A Donzela com Azul nos Olhos escrita por Shalashaska


Capítulo 3
Toque Fantasma


Notas iniciais do capítulo

Olá! Sim, demorou mas aqui está um novo capítulo. Outras fics acabaram entrando na frente, mas detesto deixar fics incompletas. Não há imenso desenvolvimento nesse cap - só um começo - e prometo que os próximos irão garantir mais interações entre os personagens. Uso travessões para indicar diálogos no tempo presente e aspas para diálogos no Egito. Boa leitura!



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A luz do final da tarde tingia o cômodo com um tom dourado, diáfano. Somente quando as sombras dançaram — ainda muito cinzentas nas bordas dos móveis — que Seth notou que logo deveria acender fogo para iluminar o local e que já havia se passado horas de estudo junto com a estrangeira. Ele podia justificar seus longos encontros com Kisara pelo simples motivo de que era necessário conhecê-la melhor. Como sacerdote e responsável pela segurança do faraó, era seu dever investigar melhor a estranha que abrigava em si um poder dos deuses — e deste modo, ele esperava saber de uma maneira de retirar tal força dela para selá-la numa pedra, assim como ocorria com todas as criaturas seladas. Faria parte do poder do faraó e seria invocada ao comando dos Guardiões do Milênio para derrotar Bakhur, que não poupava esforços para lembrá-los que estava sempre à espreita.

Esperando.

No entanto, havia mais do que puro dever nessas horas gastas ao seu lado. Apesar de não elaborar em maiores palavras e muito menos proferí-las em voz alta, Seth intrigava-se ainda pela mulher. Escorreram alguns dias desde o momento em que resgatara-a das ruas junto com Chaddad e a mudança fizera bem à ela: sua pele alva tinha mais viço, o cabelo mais brilho. Os hematomas roxos aos poucos desbotavam-se de suas pernas e força voltava a sua voz, embora a força jamais deixasse seus olhos. Kisara muito bem podia ser gentil e até mesmo silenciosa, mas tais trejeitos não o enganavam. Ela tinha grande ferocidade, um tom de desafio na cor azul de suas íris e até um vislumbre de raiva.

O sacerdote observara bem seus olhos em suas primeiras conversas.

Kisara reconhecera-o daquela memória distante, quando Seth não passava de um menino e salvou-a dos comerciantes de escravos, mas — mesmo em suposta liberdade —  ela não tinha sido poupada pelo ardor e secura do deserto, a aridez com a qual um estrangeiro poderia ser tratado em terras distantes. Suas palavras pareciam escorrer azuis no ar, ora muito líquidas como a noite, ora duras e resolutas como o brilho de uma pedra preciosa. Lazúli, talvez.

No entanto, o olhar dela naquele final de tarde estava perdido no portal que dava para área externa dos aposentos de estudo e descanso do sacerdote. Lá, havia o material e todos os papiros que Seth precisava —  ao contrário do quarto que ela ocupava no palácio —  porém, nenhum deles provocava interesse na jovem naquele instante. Seu rosto inclinado encarava o verde das plantas, o reflexo do sol poente no espelho d 'água. Talvez seus pensamentos estivessem mais longe ainda.

“Ao menos está ouvindo?”

Ela se virou para Seth, sua atenção finalmente fisgada. 

“Sim, estou.”

“Então vamos rever o que disse-lhe, sim?” Ele ergueu uma sobrancelha, o tom severo. Indicou um desenho no papiro sobre a mesa, passando os dedos sobre a figura com forçada paciência.  “O ka é a força vital de uma pessoa, aquilo que distingue um ser vivo daquele que está morto. É soprado por Meskhenet durante o nascimento e escapa de nosso corpo na hora da morte…”

Ele parou para conferir se a moça prestava verdadeira atenção nos esclarecimentos ou na figura, mas o olhar dela agora estava repousado sobre ele e algo dizia-lhe com convicção que ela não estava pensando sobre os elementos que narrava. Por um instante, Seth achou que falava rápido demais ou com termos que ela ainda não conhecia. Parecia uma justificativa coerente se Kisara já não estivesse habituada à língua e aos deuses. 

Na realidade, a moça não se distinguia de uma pessoa comum no quesito cultura local. Sabia dos ciclos de cheia do Nilo, da relação de Rá com o faraó e o perigo de Apófis. Se não fosse da cor da lua como ninguém mais era, seria muito bem como qualquer outra.

Seth apenas não se sentiria à vontade se ela optasse por certos trajes ou tecidos que revelassem um pouco mais de sua pele. Era algo rotineiro e não despertava nenhum olhar  diferente dele nas mulheres, mas o pensamento de ver Kisara assim… Obrigava-o a inspirar mais fundo. Felizmente, ela preferia o sólido linho.

De súbito, a expressão quieta dela cedeu lugar a um ar de riso. Houve quase o pânico de que ele tivesse visto seus pensamentos com aquele seu par de olhos atentos demais, mas ele sabia que era impossível. Não era? Só endureceu a face e soltou um sibilo irritado:

“Não vejo humor em se discutir sobre o ka e outros elementos da alma”

“É claro que não.”

E então silêncio. Seth era habituado a ele, um apreciador do som vazio do vento e do crepitar do fogo, de modo que era simplesmente contraditório que não gostasse tanto assim da quietude dela. 

“O que está pensando?”

“Sobre a alma.” Respondeu, sua voz um pouco rouca e longe. “Vocês dão tantos nomes e particularidades para algo que é único. Uma força só, que nos anima durante a vida e nos deixa quando morremos.”

“E o khat?”

“Uma concha.” Disse ela, sem dar muita importância ao corpo — o khat — quanto Seth ou qualquer outro sacerdote gostaria. A comparação, no entanto, surpreendeu-lhe. “Necessária para nossa sobrevivência neste mundo, é claro. Mas ainda assim uma concha, o que está vivo é ainda mais macio e está dentro. Sobra a concha e o interior se esvai.”

“Ideia demasiadamente simples. E o que acontece com essa única força quando afinal se esvai, Kisara?“

Deu de ombros, a sombra de um sorriso em sua face.

“Ninguém sabe. Há quem diga que retorne para uma nova concha, que podemos também transitar, enfim livres. E há quem afirme que iremos para um outro… Mar. São os mistérios da vida e da morte.”

Ele desejou ouvi-la falar mais, narrar noite e madrugada adentro — quando a lua estivesse alta e ela fosse atingida pelo brilho alvo —  tudo o que se passava atrás de seus olhos emoldurados por kajal. Não era raro escutar sobre as crenças dela e de seu povo esporadicamente, coisas que ele desejava saber mais ainda que fossem contrárias ao que ele aprendera com fervor na Per Ankh. Dissera anteriormente que vinha de uma família distinta do outro lado oceano, uma linhagem de sacerdotes — por mais que seus deuses e ritos fossem diferentes ao que ela via dentro destas fronteiras. Sua família navegava pelo Oeste quando foram atacados e levados até aquela terra estranha, dourada. Separaram-se e, desde então, ela não encontrava-se com alguém de seu sangue. 

Parte de Seth ardia por ouvir mais de sua voz. A outra parte o colocou de volta na sua posição distante e severa de sacerdote.

“Se quisermos ter sucesso em meu plano, precisamos identificar onde o Dragão Branco se esconde dentro de você.” Afirmou, seu tom sério. “Não o invocou em nossa presença e não desejamos arrancá-lo junto com sua vida.”

E então aquela faísca nela, a calmaria frágil. 

“Não achei que fizesse diferença.” Kisses só piscou, sucinta. Uma pessoa em sua posição deveria agradecer pelo faraó levar em consideração sua vida quando tudo mais estava em jogo, mas ela não estava errada no amargor de suas palavras. “Seth, me responda. Sou uma prisioneira aqui?”

“Considere-se uma… Hóspede.”

Não era o que ele queria dizer, não era o que ela queria escutar. A mulher suspirou e acariciou os adornos nas vestes, ainda não muito acostumada com a riqueza dos trajes. Naquele momento, foi a vez de Seth afinal enxergar o que Kisara pensava: considerava o interior do palácio — apesar da opulência, boa alimentação e luxo — uma prisão. Uma gaiola de ouro, é verdade, mas ainda uma gaiola. 

“Lá, entre o seu povo, sou a amaldiçoada. Sempre fui íntima demais da sensação de cordas ao redor de seus punhos, de comentários vis e pedras... Até você chegar. Antes, só uma criança. Agora, um homem feito. Seth,” Ela segurou o pulso dele, ainda apoiado sobre a mesa. “Sou grata à você e desejo ainda lhe retribuir, já disse-lhe isso. Se lembra?”

“Sim, Kisara.”

“Mas quero que saiba que, mesmo querendo te ajudar, não tenho certeza ao certo como as coisas funcionam. Como o Dragão deixa meu corpo.”

“Sua concha.”

“Exato.” A expressão de seu rosto, bem como a pressão que aplicava na mão para segurar seu pulso, suavizaram. Se ela de fato soubesse como invocar o Dragão, certamente as coisas teriam sido muito diferentes em sua vida. “E preciso saber de volta o que será de mim depois que o Dragão se for. Voltarei a ser menos que uma escrava?”

Ele repousou a outra mão acima dos dedos dela, apertando-os um pouco. Não pensou muito sobre o gesto, só queria que o calor dele a assegurasse que nada de mal lhe ocorreria.

“Eu não estou interessado apenas no Dragão. Digo,” Ele engoliu seco e tentou se corrigir, por mais que todos os sentidos da afirmação anterior fossem verdadeiros. “Se o faraó fosse apenas usá-la, isto já teria sido feito. Não há desejo em matá-la, Kisara. Por isso estamos estudando. E depois que o ritual for feito… Ficará bem, acredite. Confesso que eu sentiria falta das conversas sobre conchas, se acontecesse o contrário.”

Kisara brincou um pouco com os dedos dele, experimentando o toque como se há muito não soubesse como era a sensação. Entrelaçou sua mão com a dele, depois a soltou. Era inevitável comparar o tom de sua pele com a dele, uma beijada pela lua e a outra pelo sol.

“Essa resposta não deveria me satisfazer, mas… Satisfaz.” A moça ofereceu-lhe um sorriso discreto, depois prosseguiu com um tom de aviso. “Ao menos por enquanto. É bom saber que ao menos consigo entretê-lo com nossas conversas, sacerdote.”

Ele anuiu e se levantou, fechando o papiro. Não deixou que visse sua face tensa, incerta sobre a leveza do momento e o peso do seu coração. Chamou os criados para acenderem as lamparinas a óleo e dispensou a estrangeira, instruindo-lhe sobre o horário da ceia e, por último, lembrando-a que continuariam os estudos no dia seguinte. Kisara partiu, confusa e silenciosa de novo, escoltada por guardas.

Em seu íntimo, Seth temia que Kisara conseguisse mais do que entretê-lo. Ainda sentindo o toque suave dela em seu braço, divagava sobre a possibilidade estranha e tangível de ser o prisioneiro de uma emoção que não deveria se rastejar por dentro de seu tórax.

Seto Kaiba despertou em um sobressalto ao escutar o ruído abafado da porta automática. Seus olhos demoraram a se ajustar ao tempo presente e ao local onde jazia debruçado, confuso ainda com o sonho — ou melhor, a lembrança. Se em sua última visão a noite caía, agora a luz que adentrava o vidro era muito pálida. Amanhecia, as lâmpadas frias da sala estavam desligadas e sobrara-lhe apenas a iluminação desestimulante das telas e dos painéis. 

Ouviu o som de passos, um suspiro um tanto surpreso. E, de súbito, uma luz foi acesa.

Kisara encarava-o com o rosto inclinado, os longos cabelos presos em um rabo de cavalo alto. Ele não acreditava em destino, não ousava acreditar. No entanto, tinha que admitir o humor pérfido de certos fatos improváveis. Ela, o rosto e o nome exato de suas visões de um distante passado, no mesmo lugar que ele. Podia ainda enxergar o linho sobre seu corpo, por mais que a moça estivesse vestindo algo mais apropriado a este século: uma blusa branca de gola alta e calças de corte reto, pretas. Seu casaco lilás ainda estava pendurado em seu antebraço.

O que ela enxergava de volta? Era uma pergunta infelizmente frequente na cabeça dele, por mais que sufocasse tal questionamento com coisas mais urgentes como a maldita competição que havia se metido e como iria entregar o projeto em três meses. Os olhos de Kisara testemunhavam visões ancestrais de um homem vestido de azul, com kajal nos olhos e uma Relíquia do Milênio em mãos? Ou um duelista cansado, o CEO estranhamente popular demais para seu comportamento nada social?

Não passou mais do que alguns segundos naquele impasse. 

— Você deveria dormir direito. — Ela comentou, aproximando-se para colocar o casaco no encosto alto de uma cadeira e a bolsa pequena acima da mesa. — Melhor se fosse em uma cama, senhor Kaiba.

Ele queria dizer que ela não deveria se preocupar com horas extras e adicionais noturnos a serem pagos, uma vez que ninguém mais cumpria os mesmos horários estranhos do que ele. Não era absolutamente novidade alguma que virava a noite trabalhando ou acabava cochilando durante a madrugada. E apesar do senso comum dos horrores de se trabalhar na Corporação Kaiba, seus empregados eram sempre muito bem pagos e só meia dúzia de funcionários pessoais estavam sujeitos à instabilidade de seu humor. De qualquer jeito, nada iria afetar o orçamento estipulado. Ele era o chefe e não tinha que pagar a si mesmo ou se forçar a trabalhar dentro dos limites estabelecidos pela lei, então não via razão de Kisara demonstrar preocupação. 

Mas não disse nada disso, pelo contrário. Nem mesmo quis repreendê-la por não ter lhe dado um bom dia educado, não era assim que a dinâmica entre eles funcionava — se é que podia dizer que tinham uma dinâmica e que esta funcionava ou não. Apenas aproveitou a claridade para observar a cor das olheiras dela, seu tom de voz um tanto cansado.

— Fala isso, mas chegou muito cedo, senhorita Kask. Também não dormiu bem.

Foi apenas um segundo, mas ela vacilou. Seto Kaiba pode notar o distinto faiscar de seus olhos, muito mais parecidos com a mulher que conhecera há milênios do que essa a sua frente. Então ela cruzou os braços e suspirou, desviando seu rosto.

— Deve estar ainda com sono. Se a memória das últimas três semanas ainda não foi deletada do seu cérebro, eu sempre chego nesse horário. A diferença é que não entro no seu escritório, você que está em outra sala.

Ele afinal voltou a realidade por completo. Estava no Japão e haviam se passado já dias desde que começara o desenvolvimento do projeto junto com ADA. Kisara coordenava uma equipe no país oriental e mantinha contato remotamente com sua base, enquanto Seto prosseguia com o comando do resto. Sim, tinha virado aquela madrugada conferindo os avanços da equipe e auditando certos códigos, mas para agilizar o processo… Entrara naquela maldita sala cujo sistema de climatização deveria ser corrigido o quanto antes.

Permitiu-se passar as mãos pelo próprio rosto num gesto discreto e muito, muito exausto. Massageou as têmporas e mal viu Kisara sair da sala, sem saber se ela mencionara ou não o motivo de sua ausência. 

É claro que se recordava das últimas três semanas. Vinha tentando evitar encontrar Kisara pessoalmente desde então, limitando-se a trocar e-mails com ela e mensagens instantâneas por aplicativo de celular. Mal parecia que se conheciam — levando-se em consideração os milênios ou não — muito menos que trabalhavam juntos no mesmo prédio. Entretanto, frequentemente ele se flagrava encarando o ícone verde e on-line dela no aplicativo de mensagens. Esperando alguma coisa, qualquer coisa. Hesitante e patético.

Ele não tinha mais do que suas contas no Line, Twitter e Instagram, todas utilizadas para fins corporativos. Não sentia falta de nada que tais redes sociais ou outras pudessem oferecer, afinal, não era uma pessoa muito social de qualquer modo. Ainda assim, ignorou seu imenso orgulho para ceder a tentação e conferir os perfis da senhorita Kask. Não ficou nada surpreso em descobrir pouca coisa. Além do Line, só uma conta no Instagram, aberta para visualizações — mas sem muito conteúdo. Ela gostava de literatura e artes, postando esporadicamente o que estava lendo em stories ou alguma visita a museus. Tinha fotos com colegas de trabalho, mas Seto Kaiba não compreendeu as legendas, pois não falava estoniano.

Compreendeu somente que estava em sérios apuros para chegar ao ponto de stalkear a pobre coitada. 

Não era justo com ela, sendo sincero. Não era culpa que tivesse as mesmas feições que a alucinação em sua cabeça, a visão do Egito. Não podia — e nem verdadeiramente — queria cobrar nada dela, nem mesmo o reconhecimento. Apesar de não ser sua intenção manter o tom rude de maneira deliberada e crua, talvez fosse melhor mantê-la afastada. Na melhor das hipóteses, a moça da Estônia ficaria longe de uma pessoa instável e com desilusões preocupantes. Na pior, quem sabe Seto Kaiba estivesse poupando-a da repetição de algo terrível do passado, algo inocente que terminava em morte.

E mesmo que toda aquela loucura fosse verdade, o quanto era verdadeira? Se bem recordava-se, Kisara não queria ser uma escrava, então ele não a aprisionaria aos grilhões de um amor — uma história trágica — do passado. Se o destino, coisa que ele se recusava a acreditar, impunha emoções entre indivíduos, ele então não considerava tal sentimento real. Mas nada adiantava evitá-la pela manhã quando sonhava com ela de noite.

Ele então viu um copo de café ser colocado à sua frente. Espresso quente, sem açúcar. A escolha perfeita para quando era ainda muito cedo e ele precisava de algo mais forte para começar o dia. Kisara deu de ombros quando recebeu um olhar desconfiado dele, um copo maior de capuccino em suas mãos magras.

— Vou conferir os arquivos da minha equipe no outro andar. Tente comer algo depois.

Ela parecia quase distraída quando bebericou um pouco do capuccino, sua mão direita solta ao lado de seu corpo e próxima do braço esquerdo dele. Pensava em coisas do trabalho, provavelmente, sem fazer muito caso do humor dele ou da própria gentileza de oferecer-lhe um café. Encarava o nada. E, talvez por estar um tanto distraída, não tivesse percebido o gesto de segurar o antebraço de Seto Kaiba, num toque que parecia muito próprio e natural das pessoas que ambos já não eram mais.

Kisara recolheu a mão antes que de fato o tocasse e aquele gesto permaneceu fantasmagórico, incompleto. Dolorosamente suspenso no ar. Por sua vez, o rosto dela congelou-se numa expressão vazia, muito lívida por ter quase feito tal coisa mesmo ciente de que a cultura dele não era dada ao contato físico entre pessoas não muito íntimas, principalmente quando a relação era puramente profissional. Pior foi enxergar algo mais do que embaraço de Kisara, aquela faísca de reconhecimento que nem a maquiagem acima de suas olheiras poderia apagar. Era como se em um átimo os dois tivessem sido jogados na memória dos aposentos do sacerdote Seth, entre a conversa dos elementos da alma, conchas e o ímpeto de se tocarem.

Ele viu o deserto nos olhos dela e aquilo sim provocara-lhe arrepios que nem o café fervendo poderia aquietar. Levantou-se e pegou o copo que ela trouxera, ávido por escapar de sua presença.

— Estarei no meu escritório. — A voz dele foi indiferente, embora seu interior não estivesse nada tranquilo. Quem sabe home office por três meses  fosse a melhor opção independente dos comentários que isso causaria, mas… Girou os calcanhares e lá estava Kisara, sua face perdida e quieta. E, por mais que fosse pior a possibilidade de que sim, ela o reconhecia, Kaiba não conseguiu se ater ao objetivo de afastá-la a todo custo. — Obrigado pelo espresso.

Rumou para sua sala com discreta pressa e desabou em sua cadeira de encosto alto. Três semanas, pensava o duelista. Pegou a carta do Dragão Branco de Olhos Azuis de seu baralho — que sempre trazia consigo — e ficou a encarar a cor da íris da criatura, atento à sensação de familiaridade e proteção que ela lhe causava.  Pediu que saísse ileso daquela história toda.

Faltavam outras nove semanas.


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