Além do Fim escrita por Lucca


Capítulo 10
Fogo e Ira


Notas iniciais do capítulo

Asgard tem inimigos que sabem como promover a dor.

Boa leitura.



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A tarde fresca do final de outono era o convite perfeito para se juntar às crianças sob a árvore da vila e ouvir ledas e mitos asgardianos. Tentação irresistível para Sif que se apressou em se aprontar para ir ao encontro dos pequenos que se tornaram grandes na sua própria história.

Assim ela passou aquelas horas agradáveis. E também contou um pouco das aventuras que viveu ao lado de Thor em diversas guerras ou em Midgard no confronto final contra Thanos. Ela e a senhora Iduna sempre salientavam ao final que todas àquelas lembranças serviam para que não se esquecessem de cultivar a paz como um dom valioso de um povo.

A rotina estava chegando ao seu final quando o firmamento estremeceu no horizonte. Uma fenda se abriu diante da lâmina da espada de fogo Crepúsculo de Surt dando passagem para gigantes de fogo de Musphelhein.

Sif amaldiçoou o destino por ter levado seu irmão Heimdall. Se ele ainda estivesse vivo, teria avisado do ataque com antecedência. Rapidamente, ela olhou ao redor procurando um abrigo para as crianças. Haviam casas não muito longe dali, no redor da praça, mas a corrida até lá aconteceria a céu aberto e os gigantes poderiam visualizá-los. Então ela olhou para si mesma. O vestido de lã verde com detalhes em ocre estava longe de ser uma roupa adequada para uma batalha. E sequer uma arma ela tinha. Mesmo assim, a necessidade de proteger os pequenos gritava alto em seu peito. Ela precisava agir. Rasgou a saia ao meio e amarrou as partes nas pernas para ter maior mobilidade. Se livrou das mangas largas e buscou algo que pudesse servir de arma. Nada. Tudo que havia ali eram os galhos da árvore que provavelmente se dissolveriam em contato com a pele flamejante dos gigantes de fogo.

Mas a Deusa da Guerra não foge à batalha. Se os galhos eram tudo que tinha, seriam usados. Analisou qual teria a espessura e formato mais adequado para uma lança e escalou pelo tronco até alcançá-lo. Um, dois, três golpes violentos com toda a força de seu pé não foram suficientes para fazer a madeira romper. Ela subestimou a força daquela planta.

— Nogueira Njord – disse Iduna que acompanhava todo o esforço de Sif – uma das madeiras mais resistente de Asgard. Foi usada na confecção de armas por nossos ancestrais.

Sif respondeu com um sorriso e um acenar de cabeça para a informação. Mas por dentro ela  pensava “merda!” porque não seria fácil romper aquele galho.

— Use seus cabelos! – Iduna aconselhou – São fortes e romperão a madeira.

Imediatamente ela obedeceu. Enrolou uma farta mecha de cabelo ao redor do galho e usou toda a sua força para que o nó partisse a madeira.

Deu certo! O galho mal caiu no chão e Sif já o empunhava. Então, olhou carinhosamente para as crianças:

—  Não tenham medo. Vou protegê-los. Mas preciso que me ajudem correndo o mais rápido que puderem e se mantendo perto de mim! Combinado.

Todos concordaram e jornada do grupo começou. Não estavam ainda nem na metade do caminho quando os gigantes de fogo se aproximaram cercando-os. Sif tentou negociar:

— Deixem as crianças irem! – disse com determinação

— É por elas que estamos aqui! – um deles respondeu com toda a ironia e desprezo que podia.

A batalha começou. Sif usou todas as habilidades que tinha, repelindo em diferentes frentes qualquer gigante que se aproximasse. Um golpe arrancou o dedo de um deles e isso permitiu o grupo avançar mais em direção ao abrigo. A fonte de água do centro da praça estava próxima e isso lhe deu uma ideia. Levando as crianças para trás da estrutura confeccionada em pedra, arrancou a mesma do chão e a transformou num imenso escudo que abrigava os pequenos. Depois direcionou o forte jato de água para os olhos de um dos gigantes que urrou de dor. Ele não enxergaria por algum tempo.

E esse tempo era precioso para o pequeno grupo de fugitivos. Com muito esforço, alcançaram a porta da taverna que foi arrebentada por Sif. O seu porão dava acesso à cavernas e Iduna conhecia bem o lugar. As crianças entraram. Agora ela precisava retardar o acesso dos gigantes ao lugar.

A batalha recomeçou. Os dois gigantes não entendiam como Sif consegui se desvencilhar de seus golpes enquanto o terceiro ainda se recuperava da cegueira causada pelo jato de água.

Mas o golpe veio de onde ela não esperava: um quarto gigante de fogo que a surpreendeu por trás. A Deusa da Guerra caiu inconsciente. A lança improvisava se enroscou ao seu cinto na queda.

Nesse momento, Thor chegava a vila, vindo do outro lado de Asgard. Foi tudo muito rápido, ele teve dificuldade para compreender a sequência que se seguiu. O céu se rasgou e os gigantes de fogo se foram, sem lutar. Isso não era do feitio desses seres.

Ao pousar na praça central, ele finalmente entendeu. O espaço aberto estava deserto. Levaram Sif.

Os trovões ecoaram por toda Asgard junto com o urro carregado de ódio e desespero de Thor. Tão rápido quanto um raio, ele alcançou a Bifrost, agora comandada por uma liga de cinco homens escolhidos por suas habilidades entre os Aesir e os Vanir. Em seguida, Stormbreaker voou para dentro do local chegando à outra mão do Deus do Trovão que já empunhava Mjornir:

— Para Musphelhein, agora! Surt vai sentir a minha ira! – gritou ainda transtornado.

— Senhor... – o primeiro homem se aproximou com uma referência. – Ainda é impossível. A reconstrução não está completa. Só conseguimos viajar para os mundos que se encontram numa linha reta com relação à Asgard. Os ângulos adjacentes ainda estão inacessíveis.

Um novo urro de Thor pareceu fazer metade do Universo tremer.

— Qual o local mais perto onde podem me mandar?

— Midgard, Senhor. – respondeu a segunda, uma mulher Vanir.

— Midgard ainda estará há três dias de viagem espacial de Musphellhein. Sif pode não ter todo esse tempo.

— Fizemos tudo que podíamos, Senhor. Sentimos muito...

A expressão de luto nos rostos daquelas pessoas deixava Thor ainda mais fora de si. Ele respirou fundo por algumas vezes buscando o equilíbrio necessário. Não desistiria dela assim. Havia uma forma de chegar até ela a tempo, ele tinha certeza.

“Odin, meu pai, me ajude...” suplicou na prece mais sincera de toda a sua vida.

Uma série acelerada de flashbacks invadiu suas lembranças: a conversa com as crianças, a joia incomum confeccionada para o pedido de casamento, o brilhos nos olhos dela naquela noite reluzindo como esmeraldas... Sif era mais preciosa à ele que qualquer joia rara.

Era isso! As Joias do Infinito! Ou melhor, o pó delas deixado com ele pela Capitã Marvel para ajudar na reformação de Asgard. Com certeza aquele poder seria suficiente para encurtar a viagem. A jornada ainda poderia durar um dia, talvez menos se ele concentrasse toda sua força.

Thor foi até o palácio e pegou o pó, depois retornou para a Bifrost.

— Me mandem para a Lua de Midgard. Agora!

Dezoito horas depois, ele chegava à um planetoide próximo à Mesphellheim. O pó das Joias do Infinito o guiaram até ali. Parecia um mundo desabitado com um relevo repleto de vulcões. Uma grande fortaleza se destacava. Devia ser um posto de observação e vigia criado por Surt. Dois gigantes de gelo guardavam a entrada.

Um sorriso se formou involuntariamente no rosto de Thor. Tudo que ele queria é que esses dois tentassem se colocar como um obstáculo entre ele e sua Sif. Caminhou calmamente em direção à eles, para alcançar a porta e entrar na fortaleza.

Os gigantes de fogo se entreolharam abismados com a ousadia:

— Onde a lourinha de traças pensa que vai? – o primeiro deles falou.

Thor desviou os olhos em sua direção, girou a Stormbreaker no ar e a lançou da direção de seu interlocutor, partindo-o ao meio.

O segundo gigante de fogo tentou um golpe, mas Mjornir acertou seu queixo fazendo tombar inerte logo em seguida.

Dentro da fortaleza, urros e tremores mostravam que outra batalha acontecia por lá. Thor avançou rápido.

Chegou ao grande salão principal e observou o cenário ao seu redor: um gigante de fogo estava estrangulado à esquerda com uma corrente pesada ao redor de seu pescoço; o segundo gigante jazia de costas com uma lança improvida de madeira transpassando seu crânio.

Sif estava sobre ele, ajoelhada, forçando para abrir os dedos de sua mão. Quando conseguiu, pegou algo que estava lá dentro e permaneceu imóvel observando.

O orgulho tomou conta de Thor que riu de si mesmo. Quando ilusão a dele achar que sua Sif não conseguiria se defender daqueles brutamontes anencéfalos!

Ele se aproximou sorrindo e girando Mjornir na mão em brincadeira:

— Hey, Milady, eu atravessei metade do Universo para vir te salvar! Por favor, você pode se comportar como uma donzela indefesa só por um minuto para não matar meu ego?

A voz dele pareceu trazê-la de volta do transe no qual se encontrava. Sif fechou a mão guardando nela o objeto que retirou do gigante, mas não fez contato visual nem disse nada. Essa reação colocou o Deus do Trovão em alerta máximo.

Seus olhos varreram Sif antes que suas mãos a alcançassem. A roupa estava estraçalhada. O corte na perna direita parecia profundo. Queimaduras se espalhavam por grande parte da pele à mostra. A rigidez muscular delineava a tensão que não a deixara após o final da batalha, nem mesmo diante a presença de Thor.

Ao alcançá-la, ele se abaixou e suavemente afastou o cabelo que estava caído sobre seu rosto, mas não ousou forçá-la a olhar para ele. Era uma escolha dela e ele esperaria o tempo que fosse necessário para que se recuperasse daquilo tudo. Como seu braço continuava suspenso, procurou por uma parte de pele sã onde pudesse tocá-la e fez assim:

— Está tudo bem agora, minha rainha.

Sif puxou o ar duas vezes como um guerreiro derrotado que busca retornar à luta. Por fim, num misto indecifrável de entrega ou coragem, disse baixo:

— Eu quero ir pra casa...

Thor retirou sua capa e a envolveu. Aquele tecido tinha propriedades mágicas e iria ajudá-la naquele momento. Ficou em pé e a tomou nos braços. Quando a cabeça dela se recostou no seu peito, ele beijou seus cabelos e a segurou mais forte.

O coração do Deus do Trovão se esvaziou da paz que sentiu por vê-la viva. Pesar e ira fervilhavam dentro dele. Mas afogaria esses sentimentos em prol de algo muito mais importante: sua Sif. Ela é tudo que importava agora.

Enquanto caminhava para fora da fortaleza, observou a mão ainda fortemente fechada dela protegendo aquele objeto tão caro à ela. Entre os vãos de seus dedos escapavam os fiapos dos capim dourado arrebentado.

“Você nunca vai perder isso, minha rainha.” Pensou sentindo seu coração amá-la ainda mais diante desse gesto que demonstrava o quanto tudo que viveram era importante para era.

A longa viagem de volta foi feita em silencio. Assim como o trajeto entre a Bifrost e a Sala de Cura. Ela a colocou sobre sobre a mesa e os anciãos se aproximaram.

— Por favor, Senhor – a líder do grupo disse – precisamos que se retire. Vamos cuidar bem dela.

Thor assentiu, se debruçou sobre Sif e beijou sua testa.

— Estarei aqui fora. Te vejo em breve.

Na saída, sinalizou para essa anciã o acompanhar. Sussurando disse:

— Por favor, só tirem o que ela carrega na mão depois que a fizerem adormecer. Então me entreguem.

A anciã concordou e apertou suavemente seu braço para tranquilizá-lo.

Sentado do lado de fora da sala, Thor esperou pelo que pareceu uma eternidade enquanto seus dedos roçavam a singular aliança de capim dourado que confeccionou para Sif. Quando a porta da sala finalmente se abriu e a anciã veio até ele que, imediatamente, se colocou em pé.

— Como ela está? – questionou.

— Ela estava muito machucada. – a senhora disse com voz suave. – Mas conseguimos cicatrizar todas as feridas de seu corpo. As feridas que se abriram em sua alma levarão mais tempo para se curar. Ainda está adormecida. Acredito que demorará algumas horas até que acorde. Se quiser, pode vê-la.

Entraram na sala em silêncio. Ele a observou naquele sono profundo e disse:

— Por favor, posso levá-la para seu quarto. Ela me disse que queria ir pra casa. Acho que se sentirá mais confortável se acordar lá.

Os anciãos concordaram. Ele tomou sua Sif nos braços e a levou pelos corredores do palácio até seus aposentos. Todas as pessoas e guardas com quem cruzaram no caminho fizeram sinal de reverência. Thor sabia que não era por ele, mas por ela que se curvavam. Sif tinha se tornado muito importante para todo o povo de Asgard desde sua reconstrução. Seu sequestro deve ter deixado todos profundamente entristecidos.

Chegando ao quarto, a colocou na cama com todo cuidado possível. Ajeitou os travesseiros e o lençol. Depois foi até a cômoda e depositou a aliança partida ali. Voltou e se sentou na poltrona ao lado da cama.

Ficaria ao lado dela por quanto tempo fosse necessário, esperando que acordasse, ajudando para que as feridas em sua alma cicatrizassem. Se a eternidade fosse necessária para isso, assim Sif teria.

Ela estava em casa, segura, viva! O resto se concertaria, ele tinha certeza.


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Notas finais do capítulo

Se você está sentindo uma raiva enorme de mim nesse momento, é justo! Sei que foi pesado, apesar de ter feito todo o possível para escrever algo tão horrível de forma implícita. Estou tentando ajustar a história a duas questões importantes sobre Sif que aparecem na mitologia nórdica.
Acreditem, existe felicidade aguardando esse casal muito em breve.

Muito obrigada pela leitura.



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