A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 43
42: Pelo que anseias


Notas iniciais do capítulo

Hellou!
Surpresos? Mas hoje minha amada criança está fazendo 4 anos (4 anos publicando isso aqui? O.O') e eu não podia deixar passar em branco, afinal é um dia especial ♥
Eu corrigi um pouquinho nas pressas, então me perdoem qualquer erro.



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—Arisu-dono é uma cliente antiga nossa, e muitos dos seus rapazes compram ternos conosco. — a costureira comentou ajudando-o a vestir o paletó — Mas é raro que ela venha pessoalmente encomendar um terno sob medida para um de vocês.

—Acontece que eu ganhei um jogo! — ele gabou-se contente.

—Um jogo, é?

Mas ela podia entender facilmente porque aquele homem seria especial para Arisu-dono, ele com certeza era extremamente bonito, e se apenas com um mero toque em seus longos e brilhantes cabelos prateados, a costureira já tinha a impressão que não seriam poucas as mulheres que matariam para ter um cabelo como aquele, o que mais não fariam para ter um pouco mais dele para si…?

De repente ela ofegou surpreendida quando o cliente segurou-lhe o pulso com um movimento firme e assustou-se com a expressão séria que ele fazia, mas essa sumiu justo no instante seguinte, sendo substituído por um sorriso tão rapidamente que ela chegou a piscar, pensando se não havia apenas imaginado.

—Eu mesmo posso arrumar os punhos. — ele comentou despreocupado, soltando-a para ajeitar os punhos do paletó com movimentos cuidadosos e sutis que fizeram o bracelete de prata em seu pulso esquerdo se entrever e desaparecer por detrás do tecido escuro — Arisu apostou comigo que eu não poderia conseguir um mínimo de sete bebidas grátis no bar em um limite de tempo de até duas horas, a única regra é que eu não poderia tocar em nenhuma das cobaias.

—E, pelo que vejo, você conseguiu as sete bebidas grátis. — ela sorriu de volta, contagiada pelo humor do belo cliente.

—Eu consegui dezessete em uma hora e quarenta e oito minutos! — ele gabou-se orgulhoso — Como estou?

—O caimento é perfeito.

Não pôde conter um suspiro de fascinação, mesmo que aquele jovem cativante tivesse idade até para ser seu filho talvez.

—Eu devo isso às suas mãos capazes.

Ele a lisonjeou saltando da plataforma e beijando-lhe as costas da mão direita de forma que a fez rir tão encabulada quanto uma adolescente.

—Vejo que estão se divertindo. — uma voz melodiosa comentou.

Perdendo imediatamente todo o interesse na costureira e a deixando de lado, Gintsune direcionou-se de braços abertos para sua mais nova benfeitora.

—Olhe para mim!

Girou nos calcanhares.

—Você está fantástico. — Um sorriso lento se espalhou pelos lábios de Arisu enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça e aproximava-se dele, os saltos estalavam no chão a cada passo, mas seus olhos estavam fixados na costureira, de forma tão penetrante que a mulher sentiu-se obrigada a desviar o olhar. — O traje realmente lhe caiu muito bem, é melhor que cuide bem dele. — ela o elogiou finalmente retornando sua atenção para ele, as mãos deslizaram por seu tórax subindo lentamente, Gintsune apenas ficou parado e deixou que ela o tocasse como bem quisesse, uma das mãos de Arisu agarrou-lhe a gravata e puxou-a — Está muito bem em você, mas você não irá precisar da gravata. — a outra mão deslizou por sobre o seu ombro esquerdo, pegando-lhe os cabelos e trazendo-os para frente — Eu lhe disse que o levaria ao meu salão de preferência, mas vejo que se adiantou… porém a cor está impecável. — fios prateados escorreram lentamente como uma cascata por entre os dedos longos e finos da mulher — Se me lembro bem, havia lhe sugerido louro, estou correta?

—Está. — sutilmente as mãos de Gintsune pousaram nos quadris dela.

Arisu aproximou-se ainda mais, quase se colando a ele, ainda brincando com seu cabelo entre os dedos, como se fosse para inspecionar a cor mais de perto. Ela era assim desde que haviam se conhecido: a todo instante parecia estar avaliando cada mínimo centímetro dele.

—Mas essa cor… eu não achei que fosse possível, mas ela o faz parecer tão bonito que quase não parece humano.

—Quase? — um sorriso irônico brincou nos lábios de Gintsune, aquela mulher era divertida.

Arisu inclinou a cabeça levemente de lado, aquele olhar avaliativo e afiado ainda em seus olhos.

—Escolheu-a para combinar comigo?

Não gargalhar naquele exato instante exigiu uma boa dose de autocontrole por parte da raposa.

—Essa cor sempre me caiu bem, ela parece tão… natural em mim. — foi tudo o que respondeu. — Aonde vamos hoje? Você tem outro jogo para mim? O que iremos beber?

Era bom estar com Arisu, era divertido beber e jogar com ela, e confessar-lhe o vil ser que ele era, quando o fazia, mesmo se não ficasse suficientemente bêbado, sua mente parecia se esvaziar e ficar mais leve, sem mais pensamentos sobre uma garota de tranças que lhe gritava solitária em uma fria noite de inverno, com olhos tão magoados que teriam partido sua alma em pedaços se Gintsune possuísse uma, e principalmente: sem mais pensamentos lascivos que ele mal podia admitir para si mesmo possuir, mas que se tornavam cada vez mais intensos quanto mais ele se forçava a ficar longe dela.

“Você é um terrível, inútil, bêbado libertino e está sempre me causando problema”

Sim, ele era tudo isso e muito mais, mas Gintsune não era o único perturbado ali afinal, talvez nem fosse o mais machucado também, Yukari também não estava pensando com clareza, ela até mesmo achava que ele havia retornado a Higanbana! Mas não era como se ele pudesse voltar e consolá-la, ao contrário: seria muito melhor se apenas ficasse longe por um tempo… e era o que ela queria também, pois mesmo que não vê-lo a deixasse solitária, vê-lo agora só a machucaria, e ela precisava de um tempo para se reorganizar, sim, e aí tudo ficaria bem…

“Por que me sinto assim? Me diga!”

…Desde que ela nunca descobrisse a resposta para aquilo.

Engoliu em seco.

Arisu moveu-se para seu lado, deslizando os dedos entre os seus ao segurar sua mão.

—O que acha de conhecer meu País das Maravilhas hoje? — convidou-o — Garanto que quando entrar lá esquecerá tudo o que há aqui fora e nunca mais irá querer sair.

—Isso parece divertido. — ele concordou.

Enquanto saiam, Arisu lançou mais um último olhar penetrante à costureira, um cuja mensagem a ser passada era clara: ela não tinha o que era preciso para ter um homem como aquele.

Mas quem realmente podia dizer que “tinha o que era preciso” para atrair e manter o interesse de uma raposa, quando essas criaturas possuíam em seu cerne uma natureza tão inconstante e curiosa que mesmo alguém criado exclusivamente com esse propósito via-se praticamente correndo em círculos, enquanto um pequeno filhote negro continuava a escapar-lhe diariamente por entre os dedos?

A mestra havia dado uma única missão a Mokujin: encontrar e reunir seus filhotes desgarrados.

E para guiar e liderar essa missão incumbira seu último e mais jovem filhote, assim, o shikigami deveria seguir as instruções do filhote negro enquanto protegia-o e buscava por seus dois irmãos mais velho… e agora Mokujin precisava buscar por três raposas, pois tal qual os irmãos mais velhos, o filhote negro também se desgarrara, e fora rapidamente envolvido pelos deslumbramentos de um mundo novo.

E o filhote era rápido em correr, se esquivar e se esconder, mas o que realmente agravava a caçada era que ele havia deliberadamente roubado a máscara humana do shikigami, tirando-lhe em grande parte a sua liberdade para transitar e tentar alcançá-lo, e não lhe deixando outra escolha se não obrigar o filhote negro a esperá-lo.

Anko exclamou surpreso tropeçando e caindo sobre um dos joelhos quando seu pé direito simplesmente grudou-se no chão, no muro ao seu lado um símbolo familiar com quase dez centímetros de diâmetro brilhou vermelho estalando como um cabo desencapado até que de repente explodiu lançando lascas de pedras em várias direções e provocando gritos de pedestres surpreendidos.

A benção protetora de sua mãe ainda era forte em seu coração, e mesmo assim aquele boneco idiota realmente achava que podia pegá-lo com aqueles truques baratos?!

—Há! Otário!

Comemorou escapando para cima do muro e deixando para trás unicamente uma marca de fuligem na calçada, agora como um diminuto filhote negro, ele correu ao longo do muro e pulou sobre a mochila de um motoqueiro que estava de passagem naquele momento.

Ficou agarrado ali aproveitando a viagem, não era tão bom quanto voar com seus pais, mas ainda era alguma coisa para fechar os olhos e sentir a velocidade do vento gélido em seus pelos, até o motoqueiro parar algumas ruas mais tarde e Anko saltar, correndo por sobre o capô de um carro e se esgueirando para dentro de uma viela onde parou para olhar ao redor, era um lugar estreito e levemente inclinado, e o clima também estava perfeito… aquilo lhe deu uma ideia.

Saltou para trás com um mortal e retornou a sua forma humana, puxando o tubo de bambu do obi e libertando seus criados, cada um deles segurando uma máscara.

—Estamos livres novamente! — comemorou a raposa segurando a máscara da raposa negra.

—O que deseja de nós hoje, jovem mestre? — a raposa que portava a máscara da raposa prateada vibrou de empolgação.

—Prometemos que não iremos nos aproximar de nenhum monge! — a terceira kudagitsune enrolou-se em volta do pescoço de Anko, segurando a máscara humana.

Elas prometiam a mesma coisa desde aquele dia no cemitério, pelo menos estavam se mantendo fiéis às suas palavras até então.

—Eu quero água! — Anko ordenou pegando cada uma das máscaras para si.

Se entrelaçando, as raposinhas cochicharam entre si por alguns momentos, antes de se voltarem com expressões confusas para seu jovem mestre.

—O jovem mestre está com sede? — perguntou uma delas.

—Ou precisa de água para o banho?  — a segunda raposa tubo sugeriu.

Anko nem se lembrava da última vez em que havia tomado banho, mas ele tinha um sorriso astuto quando moveu um braço num gesto amplo e respondeu:

—É para o chão.

As pequenas kudagitsunes inclinaram suas cabeças com expressões idênticas de desentendimento, enquanto Anko sentava-se de pernas cruzadas e as dispensou com um aceno de mão, se elas entendiam ou não, não importava, porque o clima estava perfeito.

A primeira vítima apareceu quase meia hora depois, foi um garoto em uma daquelas engenhocas de ferro mágicas, que ficavam inexplicavelmente de pé sobre apenas duas rodas: uma bicicleta.

Mas a engenhoca não ficou tão equilibrada quando dobrou a esquina, Anko gargalhou alto, batendo palmas ao ver o garoto erguer as pernas, gritando e apertando os freios enquanto a bicicleta derrapava e caia de lado, até que ele e a coisa foram bater em um caixa de correio na rua.

A seguir vieram duas mulheres, elas estavam conversando animadamente uma com a outra, sem nem ver para onde iam, quando de repente uma delas escorregou e caiu de costas no chão, mas a outra conseguiu manter-se milagrosamente de pé.

—Ah nossa! — exclamou a sobrevivente, apoiando-se na parede mais próxima. — É perigoso ficar com as mãos nos bolsos nessa época do ano.

—Me ajude aqui! — a mulher caída pediu um pouco irritada — Ai, eu acho que bati a cabeça.

A duras penas, a mulher de pé estendeu a mão para a caída, sem querer afastar-se do murou e ajudou-a a começar a levantar, a outra já estava quase de pé quando Anko estalou a língua.

—Vão. — ordenou.

Rapidamente uma das kudagitsunes voou até as mulheres e enrolou-se no calcanhar daquela que havia se mantido de pé até então, puxando-o e derrubando as duas, elas ficaram lá pro vários minutos tentando levantar e caindo novamente, e depois tentando engatinhar viela acima, mas sempre escorregando de volta para trás — com a ajuda dos criados — até finalmente, já bem humilhadas e doloridas, desistiram e decidiram ir pelo caminho mais longo.

Houve também um garoto com uma caixa de ovos em uma sacola de papel que fez uma tremenda bagunça, e ele nem percebeu quando as raposas tubo salvaram quatro ovos para alimentar Anko.

E então apareceu um cara que ao invés de cair de primeira, começou a girar os braços e ir meio deslizando, meio patinando ao longo da viela enquanto Anko assistia-o um pouco surpreendido, aguardando tão ansiosamente o momento em que ele cairia que até se esqueceu de enviar as raposas tubo para derrubá-lo de uma vez e, quando deu por si, ele já havia chegado ao final da viela.

O filhote estalou a língua, e estava prestes a dar a ordem para derrubarem-no, quando o estranho o surpreendeu mais uma vez: ao olhar por cima do ombro por um momento e de repente girar estendendo a mão e gritando:

—Espere! Cuidado com o chão l…!

Mas tão rápido quando ele começou a falar; também se calou.

Anko ainda estava parado com os olhos arregalados, achando que havia sido visto, mas então se deu conta da garota de casaco cor de rosa e trancinhas parada ali perto.

—Desculpe? — a garota de trancinhas franziu o cenho.

—O chão está liso de gelo. — o ultimo sobrevivente lhe explicou, já fazendo menção de retornar por ela. — Fique parada aí e eu vou ajudá-la…

—Que otário! —Anko zombou saltando para cima de um telhado baixo, de onde poderia assistir melhor — Vocês duas aí, assim que ele a alcançar…

E aí a garota de tranças deu um passo cuidadoso à frente, e quando seu pé tocou o gelo, Anko quase caiu do telhado com o que viu.

—Não, espere um pouco! — o idiota gentil tentou detê-la.

Mas ela continuou dando mais um passo adiante, e outro e outro, até que simplesmente estava ao lado dele, sem ter dado nem uma derrapada sequer.

—Puxa. — ele riu desconcertado — Você deve ter uma coordenação incrível ou então uma sorte extraordinária, para pisar justo nos pontos que não estavam congelados.

Anko mordeu o polegar com força, não foi nem uma coisa nem outra, dando voltas em torno de sua cabeça, as três raposas tubo estavam em polvorosa.

—Ainda assim, obrigada por sua preocupação, Hannyu-senpai. — ela inclinou-se em gratidão rapidamente antes de ir embora.

O idiota gentil ficou por mais alguns instantes olhando a viela congelada, mas nem Anko e tampouco seus criados estava mais interessado nele.

—Nos pés daquela mulher…!

—Havia fogo neles!

—Era fogo de raposa!

—Raposa!

Sibilavam e cochichavam umas com as outras, como se fossem as manifestações dos próprios pensamentos de Anko.

—Que raposa?

—O jovem mestre…?

—O jovem mestre não sabe acender suas chamas ainda!

—Não esse, o outro!

—O que sumiu!

—Uma benção protetora!

—Por que o jovem mestre desgarrado protege aquela mulher?

—Quem é ela?

—Quem é…?!

De repente as três kudagitsunes foram lançadas para longe, rodopiando pelo ar, quando Anko saltou e saiu correndo pelos telhados, sentindo as máscaras e o tubo de bambu, pendurados pela corda cânhamo amarrada em volta de seu quadril, sacolejar e fazendo o grande uchikake brocado de sua irmã se abrisse como um par de grandes asas.

Quem era aquela mulher?!

Conseguia ouvir as raposas tubo voando atrás dele e chamando-o, mas não queria saber de nada disso.

Que ligação ela tinha com o irmão que Anko nunca conheceu?

Ainda enquanto corria, ele retornou à sua diminuta forma animal, atrapalhando-se e tropeçando com o sacolejo das máscaras e do tubo de bambu e acabando rolando do telhado onde estava em direção a uma árvore sem folhas mais abaixo.

Um estouro repentino fez meia dúzia de pessoas gritarem, e o alarme de um carro disparar ao mesmo tempo em que Yukari quase pulava para fora de seu casaco cor de rosa com o susto, ela virou-se surpreendida, em um primeiro momento não conseguiu detectar a origem do som, até perceber um pequeno grupo de alunos que se amontoava em volta de uma árvore desfolhada a qual um pequeno pedaço do tronco fino parecia soltar fumaça no ar frio.

—Então todos bem aí? — a professora que deveria estar de sentinela no portão hoje passou correndo por Yukari, em direção ao grupo. — Alguém sabe o que aconteceu?

Porém havia mais uma coisa, que mais ninguém parecia ter notado ainda: aquilo entre os galhos da árvore… Yukari franziu o cenho, aquilo era… máscaras de raposa?

—Foi outro daqueles estouros estranhos?

Aoi-chan parou ao lado de Yukari, sem que ela nem mesmo a tivesse percebido se aproximando.

—Bom dia Aoi-chan. — cumprimentou-a.

Aoi-chan inclinou a cabeça em resposta e então voltou a olhar para o grupo que começava a ser disperso pela professora.

—Aquilo realmente me assustou. — disse com um tom de voz completamente calmo — Ontem à noite ouvimos um estouro parecido perto de casa, estava chovendo e nós chegamos a achar que tivesse sido algum curto no transformador de energia, mas não houve nenhuma falha na luz. — ela encolheu os ombros — Quando saí hoje de manhã, a placa de “PARE” na esquina tinha tido seu cabo partido… é um pouco estranho, mas há muita gente em Higanbana nessa época do ano.

E então ela virou-se e foi embora para a escola, Aoi-chan parecia muito melhor depois de todo o terror e ansiedade que havia sido submetida ao ver o que não deveria, mas ainda assim… havia algo nela que fazia Yukari sentir-se hesitante, algo que parecia não estar certo.

Quando Yukari olhou novamente, as máscaras penduradas entre os galhos já haviam sumido.

Alguma brincadeira, não é? Ela franziu o cenho ainda mais, mas de qualquer forma isso não tinha nada haver com ela, então deu as costas e foi embora.

Ela, é claro, não tinha a menor noção do filhote negro que ainda a seguia.

Anko saiu do tumulto de cara fechada e trazendo na boca a corda de cânhamo onde estavam amarrados o tubo de bambu e as máscaras mágicas, se esgueirando por entre os calcanhares dos humanos aglomerados ali, era muito incomodo não conseguir manter sua forma por um longo tempo e todos aqueles selos espalhados na cidade por aquele boneco estúpido eram um grande estorvo também!

—O filhote está sozinho? — diziam aquelas coisinhas repugnantes, havia algumas delas penduradas nos humanos — Vem com a gente, vem… vem filhotinho…

Anko apenas os ignorou, eles eram nojentos e também não era como se pudessem se aproximar dele, tanto quanto os selos do shikigami não podiam capturá-lo.

—Como ousam tentar se aproximar do jovem mestre?! — as raposas tubo sibilaram disparando do céu quando finalmente o rastrearam. — Escória asquerosa!

Anko apenas ouviu os guinchos desesperados antes de ser cercado pelos pequenos criados.

—Jovem mestre, você não pode se afastar assim!

—É perigoso!

—Muito perigoso!

Havia sangue espesso e negro escorrendo pelos cantos das suas bocas, eles certamente eram dedicados em sua missão de proteger Anko, mas também não havia como negar que estavam se aproveitando bem dessa função. O filhote girou os olhos.

—Vocês não me ordenam então se calem!

Ele sacudiu a cabeça jogando-lhes a corda de cânhamo com as máscaras antes de voltar a disparar correndo, tinha que encontrar aquela mulher de tranças e descobrir a ligação que ela dividia com o filhote tão querido de sua mãe, tinha…!

A mulher era ridiculamente lenta.

Quando Anko e seus criados a encontraram, ela ainda estava trocando os sapatos na entrada do prédio.

—É a mulher protegida por chamas de raposa.

—Mas que raposa a abençoou?

—Foi o jovem mestre?

—Ou há outra raposa de fogo?

—Outra? É amigo ou inimigo?

—Como saberemos?

—Como?

As raposas tubo agitaram-se cochichando entre si ao reconheceram-na.

—Vamos investigá-la! — Anko respondeu tomando a dianteira.

Ao que parece, pouco importava se Yukari achava ou não que tinha haver com alguma coisa: aqueles eventos estranhos continuavam a segui-la.

Começou na aula de física, quando, no meio da explicação do professor, alguém na sala de repente começou a rir, era uma risada bastante estranha, baixa e ardilosa, dada por entre os dentes e parecendo o tipo de risada que você escutaria em alguma casa assombrada de um parque temático.

Conforme aquele som foi se espalhando na sala, a voz do professor começou a baixar até se silenciar de uma vez e, assim como o resto da turma, também começou a olhar em volta, procurando a origem das risadas.

E então Yukari o viu: sentado três cadeiras atrás dela, na fila a sua direita, Nishitake Keita estava de cabeça baixa tremendo em seu lugar.

—Nishitake-kun, há algo que queira compartilhar como resto da turma? — o professor indagou impaciente com a interrupção.

De repente Nishitake ergueu-se com um movimento tão abrupto que jogou sua cadeira ao chão e, rindo ainda mais alto, ele correu para a janela mais próxima, agarrando-a e detendo-se apenas um momento para olhar para trás… diretamente para Yukari.

E naquela fração de segundos Yukari estremeceu, havia algo errado com os olhos de Nishitake-kun.

Mas então o contato foi quebrado e Nishitake abriu a janela inteira, deixando uma rajada de vento congelando de gelar até os ossos entrar por ali, soprando cadernos, livros e canetas e erguendo gritos indignados por toda a turma, porém ninguém gritou mais alto que o próprio Nishitake:

—Mas que raio de frio é esse?!

Ele encolheu-se sobre si mesmo passando os braços em torno do corpo, até que alguém — Yukari não teve tempo de ver quem, pois estava muito ocupada batendo os dentes — fechou a janela novamente com um baque forte.

—Afinal o que você tem na cabeça Nishitake? — a representante gritou — Estava tentando nos matar por hipotermia?!

Não apenas ela, mas uma chuva de reclamações caiu sobre o visivelmente confuso Nishitake Keita até o professor ordenar todos se acalmarem e colocar o “desordeiro inicial” para fora da sala, apesar dele alegar insistentemente que não sabia o que tinha feito.

Mas o verdadeiro caos foi durante a aula de economia doméstica, no laboratório de culinária.

Começou quando Yukari estava anotando o orçamento necessário para fazer um desjejum para quatro pessoas, segundo as instruções da professora, enquanto Kaoru batia a massa das panquecas quando, de repente, com um grito de surpresa, ela perdeu o controle da batedeira, fazendo massa de panqueca explodir no rosto das duas sem nem dar tempo a Yukari de erguer sua prancheta para tentar proteger o rosto.

—Isso entrou nos meus olhos!

Kaoru gritou espantada, enquanto Yukari largava a prancheta no chão com um baque e tateava o balcão a procura do papel toalha, podia ouvir algumas risadinhas pela sala, porém ela tinha mais com o que se preocupar naquele momento, ambas estava de aventais, mas isso não adiantou de muita coisa para proteger as mangas e as golas de seus uniformes.

—Poderia ter sido pior. — comentou discretamente tentando limpar um pouco de massa que escorria lentamente para dentro de sua gola — Ao menos estamos usando toucas de cabelo.

Mal ela tinha fechado a boca e outra pessoa gritou na sala quando mais uma batedeira se descontrolou, e não apenas aquela, pois uma após a outra, todas as duplas que estavam usando uma batedeira perderam o controle de seu aparelho.

—O que está ac…?! — a professora tentou gritar-lhes, mas um saco de farinha explodiu em sua cara, fazendo-a engasgar-se e começar a tossir.

Talvez tenha sido a confusão e a agitação da turma, mas ovos foram quebrados e leite se espalhou pelo chão, tudo estava acontecendo tão rápido que Yukari nem sabia para onde olhar primeiro.

Quando panelas e tigelas começaram a sair voando e se chocarem contra as paredes e mesas o pânico já havia se instalado completamente.

—Estamos trancados! — Tokumura Jun gritou sacudindo a porta da frente.

—Essa também está trancada! — Yamada Shizuka gritou na porta dos fundos.

Utensílios de cozinha voavam pelo ar sem que ninguém os estivesse arremessando, alunos desesperados correndo sem rumo escorregavam no chão sujo de farinha, ovos e leites, e vários outros batiam e sacudiam as portas tentando abri-las em vão, enquanto Yukari continuava parada exatamente onde estava antes, quase catatônica ela havia recuperado a prancheta do chão e a segurava fracamente acima da cabeça olhando para a calamidade que se desenrolava a sua volta.

O que estava acontecendo? Era ele? Ele por acaso estava louco?!

Quando um forno — que não devia estar ligado — começou a soltar uma fumaça negra e espessa fazendo o alarme de incêndio disparar e ligar os springs as portas finalmente se abriram, e todos aqueles alunos em pânico se derramaram como uma onda para o corredor.

Alguém segurou o braço de Yukari.

—Shibuya por que está parada aqui ainda?! — a representante puxou-a.

Sua touca de cabelo havia se perdido, havia uma grande mancha de ovo cru em seu ombro e o que parecia ser um pequeno corte superficial — ou talvez fosse ketchup? — em sua testa.

Elas foram às últimas a sair.

A porta fechou-se com um baque atrás de si, aparentemente por conta própria, e Kaoru saltou sobre elas, abraçando ambas.

—Yuki! Porque não veio comigo quando te chamei?! — reclamou apertando-a.

Yukari não tinha uma resposta, ela só conseguia pensar que, sujas do jeito que estavam se continuassem abraçadas daquele jeito, as três acabariam grudadas…

—Eu não volto lá sem um exorcista! — Kijima Tenji exclamou chorando de pânico.

Quando Kaoru a soltou, Yukari calmamente virou-se e reaproximou-se da sala.

—Yuki?

Yukari não respondeu.

A sala devia estar vazia agora, mas através da pequena e suja janelinha da porta ela conseguiu ver que ainda havia alguém ali dentro:

Uma criança de cabelos negros com um imenso uchikake brocado cinco vezes maior que seu corpo e um imenso chapéu de palha oscilando na cabeça e cobrindo-lhe parte do rosto, sentou-se em uma das banquetas e puxou um dos poucos pratos que não haviam saído voando durante o poltergest, agarrando com as mãos um par de panquecas sem se importar com o fato de estarem encharcadas antes de começar a enfiá-las inteiras na boca, enchendo-as tanto como as bochechas de um esquilo.

Aquele cretino!

De repente a criança ergueu o rosto e Yukari franziu o cenho.

A criança pareceu zangada por ter sido avistada, pois sua boca retorceu-se, levou uma mão ao rosto e… sumiu.

—Yuki. — Kaoru a chamou, sacudindo seu ombro — O que foi? O que está acontecendo lá dentro?

—Eu… — as sobrancelhas de Yukari quase se uniram em uma só. — Nada.

É claro que não foi uma surpresa para ninguém quando o laboratório de culinária foi interditado, embora a maior parte da turma tenha ficado um tanto revoltada por não ter sido liberada para casa, mas ao invés disso foram orientados a usarem o horário do almoço para tomarem banho no vestiário.

—Parece que vocês tiveram uma manhã complicada…

Professor Haruna comentou quando chegou para a aula e encontrou a maior parte de seus alunos usando agasalhos de Ed. Física — alguns inclusive ainda com toalhas na cabeça — e ainda devorando como animais famintos uma série de lanches prontos das máquinas de venda, pois o que teria sido seu almoço do dia fora perdido em um caos de utensílios voadores e alarmes de incêndios enlouquecidos.

—Professor! Meu cabelo irá cheirar a ovo por uma semana! — Tadashi Emiko chorou agudamente.

—Sim… eu ouvi falar… — os olhos do professor vagaram lentamente até Yukari, antes de desviá-los e pigarrear — Mas é melhor guardarem tudo agora, porque eu preciso começar a aula…

—Eu tenho uma idéia melhor! — Kijima Tenji o interrompeu — Pegue aquele seu clube estranho paranormal e vá jogar sal grosso no laboratório de culinária!

Era um comentário inútil, é claro, pois Yukari tinha quase certeza que no meio de tudo que fora arremessado e espalhado, com certeza houvera um ou dois quilos de sal também e, o mais importante, embora ela não soubesse disso ainda: não era o laboratório de culinária quem talvez mais precisasse de uma purificação, mas ela própria.

*.*.*.*

Para um mundo monstruoso habitado por criaturas constituídas, acima de tudo, de energia sinistra, era natural que o ar fosse cheio de miasma, especialmente nas zonas mais densamente povoadas por grandes criaturas, mas ainda assim as terras do rei dragão sempre puderam desfrutar de relativa paz e limpeza… até agora.

Como se não bastasse os ataques externos em busca do coração divino da deusa oni, agora havia a escuridão massiva nascendo e se espalhando a partir do interior de suas terras para corromper e devorar tudo em seu caminho, e mesmo que Ryosuke tentasse ao máximo restringi-la e diminuir seus danos, impondo diariamente barreiras mágicas, era impossível eliminar sua origem… pois a raposa feiticeira se encontrava em profundo pesar.

O pátio de Apreciação ao Luar havia sido rebatizado temporariamente como pátio do Lamento da Raposa pelos moradores da corte, pois ali a raposa negra permanecera junto ao espelho d’água rasgando suas próprias roupas e carne enquanto gritava sua dor durante seis intermináveis dias e noites, exigindo ter seu filhote de volta.

E mesmo agora que sua voz havia se reduzido a um constante gemido e um baixo lamento, durante vários dias, ela ainda se recusava a sair do lado do espelho d’água, a sua volta todo o espaço havia se transformado em um ambiente de morte, a grama escurecera e morrera, o ar estava tomado por uma neblina escura, espessa e pegajosa, carregado de eletricidade com fagulhas estourando constantemente, e a água antes límpida do espelho d’água tornara-se escura como sangue, onde de tempos em tempos uma bolha grande e gorda surgia e estourava com um chiado.

Porém a raposa feiticeira não estava só ali: cortando a neblina venenosa outra forma aproximou-se.

A energia estalava ainda mais forte em volta do corpo da fera prateada, como se tentando afastá-lo, mas Tamaki não se detinha e seguia avançando lenta e decididamente, de sua esposa ele aceitaria e receberia tudo o que ela quisesse lhe jogar, fossem seu amor e seus beijos, ou seus insultos, ódio e raios.

Inclinando-se ele aspirou o perfume de sua amada brevemente, antes de uma explosão elétrica o empurrar para longe, as garras cavaram sulcos profundos na terra e ele trincou a mandíbula, suportando a dor.

—Meu bebê se foi. — Furin lamentou-se com um gemido dolorido — Como pôde soltá-lo Tamaki? Eu disse-lhe para vigiá-lo! Por que não o pegou? Por que me deteve?! — seu corpo estremeceu com o choro — Meu bebê… quero meu raio de sol de volta. Mas não o sinto, não o escuto… não posso alcançá-lo. Achei que me amava Tamaki…

—Amo-te. — ele rosnou.

—Mas feriu-me e jamais poderei perdoá-lo! — raios explodiram em torno da raposa negra — Odeio-te! Deveria amaldiçoar-te!

Suas garras cravaram-se no solo enquanto ela chorava.

Tamaki deitou-se onde estava sem tentar se reaproximar, descansando a cabeça sobre as patas cruzadas e observando-a por entre olhos semicerrados.

—Pois então me amaldiçoe. — respondeu inexpressivo — Pois mesmo que chore e me golpeie, eu nunca a deixaria ir Furin, prefiro tê-la diante de mim amaldiçoando-me em lágrimas do que longe de meu alcance… e se eu fosse forçado a viver em um mundo onde você não existisse, eu o dizimaria por completo.

Pela primeira vez em dias, Furin ergueu o rosto, sua face vulpina contorcida de dor.

—Se me ama tanto assim, ainda que prefira ter-me infeliz ao seu lado do que inalcançável às suas garras, de certo ainda prefere-me feliz a magoada, e se tiver que escolher entre meu amor e meu rancor, escolherá meu amor! — A fera prateada ergueu uma sobrancelha, esperando para ver aonde ela chegaria. —Você disse que dizimaria o mundo no qual eu não existisse…! Então… — sua voz falhou por um momento, antes de continuar sua suplica: — Rasgue esse mundo por mim Tamaki.

Tamaki viu-a ergueu-se sobre membros fracos e trêmulos, sentando-se e assumindo a forma humana, segurando suas vestes rasgadas que pendiam de um corpo pálido e ferido.

—Diga o que quer de mim Furin. — falou-lhe roucamente, reaproximando-se.

Furin estendeu-lhe uma mão, queria tocá-lo? Fulminá-lo? Fosse o que fosse Tamaki não se deteve, assumindo a forma humana para conseguir ampará-la em seus braços… quando a tivesse jamais a soltaria.

—Nossos filhotes não existem aqui, então me ajude a rasgar este mundo e alcançá-los. — Furin abraçou-o, cravando as garras em suas costas e rasgando-as de cima para baixo, ele sequer estremeceu, mas ela estava tão zangada com ele… tão desolada, se seu coração sangrava, Tamaki deveria sangrar junto com ela. — Minha Flor não permaneceria em um mundo daqueles de livre e espontânea vontade, algo lhe passou, e se meu Doce Filhote foi ao seu socorro, como eu poderia irritar-me e ressenti-me disso? Mas… ele escondeu segredos de sua linda mãe e deve responder por isso!

—Ele responderá. — Tamaki jurou.

—E quanto a meu Raio de Sol que tão imprudentemente desafiou os avisos de sua linda mãe e saltou naquele portal incerto…! — Furin soluçou — Estou dividida Tamaki, adoeço de preocupação por meu bebezinho naquele mundo estranho, eu sequer recebi noticias desde então… se algo tiver lhe passado como posso enfurecer-me?! Mas… se ele estiver apenas deliberadamente ignorando a dor de sua linda mãe…

—Ele responderá. — Tamaki jurou.

Se assim Furin desejasse, ele rasgaria o mundo e o transformaria em cinzas, ele agarraria seus filhotes ingratos e os arrastaria de volta para junto dela… e eles responderiam por cada lágrima que a fizeram derramar.

*.*.*.*

Foi difícil para Yukari passar as duas aulas de matemática sem fazer contato visual com o professor, ou melhor, evitando fazer qualquer tipo de contato, pois os olhos de Haruna pareciam perfurá-la com tanta ênfase que ela sentia como se conseguisse ouvir seus pensamentos: “Gintsune-san retornou? O que ele está fazendo agora? Por que está atacando a escola?”.

E nunca antes ela tinha se sentindo tão aliviada com a troca de professores.

Aquele cara imprestável e problemático!

Tamborilou com os dedos irritadamente sobre a mesa, bastou ela dizer-lhe que precisava de um tempo e não o queria por perto para ele, como uma criança birrenta, narcisista e egoísta, armar um show daqueles!

O que ele faria se os monges fossem chamados de volta…?!

De repente um movimento em sua visão periférica atraiu sua atenção e ela virou o rosto bem no instante em que a criança com uchikake e chapéu de palha parada do lado de fora do parapeito da janela, dava às costas à sala e pulava dali!

Com os olhos arregalados de surpresa e horror, ela acabou se levantado com um grito de desespero tão repentino que derrubou a própria cadeira antes de dar-se conta que:

Gintsune era capaz de pular de alturas muito maiores sem sofrer o mínimo arranhão.

Ele sabia voar.

E, o mais importante;

Ela estava no meio da aula!

Agora todos estavam olhando para ela estupefatos, suas orelhas ferveram de vergonha quando percebeu isso.

—Tem algo que deseja compartilhar conosco, Shibuya Yukari? — o professor de química perguntou-lhe severamente da frente da sala.

Sim, pensou consigo mesma, eu gostaria de matar uma raposa… ou cavar um buraco e enterrar-me aqui mesmo, por favor, o que for mais conveniente.

Mas ao invés disso tudo o que pôde fazer foi balbuciar um pedido desconcertado de desculpas enquanto erguia sua cadeira de volta, logo antes de, para sua completa mortificação, ser posta para fora da sala pela primeira vez em sua vida.

Tudo por culpa daquele cretino…!

Quem sabe ela mesma não chamava os monges afinal?!

Mas independente do quão aborrecida estivesse, ela ainda era completamente incapaz de enxergar as raposinhas brancas, tão diminutas e velozes quanto colibris, que a sobrevoavam e davam voltas a uma distancia segura da ativação de suas chamas.

—Ela não pode nos ver. — disse uma para a outra — Ela não é especial.

—O jovem mestre viu algo de especial o bastante nela para protegê-la com chamas. — a segunda raposinha retrucou. — E o segundo jovem mestre quis investigá-la, ela não é qualquer reles humana.

—Mas ela não nos vê. — insistiu a primeira raposinha, deixando-se ficar parado do outro lado do corredor, exatamente à altura dos olhos de Yukari — Também não é especial.

—Talvez estejamos pequenas demais. — a segunda raposa sugeriu voando em círculos, próxima ao teto.

—Talvez estejamos pequenas demais.

Concordou a primeira esticando-se e contorcendo-se como uma serpente até chegar ao seu tamanho máximo de pouco menos de 1,50m, porém ainda assim não houve reação na garota humana parada com o cenho franzido e resmungando consigo mesma.

—Ela realmente não nos vê. — lamentou a segunda kudagitsune, voando para o lado da companheira, também estendido ao seu tamanho serpentino máximo — Então por que é especial?

—Ela notou o jovem mestre no exato instante em que ele colocou a máscara.

Relembrou a primeira raposa tubo, olhando Yukari com curiosidade, mas sem qualquer coragem de aproximar-se mais, eles estavam se encarando diretamente nos olhos agora, e ela ainda não demonstrava qualquer sinal de poder vê-los ou ouvi-los.

—Qualquer um pode ver o jovem mestre com a máscara, é para isso que ela serve. — a segunda kudagitsune descartou com desinteresse, afastando-se e recolhendo-se ao seu tamanho diminuto.

—Mas só ela virou-se e o percebeu! — insistiu a primeira.

—Em resumo, vocês não descobriram nada. São mesmo inúteis!

Anko reclamou, dobrando o corredor com sua pequena forma de filhote, seguido pela terceira kudagitsune, que carregava sozinha as máscaras e o tubo de bambu e, assim como ocorria com as duas primeiras raposinhas, a mulher não demonstrou perceber suas presenças.

Rodeando a mulher, as raposas permaneceram observando-a até o sinal tocar pelos corredores indicando que ela já podia voltar para dentro da sala.

—Ela é suscetível ao frio e pode ser acertada por ovos, leite e, aparentemente, qualquer coisa que joguemos nela então do que as chamas a protegem?! — Anko reclamou inconformado.

—Ela não escorrega no gelo, talvez seja tão desastrada que o jovem mestre teve pena dela. — o criado com as máscaras sugeriu.

O jovem mestre teve pena? — os outros criados riram, sibilando e contorcendo-se — O jovem mestre poderia empurrar humanos velhos de uma escada apenas porque era engraçado!

Mesmo assim Anko ainda cogitou aquela ideia, talvez aquela mulher humana fosse realmente tão desinteressante e patética que até o querido filhote de sua mãe que era tão perfeito e gentil sentiu pena de uma criatura lamentável como aquela… e aquilo era muito irritante!

Anko tinha ganas de quebrar tudo que seu irmão tentou preservar.

Yukari sentiu um arrepio subir-lhe a espinha, que fez os pelos de sua nuca se eriçar.

Mas talvez isso fosse apenas resultado do ar gelado no pátio da escola quando colocou os pés para fora, ou porque havia reconhecido o peculiar, mas familiar, trio abordando próximo ao portão principal os alunos que tentavam ir para casa: O Clube de Investigação Paranormal.

A sua volta vários alunos também de saída comentavam e murmuravam entre si:

—Ai céus, o que eles estão fazendo…?

—… sequer é época de recrutamento para…!

—… mais desesperados esse ano do que no ano passado…

—Espero conseguir passar despercebida…

—… a confusão na sala de economia doméstica…?

Três tipos de alunos passavam pelo portão naquele momento:

Aqueles que conseguiam evitar com sucesso a abordagem do Clube Paranormal.

Aqueles que tentavam evitá-los, mas eram inevitavelmente pegos.

E (em menor número):

Aqueles que propositalmente paravam para ouvi-los e conversar com eles (estranhamente Kijima Tenji era um desses).

Yukari tentou juntar-se ao primeiro grupo, mas, graças a sua falta de sorte e habilidades físicas, acabou sendo apenas mais uma a entrar nas estatísticas do segundo grupo.

Na verdade, desde o começo parece que ela não teve nenhuma chance de escapatória: era como se a estivessem esperando.

—Você! Você aí! — chamou-a o presidente Mori.

Oda Takeru e Shimura Hana vieram ao seu encalço também e, no instante seguinte, Yukari estava cercada.

—Você é do segundo ano turma 3, não é? A turma que estava em aula quando ocorreu o poltergest no laboratório de cozinha! — o presidente Mori perguntou-lhe ansiosamente — Pode nos dizer alguma coisa sobre o que aconteceu? Não nos deixam entrar lá para investigar!

Hana-chan já estava com papel e caneta quando Oda Takeru colocou a mão em seu braço.

—Talvez… você ou algum colega de classe esteve em uma casa abandonada ou cemitério e pegou algo que não devia?

—Isso pode ser a causa do infortúnio. — Hana-chan alegou nervosamente girando a caneta entre os dedos — Pode ser qualquer coisa que se lembre, por menor que seja…!

Sim. Yukari franziu o cenho. Peguei um fio de cabelo prateado na banheira da casa de banhos um ano e meio atrás.

Mas ainda assim manteve-se calada, cumprimento os lábios, só porque era uma péssima mentirosa não significava que não podia simplesmente optar por ficar calada.

—Lembra-se de ter visto ou ouvido algo anormal? Digo, além de toda a confusão…

—Vocês aí! — o grito repentino fez os quatro (inclusive Yukari que não tinha feito nada de errado) pularem de susto — Parem de atrapalhar o tráfego de alunos!

—Droga, é o presidente Kaño!

Mori Takeru reclamou antes de fugir correndo com seus dois colegas.

—Mori Takeru-senpai e Shimura Hana-senpai, como terceiranistas vocês dois já deveriam ter se desligado das atividades do clube!

O presidente reclamou os perseguindo.

—De nada! — Sakura-chan sorriu aproximando-se de Yukari com as mãos nas costas.

Yukari inclinou levemente a cabeça.

—Você chamou o presidente?

—Eu os vi da janela do conselho estudantil — Erguendo as mãos nuas, Sakura-chan soprou-as e esfregou-as, tentando aquecê-las, ela também estava sem agasalho e… com os chinelos da escola! — E queria garantir que não estariam mais aqui quando eu saísse.

Aquilo pareceu pessoal, Yukari franziu o cenho.

—Por quê?

Cruzando os braços, Sakura-chan escondeu as mãos debaixo das axilas.

—Eles sabem que sou sobrinha de um monge e que meu tio me dá tantos amuletos quanto eu solicitar, então desde o primeiro ano me cercam e tentam me vencer pelo cansaço para que eu entre para o clube. — mas isso ainda não explicava porque ela havia claramente corrido até aqui… Sakura-chan aproximou-se mais um pouco, inclinando-se com interesse para Yukari — Todos só falam da confusão de hoje no laboratório de cozinha, mas ninguém sabe o que aconteceu!

Ah. Ao que parece ela e o resto da turma ainda iriam ser interrogados durante algum tempo sobre aquilo.

—De repente vários aparelhos enlouqueceram de uma só vez. — respondeu engolindo em seco.

Sakura-chan esperou tremendo de ansiedade — e com certeza de frio também — que ela continuasse a história, mas como Yukari continuou calada, ela logo começou a se desanimar.

—E foi só isso? — suspirou — Deve ter sido apenas algum curto circuito. Que tédio.

—O pânico generalizado também não ajudou em nada. — Yukari acrescentou, aliviada por Sakura-chan não insistir no assunto — Você deveria entrar agora, Sakura-chan, está frio aqui fora.

—Ah, é verdade. — ela olhou para os lados — Se Tomoya me pega aqui com os chinelos da escola, ele… — De repente sua voz foi abafada pelo som de gritos e algum tipo de alvoroço vindo de dentro da escola. — Mas o que está acontecendo lá dentro?

E voltou correndo para dentro do prédio da escola, mais rápido do que qualquer repreenda do presidente Kaño ou aviso de Yukari poderia tê-la feito correr, quanto a Yukari, ela tinha certeza que se tratava de outro ataque de birra de uma raposa insatisfeita por ter sido deixada de lado, e não queria ter nada haver com aquilo, então calmamente virou-se e foi embora.

De uma forma ou de outra, mesmo se fosse problemático, não era da natureza de Gintsune ser violento, então não era como se ele fosse machucar alguém por causa de umas poucas palavras dela.

A chuva começou tão repentinamente que Yukari foi pega de surpresa, ela ainda estava há poucas quadras da escola, então poderia voltar e esperar até a chuva passar, mas isso a atrasaria, então era melhor apenas seguir em frente.

Ela devia ter visto a previsão do tempo antes de sair pela manhã, então talvez assim tivesse lhe ocorrido trazer um guarda chuva, repreendeu a si mesma enquanto atravessava a rua, mas talvez houvesse ficado mal acostumada com aquele cretino sempre farejando o tempo para ela e ainda vindo buscá-la com um guarda-chuva.

—Como sou idiota.

Resmungou erguendo as mãos para se proteger das grossas gotas de chuva e piscando quando uma entrou em seu olho, mas apesar do tempo, a chuva estava estranhamente… morna e reconfortante.

Já ouvira dizer em algum lugar que quando se estava prestes a morrer de hipotermia, seus sentidos ficavam tão adormecidos que começava inclusive a sentir-se aquecida, mas Yukari não achava que fosse esse o caso, pois ela ainda estava longe de uma pequena vendedora de fósforos que queimou cada um de seus palitos, se sentido aquecida por eles enquanto tremia e congelava até a morte… o que só tornava a chuva morna ainda mais inexplicável. Qual deveria ser a sensação de chuva ácida?

Mas enquanto ela tentava encontrar uma explicação razoável, a chuva simplesmente parou de cair sobre sua cabeça, não porque houvesse acabado, mas porque alguém a havia coberto com um guarda-chuva.

—Yukari-chan, mesmo se estiver agasalhada, você vai adoecer desse jeito. — Aoi-chan a advertiu parando ao seu lado com o guarda chuva. — Vamos juntas por parte do caminho?

Acenando afirmativa, Yukari pegou o guarda chuva sem dizer uma palavra, pois era a mais alta das duas, ela não fazia ideia de que, até momentos atrás, ela brilhava como um farol em meio à chuva para aqueles que podiam verdadeiramente vê-la.

Anko havia se distraído ordenando aos criados que quebrassem aquelas janelas e fazerem todas aquelas mesas voarem, e acabou não vendo quando a mulher de tranças foi embora e saiu correndo de volta pelo caminho que a havia seguido antes, mas acabou não sendo tão difícil assim encontrá-la, e não apenas porque ela fosse uma mulher lenta, mas porque assim que as primeiras gotas de chuva começaram a cair, suas chamas acenderam-se como um farol.

—Por que as chamas se acenderam agora? — um de seus criados perguntou — Do que a estão protegendo?

—Ela continua se molhando.

Riu o segundo criado contorcendo-se no ar, enquanto a mulher atravessava a rua com as mãos erguidas pateticamente.

—A água vai congelar e deixar o chão liso, ela deve ser mesmo uma criatura desastrada. — riu a terceira raposa tubo — A mais desastrada das criaturas!

As três riram sibilando e contorcendo-se no ar, enquanto Anko, ainda seguindo aquela mulher de tranças, viu como uma pessoa se aproximava dela e colocava uma sombrinha sobre sua cabeça e as duas seguirem caminhando juntas, mas aquela pessoa estava tão estranha e vazia que por um instante Anko achou se tratar de Mokujin, até perceber que na verdade era apenas outra mulher.

Parece que todas as mulheres naquela região eram profundamente tediosas.

Assim que fora parcialmente protegida da chuva, as chamas se reduziram a um baixo e fraco bruxulear, tremeluzindo levemente ao vento como uma vela prestes a apagar.

O filhote bocejou enquanto, a certo ponto, as duas mulheres tinham um breve e chato debate sobre quem deveria ficar com aquela sombrinha.

—Está tudo bem Yukari-chan, minha casa é logo aqui, eu não vou me molhar tanto, você pode me devolver amanhã. — insistia a mulher vazia empurrando o guarda chuva de volta — O aceite, por favor, eu ficaria muito incomodada se você se molhasse ainda mais…

—Então pelo menos me deixe te levar até a porta. — pediu a mulher de tranças.

“Yukari”, até seu nome era tedioso.

—Oh não, eu não quero atrasá-la…!

—Mas então seria eu aquela que ficaria desconfortável…

E nenhuma das duas patetas se dava conta de que paradas ali tagarelando idiotices só estavam se molhando ainda mais. Anko girou os olhos e estalou os dedos.

—Peguem aquela coisa e joguem fora de uma vez.

Em condições normais os três criados teriam prontamente avançado e, entre sibilos e gargalhadas, arrancado aquele guarda chuva inútil das mãos da mulher tediosa para dançar e rodopiar com ele no ar, provavelmente a incitando a persegui-los — o que realmente teria sido muito engraçado de ver —, mas dessa vez algo os deteve, e eles se encolheram e entrelaçaram onde estavam cochichando entre si.

—O que? — Anko cerrou os olhos.

—Jovem mestre, essa mulher é protegida por chamas de raposa. — uma delas sibilou nervosamente, enrolando-se em torno de seu pescoço.

—Essas chamas são patéticas, não a protegem de nada! — Anko reclamou enfezado — Por que estão sendo tão estúpidas? Andem logo!

Aquela altura Yukari já havia começado a se afastar, e Anko não tinha o menor interesse de saber para onde a outra mulher havia ido, e depois de estremecerem e choramingarem por mais um momento, aqueles criados inúteis finalmente avançaram.

Eles não a atacaram diretamente como seria o esperado, ao invés disso voaram e rodopiou ao seu redor, fazendo uma forte ventania se erguer e obrigando a mulher a agarrar mais firmemente a sombrinha rebelde em suas mãos, ao mesmo tempo em que as chamas de seu coração se agitavam e, parecendo quase uma força consciente, se estendiam e flamejavam em direção as kudagitsune tentando engoli-las, mas ao menos por isso algum crédito devia ser dado ao trio de criados: elas não recuaram.

E continuaram importunando-a até que a força do vento por fim obrigou-a a desistir daquela briga ridícula e largar o guarda-chuva, que saiu voando e rodopiando até parar há alguns metros de distancia, segurado no lugar pelas três raposas tubo.

Mas ao invés de escolher a opção divertida e correr atrás do objeto tentando recuperá-lo, a mulher escolheu, obviamente, a opção mais chata: ficou parada olhando com o cenho franzido antes de virar-se e ir embora, mas Anko ainda conseguiu ouvi-la resmungar nitidamente “Por que você é tão infantil e irritante?”.

—Hã…? Jovem mestre? — uma das kugagitsune o chamou hesitante.

Entrelaçados no cabo da sombrinha e com vários pedaços do pelo chamuscado, essa era uma das raras ocasiões em que não estavam dando risadinhas.

Anko balançou a mão, fazendo a longa manga do uchikake esvoaçar quase selvagemente.

—Deixe essa coisa aí.

Assim que eles largaram, o guarda-chuva saiu voando e rodopiando, levado pelos ventos, e aquela mulher não olhou nem uma vez sequer para trás, ela era mesmo uma humana profundamente entediante, nem sequer reagia a qualquer uma de suas pequenas brincadeiras e provocações e, ao que parecia, a raposa que a havia abençoado — fosse seu irmão ou não — nem sequer estava pelas redondezas ou seria atraída de volta pelas pegadinhas de Anko, talvez ela realmente só fosse uma criatura tão patética que dava pena.

 E agora ainda por cima, os criados estavam simplesmente se recusando a empurrá-la da ponte.

—Tá! Que seja! Então voltem e lambam suas feridas!

Ele jogou-lhe as máscaras com impaciência e abriu o tubo de bambu para sugar todas para dentro.

Com certeza segui-la era uma grande perda de tempo, mas talvez tivesse comida em sua casa.

O filhote deteve-se quando Yukari começou a subir uma longa escadaria em uma colina de pedra, e engoliu em seco, ela, supostamente, não seria a filha de um templo, não é? Não que estivesse com medo, de jeito nenhum, mas e se…? Mordeu o polegar, e se a razão para ela ter sido abençoada com chamas não foi porque alguma raposa se apegou ou teve pena dela, mas porque alguém de sua família — certamente não ela própria, era patética demais — havia escravizado a tal raposa e a obrigado a isso?

Sua mãe já lhe falara disso também, feiticeiros e exterminadores às vezes gostavam de manter youkais como servos — seu pai tinha um ódio particular por esses tipos, inclusive.

Não… não podia ser isso, se seu irmão idiota estivesse na cidade, aquele boneco de madeira já teria o encontrado e deixado Anko em paz, pois ele sabia perfeitamente qual eram as prioridades de sua mãe.

Mas então o que poderia ser? Ainda mordendo o polegar, começou a andar de um lado para o outro… até que avistou uma placa ali perto: “Pousada e Casa de Banhos Shibuya”.

Piscou.

Uma casa de banhos?

Yukari não estava com grande paciência para dar explicações sobre o estado em que chegara, por isso ao invés de ir para casa se trocar, preferira dar a volta na pousada e entrar pela porta dos fundos da lavanderia para ir trocar-se na sala das funcionárias.

Estava pensando na inconveniência de não ter nenhum secador de cabelos por ali, e que talvez realmente precisasse passar em casa, quando foi surpreendida pelo barulho alto de arrastar vindo da lavanderia ao lado.

O que ele estava fazendo agora?

Franziu o cenho encarando a porta fechada enquanto suas mãos seguiam — com gestos mecânicos e automáticos sem sequer prestar atenção ao que fazia — terminando de fechar e ajeitar o quimono.

O som de arrastar ainda prolongou-se pelo que pareciam minutos intermináveis até que, por fim, ela já sem aguentar — e ainda nem tendo calçado as tabis — correu até a porta.

Aquela caixa branca de metal era bem mais pesada do que parecia, mas o esforço havia valido a pena, Anko suspirou com um sorriso satisfeito saltando para sentar-se em cima da geringonça branca, após tê-la arrastado até a frente da porta para bloqueá-la.

E agora aquela garota estúpida estava presa!

Parece que as chamas de seu irmão idiota não eram capazes de protegê-la de tudo afinal!

Há! Mas que otários!

E agora o que faria…?

Mal esse pensamento cruzou-lhe a mente e o pequeno filhote negro detectou no ar um aroma delicioso e sua barriga roncou imediatamente em resposta, parece que ali naquele mundo ele ficava com fome com mais frequência do que em seu próprio.

Mas enquanto refletia sobre isso, de repente alguém agarrou sua trança e puxou-o tão bruscamente para trás que Anko rolou e caiu de costas no chão, para dentro da sala que supostamente devia estar trancada — inferno, a porta abria para dentro —, todo embolorado no grande uchikake.

—Me trancando?! Isso é sério mesmo?! — a mulher reclamava bastante irritada puxando e afastando todo aquele tecido — Afinal o que você quer de mim Gint…?! — mas quando olhos dourados se revelaram, ela pareceu congelar, e só depois de quase um minuto inteiro é que conseguiu perguntar: — Quem é você?!

Mesmo se Gintsune podia assumir a forma que bem entendesse e até mudar a cor dos olhos sempre que quisesse. Yukari não conseguiu reconhecê-lo ali e tampouco — para seu imenso alívio, diga-se de passagem — viu a sua passional irmã e, por mais desconcertante que tal fato pudesse lhe parecer naquele momento, era óbvio que aquilo se passaria, pois a pequena e pacata Higanbana era possivelmente uma das ultimas coisas que cruzava a mente das raposas prateadas conforme a noite caía.

Se para Momiji era tranquilizante que seu amável To-chan houvesse encontrado outras formas de entretenimento que o mantinham longe daquela reles garota, e até muito agradável pensar que logo chegaria o dia quando ele não mais pensaria naquela criatura vulgar e ela estaria livre para purgar a face da terra de sua existência odiosa, Gintsune continuava a se ocupar de todas as formas possíveis para não pensar em Higanbana e na garota de tranças que deixara chorando para trás, e nisso o “País das Maravilhas” estava sendo inigualável em sua utilidade.

Pois se a bebida não podia sozinha afogar seus sonhos, nem a música abafar seus pensamentos e a companhia constante tirá-la de sua cabeça, então quando Arisu lhe estendeu a mão e apresentou-lhe os prazeres de seu próprio mundo noturno, oferecendo-lhe talvez a combinação que poderiam em fim calar os ecos de sua mente, Gintsune aceitou-a sedento.

O descontrole completo não era a resposta, ela lhe disse sorrindo, pois de que adiantaria virar todas as garrafas que conseguisse ou afundar a cara de quantos idiotas quisesse, se no final só serviria para que tudo lhe voltasse com ainda mais intensidade?

O verdadeiro segredo, ela lhe contara, eram os pequenos prazeres, usando-os e absorvendo-os lentamente, assim esquecendo o mundo de forma mais lenta, é verdade, mas ainda assim mais permanente e completamente.

E havia verdade em suas palavras, ele reconheceu, embora houvesse se esquecido disso momentaneamente, por isso, mesmo que o ambiente do País das Maravilhas de Arisu se encontrasse bem longe de todo o frenesi de bebida, diversão e destruição que preencheram o seu último mês, ele acabou por encontra ali naquele ambiente boêmio e mais letárgico de salas escuras, entre as risadas alegres, a fumaça dos cigarros e o tilintar das taças, exatamente o que precisava para anuviar sua mente tão perturbada…

—… vinte e sete então! Sim, porque não posso acreditar que seja mais velho que isso, querido Yukito-kun! — a mulher ao seu lado riu repousando a cabeça em seu ombro.

—Eu estou surpreso, você acertou com exatidão! — Gintsune piscou levando a mão ao peito, tateando os bolsos — Como soube? Deixei minha identidade cair?

Yukito. Aquele nome era desagradável de se usar, um coelho da neve? Onde Arisu estava com a cabeça?! Mas ela pareceu achar muito engraçado que dessa vez fosse Arisu quem levasse o coelho para o País das Maravilhas, Gintsune não tinha ideia do que ela estava falando, mas mesmo assim francamente! Ele era uma raposa! Não um coelho!

Ela tinha realmente muita sorte de ser uma mulher tão interessante e ter lhe apresentando aquele lugar tentadoramente fascinante!

—Ah tolinho, eu sempre fui boa com fisionomias! — ela ergueu o rosto, aproximando-o bastante de si.

A outra mão de Gintsune repousou nas costas dela, na altura da cintura e ele aproximou seu rosto lentamente dela, até que sua mão encontrou o que buscava, tirando um cigarro do bolso e afastando-se com um sorriso atrevido e virando-se para sua outra amiga.

—E quanto a você, Mina-chan, quantos anos acha que eu tenho?

—Isso não tem qualquer importância, tem? — ela riu lhe estendendo o isqueiro para acender o cigarro que pendia de seus lábios — Independente do número que eu disser você vai dizer que eu acertei!

—Parece que fui pego! — Gintsune riu tirando o cigarro dos lábios e inclinando-se para trás com a mão sobre o rosto — Puxa agora me sinto envergonhado!

—Vamos, Mina, pare de pressionar nosso pobre Yukito… lembre-se que essa é a primeira noite dele aqui, devíamos ser gentis com ele. — a terceira de suas novas amigas comentou caridosamente.

—Sim, madames, sejam gentis. — inclinando-se de lado até apoiar-se no ombro de Mina, levou o cigarro aos lábios e suspirando lamentavelmente — Afinal como eu poderia não estar nervoso cercado de tão lindas mulheres?

Completou puxando a primeira delas com um gesto tão rápido para junto de si que a fez quase ir parar em seu colo ao chocar-se contra ele com uma gargalhada.

—Pois a mim você não parece nada envergonhado! — ela riu passando os braços em torno de seu pescoço.

—Oh, mas eu estou sim, muito.

Murmurou esfregando o nariz na curva do pescoço de Mina, e sorrindo ao senti-la estremecer, mas não foi mais além antes de afastar-se para deixar o cigarro no cinzeiro sobre a mesa diante de si e pegar a taça de champanhe.

—Mas e quanto a você Yukito? — a terceira mulher, sentada do outro lado da mesa, cruzou as pernas — Por que não tenta adivinhar nossas idades?

—Ora, isso foi cruel! — Gintsune sorriu por cima da taça — Eu poderia, sabem? Sou muito bom com números, mas temo… que meu senpai aqui possa me dizer que essa seria uma atitude muito imprudente.

Sentado no canto mais a esquerda seu camarada sorriu.

—Ele tem razão senhoras. — concordou pegando a garrafa de champanhe para encher as taças novamente — Essa é uma pergunta muito capciosa, e as senhoras não deveriam estar pressionando meu kouhai assim… é a primeira noite dele aqui, eu já lhes disse, e prometi a ele que vocês seriam boazinhas.

—Ah, mas você não deveria ter prometido isso Yano, afinal como poderíamos não querer nos divertir com um lindo e novo rapaz que nos foi apresentado tão espontaneamente? — a primeira de suas amigas comentou recostando-se ainda mais languidamente a Gintsune — Não é sempre que Arisu-sama nos oferece dois lindos rapazes pelo preço de um…

—É claro que sim, pois as senhoras são clientes tão assíduas da casa e tão bem quistas em meu coração. — Yano puxou a mão da amiga mais próxima para si e apoiou a lateral do rosto nela — Como poderíamos não lhes dar alguns privilégios?

—Mas então… isso significa que as lindas damas gostam de se divertir à custa de nós, pobres e inexperientes rapazes? — Gintsune sorriu girando a taça de champanhe.

—Você com certeza há de nos perdoar Yukito. — Mina argumentou puxando a taça de Gintsune para si e experimentando um gole — Afinal nós temos dias tão corridos…

—Ah, longe de eu censurar as diversões de tão belas senhoras! — Gintsune sorriu afavelmente — Apenas relaxem minhas lindas damas, nós estamos aqui para fazê-las esquecer seus dias corridos e sofridos.

—É claro que sim. — a terceira mulher pegou uma taça para si — Pois esquecer o mundo exterior é justamente a magia do País das Maravilhas.

Sim, essa era a magia do País das Maravilhas. Taças foram erguidas para um brinde. E Gintsune sentia como se não quisesse nunca mais ir embora dali.


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Notas finais do capítulo

Os personagens nesse capítulo estão sentindo umas coisas bem distintas um dos outros, mal posso esperar para quando todos eles colidirem ♥



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