— Sim, posso imaginar. – Ela podia ouvir a respiração de Lucy se acelerar atrás de si, devido ao medo imbuído na garota em relação a agentes e, principalmente, pessoas em jalecos brancos. – Procedimento padrão. Porém, a criança não vai falar, a menos que queira. E doutora Fitzwood, agradeço se tirar seu jaleco: está deixando Lucy assustada. – O tom não admitia recusas, e enfrentamento era a última coisa a que a psicóloga se propunha, especialmente quando seu objetivo ali era conseguir falar com a menina. Assim, removeu o próprio jaleco e o deixou sobre uma das cadeiras, ficando em jeans escuros e blusa social. – Obrigada pela compreensão.

— Não estamos aqui como inimigos, Romanoff. – A psicóloga falou de modo claro, porém evitando tons de desafio. Ninguém desejaria desafiar a Viúva Negra sem um motivo excepcionalmente forte. – Está com problemas, e Coulson quer abafar os eventos. Só desejamos a sua versão dos fatos, e saber como a criança está. Como ela acabou em tudo isso.

— Lucy é minha filha. – Romanoff colocou a bolsa sobre a mesa, empurrando-a para os agentes. – A documentação está aqui, se precisarem de provas.

O trio se entreolhou, tenso: filha? A agente Romanoff nunca tivera filhos registrados em sua ficha, embora nenhum deles duvidasse que, entre as próprias habilidades e o apadrinhamento de Fury, ela certamente teria conseguido manter uma gravidez ou adoção ocultas. Provavelmente gravidez, e provavelmente o pai seria Hawkeye. A espiã não fazia o tipo que adotava alguém, ou que manteria a criança de qualquer outro amante.

Medinez se inclinou e pegou a bolsa da espiã, encontrando os documentos aos quais ela se referia. Testes de DNA, certidão...

— Sua filha biológica. Mas assumiu a guarda recentemente? – Perguntou, de cenho franzido.

— Isso não é de sua conta. – Romanoff se sentou na cadeira, sua figura escondendo a de Lucy. – Veio tomar meu depoimento sobre o que aconteceu. Espero que tenha trazido o gravador; não sou fã de me repetir.

Sem muita alternativa quanto a lidar com a espiã, os demais agentes se sentaram também. A agente Habel falou pela primeira vez:

— Bem, senhorita Romanoff, pode nos dizer o que aconteceu?

— Fui buscar minha filha na escola. Na volta, fomos seguidas e cercadas por três carros; um veículo-aríete tombou o nosso, e houve um tiroteio. Doze atiradores.

— Lidou sozinha com todos eles?

— Leia minha ficha. Esse era o meu trabalho. – Ela respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Houve menções a um possível evento em que a criança... Sua filha, teria matado um dos atiradores. – Havia receio na voz da agente loura, por melhor mascarado que fosse. Natasha fechou sua expressão:

— “A criança” não matou ninguém. Confira os corpos, se desejar. Todos foram baleados, e os projéteis serão compatíveis com minha Colt, minha Glock, ou da sub que tomei a um dos corpos.

— Sim, é claro. O problema, contudo, é um desses corpos apresentar ferimentos que nenhuma arma poderia causar: o cérebro foi explodido, contudo a caixa craniana está intacta. – Habel constatou. – Ela estuda no Instituto Xavier, não é?

— Por que pergunta o que já sabe? – Natasha se inclinou para frente. – Deixe-me ser bem clara: minha filha não é assunto da SHIELD. – Reclinando-se novamente contra o espaldar da cadeira, prosseguiu. – Coulson quer encobrir o ocorrido, não é? Bem, o que ele tem são doze corpos mortos por tiros. – e antes que a interrompessem. – Tenho certeza de que, se checarem melhor, verão que há uma bala encravada no cérebro do cadáver. – O brilho nos olhos esmeralda dizia muito claramente que eles não haveriam de querer ir adiante naquele caminho. – Era apenas isso?

Houve um silêncio desconfortável, até que os dois agentes uniformizados se levantassem; Medinez se dirigiu à russa com tom que parecia neutro, mas guardava em si um alerta:

— Voltaremos para mais perguntas, posteriormente. Obrigado por sua... Colaboração.

— Fico sempre satisfeita em ajudar ex-colegas. – Respondeu a espiã, uma ameaça velada em suas palavras. – Se Coulson não estiver ocupado demais afundado em papéis, mande-o perguntar pessoalmente o que quer saber. E se pretendem que fiquemos aqui, minha filha precisa comer.

— Será providenciado. – Habel assentiu, enquanto deixavam a sala, deixando apenas Fitzwood na companhia da ruiva e da menina, que se encolhera em seu cobertor enquanto tudo acontecia. A morena segurou um controle e, com o pressionar de um botão, Natasha ouviu o som dos sistemas de câmera e gravação serem desligados. Confidencialidade existia mesmo dentro da SHIELD.

— Agente Romanoff... – A psicóloga iniciou calmamente, mas foi interrompida:

— Não sou mais agente. Apenas Romanoff.

— Certo, Romanoff. Nós duas sabemos que não disse toda a verdade em seu depoimento. Qualquer um saberia. As provas gritam isso. Mas ninguém está aqui para julgar vocês: temos rastreado a HIDRA, e ataques aos agentes e ex-agentes não têm sido raros. Monitoramos mesmo os que não trabalham mais conosco... – A psicóloga inclinou a cabeça levemente. – Embora você dificulte bastante nosso trabalho.

— Lisonjas não me deixam mais predisposta, doutora. Eu sei aonde quer chegar. – Sentiu o movimento atrás de si, e logo Lucy deslizava para seu colo, buscando proteção e orientação nos braços da mãe. A mulher apertou levemente os braços em redor da menina, protetora como uma leoa com seu único filhote.

— A senhora não vai contar o que ouvir aqui. – Era uma constatação, não uma pergunta o que veio da boca da garotinha.

— Nem uma palavra. Meu trabalho aqui é ajudar você a lidar com tudo o que aconteceu. Mais tarde, podem querer fazer perguntas também a você, Lucy.

— Eu não vou falar nada, longe de mama. – o corpinho infantil se encolheu contra Natasha.

— Por que não quer falar longe de sua mãe, pequena?

— Porque as pessoas me machucam. – Agora que havia apenas uma pessoa na sala, ler a mente da psicóloga era fácil e, estando com a mãe, a menina se sentia confiante o bastante. Mesmo porque, não havia hostilidade da parte de Clarence. – Fui eu quem matou aquele homem. Mas não queria matar. Só queria impedir que atirasse em mama, mas fiquei com muita raiva, e medo... E isso aconteceu.

— Você é uma mutante, então. – A psicóloga ergueu os olhos para Natasha. – Ela deveria...

— Fora de cogitação, agente. Lucy ficará longe deste meio. – Novamente, o tom que não admitia contestações. – Já estamos aqui há tempo suficiente. Diga a Coulson que, se quiser qualquer coisa mais, terá de falar pessoalmente comigo.

A mulher morena suspirou, tensa: era impossível não sentir medo da Viúva Negra, que se mostrava duas vezes mais perigosa ao proteger a própria filha. Clarence se orgulhava de ser muito boa com perfis psicológicos, mas até mesmo para ela a Russa era imprevisível, e impossível de analisar, tamanha a naturalidade com que trocava de personalidade, rosto e padrões. Assim, a mulher diante de si poderia passar da firmeza impassível, porém serena, ao assassinato em questão de um segundo. E ninguém poderia prever.

— Bem... Eu falarei. Mas Lucy... – O tom de voz suave da psicóloga fez a criança a encarar outra vez. – Como se sente, em relação ao que aconteceu?

— Eu não queria matar ninguém. Não machuco as pessoas. Mas ele ia matar minha mama, e isso... Eu só não podia deixar. Conversei com mama: isso não me faz uma pessoa ruim. Eu sei que matar é errado, e não gosto disso. Foi um acidente... – Ela procurou pelas palavras certas na mente da mãe e da outra mulher. – Um imprevisto em ação. Eu não sou perigosa, a menos que alguém esteja atirando em mim.

— Está tudo bem, Lucy. Qualquer um poderia matar outra pessoa por acidente, ao se defender, ou ao defender quem ama. Seja com uma arma, com as mãos, ou com habilidades peculiares.

— Eu sei. – a garota parecia se desinteressar, e deitou a cabeça no ombro da mãe, cansada. – Eu só quero ir para casa. Não sou uma arma. Não sou perigosa. Só me deixem ir para casa, com mama.

— Ninguém irá te separar de sua mama, eu prometo. – Clarence não precisava ter medo de não poder cumprir aquela promessa, por um motivo simples: ao menor sinal de que a garota pudesse ser tirada de si, dado o modo como seus braços se mantinham agressivamente protetores pousados na mesa, de cada lado do corpinho pequeno, Romanoff usaria suas habilidades para simplesmente desaparecer. E ninguém encontrava a Viúva Negra, a menos que ela quisesse. Tentar tirar a criança da mãe era o modo mais fácil de perder ambas, fazendo-as se tornarem nômades, mudarem para outro lado do mundo, fora da jurisdição norte-americana, mudarem de nome e até rosto, e nunca mais serem encontradas. Bastava haver conhecido superficialmente os trabalhos de Natasha para sabê-lo.

— Imagino que tenha tudo de que precisa? – Natasha ergueu uma sobrancelha, sua expressão dizendo perfeitamente que a entrevista tinha acabado. A outra agente assentiu e se levantou:

— Sim. Ela precisa de descanso e alimento, antes de querer falar sobre qualquer coisa. Se as coisas forem se prolongar, pedirei que deem um alojamento a vocês.

— Ficaria satisfeita com um alojamento, agora, mas duas vezes mais satisfeita se Phil mexesse o traseiro e viesse falar pessoalmente comigo.

— Farei o que puder, senhorita Romanoff. – Assegurou Fitzwood, finalmente deixando a sala. Céus! Como podiam pedir a quem fosse que lidasse com Romanoff? A mulher tinha o talento de manipular, torcer e massacrar o emocional de qualquer um apenas com sua linguagem corporal! Impossível fazer seu trabalho, sob aquelas condições!

*

A Viúva Negra fitou sua filha adormecida no sofá – fora difícil fazê-la dormir, mas enfim acontecera – com certo alívio; após a entrevista, haviam providenciado refeição para ambas, mas Romanoff se recusara a ser movida para um alojamento: não apenas o espaço era pequeno e angustiante, perfeito para causar gatilhos de pânico em Lucy, mas ficar na sala garantiria que todos continuassem muito cientes de sua presença. De fato, a cada poucas horas alguém viera lhe falar, tomar novos depoimentos – se achavam que a tática de a interrogar várias vezes a faria errar, pelo cansaço, estavam muito enganados. Ela fora treinada para resistir a isso mesmo sob tortura. – ou apenas informa-la sobre o andamento das coisas. Phil ainda não viera por estar ocupado, fazendo as mídias noticiarem as versões desejadas pela SHIELD, mas não tardaria a vir. Não podia tardar, pois manter a mulher ali por muito mais tempo seria impossível.

Quando ouviu passos no corredor, novamente, Natasha respirou fundo e apertou as mãos em punho, contendo a raiva: se fosse mais uma entrevista que fosse, iria até o escritório de Coulson, agarrá-lo pelo pescoço! Colocou-se protetoramente entre a figura adormecida da filha e a porta, mas quando esta se abriu, não pode conter uma exclamação:

— Clint! Steve! – A ruiva se adiantou e envolveu o amigo num abraço, seguindo para o companheiro, que lhe deu um beijo na fronte. – O que estão fazendo aqui?!

— Viemos atrás de você, é claro. Ligou seu rastreador, imaginamos que estaria com problemas. – Respondeu Clint, enquanto Steve fechava a porta, antes de se voltar para ela:

— O que aconteceu? – O soldado tocou o ombro de Natasha, que até o momento ela não percebera ter machucado num tiro de raspão.

— A HIDRA veio atrás de Lucy. – Explicou Natasha. – Doze atiradores, três carros de perseguição e um carro-aríete. Não eram profissionais, mas Lucy matou um deles, tentando me proteger. Ela... Implodiu o cérebro do atirador que mirou em mim. – Os dois homens franziram as sobrancelhas, parte em preocupação, parte em surpresa, mas Steve apenas perguntou:

— E como ela está?

— A salvo. Cansada, assustada e ansiosa para ir para casa, mas a salvo. – Romanoff, esfregou o rosto e se apoiou na parede, aceitando o braço que Clint passou por seus ombros enquanto Steve ia para junto de Lucy, ajoelhando-se e beijando sua testa.

— Papa? – A criança o chamou ainda sonolenta, e ser chamado de pai pela garotinha que roubara seu coração colocou um enorme sorriso no rosto de Rogers, que a abraçou:

— Oi, filha. Tio Clint e eu viemos para dar uma ajuda a vocês. Como você está?

— Imaginando quanto autocontrole mama tem, para não ter atirado em ninguém, até agora. – A menina brincou, enquanto se sentava enrolada no cobertor. – É o que ela quer fazer desde que a gente chegou.

— E já ficaram tempo demais, por aqui. – Completou Clint, o que lhe rendeu um leve anuir da Black Widow.

— Estou esperando para estripar o Coulson pessoalmente... E como vocês dois entraram... – Ela parou a pergunta antes de concluir. – Estão me deixando realmente orgulhosa, garotos. Alguém sabe que estão aqui?

— Talvez duas ou três pessoas, trancadas nos armários dos vestiários e temporariamente nocauteadas. – O arqueiro comentou com tom divertido. – Tubulação de ar serve para isso. Embora o Steve tenha ficado preso, e eu lamentei não ter uma câmera. – O ar de diversão sumiu, contudo, em sua fala seguinte. – Vamos.

— Ainda não. Esperei até agora porque a SHIELD cresceu os olhos sobre Lucy, e quero garantir que não haverá mais um grupo de malucos atrás de minha filha, quando sairmos.

Os dois homens anuíram, imaginando bem o tipo de situação que se dera. Tampouco eles desejavam deixar o local antes de garantir que a pequena estivesse segura, pelo menos no que dizia respeito à SHIELD. Para serem honestos, tinham mais medo de órgãos do governo do que de terroristas e espiões da HIDRA, simplesmente porque a SHIELD poderia fazer o que bem entendesse, e ter o respaldo das leis ou, no mínimo, o fechar de olhos destas para manter “a segurança”.

Assim, quando a porta se abriu novamente, Coulson se deparou não apenas com a Viúva Negra, mas com metade dos Vingadores reunidos na sala, todos em postura defensiva e usando as próprias figuras para encobrir a de Lucy. Ah, ótimo... Como se lidar com a Black Widow não fosse o bastante, teria de lidar com uma Black Widow extremamente agressiva no intuito de proteger a filha e os dois parceiros. E claro... Hawkeye e Natasha unidos eram, por si só, um protocolo de destruição ativado. Para não mencionar que Romanoff e Rogers haviam sozinhos derrubado a antiga SHIELD e a HIDRA! Ah, o dia não podia piorar. Quem seria o próximo a surgir ali? Tony Stark?

— Phil. – Clint fez um movimento de cabeça, saudando displicentemente o ex-chefe.

— Barton, Rogers. – Ah, céus... As coisas iam ficar muito ruins, agora...

— Coulson, é melhor ter uma boa notícia para mim. – Disparou Natasha, seca.

— Natasha... Eu juro que estou fazendo o melhor de mim, mas... O Conselho está preocupado. Os incidentes com mutantes e aprimorados tem se tornado cada vez mais...

— Vá direto ao ponto. – Cortou a Viúva Negra, pedindo a Steve com um olhar que cuidasse de Lucy, o que ele prontamente fez. – O que disseram?

— Querem que Lucy seja... Mantida aqui. Para vigilância e treinamento, entende? Uma vez que ela é tanto mutante quanto aprimorada, querem que... – O diretor não terminou a frase, pois Natasha o empurrou brutalmente contra a parede, segurando seu pescoço e quase arrancando o homem do chão!

— Não. Vai. Acontecer. - Clint tocou o ombro de Natasha, a qual afrouxou levemente o aperto no pescoço de Phil, apenas para permitir que o agente falasse. – Lucy e eu estamos indo, agora.

— Estou tentando convencê-los... – A voz de Coulson estava rouca e baixa, saindo quase como um chiado! – Natasha, seja racional!

— Não me peça para ser racional quando seus chefes querem brincar de Sala Vermelha com a MINHA filha! – Foi Hawkeye quem segurou com mais firmeza o ombro de Romanoff e a puxou para trás. Ela resistiu por um segundo, antes de soltar enfim o pescoço do amigo.

— Nat, ele é só o mensageiro. Quem está fazendo isso são os caras do Conselho. – Ponderou Barton, perguntando num levantar de sobrancelhas se Phil estava bem, ao que o outro assentiu, agradecendo sem palavras. – Mas isso ainda é a sua alçada, Coulson. E as liberdades civis? Lucy é só uma garota, como qualquer outra do Instituto Xavier. Vão fazer o que, agora? Colocar uma coleira em cada mutante ou aprimorado?

— Se o Conselho pudesse, sim, eles fariam. – O agente esfregou o pescoço dolorido. – Mas conhecemos alguém que pode dar um jeito...

A essas palavras, a porta se abriu mais uma vez, para revelar a figura de ninguém mais, ninguém menos, do que Nick Fury. E apenas um passo atrás dele, Anthony Stark. Ah sim... Aquele dia seria um dos “melhores” da vida de Coulson.

*

— Bem, Conselheiros, não podemos fechar os olhos ao fato de que Lucy é uma criança civil. Romanoff é sua mãe biológica, possui a guarda legal, e não é mais uma agente da SHIELD, de modo que não há jurisdição. – Ponderou Fury.

— Ela foi criada pela HIDRA e, hoje, matou um homem com apenas gestos de mão. Acha seguro ou prudente deixá-la à solta, sem supervisão nem treinamento adequado?

— A Iniciativa Vingadores é agora minha organização privada, diretores. – Tony interveio, muito firme. – O que significa que estão sob minha supervisão e responsabilidade. A garota reside na Avengers Tower e estuda no Instituto Xavier: tem supervisão E treinamento. Quanto a matar um homem... Se alguém atira em você, você atira de volta. É certo que a SHIELD ensina a atirar primeiro, mas é uma criança.

— Devemos deixá-la sob sua supervisão, Stark, como a tecnologia de suas armaduras? Obadiah, Vanko, Hammer...?

— Que eu me lembre, foram as Forças Armadas que roubaram a minha tecnologia e entregaram nas mãos de Hammer, que não teve capacidade nem mesmo para ser um criminoso decente e deixou isso a encargo de Ivan Vanko. Se vamos considerar Lucy uma arma em potencial, quem tem o pior histórico de segurança? Isso, claro, para não mencionar uma organização criminosa e terrorista crescendo dentro da própria SHIELD, que ninguém teve a capacidade de detectar. Quem foi mesmo que a derrubou? – Stark olhou em redor, e viu Natasha com a mão displicentemente erguida. – Ah, sim. Agente Romanoff e o Capitão. Os Vingadores continuam sendo os mais aptos a manter segura uma criança como ela. Não apenas segura, mas orientada.

— Você não é conhecido por se reportar a quem quer que seja, sr. Stark. – ponderou a Conselheira, única sobrevivente do Conselho original após os incidentes em Washington. – Por que deveríamos confiar algo tão perigoso a suas mãos...

— Não algo. Alguém. É uma criança. – Interveio Natasha, firme, a voz cortante como lâminas. – Podem confiá-la à pessoa de Stark, ou a nenhuma. Minha filha não será uma arma, menos ainda uma prisioneira, não importa em quais mãos. – Romanoff não precisou completar a informação. Ela fugira a plenas vistas, arrasando consigo alguém tão conhecido quanto Steve Rogers, quando a SHIELD e a HIDRA comandavam todos os EUA, e a maior parte do hemisfério norte. A insinuação era mais do que óbvia: insistissem no assunto, e a mulher desapareceria com a filha. E mesmo não sendo mais uma agente da SHIELD, todos ali sabiam o quanto a espiã era fundamental na perseguição e eliminação dos remanescentes da HIDRA, ainda uma ameaça iminente.

— Existe uma terceira opção, que deixaria a todos parcialmente satisfeitos. – Foi a primeira vez que Fury se manifestou. – Deixar Lucy com sua família não é mais do que garantir a ela direitos civis. Ainda vivemos num país livre, afinal. Mas apenas um imbecil não consideraria a menina um perigo em potencial. Desse modo, sugiro que sua frequência no Instituto Xavier seja uma condição razoável a ser imposta e, para tranquilizar o Conselho, mensalmente eu ou o agente Coulson visitaremos a Torre dos Vingadores e a escola, para acompanhar a evolução da criança.

Por um segundo houve silêncio na sala, e todos se voltaram para Natasha. A decisão final, ninguém mantinha ilusões contrárias, era dela. Após alguns momentos em que sua expressão se manteve indecifrável, ela enfim se manifestou com uma leve anuência:

— Parece justo. Mas que fique registrado: Fury ou Coulson, apenas. Qualquer outro que insista será devolvido em pequenas partes, e não estou usando metáforas. – Ela não esperou para ver o resultado, virando as costas e deixando o lugar a passos largos a fim de se encontrar com a filha, no momento vigiada e protegida por Barton e Rogers.

*

Tony olhou pelo retrovisor e brincou com Lucy, ao vê-la desperta e olhando pela janela:

— Agora você é minha, coisinha! Feliz? – Imediatamente, fez uma careta de dor com o tapa que Natasha deu em sua perna. – AI! Louca, eu estou dirigindo!

— Ela é sua só se eu estiver ausente, o que não vai acontecer. – No banco de trás, a garota riu da simulação de briga entre os adultos.

— Assim você fere meus sentimentos, Natasha! Eu ajudei você, não ajudei? Quero dizer... Bem mais confortável continuar na Torre dos Vingadores, do que correndo pelo mundo trocando de nome.

— Se for para ouvir você se gabar disso todos os dias, eu realmente prefiro a segunda opção. – Sua voz fingia irritação, mas a telepata sabia bem a gratidão e o alívio que dominavam o coração da mãe. – Ainda assim... É, mandou bem, Homem de Lata.

— Vou contabilizar como um agradecimento.

— Foi um. Não se acostume. – A ruiva deu um sorriso de lado e se virou para olhar para a filha. – Como você está?

— Feliz de voltar para casa. Eu sei que você nunca deixaria me fazerem mal, mas tive medo... Medo de que machucassem vocês e me levassem para... – A vozinha infantil desapareceu enquanto pequenas lágrimas faziam seus olhos brilharem, sem serem derramadas.

— Não, Lucy. Nunca. Isso nunca vai acontecer, eu juro pela minha vida. – A mão de Romanoff encontrou a da filha, e então acariciou seu rosto. – Eu nunca vou permitir. Nenhum de nós vai.

— Odeio concordar com a sua mãe, mas ela está certa. – Confirmou Tony. – Se alguém quiser você, vai ter que passar por cima de todos nós, primeiro. E quem tentou, até hoje, não conseguiu. Você é nossa, coisinha, e ninguém vai te levar, não importa aonde.

Lucy segurou com força a mão da mãe contra seu rosto, beijando sua palma, e estendeu a própria mente à de Anthony e Natasha, fazendo questão de que sentissem todo o amor que tinha por cada um de sua família. A sensação fez ambos sorrirem sem sequer se aperceberem.

— Também te amamos, mini-Nat. Do tamanho do universo.

— Eu sei. – A pequena se enrolou no casaco de Tony e deitou outra vez no banco, sorrindo: estava em casa. Não era um lugar, mas sim qualquer situação ou localidade em que sua família estivesse. Serena, sentindo a proximidade de Steve e Clint, em suas motos acompanhando o carro, sorriu enquanto adormecia de novo, esgotada por tanta tensão nas últimas 24 horas.

Ao chegarem à Torre, a primeira preocupação foi cuidar de Lucy: dessa vez, os três homens acompanharam Natasha até seu apartamento, mais precisamente ao quarto da pequena. Enquanto a espiã dava banho e vestia uma menininha sonolenta, Clint preparou uma caneca de leite quente com mel para a afilhada, ao passo que Steve arrumou a cama e Tony configurou o teto para reproduzir o movimento das estrelas em tempo real, e o som ambiente com o leve coaxar de sapos e canto de grilos, como a pequena tanto gostava. Pegou o dragãozinho de pelúcia e, quando Romanoff colocou a garotinha na cama, após esta ter bebido o leite, arrumou o bichinho de pelúcia nos braços dela. Steve puxou os cobertores e aninhou a filha – pois era assim que a considerava – confortavelmente, beijando sua cabeça.

— Estamos todos aqui, mo bhanphrionsa beag (minha princesinha). Sempre.

— Ya liubliu vas. (Eu amo vocês) – Sussurrou a garotinha, de volta, antes de escorregar para a escuridão confortável do sono. Foi só após se certificarem que ela realmente dormia que os adultos se reuniram no andar de convivência, compartilhando uma bebida para acalmar os nervos e falar calmamente a respeito do que se passara.

*

Natasha gostaria de ter dormido, mas nem mesmo sexo com Steve conseguiu desacelerar sua mente, ou cansá-la o bastante para seus olhos se fecharem. Assim, finalmente desistindo das tentativas frustradas, levantou-se com os primeiros raios de sol, colocou roupas de exercício e desceu para o andar de treinamento. Não esperava, porém, encontrar Lucy ali!

Em silêncio absoluto, a espiã se aproximou o suficiente para observar a filha, que usava dois bastões curtos para “lutar” contra um boneco de treinamento, executando até mesmo desvios, recuos e bloqueios, embora o “oponente” fosse imóvel. No processo, usava as técnicas aprendidas com a mãe e os tios nos últimos meses, mas também alguns golpes básicos que Romanoff reconheceria apenas pelo som, gravados que haviam sido em sua mente a ferro e fogo pelo treinamento da Sala Vermelha. Não podia dizer que gostava de ver aquilo, mas tampouco diria não compreender os sentimentos da filha, e o quão necessário se fazia ensiná-la tudo e mais um pouco acerca da capacidade de se defender sem utilizar os próprios poderes de modo letal. Com um suspiro baixo, aproximou-se mais, revelando-se à percepção da menina, que se voltou ofegante e baixou os bastões.

— Bom dia, moy tsvetok (minha flor). Tão cedo, e já aqui?

— Sabe que eu preciso, mama. – Lucy se sentou nos calcanhares em posição de descanso. – A HIDRA não vai desistir de mim... E a SHIELD talvez também não. Da próxima vez... – Ela baixou o rosto, sobrancelhas franzidas. – Eu preciso poder me defender. Você é ótima, mas não é duas. E não posso usar meus poderes para tudo... Ainda não os controlo e, se matar alguém de novo... – Mais alguns segundos de silêncio, antes que erguesse os olhos. – Você foi e é a melhor. Por favor, ensine para mim. Ensine o que sabe. Pelo menos para eu poder me defender, e não ser só um peso inerte, se acontecer uma luta.

Romanoff suspirou pesadamente, pois aqueles pensamentos a haviam mantido acordada toda a madrugada, e ajoelhou no tatame diante da filha, imitando a posição desta antes de falar:

— Quis protelar isso o máximo possível, mas não acho que tenhamos escolha. Eu vou te treinar: não como eu fui treinada, mas de forma igualmente eficiente. Algumas regras, primeiro: - A criança continuou firme, apenas movendo a cabeça levemente em concordância. – Quando lutarmos, não pensarei como sua mãe, mas como sua treinadora. Se você cair, farei com que se levante. Se sofrer algum machucado, mas não precisar de cuidado médico, continuamos. Durante as sessões, não há espaço para diálogo: o que eu disser, deve ser feito.

— Sim, senhora. – A postura da criança era marcial, e o fato quase partia o coração da espiã, embora seu lado mais prático considerasse apenas as vantagens de sua filha já ter treinamento prévio.

— Não precisa mudar a forma como me chama. Mama irá servir. – A mulher se ergueu e tomou posição no tatame. – Nos últimos meses, ensinei a você katas, ataques e defesas. Agora, vai usar isso contra mim.

Lucy teria protestado, caso não soubesse ser incapaz de causar dano físico à mãe. Não importava o quanto tentasse, mesmo se seus golpes atingissem Natasha, ela mal sentiria. Assim, tomou posição, e iniciou uma série de golpes, dos quais a mais velha apenas se desviava, sem sequer descruzar as mãos atrás das costas. Não facilitaria para Lucy, porque ninguém que a atacasse iria facilitar.

— Mais rápido, Lucy. Pode fazer melhor do que isso. E coloque mais força em seus golpes. – Ela parou de se desviar e passou a aparar os socos com as mãos e braços, e chutes com braços e pernas, para sentir a força de cada movimento. Realmente nada mal, mas havia um longo caminho pela frente. Ao ver a garota desviar de seu centro de equilíbrio, usou uma rasteira simples para derrubá-la. – Foco em seu centro de equilíbrio. – E com essas palavras, fez uma demonstração de bases, e como se deslocar sem perder o balanceamento perfeito do corpo. Usou vários ataques simples, porém eficazes, contra o boneco de treinamento, e fez a menina os reproduzir diversas vezes, tanto contra o boneco, quanto contra si. E treinar com Lucy tinha um sabor agridoce: passar o que sabia à filha e ver o talento natural dela era um orgulho... Saber de onde haviam vindo as habilidades de ambas, e o receio da influência que o treinamento de combate poderia trazer à vida da garota, no futuro, amargava sua boca.

Estavam ali há pelo menos uma hora, quando as portas se abriram e Steve entrou no espaço, parando por um momento ao ver a cena. Quando Lucy foi ao chão, o americano se adiantou e estendeu a mão para ajudá-la a se erguer, mas Natasha desviou a mão do companheiro:

— Ela consegue levantar sozinha. Vamos, Lucy. – Em resposta às palavras da mãe, a pequena russa apoiou as mãos no chão e ergueu o tronco, dobrou a perna e apoiou-se no joelho, colocando-se novamente em pé. Com um sorriso de lado para Steve, declarou:

— Posso fazer isso o dia todo. – Ia tomar posição novamente, quando Natasha deu um tapinha em seu ombro:

— Está bom, por hoje, Lucy. Tome um fôlego. Não vai adiantar nada pegarmos pesado demais hoje, e amanhã você estar toda rígida. Vá se alongar, enquanto eu lido com o Capitão, está bem? – A espiã se abaixou e beijou o rosto da filha, que devolveu e pulou no colo de Steve, também dando um beijo em sua bochecha:

— Bom dia, papa! Não brigue com mama: ela está fazendo o que precisa, só. – E com essas palavras, desceu e foi para o outro lado se alongar. Se conhecia bem os pais, e os conhecia, eles iriam lutar um contra o outro até que um dos dois não conseguisse se levantar. Geralmente era Steve, mas eventualmente ele conseguia imobilizar a companheira. Bem eventualmente.

Enquanto a criança se afastava, Rogers esfregou a nuca, procurando palavras:

— Natasha, isso é uma péssima ideia. Tínhamos conversado de não colocar Lucy no tipo de vida que temos...

— Ela precisa conseguir se defender com mais do que seus poderes, Steve. HIDRA não vai parar, e a SHIELD pode ser outra ameaça. Lucy precisa saber se defender como um de nós. Não, eu não gosto disso, mas não vejo outra saída. Nunca pararão de caçá-la. E não estaremos eternamente de guarda: nossa filha vai crescer, e bem mais rápido do que uma criança normal. Temos pouco tempo para ensinar ao menos o suficiente para se manter viva. – Não sabia bem em que momento passara a considerar Lucy filha de ambos, mas não importava.

Steve não argumentou contra aquilo. Era pura lógica. Ninguém esperava que a menina se defendesse sozinha agora, mas em poucos anos seria uma mulher adulta e, mesmo se não levasse uma vida ligada ao ramo de atuação dos Vingadores, o mundo nunca se esqueceria de quem ela era filha. Esperar que fosse mais velha para ensinar poderia ser a escolha que colocaria uma bala na cabeça de sua garota.

— Pode ao menos pegar mais leve? É uma criança.

— É uma Widow em forma de criança. Seu corpo é mais rápido, resistente, forte e ágil. Confie em mim, Steve: não vou machucar minha filha. Não de um modo que a faça precisar de tratamento médico.

O Capitão estava inseguro quanto àquilo, e não sentia ser realmente uma boa ideia, mas não possuía melhor ponto para apresentar. Os eventos dos últimos dias haviam sido bem claros sobre o tipo de coisa que poderia acontecer por toda a vida da filha... Bom... Saber se defender não haveria de fazer mal.

— Sem causar lesões nela. De acordo?

— É claro que sim. – Romanoff revirou os olhos, agora com algum divertimento. – As lesões eu deixo para causar em você. – E com um sorrisinho travesso, tirou a regata e subiu para o ringue. – Você vem, Rogers, ou está com medo demais?

Balançando a cabeça com diversão, Steve foi atrás da russa, lembrando-se da primeira vez em que se haviam enfrentado em um ringue bem parecido com aquele.

 

Flashback on

Steve sentiu o ar escapar de seus pulmões quando bateu contra o chão com toda a força, sem sequer saber como havia chegado ali. Seu corpo doía absurdamente, e estava quase com saudades dos Chitauri... Pela primeira vez, ele até poderia fazer algo o dia todo, mas não significava que queria.

— De pé, Rogers!!! Não terminamos ainda, para você tirar uma soneca! - A voz de Romanoff era dura e firme enquanto a Viúva Negra se mantinha em prontidão, uma base de pés afastados, esquerda à frente. O Capitão hesitara nas primeiras vezes em fazer qualquer coisa que pudesse ser considerada menos honrada, mas, depois de ter o nariz quebrado e levar golpes que fraturariam braços, pernas e costelas de alguém sem o soro, em sua maioria mais do que traiçoeiros, começava a aprender que devia usar as menores brechas deixadas por Natasha. Foi assim que rolou sobre si mesmo e chutou o calcanhar esquerdo da ruiva com força. Ela se desequilibrou por uma fração de segundo, mas sua queda foi intencional, com o cotovelo se projetando com força na direção das costelas de Steve. Ele a segurou e virou ambos na tentativa de imobilizá-la, percebendo o engodo apenas quando as pernas da mulher se fecharam em redor de seu pescoço, apertando com tanta força que ele foi obrigado a bater três vezes na panturrilha dela, desistindo.

Romanoff soltou o colega e ficou em pé, pegando a toalha que deixara pendurada na parede para secar o suor do rosto enquanto esperava o americano se recompor.

— Já está cansado, Capitão?

— Posso continuar o dia todo. - O sorriso de canto de Natasha era difícil de decifrar: ela podia tanto estar satisfeita com a resposta quanto duvidando com leve deboche, ou mesmo se divertindo com a situação. - Para que isso, Natasha?

— Está em outros tempos, Capitão. Somos agentes de campo, não soldados, e você precisa melhorar nisso. Seus inimigos não vão ser Aliens ciborgues de baixa inteligência, nem soldados alemães. São assassinos, sequestradores, espiões e terroristas profissionais, e nenhum deles vai te dar trégua. Precisa aprender a prever seus movimentos e estratégias, a lutar como eles, a ser melhor do que serão. E foi por isso que Fury me colocou para te ensinar. - Ela pendurou de novo a toalha, e Steve se sentiria menos desconfortável se a colega usasse pelo menos uma camiseta por cima do top e das leggings, mas modéstia parecia a última preocupação dela. Isso se não fosse proposital para deixá-lo ainda mais fora de sua zona de conforto.

Dias depois, vendo que a espiã sempre retirava a blusa para lutar, Steve decidiu perguntar:

— Você nunca usa camiseta no treinamento? – isso lhe rendera um sorrisinho maldoso de Natasha:

— Você é um frouxo. Ainda bem que foram os americanos que te descongelaram, e não os russos: na KGB, nem os chuveiros e vestiários eram separados por gênero. – Ela deu de ombros. – Seu corpo é uma arma. Não deve se sentir constrangido em expô-lo ou em ver o corpo de outra pessoa mais do que ficaria ao ver um revólver ou faca.

As palavras dela surpreenderam o americano:

— Você era da KGB? – Como podia? Natasha não poderia ter mais de trinta anos, nem em sonho!

— Achava que aprendi tudo aonde? MI-6? – Ela continuava mexendo na própria bolsa de equipamentos, que deixara pendurada num gancho da parede.

— É que... Você parece jovem demais para ter estado na KGB. – Sua intuição lhe dizia que não gostaria de ouvir a resposta, mesmo se Natasha se dispusesse a usar palavras, em vez dos punhos.

— Pense de novo, Capitão. – Como imaginou, sem respostas verbais. Mas não estava preparado para a colega sacar uma pistola e atirar repetidamente contra si, acertando-o com balas de borracha no peito e abdômen, levando-o ao chão. – E você foi pego desprevenido, de novo. Treinamento de hoje: combate contra oponentes armados.

— Você é incapaz de jogar limpo? – O Capitão gemeu enquanto se colocava em pé.

— Não é o foco, aqui. Ande, Rogers: em pé. – Ela respondeu sem emoção na voz, apenas aguardando pelo parceiro. Seria mais uma longa sessão.

Flashback off

 

Steve prendeu Natasha ao chão, imobilizando-a pelas costas, a garganta presa entre seus antebraços e a pernas prensadas entre as suas.

— Distraída, Romanoff? – Ele brincou, mantendo-se no lugar enquanto ela não se rendia. Não chegou a ver de onde veio o golpe com base de palma que o acertou em cheio no ouvido direito, atordoando-o por apenas um segundo, mas tempo suficiente para que, de súbito, o americano se visse em posições invertidas: a espiã às suas costas, usando as pernas para travar seus braços e o mesmo estrangulamento que ele lhe aplicara.

— Não, mas funciona para te distrair. – Ela rebateu, soltando o parceiro com expressão divertida no rosto. Ele quase vencera, na verdade, e o golpe no ouvido foi possível apenas porque ele realmente se distraíra, ao perceber tê-la imobilizada. Sorrindo, ela se colocou em pé e estendeu a mão para Steve. – Boa luta. – Foi só nesse momento que percebeu Lucy empoleirada no cavalo de ginástica, assistindo à luta com interesse.

— Estava prestando atenção, moy malenkyy pauk (minha aranhinha)? – Natasha ergueu uma sobrancelha em aprovação para a filha, que inclinou a cabeça com interesse:

— Mama, papa... Quando vou poder lutar assim?

O casal se entreolhou, um pouco tenso, e foi Steve quem respondeu:

— Você aprende depressa. Mas não precisa seguir o mesmo caminho que sua mãe e eu: para você, vai ser uma habilidade que esperamos nunca ser necessária.

Lucy entendia a vontade dos pais de protegê-la da vida que levavam, mas também se apiedava da inutilidade de seus esforços. Ela era uma Widow. Isso a seguiria para sempre, como seguia sua mãe. Ainda assim, sorriu e assentiu:

— Precisando ou não, um dia quero ser como vocês. – Com um pulo desceu do cavalo, e com um segundo subiu no ringue, passando por entre as cordas com agilidade. – Lutar tão bem quanto vocês lutam, e ser tão corajosa e boa quanto vocês!

Natasha vestiu a camiseta e pegou a filha no colo, enquanto Steve envolveu ambas num abraço terno, dizendo:

— Nisso, você já é muito melhor. Quanto a lutar, virá com o tempo, e treinamento, mas não estamos com pressa. Por enquanto, você é nossa garotinha, e não precisa se preocupar em ser nada além.

No fundo, nenhum deles precisava de telepatia para saber que, mesmo se o futuro não levasse Lucy a escolher a espionagem ou a defesa do mundo como trabalho, o coração, a coragem e a vontade de consertar as coisas da parte da criança, somados a seus poderes, habilidades e condicionamentos da primeira infância, fariam com que ela alcançasse facilmente, e mesmo ultrapassasse as habilidades maternas. E o mundo nunca se esqueceria do fato.


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Notas finais do capítulo

É isso, gente! E então? O que acham de toda essa situação?
Espero que tenham curtido, e me despeço fazendo os melhores votos para que todos fiquem bem.
#FiqueEmCasa
Beijos enormes, galerinha do meu coração!!



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