A Donzela com Azul nos Olhos escrita por Shalashaska


Capítulo 4
Armadilha




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Cair no sono não era exatamente o problema. O cansaço era frequente e logo abocanhava sua cabeça, obrigando-o a dormir na frente do computador — mesmo no seu escritório — ou com o tablet em mãos enquanto conferia os relatórios do dia já no seu apartamento. O problema que nem bebida, nem remédios conseguiram resolver era cair numa realidade distante, entre a areia e o sol. Isso sim o fazia acordar aos sobressaltos, prejudicava a qualidade de seu descanso. Seto Kaiba se questionava o que era real e o que era fantasia, e se Seth, quando dormia, sonhava com estranhas imagens desconexas do futuro. Pior era constatar que tais visões não se encerravam ao estar desperto. Não. Com os olhos bem abertos, ele testemunhava a figura que povoava seus sonhos.

Alva. Delicada e simultaneamente assertiva; a corrente de um curso d'água que não poderia ser parada. Ela estava lá, orientando sua equipe numa sala dentro da Corporação Kaiba, e quando Seto piscava de novo, a mulher vestia linho e estava próxima de papiros, sorrindo para ele. Não aguentava mais esses sonhos durante a madrugada ou então quando a via finalmente pela manhã, mas não conseguia — e nem desejava mais — evitá-la na empresa, ou ao menos não totalmente. Apesar de não engajar em conversas com Kisara e se limitar a trocas de mensagens polidas e profissionais por aplicativo, não mais fugia de sua presença dentro do prédio e até suportava permanecer no mesmo ambiente que ela. Notou que costumava comprar cafés especiais para a equipe e, ao menos uma vez por semana, alguma sobremesa interessante. Ela preferia capuccino ou chocolate quente à cafés logo cedo e depois passava para o chá durante a tarde.

Havia um quê de tranquilidade em ouvir sua voz, com aquele resquício de sotaque, e isto provocava aquela conhecida tempestade de lembranças que não deveriam ser suas: Kisara falando uma língua muito própria ao cenário dourado e quente da Antiguidade, Kisara rindo, Kisara reclamando de coisas que não faziam sentido para seus ouvidos. Ka, khat e ba, mais outras partes da alma. 

Talvez Seto gostasse de ouvi-la porque Seth gostava. 

Mas havia algo mais nesta sua versão do aqui e agora, algo diferente do Dragão Branco que escondia-se por debaixo de sua pele. Embora Seto Kaiba não quisesse travar nenhuma conversa que se mostrasse muito difícil com a moça, sua observação era atenta. Era algo diferente de cansaço, mais do que a melancolia que o sacerdote Seth ocasionalmente via em seus olhos: Pesar. Tristeza. Sentimentos que Seth tinha visto pouco em Kisara e por isso pareciam tão estranhos ao seu rosto agora, para Seto, tanto que o questionamento foi inevitável:

Seria ela quem estava procurando?

Argh, ele era um tolo! Não estava procurando alguém. Aquela história era bobagem e Kisara só tivera o azar de ser parecida com uma alucinação sua. O quase toque naquela manhã? Mera coincidência e pura falta de profissionalismo. Seto Kaiba tentava se convencer de que tudo era nada quando viu, além da tela de seu notebook, Kisara na sala seguinte. A parede de vidro polarizado, cujo controle de opacidade naquele instante deixava a superfície transparente, permitia uma observação ampla dos ambientes adiante e ele cruzou seu olhar com o dela.

E bastava um olhar para Seto ser inundado por memórias.

Ele piscou, ela também. Depois, Kisara acenou de maneira fraca, com a atenção dividida com o tablet que trazia em mãos e saiu em direção aos servidores do andar.

Quanto tempo até ele poder acionar a opacidade do vidro e deixar a imagem dela para trás? Não desejava ser rude demais, mas não queria que aqueles micro instantes de pseudo reconhecimento ocorressem de novo e de novo e de novo ao longo do dia. Dariam-lhe esperanças estranhas, espetariam seu cérebro. E então, quando julgou seguro, acionou o mecanismo do vidro por um controle em sua mesa e abafou o mundo externo. Bom, pois estava sendo arrastado por memórias de areia de novo.

Tentou segurar-se na mesa e naquela realidade, em vão.

 

O fogo era refletido pelos olhos dela, mas a cor de sua íris jazia líquida e brilhante. Talvez porque tinha chorado um pouco e aquilo o assustava. Sua expectativa era a fúria pelo o que acontecera naquela tarde, o mais completo — e justificado — desgosto que teria sentido na vida e então um ímpeto implacável de revolta. Quem sabe ocorresse justamente o contrário  até ficasse até um pouco feliz por afinal ter invocado o Dragão Branco de Olhos Azuis. Se nas catacumbas os olhos dela fulguraram alvos e poderosos enquanto o espírito do Dragão escapava de seu interior com um rugido, agora só havia tristeza em sua cor azul.

E Seth não sabia lidar com aquilo.

O ódio havia sobrado para ele, na verdade. Akhinad estava fora de si para achar certo retirar Kisara de seus aposentos a fim de levá-la a um duelo nas catacumbas. Tratou-a como uma criatura, uma prisioneira entre os demais e era certo que só fizera tal coisa por conta da ausência de Seth. Ele já tinha coisas demais a resolver — o desaparecimento do jovem faraó, o exército das sombras de Bakhur — e quando retornou ao palácio, foi avisado por um guarda que sua hóspede havia sido removida dali. Este fato por si já provocara-lhe aguda cólera, mas a ira deu lugar ao choque quando ele viu Kisara em uma arena construída muitos andares abaixo do nível térreo. O local tinha plataformas suspensas por correntes, onde os prisioneiros ficavam de pé, e bastava um golpe para que cedessem. A queda era fatal.

 As justificativas de Akhinad  para tamanho disparate não o convenceram:

Se o faraó estivesse desaparecido ou morto, necessitavam de outro soberano… E quem seria mais apto ao trono do que o sacerdote Seth? Sobre os prisioneiros lutando entre si com as criaturas associadas ao seu ka, a resposta era ainda mais simples: Akhinad estava somente levando o plano de Seth para o próximo nível, obrigando as criaturas — e os prisioneiros que as controlavam — lutarem para sobreviver. Fortaleciam-se e cresciam. Seth não desejava um exército para conter Bakhur? Então teria um. Ah, a menina branca? Se ela abrigava um poder imenso, teria que mostrá-lo e nada mais apropriado que o risco de morte para aflorar sentimentos intensos de auto preservação.

O sacerdote não podia permitir que a loucura continuasse, que Kisara saísse ferida, então invocou sua própria criatura para defendê-la. Nada saiu como ele queria e ao fim estava ele, pendurado com a mão direita numa fissura da parede e segurando a jovem com a esquerda. Um último prisioneiro espreitava-os com vil intenção, junto a sua criatura e prestes a atacar. Soltá-la não era uma alternativa, porém naquele ritmo a queda — a morte — tornava-se inevitável.

De súbito, Kisara revelou o Dragão Branco, mas não por sua vida. Pela dele. E, enquanto luz escapava de seus olhos e o Dragão tomava forma, Seth sentiu o peso dela na sua mão esquerda mudar. Seu corpo quase não se movia, o foco deixara seu rosto. O Dragão que Seth viu na infância tomou espaço de quase todo o calabouço com suas asas e escamas; o lampejo que saiu de sua bocarra explodiu o ar em pura luz. Estavam agora em segurança, apesar da destruição.

Kisara, por sua vez, não parecia ser mais que uma concha vazia.

Agora estavam em outro quarto dentro do palácio, perto dos aposentos do sacerdote e severamente mais vigiado. Os guardas tinham ordens claras de não permitirem que ninguém além de Seth se aproximasse, muito menos Akhinad. Já era noite e Kisara estava exausta. Aceitou um banho — e foi auxiliada pelas criadas dos palácio — mas não queria comer. Ele a convenceu a tomar um pouco d'água — já que se recusara a tomar cerveja ou vinho, opções que talvez lhe dessem um pouco mais de ânimo — e dar ao menos algumas mordidas em um pão embebido em mel.

Sentada em sua cama, ela encarava o nada com as mãos repousadas sobre o coração, quieta. Seth não sabia se ela sentia ainda o Dragão dentro de seu tórax ou se apenas brincava distraída com os detalhes de sua roupa. Ele quebrou o silêncio:

“Cheguei a pensar que talvez você não fosse quem eu pensava.”

Ela anuiu, sem entusiasmo na voz:

“O Dragão.”

“Sim. Mas…” Seth inspirou fundo. Parte de si desejava que ela fosse uma pessoa comum ou que os dois fossem. Podiam ter se encontrado em algum vilarejo logo na adolescência e então… Tudo seria mais simples. “Agora que sabemos que sim, é ainda mais difícil. Há pressa para aplacar o inimigo e…’

“Akhinad disse que talvez eu não sobreviva se tirar meu… ka.”

Ele sentiu um peso no estômago. Sim, Akhinad havia dito aquilo e provavelmente estava certo; Seth apenas não esperava que ela fosse escutar. Depois que finalizaram o duelo e escaparam da queda, Kisara desmaiara em seus braços e só acordou pouco antes de decidir tomar um banho. A divisão entre todas as nuances do espírito da jovem e o Dragão era impossível, assim como a própria Kisara havia lhe alertado: uma energia única. 

Akhinad disse ainda para que ele colocasse os sentimentos para trás em benefício do reino e Seth entendia bem as implicações por trás daquele aviso, pois estava ciente das conversas acerca de seu relacionamento com Kisara. Não existia a necessidade de cerimônia para selar um matrimônio — embora pudesse ser celebrado — bastava a decisão de viverem juntos e um contrato de comum acordo. E todos bem sabiam o tempo que os dois passavam lado a lado.

Ah, se soubessem também que ele só havia tocado seus braços, segurado sua mão...

Para o velho sacerdote, pouco importava se os sentimentos eram reais ou não. Queria que Seth a matasse. O Dragão Branco de Olhos Azuis seria seu, tornaria-se faraó. Era tudo o que alguém poderia desejar por um preço tão baixo.

E não havia nada mais caro para ele.

“Obrigada por me salvar, Seth.”

Ele expirou longamente, sentindo o peso da exaustão cair de uma só vez sobre si.

“Devo também agradecer por não deixar nós sermos mortos.”

Houve mais uma pausa. Kisara buscou seu toque, entrelaçando seus dedos com os dele num gesto despreocupado, embora sua pele estivesse fria. 

“Se vier a ocasião em que seja necessário escolher entre nós dois… Acredito que a decisão sábia é você.”

“Não será preciso pensar nisso.” Ele cortou aquele pensamento terrível. Jamais selaria seu espírito na pedra sabendo que a estrangeira não sobreviveria. “Encontraremos uma alternativa para Bakhur, para você… Sem que seja necessário escolher ou dizer adeus. Akhinad está fora de si, é insanidade. Não é uma escrava, uma coisa.”

Ela lhe ofereceu um sorriso tímido e triste.

“Bem, sim. Mas seria bom escolher, não? Caso nos deparemos com a situação.”

Era Seth quem não queria pensar em tal coisa. Só apertou um pouco mais sua mão com ternura, depois puxou-a um pouco mais para perto. Encostou sua testa na dela e fechou as pálpebras, ciente de que ela fazia o mesmo. Permaneceu um instante assim, sem uma única coisa em mente, apenas sentindo o contato físico. Os dois nunca deram nome ao tipo de relacionamento que tinham e nem mesmo passavam de um toque mais firme, um olhar mais longo. No entanto, para Seth tudo parecia estranhamente íntimo e natural ao ponto de que o silêncio era preferível a definir os dois com palavras. Em seguida, afastou-se e fez menção de sair sem responder ao questionamento sobre escolher entre ele ou ela caso o pior viesse acontecer.

“Descanse agora, Kisara.”

“Fique.” Ela segurou-o. “Ao menos até os sonhos me alcançarem, Seth.”

Não havia força divina ou terrestre que o removesse dali depois de tal simples pedido. A estrangeira deitou-se de lado, frágil, enquanto o sacerdote permanecia ao seu lado, sentado e hipnotizado demais com seu toque. Quando Kisara fechou as pálpebras, ele imaginou que seus sonhos alternavam entre a cor azul de sua terra natal e o céu em que o Dragão Branco voava. Desejou ver força, ira, júbilo, nojo ou quaisquer outros sentimentos nos olhos dela na manhã seguinte; tudo, menos tristeza. Seth tinha a sensação agourenta como se ela soubesse o próprio fim.

E o aceitasse, mesmo próximo.

Para Seth, seria como Apófis finalmente engolisse o Sol.

 

— Seto? Seto, os seus olhos…

O duelista piscou e lá estava ele, de volta a sua sala e com o notebook ainda ligado na mesa. Não tinha se passado muito tempo, mas seu irmão Mokuba estava ali, encarando-lhe com a expressão preocupada. Kaiba demorou um segundo a mais para processar as palavras dele e então passou as costas da mão direita sobre o rosto, enxugando o par de lágrimas que escorreram sobre sua pele sem que notasse. Seus olhos claros provavelmente estavam vermelhos, embora não pudesse conferir no momento.

— Muito tempo na tela, Mokuba. — Justificou, massageando as próprias têmporas. Ele já tentara estabelecer algum padrão para as memórias de Seth, algum ciclo previsível para que pudesse se preparar. Nada. E tal fato o deixava vulnerável a lembranças mais difíceis, geralmente as mais próximas da morte de Kisara. Acordava das visões com um novo luto no peito e daquela vez não foi diferente. Seth não previa o vinha a seguir, mas Seto Kaiba sim. — E sabe que meu sono não tem sido… Regular. Preciso de um colírio, apenas. E de um espresso.

— Precisa de um descanso, isso sim.

Fingiu que organizava uma pasta importante de papéis na sua mesa, depois desviou a atenção de volta para a tela do notebook. Era melhor parecer ocupado. Enquanto revia o andamento dos resultados de sua empresa — conferindo o ritmo da produtividade enquanto parte de seus melhores funcionários foi deslocada ao projeto — ele decidiu tornar o irmão o foco da conversa. Não era raro que ele fizesse visitas na Corporação Kaiba, tanto que podia até dizer que ele era capaz de exercer as mesmas atividades de funcionários competentes; no entanto, Mokuba ainda tinha uma vida escolar a cumprir.

— Já finalizou o trabalho de Literatura?

— Claro que sim, o que pensa que eu sou?

Um mentiroso. — Ele enfim o encarou deliberadamente. Havia uma nuance de vitória em sua expressão, coisa que Mokuba só reagiu com silêncio. — Acompanhei os lançamentos de tarefas no portal da sua sala há meia hora e não vi seu nome lá.

Mokuba deu de ombros e cruzou os braços.

— Ah, aquilo pode ser feito em no máximo duas horas.

— Ótimo, — Seto ergueu uma sobrancelha, ansioso para saber como o mais novo faria um trabalho decente sobre o Período Heian em apenas duas horas. Mokuba nunca copiava as informações da internet ou de livros conhecidos, pois além de uma alternativa óbvia, estava ciente que o irmão mais velho pegaria-o no flagra. — Então irei conferir de novo às cinco da tarde.

Talvez agora Mokuba lhe deixasse agora, pois tinha soltado um suspiro irritado e se afastado um pouco. Seto prosseguiu com sua análise na tela, acomodado na cadeira e até satisfeito por ter se distraído mais rápido da memória do sacerdote Seth. Não tinha tempo para lembrar de devaneios do egípcio sobre o dilema tolo de amar ou não a estrangeira. Era óbvio. 

Mokuba, por sua vez, vagou pelo ambiente, observando livros e arte que já tinha visto pelo menos cem vezes, e então sentou do outro lado da mesa, em vez de se afundar no sofá no canto esquerdo. Parecia entediado e distraído quando pegou o celular do irmão mais velho, mexendo em sabe-se lá o que até que levantou um assunto particularmente desconfortável:

— O que tem achado da senhorita Kisara? Parecia mais contrariado de tê-la aqui antes.

— Não há o que achar. — Ele suspirou. Os números na sequência da planilha eram estranhos e ele decidiu refazer os cálculos. Não olhava para o caçula quando respondeu: — Ela tem feito o trabalho dela, eu o meu, e as coisas têm seguido em um bom ritmo.

— Pensei que ao menos iria comentar algo sobre o rendimento ter aumentado. Todo mundo fala que ela é bem legal e, pelo o que eu pude conferir, ela é mesmo.

Seto parou. Mokuba estava certo, os números na tela não permitiam dúvidas. Apesar da expectativa natural de ver a produtividade diminuir com a divisão de equipes e a adição de tantas outras tarefas, a empresa não apenas superava a projeção inicial como também estava com o cronograma adiantado para o torneio. Era como se ele tivesse ativado uma carta de magia deveras rara e eficiente de seu baralho para vencer um duelo.

Mas o duelista não queria falar disso no momento.

— Por que então não passa na sala dela? — Sua voz subiu um tom, depois imediatamente ele repreendeu-se pela reação exagerada. — Mokuba, entenda: tenho muita coisa a fazer para ficar falando da Kisara, certo? Agora, se me dá licença…

O olhar do outro não era nem magoado, nem irritado. Muito pelo contrário, a expressão amena de Mokuba o deixou desconfiado. Soberbo demais, convencido demais. Estava prestes a questionar o que afinal queria dizer com aquele ar de vitória quando o mais novo explicou-se:

— Eu queria sim passar mais algum tempo com Kisara, mas tenho um longo trabalho de Literatura para fazer. Então achei melhor você ir no meu lugar.

Ele ergueu o celular do irmão, uma mensagem no Line para o contato de Kisara:

Kaiba, Seto:

Precisamos discutir detalhes do projeto. Está ocupada no final da tarde? Podemos tomar um café.

 

Seto estava lívido, frio e depois muito quente de constrangimento e ira. Sua voz não passou de um aviso entredentes, sem saber o que falar primeiro ou como reagir a tamanha petulância.

— Mokuba…

Mas ele não se deixou intimidar. 

— Seto, eu sei quem ela foi para você. Yugi… Yugi mencionou certas coisas que ocorreram no passado. No Egito.

E então sua cólera foi apagada. 

Bobagens. — Tentou não engolir seco, ou ao menos fazer com que aquele reflexo não fosse tão evidente. Ele sabia que Yugi ocasionalmente conversava com seu irmão depois de todas as desventuras que vieram a acontecer. Isso não o aborrecia tanto, mas não fazia ideia do conteúdo das conversas. Agora pensava seriamente em uma ordem de restrição. — Não vá atrás das histórias fantasiosas que ele e seus amigos têm a contar. Ora, vidas passadas no Egito? Por favor.

— Nem você acredita no que está falando, Seto. — Ele fez um gesto confuso e expansivo com o os braços, ainda com o maldito celular na mão. Viu que a marca de “visualizado” não tinha aparecido ainda no chat, então existia a esperança de apagar a mensagem e dar uma desculpa qualquer que a pobre coitada seria obrigada a engolir. Em seguida, veio o bloqueio de tela e Mokuba ainda não tinha devolvido-lhe o aparelho. Amaldiçoou o dia em que cadastrou a digital do caçula para desbloqueá-lo. — Se Kisara não é ninguém importante, por que a deixa controlar sua vida? Tem evitado-a há mais de vinte dias em sua própria empresa.

Seto Kaiba segurou o espaço entre os olhos, o dorso do nariz, e fechou as pálpebras. Para um garoto inteligente, seu irmão gostava demais de se meter na sua vida e tinha a tendência desagradável de achar que era... solitário. Ele só não tinha tempo para besteiras, mas era certo que um dia seria acometido por um aneurisma naquele ritmo. 

De repente, veio o som discreto do celular vibrando, o último barulho que Seto desejava escutar no momento. Abriu as pálpebras e observou o sorriso de Mokuba, que finalmente cedeu-lhe de volta o celular.

— Ah, ela topou sair com você.

 

 Kask, Kisara:

Claro. Só me diz o lugar e horário.

 

Seto Kaiba colocou o celular na mesa, longe o suficiente de Mokuba, mas de súbito pesado demais para que aguentasse segura-lo. Encarou o ícone on-line de Kisara por um instante a mais e depois bloqueou a tela sem responder.

— Onde irá levá-la?

— Não é uma reunião de trabalho? Posso só pedir café do prédio.

— Você não vai fazer isso. Existe também um lugar muito bom chamado…

— Já deu sugestões demais, Mokuba. — Respondeu, sem querer imaginar a quanto tempo Mokuba vinha preparando aquilo ou como afinal ele sabia de restaurantes destinados a um público mais maduro. — Deixe-me ao menos decidir isso agora.

A alternativa de somente pedir café — igual ela trouxera-lhe naquela manhã — era de fato um tanto ridícula para um dos empresários mais ricos do Japão, mas levá-la em algum lugar muito requintado logo levantava a questão do pagamento. Kisara certamente tinha um salário bom, mas não era proprietária da ADA e ele não sabia como tinha ficado sua situação bancária com detalhes depois de se mudar a trabalho. 

E não era nenhuma novidade que o aluguel em Tóquio não era nada convidativo.

Pagaria para ela, é claro. Só torcia que ela não pensasse nada demais naquilo, assim como ele tentava se obrigar a não pensar agora. Suspirou e seus ombros relaxaram a contragosto, num sabor estranhamente não tão amargo de derrota. E ele, nas raras ocasiões em que isso ocorrera, odiou perder.

Repousou sua atenção no pequeno lounge criado em seu escritório, utilizado apenas por Mokuba em suas visitas à Corporação Kaiba. A ideia do arquiteto ao planejar o espaço era que Seto Kaiba pudesse receber sócios de uma maneira mais informal e descontraída, embora ainda com sofisticação. O pobre bar só servia de depósito para saquê, vinho e whisky irlandês, nunca abertos em ocasião alguma. O sofá era escuro e de encosto baixo, próximo a uma estante com alguns livros e decoração, com uma mesa ao centro. Acima da superfície de vidro da tal mesa havia exemplares de um trio de revistas, semanalmente trocados: duas eram sobre negócios; a outra tratava de alta gastronomia, contendo avaliações minuciosas de restaurantes, chefs e até a clientela. Todas eram esnobes — o que combinava com o ambiente e com a aura que Seto Kaiba não se preocupava em transmitir, ainda que não fosse realmente um leitor assíduo de nenhuma revista — mas somente a última seria útil.

— Mokuba, me passe a Queijo&Vinhos. 

O caçula encarou-lhe com aquela maldita expressão humorada e discreta, característica de quem havia colocado uma carta armadilha em campo e sabia que iria ganhar a partida. Seto, por sua vez, esperava que ainda restasse-lhe alguma energia até encontrar-se com Kisara.

∆ ∆ ∆

A cafeteria criava um ambiente simultaneamente sofisticado e acolhedor com os tons de madeira e o metal acobreado no balcão, que também era espelhado. A familiaridade da arquitetura tradicional do teto e painéis de madeira, junto com o bambu na varanda externa conferia-lhe um toque essencialmente japonês, embora o restante dos móveis não deixasse dúvidas que aquele estabelecimento era moderno. Outro ponto positivo era a iluminação morna, que não serviria de holofote para o rosto do Seto Kaiba.

 Ele havia escolhido aquele lugar pela avaliação de pouco movimento em determinados dias e horários, mas excelente atendimento e aura não muito íntima, tampouco impessoal demais. Não era comum que fosse simplesmente abordado por outras pessoas — por não sair muito, por não ser exatamente um costume nacional o assédio absurdo de paparazzi ou fãs — mas preferia evitar qualquer tipo de intromissão em sua pouca vida particular. E, de fato, além do brilho vago de reconhecimento por parte dos funcionários, ele tinha sido deixado em paz com Kisara durante toda a conversa sobre o projeto.

Bem, ela tinha sido encarada algumas vezes também. Se isso foi motivado por sua evidente beleza, por ser estrangeira ou por estar acompanhando-o, Kaiba já não sabia dizer.

Falaram sobre o sistema de cadastro de compra de ingressos para o futuro torneio, que seria atrelado com uma comunidade online de duelos de cartas. O diferencial era a possibilidade de manter essa rede viva e atrelada ao novo estádio, oferecendo descontos em serviços oferecidos lá para quem fosse membro. O local atrairia turismo e consumo constantes, e justamente era essa a intenção: criar um ecossistema lucrativo e auto sustentável. Além de eventos — torneios, datas festivas, lojas,  competições de fantasias no estádio — seriam oferecidos eventos virtuais e atualizações constantes, o que por sua vez era um grande atrativo para quem estivesse longe do estádio ou até mesmo fora do Japão. Havia ainda o detalhe que a infraestrutura para manter tudo isso funcionando era robusta, coisa que a Corporação Kaiba poderia oferecer, e o design e funcionamento dessa nova rede ficariam a cargo da empresa ADA.

Kisara já tinha terminado sua sobremesa quando chegaram ao fim da conversa. Tomara um cappucino, comeu um sanduíche que supostamente era francês. Ainda impressionava ao duelista que aquela cafeteria fosse de uma franquia francesa, apesar do nome e da decoração bem… locais. Ele, por sua vez, optou por um café encorpado e forte, apenas acompanhado de torradas.

— Quando disse que queria discutir sobre o projeto, pensei que havia algo de errado, mas… Parece tudo dentro dos conformes. — Kisara deu de ombros e guardou seu tablet na bolsa, junto com uma pasta púrpura na qual na qual mantinha seu bloco de notas. Ele não fazia ideia do que ela havia escrito ali, pois estava tudo em estoniano, mas poderia julgar a caligrafia dela como um traço elegante, embora não pretensioso. — E pensei que escolheria outro lugar para me levar.

Seto não prestou atenção na última frase dela, mais preocupado com algo que tinha planejado de última hora em seu notebook. Foi uma ideia repentina e bem-vinda, embora não fosse admitir a ninguém, nem mesmo a Mokuba. E pensando no irmão, notou que havia passado ao menos duas horas do horário combinado que iria checar sua tarefa de Literatura.

Quem sabe ele tivesse planejado tudo aquilo para escapar de um trabalho escolar.

— Sim, de fato. Só estou pensando no design do estádio e ainda não chegamos a um consenso. — Ele colocou seu celular na mesa e abriu seu aplicativo particular de hologramas de alta performance. Ainda estava em desenvolvimento e aproveitava a mesma tecnologia de hologramas dos estádios de duelo, porém em menor escala. Pairando a alguns centímetros do celular estava um rascunho inicial da arquitetura do estádio, uma estrutura  majoritariamente ovalada, mas com ondulações em sua superfície branca. Era um golpe arriscado, tanto para vencer o torneio entre empresas quanto para fisgar uma memória em Kisara, entretanto Kaiba era um competidor de jogadas atrevidas e muito precisas. — Pensei em algo para simular dunas na arquitetura externa, celebrando assim as origens dos duelos no Egito. O que acha?

Ela demorou um segundo a mais para responder, um segundo que poderia não significar nada, mas que parecia um progresso para ele.

— É uma boa ideia. Não será caricato demais, nem vai destoar muito do bairro. — Sorriu. — Eu gosto.

— Então está decidido.

— E o orçamento, senhor Kaiba? — Ela apontou para o holograma, que ainda girava suavemente sobre o celular. — Você está sugerindo algo saído direto de Dubai.

Ele soltou um suspiro arrogante misturado a uma risada ácida.

— Seria mais fácil se o ministro apenas nos desse a liberação logo, a Corporação pagaria os extras.

O deboche nela era notável. 

— Tenho certeza de que não seria um problema para você. Vou conferir o que posso arranjar, tenho alguns arquitetos em mente que podem oferecer um acordo mais vantajoso e conheço um egípcio que prestaria consultoria para nós. — Kisara ergueu as sobrancelhas ao notar que estava sendo analisada atentamente por ele, embora não estivesse brava. Parecia, na verdade, até mesmo entretida com a situação e ofereceu-lhe uma expressão presunçosa. — O que? Você mesmo disse que precisaríamos de mais… Estratégia.

De novo aquela sensação de familiaridade. Era difícil demais não se deixar levar na conversa, não achar graça quando ela não ligava para suas declarações rudes ou esnobes. Tudo parecia um jogo e infelizmente Kaiba tinha sede de ganhar, embora a parte racional de si o lembrasse que aquilo era má ideia. Ele estava, talvez, impressionado de uma maneira positiva. Mas não iria comentar o caso, a distância era a melhor opção.

A mulher — O dragão? — que ele conheceu estava morta, ele a assistiu morrer. E, ainda assim, Kisara estava diante dele, uma completa e familiar estranha.

Uma vez que não havia mais o que se discutir, ficou claro que a pequena reunião estava encerrada e Seto Kaiba discretamente pediu a conta, pagando-a inteira. Se ela pensava algo sobre o assunto, não disse nada: limitou-se a estreitar os olhos e organizar seus pertences. Foi neste movimento distraído em que ela acidentalmente deixou cair sua bolsa e o conteúdo saltou de seu interior, espalhando-se ao chão. Seto Kaiba considerou que não seria de bom tom apenas assisti-la juntar as coisas do piso da cafeteria — ele era arrogante, não deliberadamente descortês em situações como aquela — e agachou-se para ajudá-la, o que logo mostrou-se uma tarefa um tanto reveladora:

Cartas de um tom rosa estavam soltas entre folhas de seu caderno, de uma marca que nada tinham em comum com as de duelo: Eram cartas de um desenho infantil japonês deveras popular há alguns anos. Talvez tratasse-se de um presente para si mesma que ela comprara em uma loja especializada em artigos do tipo, o que não deixava de ser um pensamento engraçado. Atitude de turista, coisa quase adolescente. No entanto, não somente aquilo captou sua atenção. 

Enquanto endireitava-se na cadeira, Seto Kaiba conferia cartas de duelo conhecidas e que compunham praticamente uma família: A Donzela com Azul nos Olhos; A Sacerdotisa com Azul nos Olhos; O Sábio com Azul nos Olhos, o Protetor… E bem, encarando a primeira delas — A Donzela — não era difícil notar semelhanças entre a ilustração e a dona da carta. Cabelos brancos. A relação com o Dragão Branco com Olhos Azuis. 

Ele queria dizer muitas coisas. Perguntar tantas outras. Só murmurou:

— Não pensei que duelasse.

Kisara parecia constrangida, mas sabia contornar o próprio desconforto com graça. Voltou a organizar os próprios objetos para dentro de sua bolsa, pegando as cartas delicadamente das mãos de Seto Kaiba.

— Gosto mais da arte e das supostas histórias delas, na verdade. — Deu de ombros, encarando com mais demora a Donzela com Azul nos Olhos. A Indústria Ilusão, criadora das cartas, não liberava o contexto inteiro por trás de cada carta, portanto as breves descrições deixavam muito à imaginação dos jogadores. No caso daquela em mãos de Kisara, não havia quase nada: apenas ilustrações que se conectavam e a habilidade de invocar o famoso Dragão Branco. Kaiba se flagrou questionando o que Maximillion Pegasus viu com seu Olho do Milênio ao criar tais personagens.  — É uma carta especial para mim.

Ele quase riu da ironia.

— Eu também tenho uma carta especial para mim.

— Eu sei. — O sorriso dela foi paciente e humorado, enquanto ele arrependia-se de ter caído na armadilha de Mokuba e ao fim falar coisas que não deveria. — Sabe, você nunca… Bem, não que seja uma pessoa muito pública, mas você nunca disse o porquê do Dragão Branco de Olhos Azuis. Acho… cativante alguém tão sério usá-lo como marca pessoal, como desenho fofo para as placas de segurança em obras…

Desta vez não foi capaz de controlar os músculos em seu rosto, esboçando um sorriso silencioso e discreto. Lembrava-se dos desenhos infantis nas ditas placas de segurança, uma versão cartunesca e adorável da temível criatura dos jogos de cartas. Sugestão do irmão mais novo. E lembrava-se também da visão fantasiosa e simultaneamente muito real que vira em cenários de outrora, o rugido do dragão sobre o céu desértico que ainda ecoava dentro de seu coração. Sem querer confessou:

— É um amor antigo. 

— Não é a resposta que eu queria, mas… me satisfaz. — Talvez nenhuma outra resposta fosse causar tamanho arrepio em Seto Kaiba. Ela falou de modo tão despreocupado, tão natural, que mal parecia ser praticamente a mesma resposta que ele ouviu em outra língua, em distantes memórias. E a despeito do brilho nos olhos dele, Kisara só baixou os olhos para seus próprios pertences enquanto completava: —  É uma criatura majestosa, de fato. Bela. 

Ela era bela. Etérea, se Seto pudesse caracterizar seus pensamentos de maneira mais sólida, embora não quisesse. Ironicamente, ele temia que a qualquer momento ela fosse desaparecer diante de si, assim como aquelas visões que ele tinha ainda desperto. Parte de si queria lembrá-la que o Dragão era poderoso, dotado de uma força fora desse mundo. A outra parte recordava a si próprio que ele enxergava tudo isso na mulher à sua frente.

Entretanto, ele apenas mordeu os lábios e deixou que o silêncio imperasse por minutos, ao mesmo tempo em que se preparavam para partir da cafeteria. Os dois já estavam na frente do local, abaixo do céu já um tanto escuro e com nuvens duvidosas. Poluição ou chuva? 

Os dois pararam na calçada, Seto esperando seu carro e Kisara com um guarda-chuva pequeno preso no pulso por precaução.

— Certeza que não vai querer carona?

— Não, está tudo bem. — Ela declinou a oferta de maneira educada. — Desejo toda a experiência de viver em Tóquio e isso envolve pegar o metrô.

Seto sacudiu a cabeça num gesto breve, tentando não ficar muito entretido com a falta de praticidade naquela lógica. Não tinha pesquisado mais a fundo para saber onde sua parceira de projeto estava morando em Tóquio, mas esperava que não ficasse tão longe assim. Sobrou-se apenas a opção de desdenhar um pouco daquele pensamento de turista:

— Suponho que já andou no cruzamento de Shibuya.

— Duas vezes.

Então algo que anteriormente escapou de sua atenção voltou a ocupar sua mente, tanto que ele não resistiu questionar:

— Quando disse que pensava que eu escolheria outro lugar, onde você pensou que nós fossemos?

— Bem, existe um restaurante relativamente novo que todo mundo anda falando, até… Até seu irmão comentou comigo. — Ela riu um pouco. — Chama-se Akai Ito.

 O carro elegante de Seto Kaiba — não a limusine, e sim um modelo mais curto para viagens mais rápidas no trânsito que já começava a aumentar — parou e o motorista aguardava seu patrão, mas Seto não teve pressa. É claro que Mokuba queria se meter entre os dois, e é claro que ele falaria de algo deveras sugestivo apenas para provocar o irmão. Akai ito, o fio vermelho do destino que conectava duas pessoas. Ele poderia ficar mais irritado se não estivesse impressionado.

— Talvez numa próxima vez.

Kisara ofereceu-lhe uma expressão que ele não conseguiu bem distinguir qual era. Ceticismo? Divertimento? Ela só abriu o guarda chuva azul quando pingos gelados começaram a cair e respondeu: 

— Vou manter isso em mente ao organizar minha agenda. — Ela fez uma mesura cortês antes de partir. — Boa noite, senhor Kaiba.

Já dentro do carro, ele culpou a cafeína do espresso por acelerar seus pensamentos, os batimentos dentro de sua caixa toráxica. Quem sabe precisasse de outra coisa para aliviar a sensação sufocante que se esgueirava dentro de si, embora tivesse plena consciência que o saquê não seria de nenhuma ajuda. Ele tirou o baralho do bolso interno de seu longo casaco, observando justamente a carta que era sua marca no mundo de duelos: O Dragão Branco.

 — O que é você?

Um fantasma? Um teste? Nada?

Algo dizia dentro de si que talvez fosse uma segunda chance, mas Seto identificou aquilo como um vago otimismo, sem razão alguma para concretizar-se. Ele não ansiava aquilo, a vulnerabilidade que fazia uma única pessoa virar seu mundo de cabeça para baixo e todas as suas convicções transformarem-se em pó. Kisara mexia demais com a sua sanidade e, se fosse apenas isso, haveria conserto. O pior era mexer com seu coração.

O qual, até o momento, só se lembrava da existência ao lidar com Mokuba.

Ele não queria pedir à nenhuma entidade proteção ou fazer quaisquer preces — não era um sujeito inclinado às súplicas a um poder supostamente maior — mas se flagrou pensando que, se aquela criatura lhe acompanhava de algum modo, que então ao menos evitasse um novo desastre. Ele já tinha perdido demais e Kisara não mereceu — e ainda não merecia — quaisquer peças de tragédia, belas e tristes. 

Histórias assim deveriam se restringir aos trabalhos de Literatura do irmão mais novo.


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Notas finais do capítulo

* As cartas rosas eram as Sakura-Cards, de Sakura Card Captors
* Indústria Ilusão e Maximillian Pegasus = criador dos jogos de duelo na lore de Yugioh.
*O Kitsune Cafe realmente existe!
*A revista Queijos&Vinhos é uma referência a revista de mesmo nome da fic Cam Girl: Online! A autora, a LoreyuKZ, autorizou e eu recomendo todo mundo ler a fic dela!



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