A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 44
43: Kagome Kagome… quem está atrás de você agora?


Notas iniciais do capítulo

Olá novamente, obrigado por lerem até aqui! ♥
Se encontrarem algum erro ou palavra que não entendam, me avisem!



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Gintsune já assumira muitas formas, inclusive a de criança, e tinha uma predileção por cabelos negros quando se passava por humano, mas ainda assim por mais absurdo que aquilo pudesse parecer, aquela criança mágica e desconhecida não era ele de jeito nenhum.

Mesmo se Yukari não tivesse aqueles “olhos tão especiais” citados por Gintsune — e dos quais ela ainda duvidava fortemente da veracidade — ela ainda saberia que não era ele, pois era nítido no odor que ele exalava, na sensação pegajosa e gordurosa da trança em suas mãos, e nas roupas sujas e maltratadas.

Afinal Gintsune podia ser o que fosse, mas ele definitivamente tinha um gosto indiscutível por banhos frequentes. Não fora justamente assim que se conheceram?

De repente a criança caída em seu colo se debateu e chutou o ar, contorcendo-se e virando-se sobre si mesma, obrigando Yukari a soltar sua trança para não machucá-lo.

—Me solte sua mulher ridícula e patética! — ele protestou saltando para longe, silvando e mostrando os dentes, com uma postura que lembrava muito um animalzinho arisco. — Quem você acha que é para ousar tocar em mim?!

Ela era pequeno, não parecia ter mais do que seis anos de idade, estava descalço, embora ainda estivessem em pleno inverno, e usava um quimono simples e esfarrapado, estranhamente sobreposto por um uchikage que lhe caia imenso e o fazia parecer menor ainda, mas mesmo o estado imundo e esfarrapado em que a peça se encontrava não conseguia disfarçar por completo todo o esplendor de sua origem, porém, por alguma razão, aquilo que realmente chamou a atenção de Yukari era o tubo de bambu que podia-se ser entrevisto pelas camadas, pendurado aos quadris da criança por uma corda simples.

Tinha alguma coisa ali… não é?

—Quem é você? — foi a única pergunta que lhe ocorreu fazer.

De alguma forma a falta de reação de Yukari pareceu irritá-lo ainda mais, e ela quase pôde ver seus cabelos se eriçando como os pelos das costas de um gato quando ele apontou-lhe o dedo — ou pelo menos ela achava que era isso que a mão dele estava fazendo por debaixo daquela manga imensa — e advertiu-a irritadamente:

—É melhor você não me subestimar otária porque eu…!

Mas mesmo que tenha começado tão irritado, sua voz foi sumindo gradativamente, conforme os olhos iam se arregalando, numa expressão indecifrável, até que, no silêncio que se seguiu, Yukari achou ter ouvido um som estranho, algo como o lamento de um animal preso em algum lugar e, franzindo o cenho, começou a virar a cabeça procurando a origem, mas então o som repetiu-se e ela virou-se surpresa, de repente dando-se conta de sua origem: o menino.

—O que foi…? — começou a falar.

Corando — talvez por raiva ou constrangimento — ele de repente curvou-se pressionando as mãos na altura do umbigo.

—N-não é nada do que você está pensando! — gritou irritado.

As sobrancelhas de Yukari se arquearam.

—Não me diga que por acaso isso foi…!

—Sua mulher estúpida!

Interrompeu-a rebeldemente virando-se com um esvoaçar de tecido antes de simplesmente desaparecer.

Mas o que havia acabado de acontecer ali?!

Yukari suspirou prestes a levar a mão ao rosto, mas deteve-se em meio ao gesto e fungou, sentindo o cheiro impregnado em sua mão e então passando para a outra, verificando se ela se encontrava em igual estado.

Pouco menos de cinco minutos depois uma das empregadas da pousada encontrou-a, ainda sentada no chão, cheirando seus próprios braços e roupas.

—O que aconteceu aqui? — a moça perguntou surpreendida, espiando dentro da sala por cima da enorme máquina de lavar.

Yukari ergueu os olhos calmamente e pousou as mãos sobre o colo.

—Pode me ajudar a sair daqui? Alguém me pregou uma peça. — respondeu, logo depois franzindo o cenho — E acho que estou precisando tomar um banho.

Quem poderia ser aquele garoto afinal?

Ele obviamente não estava apenas se passando por uma criança como Gintsune gostava de fazer, mas o garoto não era humano, disso tinha certeza… então o que estava acontecendo ali?!

Gintsune nunca havia mencionado nada sobre outros iguais a ele e a irmã, e é claro que Yukari tinha plena noção de que ele preferia ocultar muita coisa a respeito de seu próprio mundo, mas por vezes também deixava escapar comentários sobre certos “insetos”, e havia Izumi também, que mencionara os mesmos “insetos”, mas inclusive ele, quem certamente já vira muito mais do que ela sequer era capaz de imaginar, não parecia já ter visto qualquer coisa além… ou então ele teria se dado conta imediatamente do por que aquele cretino libertino parecia tão perigoso aos seus olhos… não, na verdade agora que parava para pensar, Gintsune também não havia mencionado algumas vezes sobre um “camaradinha” que morava na pousada?

E sua mãe também, que há poucas semanas, durante o eclipse, dissera ter visto um garotinho em roupas tradicionais encolhido com medo do escuro, mas ele acabou desaparecendo sem que ela percebesse, e mais tarde quando procuraram saber se ele havia encontrado com os pais, não havia achado nenhuma criança entre os hóspedes que batesse com a descrição… e aquele garoto também não batia.

Yukari franziu o cenho.

É claro que este menino também desaparecia em pleno ar, mas seria realmente o mesmo? Porque sua mãe não dissera nada sobre o garotinho daquele dia ser grosseiro e maltrapilho, muito pelo contrário, tanto que vovó Tsubaki até brincara sobre a mãe de Yukari ter se encontrado com o Zashiki Warashi da pousada.

Então eles eram o mesmo ser, ou agora havia dois meninos sobrenaturais perambulando pela pousada?

E se fosse apenas um, por que de repente o Zashiki Warashi tão camarada da pousada havia atacado a escola de Yukari e tentado trancá-la na sala de descanso? Ela fizera algo para aborrecê-lo?

Ou pior, de repente Yukari empalideceu, e se, ao invés de ter aborrecido o espírito da boa sorte da pousada, e ele a seguira até seu colégio, ela na verdade tivesse atraído outro encrenqueiro para c…?!

—Yukari!

Sua mãe chamou-a de repente, sobressaltando-a.

—… Sim? — respondeu olhando-a por cima do ombro com os olhos arregalados, mas sua mãe permaneceu calada, parecendo confusa — Mãe, o que foi? A senhora me assust…

—Não se queimou? — a mãe interrompeu-a.

—Como assim? — virou-se.

O olhar de Chiharu baixou para a panela fumegante que a filha acabara de tirar do fogão e continuava segurando com as mãos nuas sem demonstrar o menor desconforto, Yukari seguiu o olhar da mãe e franziu o cenho, colocando a panela quente sobre a pia, para então olhar as próprias mãos, e sua mãe aproximou-se as avaliando junto, mas as palmas não estavam nem mesmo avermelhadas.

—Como isso é possível…?

Sua mãe murmurou aproximando a mão da panela e afastando-a no mesmo instante com uma exclamação de dor e surpresa.

—Mãe, cuidado! — Yukari avisou pegando-lhe o pulso e puxando-lhe a mão para baixo da torneira instintivamente.

A colegial franziu o cenho, havia passado as últimas horas agindo unicamente no automático, e foi um golpe de sorte que sua mãe não tivesse machucado a mão, mas… como as mãos de Yukari haviam ficado ilesas também?

—Yuki, por que você não vai descansar um pouco e deixa que eu termine o jantar? — sua mãe sugeriu.

—Não precisa, hoje é minha vez de… — mas então se deteve, embora sua mãe estivesse tentando disfarçar, na verdade era nítido em seu olhar que estava um pouco assustada, Yukari pigarreou — Então eu vou sair um pouco, obrigada mãe, eu cubro a senhora na próxima.

Curvou-se antes de sair da cozinha e pegar o casaco.

Na verdade assim que colocou os pés para fora de casa ela deu-se conta que não tinha lugar nenhum aonde quisesse ir, e já havia escurecido também, pois os dias no inverno eram sempre curtos, mas de alguma forma foi para a Praça da Raposa que ela acabou indo.

É claro, sorriu soltando o ar com escárnio, afinal parecia que todos os seus problemas sempre começavam e terminavam com raposas.

Ali perto um grupo de crianças ainda se retardava em voltar para casa, dando as mãos e girando juntas em volta de uma última criança agachada no centro com a cabeça entre os joelhos enquanto cantarolavam:

Kagome Kagome;

O pássaro na gaiola

Quando vai se libertar?

Na madrugada da noite;

A garça e a tartaruga escorregaram;

Quem está atrás de você?

Suas vozes baixas e risonhas era o único som do lugar, e quase pareciam tão agourentas que Yukari estremeceu.

Parada diante da estátua, ela estendeu uma mão para o alto, e depois outra, avaliando-as uma de cada vez na meia luz até uma memória vir assombrá-la. É verdade, não havia sido só a panela, não é?

—Espere! Cuidado com o chão l…!

Hannyu-senpai a havia alertado, surpreendendo Yukari naquele dia.

—Desculpe…?

—O chão está liso de gelo. — ele explicou-lhe — Fique parada aí e eu vou ajudá-la…

Mas ela já havia percorrido mais de um terço da viela e arriscou dar um passo cuidadoso à frente.

—Não, espere um pouco! — ele tentou detê-la.

Porém, Yukari continuou dando mais um passo adiante, e outro e outro, cuidadosamente testando onde poderia estar escorregadio até que simplesmente estava ao lado dele, sem ter encontrado nenhum pedaço de chão que derrapasse.

—Puxa. — o senpai riu desconcertado — Você deve ter uma coordenação incrível ou então uma sorte extraordinária, para pisar justo nos pontos que não estavam congelados.

—Ainda assim obrigada por sua preocupação, Hannyu-senpai. — ela inclinou-se em gratidão rapidamente antes de ir embora.

No entanto, Yukari sabia que grande sorte ou coordenação nunca esteve entre seus maiores atributos.

Os olhos e lábios dela se abriram com um choque mudo, repentinamente enfiando as mãos nos bolsos do casaco e, além do gelo na rua, ela também não sentira o frio da chuva, ao invés disso a sentira quase quente e reconfortante.

Quente e reconfortante, aquela lhe era uma sensação familiar… quase inconscientemente Yukari tocou o ponto entre suas sobrancelhas com a ponta dos dedos, certa vez Gintsune a tocou com suas chamas naquele exato local, recordou a si mesma, mas na época eles haviam acabado de ter uma discussão e ele também lhe dissera algumas palavras bastante cruéis, então Yukari simplesmente descartou o gesto como uma tentativa dele de assustá-la — e é claro que sabia que isso não condizia com o gesto seguinte dele de beijá-la no mesmo lugar logo depois, entretanto o que fazia sentido nas atitudes daquela raposa sem vergonha?! —, porém, e se não foi essa a intenção…?

—Quando você diz que eu “repilo insetos”, com exatamente faço isso? — outra memória a assolou.

—Você os queima. — a voz de Izumi respondeu em sua mente — Eles entram em combustão assim que se aproximam de você.

—A cor desse fogo por acaso é az…?

Chega!

Ela balançou a cabeça, sacudindo as tranças, não ficaria remoendo aquilo.

Nem os segredos daquela raposa prateada traiçoeira, nem a identidade de garotos maltrapilhos e grosseiros, da última vez que ficara obcecada com algo do tipo, ela acabara com um imbecil narcisista atormentando-a e fazendo joguinhos às suas custas.

Ali perto as crianças continuavam girando e cantarolando infinitamente, até que o oni pudesse descobrir a verdade:

…Na madrugada da noite;

A garça e a tartaruga escorregaram;

Quem está atrás de você?

—Não me importa! — disse a si mesma, a voz soando estranhamente alta na praça quase silenciosa quando ela virou-se e afastou-se da estátua a passos largos — Vou apenas deixar para lá e dormir, não me fez mal de qualquer jeito!

Contudo, apesar do que disse a si mesma, não pôde pregar os olhos naquela noite com tantos pensamentos intrusivos que insistiam em se atropelar em sua cabeça:

O que mais aquelas chamas poderiam fazer? Foi assim que ele a encontrou quando ficou presa no porão da escola junto com Tanaka-senpai? Ele havia deliberadamente evitado responder-lhe quando ela perguntara a respeito… e aquela vez depois da discussão fora mesmo a única vez em que ele a tocara com chamas? No fundo de sua mente parecia haver a memória distante e abstrata da sensação em um sonho daquele mesmo calor reconfortante e uma melodia desconhecida…

Assim como também foi impossível ignorar o assunto quando, na manhã seguinte, todas as carpas de estimação de sua avó desapareceram do lago artificial no jardim da pousada.

—Jouchirou, Ume, Koji, Hayao, Takane, Yukito, Daisuke… todos eles se foram. — sua avó lamentou-se desolada às margens do laguinho. — Não entendo o que pode ter acontecido… terá sido um gato?

—Talvez. — Yukari cerrou os punhos ao lado do corpo — Um gato preto.

—Yukito me deu Jouchirou quando nos casamos, eu ganhei Ume quando Daisuke nasceu, e comprei Koji quando Yukito tornou-se o proprietário. — Tsubaki lamentou-se se ajoelhando às margens do laguinho — Chiharu e Daisuke me deram Hayao quando eles se casaram, comprei Takane quando você nasceu Yuki, e comprei Daisuke quando Yukito morreu e seu pai se tornou o proprietário… — sua mão passeou pela superfície do lago vazio — Batizei cada uma delas com o nome de um proprietário da pousada, e agora… para onde foram?

Yukari deveria ter ouvido os agouros, pois aquilo era somente o começo.

Tsubaki não tinha como saber, é claro, que de suas amadas carpas ornamentais agora só restavam às espinhas, abandonadas na ladeira aos fundos da propriedade, usada pela família para descarregar cargas e receber correspondência.

—Isso deve bastar por hora.

Anko concluiu jogando para longe as espinhas da última carpa e limpando a boca na manga do uchikake, enquanto seus pequenos criados sobrevoavam os restos da refeição com um pouco de preocupação.

—A comida humana não pode sustentar o jovem mestre adequadamente. — disse uma delas. — Por isso ele tem tanta fome.

—Esse corpo físico exige mais força e nutrientes. — a segunda raposinha acrescentou. — É nosso dever cuidar do jovem mestre.

—O jovem mestre precisa de força espiritual para se manter! — concluiu a terceira.

—Esqueçam! — o filhote negro reagiu, atirando-lhes uma pedra — Eu não vou comer aquelas coisas nojenta que ficam me chamando das sombras!

As raposas tubo estremeceram.

Mas o jovem mestre precisa…! — tentaram dizer.

—Aquela mulher não se assustou nem ficou surpresa quando me viu, que estupidez. — Anko reclamou deitando-se de lado no chão com o rosto apoiado sobre uma mão, com os pensamentos já voltando à outra questão agora que estava saciado — Ela até confundiu-me com aquele idiota, tenho certeza que era o nome dele que ia dizer naquela hora.

Rapidamente tendo sua atenção cativada as raposinhas avultaram-se sobre sua cabeça.

—Acha que ela sabe onde o outro jovem mestre está? — uma delas perguntou.

—Então vamos perguntar a ela! — sugeriu a segunda estremecendo de alegria — E encontrar o filhote perdido da mestra!

—Não! — protestou a primeira raposinha — O jovem mestre é o filho insensível que fugiu de nossa mestra, se nós perguntarmos ela pode avisá-lo e ele irá fugir!

Entrelaçando-se, as outras duas pequenas raposas tubos, cochicharam e chiaram entre si, antes que a terceira concluísse:

—Então vamos segui-la!

—Se a seguirmos vamos surpreender o ingrato e insensível jovem mestre! — concordou a segunda raposa tubo.

—Argh, mas como são barulhentas! — Anko espantou-os sacudindo um galho no ar ao colocar-se sentado com um único movimento — Ninguém aqui vai procurar ninguém!

Mas mesmo espalhando-se no ar para longe do alcance do ataque, as raposas tubo ainda ousaram desafiar o temperamento do jovem mestre e relembrá-lo:

—Nossa missão aqui é encontrar os filhotes desgarrados da mestra!

—Eu sei disso paspalhos! — Anko atirou o galho contra um dos criados, mas a raposinha esquivou-se habilmente — Mas por que é que nós deveríamos ir atrás dele?! Mamãe pode se referir a eles ainda como filhotes, mas são raposas adultas, e ela mandou um boneco muito lento para rastreá-los! — as raposinhas pairaram no ar, observando-o atentamente enquanto aguardavam sua conclusão: — Então ao invés de ficarmos tentando apanhá-los pela cauda, vamos trazer o otário do meu irmão até aqui.

Vibrando de excitação as raposas tubo gritaram e chiaram com excitação, cercando Anko com risadinhas e puxando seus cabelos com euforia.

—Que inteligente é o jovem mestre!

—Que plano engenhoso!

—E como atrairemos os filhotes da mestra?

Perguntavam empoladas.

Ignorando toda a agitação festiva zumbido em volta de sua cabeça e pegando do chão a espinha dorsal de uma carpa, o filhote sorriu cruelmente

—Primeiro o meu irmão mais velho, depois veremos o que faremos com a “Flor” da mamãe, vocês procurem Mokujin, ele tem muitos truques na mochila e as chamas envolvendo aquela mulher não podem durar para sempre… qual será a cara que o meu caro e estúpido irmão irá fazer quando o seu brinquedinho se quebrar?

A espinha dorsal se quebrou entre seus dedos.

A menos é claro, que ele já tivesse se cansado e esquecido dela e nunca mais voltasse, a mãe sempre dizia que seu mais querido filhote se cansava dos brinquedos tão rápido quanto se empolgava e afeiçoava a eles… e, sinceramente, Momiji esperava que fosse assim que as coisas fossem.

Seu auspicioso príncipe já não se embriagava mais até perder os sentidos enquanto forçava aquele sorriso doloroso de partir o coração, nem seus olhos se perdiam e ficavam distantes em momentos de distração quando ele se esquecia de que estava tentando parecer bem, aos poucos aquela reles humana estava deixando de assombrar lhe os pensamentos.

Logo as chamas que ele impulsivamente colocara nela se apagariam e Momiji poderia expurgá-la da face da terra e seu amável To-chan simplesmente nunca se daria conta.

Seria como se ela nunca tivesse existido.

Ele inclusive parecia já ter uma nova distração com a qual se ocupar.

—Arisu…? Que tipo de nome esse? — havia perguntado na primeira vez em que ele a mencionara.

—Exótico, não é? — ele riu divertido, com a cabeça deitada sobre suas pernas enquanto brincava com as pontas do cabelo dela — Acho que é estrangeiro, ou pode ser apenas uma alcunha, mas para que eu iria querer saber se é o verdadeiro nome dela ou não? Ela é interessante e tem acesso a bebida e diversão! E… escute essa irmã! — ele sentou-se empolgado — Ela tem um clube o “País das Maravilhas”, e me disse para ir lá beber e me divertir todas as noites!

—É mesmo? — sorriu de lado.

—Ela disse que meu rosto a agrada! — ele riu.

Momiji anuiu.

—Isso é porque seu rosto agrada a todos To-chan.

—Acha mesmo? — ele gargalhou balançando a cabeça — Porque juro que posso citar uma longa lista de indivíduos que me dariam um soco na fuça se pudessem!

Ele saía para ir vê-la todas as noites sem exceção desde então e quase já parecia ser ele mesmo novamente, tudo estava voltando a ser como devia ser; Momiji também se sentia melhor, a noite não era mais tão apavorante, e a solidão estava aos poucos se tornando novamente reconfortante, seu amável príncipe fazia o que queria e os joguetes eram apenas joguetes que não podiam lhe dizer o que fazer…

—Eu definitivamente não quero! — Gintsune reclamou jogando-se ao lado de Arisu.

—Esse divã é pequeno demais para nós dois ficarmos nele, Gin. — Arisu reclamou recostada, deixando o tablet sobre as pernas recolhidas e pousando a mão na cabeça dele — Desça!

Agarrando-se à sua cintura, ele apoiou o queixo sobre a barriga dela e olhou-a com um beicinho mal humorado.

—Então compre móveis maiores!

—Não adianta fazer beiço, apenas pare de agir como um garotinho mimado fazendo birra. — ela o censurou.

Ele abaixou a cabeça, pressionando o rosto contra a barriga dela ao reclamar com voz abafada:

—Mas agora mesmo você estava me elogiando dizendo o quão excepcional eu tenho sido.

—Com certeza meu doce. — ela acariciou lhe o topo da cabeça distraidamente enquanto apreciava os números e dados exibidos na tela de seu tablet com um sorriso satisfeito — Eu soube que seu rosto e maneiras eram algo a se levar em conta assim que o vi, mas ainda assim você me surpreendeu Gin: em uma semana me rendeu mais do que eu esperava em um mês vindo de você!

Ela nem sabia se ele estava realmente a escutando, quando Gintsune se encolheu ainda mais para junto de si.

—Então por que está me chutando para fora? — reclamou manhoso novamente fazendo beiço.

—Não precisa fazer todo esse drama. — ela sorriu bem humorada, passando a mão por seu rosto e inclinando-se um pouco mais para perto dele — É apenas que “Arisu” trouxe o “coelhinho branco” para o País das Maravilhas, e agora está na hora do coelhinho devolver o favor e ir atrás de mais garotinhas doces e com bolsas cheias de dinheiro, e uma fria e solitária noite de domingo no meio do inverno parece o cenário ideal.

—Pare de se referir a mim como um coelhinho, é enervante! — Gintsune reclamou com uma careta.

Girando os olhos, Arisu afastou o rosto reclinando-se para trás no divã novamente.

—Por que os homens sempre se incomodam em serem chamados de fofos?

—Não me incomodo com isso, eu sou absolutamente adorável! — ele protestou — Mas não sou coelho algum, sou uma raposa!

—Ah sim, isso com certeza! — Arisu gargalhou rapidamente, antes de sua expressão tornar-se severa — Agora falando sério, Gin, é por causa dos horários e rotatividade, todos os meus rapazes têm que, pelo menos duas vezes ao mês, ir lá fora para conseguir clientes… claro que alguns vão mais que os outros quando me aborrecem, mas isso não vem ao caso. Não te darei um tratamento espec… — deteve-se avaliando por um instante a posição praticamente entrelaçada em que se encontravam naquele momento — Um tratamento ainda mais especial só porque tem o rosto mais lindo e a maior tolerância a álcool que já conheci… além de que, se apenas o mantendo aqui dentro já me gerou tantos lucros, mal posso esperar para ver o quanto posso conseguir exibindo-o do lado de fora.

Movendo-se para cima das pernas dela e apoiando-se sobre os cotovelos, Gintsune a olhou ultrajado.

—Mulher, seu mundo gira em torno do dinheiro?! — reclamou — Eu me sinto um pedaço de carne.

—Mas é mercadoria de primeira qualidade.

Arisu comentou apoiando o rosto de lado sobre a mão ao mesmo tempo em que erguia o tablet e tirava uma foto, fazendo-o piscar surpreendido, logo antes de sorrir de lado.

—Eu sei que sou irresistível, pode tirar quantas fotos quiser querida.

—É para uma amiga. —Arisu respondeu deixando de prestar atenção nele para mexer no tablet novamente — Ela vai estar na cidade no mês que vem e com seu rosto excepcional creio que posso conseguir um bom valor com ela por você.

Gintsune suspirou.

—Me sinto usado. — atuou dramaticamente, antes de piscar-lhe — E que tal uma de corpo inteiro? Não é só meu rosto que é perfeito.

—E não deixar nada para a imaginação dela compeli-la a vir até aqui? — Arisu sorriu-lhe de volta, como uma mulher de negócios. — Mas por agora, ao invés de esperar que seu rosto nos traga dinheiro, estou lhe dizendo para você mesmo ir buscá-las, Gin.

—Não quero! — Gintsune reclamou escondendo o rosto na barriga dela de novo — Vai nevar hoje!

—Mais uma razão para ir e trazê-las para dentro. — Argumentou, mas Gintsune se recusou a responder e ela suspirou — Tudo bem, Gin, se é assim que quer fazer, certamente é porque já percebeu que é valioso demais para que eu possa simplesmente me desfazer de você por uma birra ou outra e, portanto, não posso obrigá-lo. — Gintsune já estava sorrindo, quando ela concluiu: — Porém é uma pena, eu achei que você fosse um homem de palavra, talvez tenha sido ingenuidade da minha parte, ou será que já se esqueceu do nosso acordo?  Ou… quem sabe, aquela garota da qual me falou não seja tão importante assim que vala alguns poucos minutos lá fora, afinal com os seus talentos eu não duvido que não leve mais do que isso para conseguir atrair algumas mulheres solitárias em busca de diversão até sua toca, como um bom coelhinho branco

Gintsune enrijeceu, antes de olhá-la com uma expressão azeda.

—Isso é jogo sujo Arisu.

Reclamou afastando-se e se sentado na outra ponta do divã, com o rosto virado para o lado oposto sem querer admitir derrota.

—Eu estou nesse ramo há muito tempo, meu doce, usamos as armas das quais dispomos. — ela sorriu vitoriosa — Ah sim, mas é claro que não queremos que você pegue um resfriado, então coloque um agasalho.

—Isso não é necessário. — Gintsune colocou-se de pé passando as mãos nos cabelos. — Eu poderia dançar nu lá fora e o frio não me incomodaria.

—Isso atrairiam muitos olhares, mas tente se conter um pouco, seria desagradável ter que lidar com a polícia!

Brincou, mas não houve resposta e, ainda sorrindo, a empresária observou-o saindo obstinado, ele certamente era um homem de maneiras estranhas e hábitos caprichosos, mas era uma aquisição valiosa se soubesse como manejá-lo adequadamente.

Por hora aquela garotinha do campo dele era um trunfo em suas mãos, entretanto, com aquele acordo pairando entre os dois, o mais provável é que com o passar do tempo ela viesse a se tornar uma pedra no sapato.

—Lidarei com isso quando chegar o momento. — concluiu se concentrado em seu tablet novamente.

Ele com certeza dava muito trabalho e escondia mais do que apenas um ou dois segredos obscuros — especialmente considerando que ele sequer existia oficialmente —, mas valia o investimento, pois aquele homem tinha o potencial para reinar no distrito da luz vermelha, tal qual Arisu mais de uma década atrás e ela estava feliz por ter sido a primeira a conseguir pegá-lo em seu radar.

E Arisu nunca se enganava com seus instintos, prova disso é que naquela noite tão comum de domingo à noite, Gintsune trouxe a ela o lucro de uma noite de Natal.

Então ela estava com um humor particularmente bom quando reduziu a velocidade e aproximou o carro do acostamento, baixando a janela.

—Gin, quer uma carona? — ofereceu sorrindo.

Ele estava prestes a virar em um beco e não a tinha percebido se aproximar, mas sorriu parando ao olhá-la por cima do ombro tirando o cigarro da boca.

—Não precisa, estou bem.

—Venha cá. — ela o chamou — Como posso deixar meu achado inestimável andando sozinho nas ruas no meio da madrugada e ficar tranquila?

—Eu posso me virar. — ele garantiu rindo, mas aproximou-se — Aquele sujeito que conheci no seu bar pode confirmar.

—Claro, não duvido, mas não é bem essa minha preocupação, o que fará se eu não estiver lá para limpar a sua bagunça? — ela destrancou a porta do carro — Vou te levar pelo menos até a estação, acho que já está quase na hora dos trens começarem a rodar, não é? Suba.

—Eu também posso limpar minha própria bagunça quando quero. — afirmou com o cigarro entre os lábios, mas entrou no carro mesmo assim. — Essa é uma das lições cruciais do velho: se você não pode lidar com o que vier, apague seus rastros.

—Nem quero imaginar o tipo de pessoa que seria o seu velho, mas então, para onde você está indo?

—Yokohama.

—Verdade? — perguntou distraída parando no semáforo e digitando algo no celular sobre o suporte no painel. — Gin. — ela piscou — O primeiro trem para Yokohama só sai daqui a dez horas!

—Parece que sim. — ele concordou despreocupado aproximando-se da tela.

Arisu o olhou surpresa.

—Como pretende chegar a Yokohama? Tem um carro?

—Eu não sei dirigir. — ele riu apagando cigarro no cinzeiro.

—Então ia pegar um táxi?! — exclamou incrédula.

O sinal ficou verde.

—Ou talvez eu vá para lá voando. — brincou rindo.

Mas ela ainda estava espantada.

—O que você faz? Gasta com táxis pela manhã todo dinheiro que ganha a noite?!

Ele deu de ombros.

—Minha irmã está em Yokohama.

—Gin você é lindo, mas também é o cara mais estranho que já conheci. — ela suspirou.

Gintsune limitou-se a sorrir para ela, no fim ela não o levou para estação ou ponto de táxi algum.

E pouco depois de duas horas mais tarde, passadas de água demarcavam o caminho feito por Gintsune no apartamento vazio do banheiro à cozinha, o lugar era tão grande, limpo e silencioso que mesmo ele tinha dificuldade em acreditar que alguém realmente morava ali, inclusive quando abriu os armários e a geladeira, quase não encontrou comida lá.

—Se eu não soubesse. — disse a si mesmo na cozinha vazia afastando para o lado com uma careta a caixa de leite abandonada na geladeira e encontrando uma lata de pêssego em cauda — Eu acharia que caí na armadilha de uma jorogumo.

Também havia uma dúzia de garrafinhas d’água, uma caixinha com um creme doce misterioso e, surpreendentemente, um saco de morangos congelados e uma fôrma de cubos de gelo no congelador, além de meia garrafa de vodca em um dos armários, mas pelo menos não encontrou restos mortais ou ossadas de homens jovens.

—Na verdade acho que nunca saí com uma jorogumo. — continuou a pensar em voz alta recolhendo tudo o que encontrou com exceção da (eca) caixa de leite, apenas porque o silêncio estava começando a incomodá-lo — Elas sempre me pareceram… carnívoras demais para o meu gosto.

Quando ele se calou novamente foi como se o lugar ficasse ainda mais vazio e sem vida.

Aquele silêncio… era ensurdecedor.

O coração de Arisu quase explodiu dentro de sua caixa torácica e tudo girou de forma vertiginosa enquanto pontos negros dançavam diante de seus olhos e uma banda marcial rugia em seu crânio, quando ela sentou-se repentinamente na cama ao som do que parecia ser uma moto serra.

Grunhiu colocando a mão sobre a boca e inclinando-se para frente com ânsia de vômito.

Mas que inferno…?!

Mesmo querendo voltar a deitar-se e simplesmente morrer ela rolou da cama e arrastou-se pelo apartamento com a mão apoiada na parede, mais morta do que viva, indo em direção a origem daquele barulho infernal e gritando um palavrão quando quase derrapou em uma poça no chão.

—Gin, você nunca dorme ou se cansa?! — reclamou quando finalmente conseguiu levar sua carcaça para a cozinha e puxar o liquidificador da tomada — O que é que está fazendo de toalha na minha cozinha com essa máquina dos infernos ligada a essa hora da madrugada de uma segunda-feira?!

Pelo visto, a Arisu da noite e a Arisu do dia eram pessoas completamente diferentes, Gintsune riu divertido.

—Bom dia Arisu, já são 7h, sabia? — ele cumprimentou-a com uma jovialidade e animação enervantes — E você está com a voz de uma senhora de oitenta anos! — então olhando para sua expressão carrancuda e com certeza horripilante, inclinou a cabeça e comentou com um leve tom de curiosidade: — Acho que está com a cara de uma também… — ele desconectou o copo do liquidificador e serviu o conteúdo rosa cremoso em um copo de vidro antes de deslizar a bebida sobre o balcão em sua direção — É batida de morango, servida?

As sobrancelhas de Arisu se arquearam.

—Tinha morangos nessa casa…? — deteve-se sentindo o estômago revirar — Ah, esqueça, eu vou tomar uma aspirina e voltar para cama. E você. — apontou-o com um olhar mortífero — É melhor que quando eu levantar você já tenha arrumado toda essa bagunça e secado o chão, entendeu?

—Pode deixar chefa! — ele concordou com um sorriso divertido e uma continência zombeteira.

Arisu teria girado os olhos se não sentisse que isso realmente a teria feito vomitar.

—Inacreditável. — ela resmungou se levantando e voltando para o quarto — Moro aqui há oito anos, ele é apenas o terceiro cara que deixo entrar, e só porque fiquei com pena de deixá-lo na rua esperando até à hora do primeiro trem para Yokohama, mas talvez devesse ter só pagado um táxi e o mandado de uma vez para a irmã aturá-lo… — ela parou e virou-se — Ah sim, e mais uma coisa: nem mais um pio até as 13h.

Gintsune assoviou admirado bebendo a batida de morango e reclinando-se sobre o balcão da cozinha.

—Eu realmente senti o gelo descer pela minha espinha agora. — comentou.

Francamente… se ele não tivesse um rosto tão bonito!

Arisu fez um último gesto tracejando a garganta com o indicador numa clara ameaça antes de ir embora resmungando, que mulher divertida, ela realmente achava que ele ainda estaria ali por tanto tempo? Gintsune riu servindo-se novamente de sua batida de morango, está bem, se ela não queria sobrava mais para ele, ah sim, e também levaria um pouco para sua irmã!

O que será que Yukari estava fazendo agora?

O pensamento surgiu tão repentinamente que ele quase deixou o copo cair, Yukari estava sempre invadindo seus pensamentos, ele bebeu esperando até ouvir Arisu começar a ressoar novamente no quarto para só então estalar os dedos, e pequenas labaredas azuis surgiram enfileiradas pairando próximas ao chão secando-o com o calor.

Mesmo sem ter Gintsune por perto, Yukari com certeza vinha encontrando motivos para se estressar sozinha, principalmente na última semana: desde sexta-feira retrasada ele podia sentir suas chamas sendo consumidas em lenta e constante combustão com rápidos e espaçados picos de queima.

Talvez já fossem a época das provas novamente?

—Nesse ritmo, mesmo se ela não quer me ver nem pintado de ouro, eu terei que visitá-la logo para restabelecer a proteção. — ele murmurou bebendo.

Só mais um pouco… repetiu mentalmente a si mesmo.

Só mais um pouco e ela se acalmaria, ele… ele tinha certeza, e Arisu também havia lhe confirmado, se ele seguisse como ela sugerira… sim, ficaria tudo bem entre eles.

Afastando-se do balcão ele se dirigiu novamente aos armários, onde poderia buscar por uma garrafa térmica para colocar o restante da bebida e levá-la para sua irmã… claro, havia alguém com gosto por bebidas cor de rosa com quem ele gostaria de dividir também, mas isso era inviável agora.

Só mais um pouco… só mais um pouco.

Era nisso que precisava acreditar, e então um dia ela acordaria, e perceberia que não estava tão chateada com ele assim… mas infelizmente as chances estavam contra ele, pois dessa vez, Yukari acordou com a cama cheia de areia.

Ela sentou-se coçando os braços, costas, pescoço e cabeça.

Ótimo.

Odiava ter que lavar os cabelos ainda pela manhã, só esperava que dessa vez o condicionador não tivesse sido substituído por molho yakisoba novamente — e cujo cheiro ainda parecia estar impregnado nela…

Tossindo e piscando com os olhos lacrimejantes, Yukari encarou a figura fantasmagórica refletida no espelho do banheiro e largou o secador de cabelo que acabara de soprar uma rajada de talco (ou farinha de trigo) direto em seus cabelos e rosto.

Com pressa e raiva, precisou lavar os cabelos outra vez, iria se atrasar para a aula!

—Aquele moleque danado!

Reclamou mal tendo tempo de verificar se seus sapatos não estavam cheios de arroz de novo antes de calçá-los e vestindo às pressas o velho casaco cor de rosa, pois o novo havia tido as mangas costurados uma a outra na última segunda-feira e ela ainda não tivera tempo de consertá-lo, antes de sair correndo.

—Yukari, você não comeu n…! — a avó tentou chamá-la, mas ela estava atrasada.

E como se concordasse, além de prever que ela também não tivera tempo de preparar um obento, o estômago reclamou em revolta enquanto ela descia as longas escadarias da colina, mas não havia o que fazer, compraria algo na cantina da escola, e pelo menos isso eliminava o risco de ser surpreendida com frango frito e salsichas doces ou bolinhos de arroz recheados com casca de ovo e pasta de dente.

Aquele molequinho danado!

Aparentemente as chamas invisíveis que a protegiam haviam se esgotado ou eram simplesmente inúteis contra ele, embora ainda fosse o bastante para secar seus cabelos — já que ela não conseguia pensar em outra resposta para suas tranças não terem chegado duras de gelo ao colégio —, pois ela tinha certeza que tudo aquilo era obra dele, apesar de não conseguir entender porque ele a estava perseguindo tanto.

Tudo o que sabia é que aquela criança não era Gintsune, quem era ele afinal? Gintsune já dissera que não havia outros no mundo como ele, mas… ele também não sabia sobre sua “querida irmã” lacrada, e se ele também encontrou e libertou aquele garotinho por mero capricho?

Ah, se por ventura viesse a descobrir que, de alguma forma, ambos estavam relacionados, ela de forma alguma deixaria isso passar!

Gintsune parecia ter respeitado sua vontade, e não voltado mais a tentar entrar em contato após ela ter lhe pedido um tempo para reorganizar seus pensamentos, mas e se, ardiloso como só uma raposa poderia ser, ele lhe enviara um dos seus — quem sabe como retribuição por tê-lo libertado ou algum outro favor do tipo — para atormentá-la e irritá-la até que ela não aguentasse mais e suplicasse a ele por ajuda?

E as chamas o avisariam disso, ela tinha certeza, mas se era realmente esse o plano, então aquele cretino esperaria sentado!

Ela ainda estava zangada e confusa e, além de tudo, ainda tinha algum orgulho também e definitivamente não estava pronta para encará-lo depois de todo vexame e humilhação da última noite!

E não era apenas o garotinho, havia também aquele homem tenebroso, ele nunca realmente se aproximava e sempre tentava se esconder — sob a sombra da ponte, por detrás de árvores à distância, em becos estreitos… —, mas Yukari sabia que ele estava lá a observando, mesmo que quando olhasse para trás nunca o encontrasse.

Como se houvessem começado um jogo de “Kagome, Kagome”; no qual ela nunca conseguia encontrar o oni.

O que queriam dela?

Ainda havia a possibilidade de na verdade eles não estarem propriamente atrás dela, mas sim daquela raposa problemática, e Yukari apenas ter acabado em meio ao fogo cruzado, ele com certeza era encrenqueiro o suficiente para arrumar desafetos aonde quer que fosse e ela com aquelas estúpidas chamas, era basicamente um farol gigante!

Fosse como fosse, tinha certeza absoluta que era tudo culpa dele…!

Uma torrente de cascalho branco jorrou de seu armário de sapatos na entrada do colégio, surpreendendo-a, Yukari ficou paralisada piscando incrédula enquanto o cascalho continuava a cair, acumulando-se ruidosamente ao redor de seus pés, e quando as últimas pedrinhas caíram, estava tão envergonhada que sequer ousava olhar a volta ou mesmo levantar o olhar, e os comentários dos alunos ao seu redor não era mais do que meros murmúrios sob o som de seu próprio sangue rugindo em seus ouvidos.

Então sobressaltou-se quando alguém colocou a mão em seu ombro.

—Shibuya Yukari. — Tanaka Hiroshi-senpai a chamou por trás — Você está sendo alvo de bullyng?

Seu rosto estava quente, e ela fechou os punhos sentindo o corpo tremer de indignação.

Como ela parava com aquilo?!

Duvidava muito que bastaria descobrir o nome de quem pairava às suas costas, tal como no jogo. Mas enquanto não descobria isso, ainda precisava aturar coisas como liquidificadores explodindo todo o conteúdo em sua cara no meio da aula de economia doméstica, e o dinheiro de seu almoço desaparecendo, e isso era apenas o que Yukari podia perceber à sua volta… pois aquelas chamas eram realmente irritantes, não é?

—Preste bem atenção seu pedaço de pau otário. — Anko dissera a Mokunjin, subindo em seus ombros quando os criados o haviam trazido até ele dias atrás, assim como lhes ordenara — É aquela mulher tediosa ali, está vendo?

Apontou a distância enquanto armava-se com um estilingue.

Seu tiro foi rápido e preciso, a pequena pedra deveria tê-la acertado bem no meio da espinha, mas bem naquele exato instante, chamas furiosas se ergueram e pulverizando o cascalho em um milésimo de segundo, enquanto a garota seguia atravessando o pátio externo carregando suas caixas, sem nem se dar conta de nada.

Mokujin não tinha traços faciais com os quais pudesse expressar emoções, mas Anko tinha certeza que se tivesse ele estaria boquiaberto agora.

—Ela é chata e patética, mas está sob a proteção de uma raposa estúpida: o querido filhote da minha mãe. — explanou sua descoberta convencido, ele não era nenhum bebezinho inútil e indefeso, não apenas passara a perna no boneco de mãe, como também o ultrapassara em suas buscas! — Não precisamos ir atrás do filhote de mamãe porque ela o trará até nós! — aquilo fez imediatamente o shikigami dar um passo a frente, tencionando ir até a mulher, mas Anko agarrou sua cabeça e puxou-a bruscamente para trás, como os arreios de um cavalo — Só que agora não estúpido!

Eles estavam longe demais para que ela pudesse escutá-los, mas ainda assim ambos viram quando ela parou e virou-se tão repentinamente que o shikigami quase não foi rápido o bastante para se ocultar por detrás do velho depósito antes de ser avistado.

Debatendo-se e girando, ele ergueu os braços e arrancou de seus ombros o filhote inquieto que tentava quebrar seu pescoço com o aperto das pernas, segurando-o com os braços estendido e mantendo-o o mais longe possível de si.

Anko ainda deu um ou dois chutes no ar e pode ou não ter tentado instintivamente morder suas mãos, antes de olhá-lo contrariado por cima do ombro, e explicar-lhe a contragosto:

—Se simplesmente tentarmos pegá-la ou explodir suas chamas estúpidas para trazer meu irmão idiota de uma vez até aqui, vai ser perigoso para nós, otário, você e os criados por acaso são a prova de fogo?

Por sorte sua mãe havia dado uma missão ao shikigami, mas aparentemente nem um cérebro, e os criados também não eram gênios, então foi muito fácil para Anko enrolar todos aqueles otários, eles nem sequer se deram conta que não precisavam estar próximos ou mesmo diretamente envolvidos para explodir as chamas daquela mulher tediosa: sabotar a ponte que ela sempre atravessava, atirar pedras nas janelas perto das quais ela passava, possuir algum estúpido na direção e jogar um veículo em cima dela… mas não, se eles explodissem as chamas de uma única vez, com certeza o querido filhote de sua mãe viria correndo e acabaria com toda a diversão dele.

Então primeiro iria extingui-las tão lentamente que aquele babaca nem perceberia que havia algo de errado, Anko levava muito tempo lidando com aquele mesmo encantamento de proteção então sabia como funcionava, e aí quando finalmente acabasse… então aí sim, veriam quão resiliente e tediosa ela podia continuar sendo.

—Não acredito que temos que treinar aqui fora nesse frio. — um humano idiota reclamou amarrando os cadarços dos sapatos — Eu estou congelando!

—Quando começarmos a nos exercitar vamos nos esquentar. — outro humano alegou esperançoso.

—Mas para que treinar tanto?! — o primeiro humano reclamou — Nós somos medíocres, não passamos nem de um regional!

—Ah para! — um terceiro humano reclamou lhe dando uma cotovelada —
 Pelo menos você tem um bom braço para arremesso!

Nenhum deles era capaz de perceber o pequeno filhote negro que se esgueirava por entre eles no banco e, tampouco, as três formas longas e fantasmagóricas que pairavam sobre suas cabeças.

—E daí? — o primeiro continuou em tom de reclamação. — De que me adianta dar bons arremessos estando nesse fim de m…!

—Façam. — regougou o filhote negro.

Em um único movimento os três criados entraram pelas bocas dos três rapazes, os fazendo estremecerem enquanto tinham seus corpos invadidos e suas vontades tomadas, antes de se curvarem novamente, com risadinhas mal contidas e tremores pelo corpo.

—Eu não acredito que temos que correr aqui fora com esse frio na aula de hoje! — Aiha reclamou dando pulinhos de um pé para o outro e sem saber exatamente se escondia as mãos sob as axilas ou nos bolsos do moletom — Estamos treinando para as olimpíadas ou o que?! Nem participamos de clubes esportivos!

—Hoje o dia está claro, então acho que o professor achou que seria uma boa ideia. — Kaoru comentou tentando se alongar. — Pelo menos nos deixaram por os casacos de moletom, e pode ser que consigamos nos aquecer quando começarmos a correr.

—Ou então consigamos queimaduras de frio e nossos narizes caiam.

—Não está tão frio assim! — Kaoru respondeu chocada.

—Acho que meus lábios vão rachar. — Aiha soltou o ar pela boca, vendo sua respiração condensar diante do rosto e puxando um hidratante labial do bolso — Hongo, Sibuya, vocês querem um pouco?

Mas Yukari nem pareceu escutá-la, pois já há algum tempo que ela estava olhando fixamente para uma mesma direção, muito concentrada com o cenho franzido.

—Shibuya?

—Não parece que tem qualquer coisa de estranho com aqueles garotos ali? — perguntou de repente.

Ela estava olhando para um trio de garotos do time de beisebol que conversavam entre risadas um pouco afastadas do resto dos membros do clube, não muito longe delas.

—Como o que? — Kaoru perguntou também os observando agora.

—Eu não sei… só são estranhos. — o cenho dela se franziu ainda mais.

Rindo cada vez mais alto, agora os três garotos haviam começado a brincar entre si empurrando uns aos outros.

—São apenas garotos sendo garotos. — a representante encolheu os ombros e começou a passar o hidratante labial — E faguendu coza iguiota.

Mas não era só isso, tinha qualquer coisa de errado com eles, Yukari não conseguia dizer o que era, nem podia ver seus olhos ou ouvir suas vozes claramente daquela distância, mas ainda assim parecia-lhe como Nishitake-kun naquele dia em que abriu a janela da sala… de repente os três garotos se viraram para elas e seus olhos se arregalaram com surpresa como se não esperassem estar sendo observados. Não, como se não esperassem que Yukari os tivesse notado, pois tinha certeza que foi para ela que apontaram logo antes de darem as costas e recolherem-se para conferenciar entre si novamente.

Mas o que…? Yukari franziu o cenho.

—Já chega disso. — a representante puxou-lhe o braço — É falta de educação ficar olhando, e também já é nossa vez de correr. Shibuya, você ao menos se alongou?

—Eu não…

De repente um estouro alto que pareceu perigosamente próximo à sua cabeça, a fez saltar de susto e ergueu uma onda de curtos e rápidos gritinhos e xingamentos, quando se deu conta, Yukari estava com ambas as mãos firmemente agarrados ao braço da representante, ela começou a virar a cabeça, perguntando surpresa e desconcertada:

—O que foi i…?

Aqueles três garotos de antes estavam segurando várias bolas em suas mãos, um deles ergueu o braço.

—Cuidado! — gritou Kaoru.

Naquele instante a única reação de Yukari foi encolher-se e fechar os olhos, uma série de estouros seguidos explodiu perigosamente próximo à sua cabeça, talvez cinco ou sete deles, ao fundo conseguia ouvir Kaoru gritando e a representante xingando, até que de repente o ataque cessou com o grito irado de um professor:

—O que pensam que estão fazendo moleques?!

Yukari estava sentada no chão junto com a representante, não sabia quando havia caído, mas seu coração estava acelerado e os olhos arregalados fixos no chão, vozes pareciam flutuar a sua volta sem fazer sentido:

—… que aconteceu…?

—Por que aqueles garotos de repente…?

—… eram bolas…?

—Você viu…

—Todas elas explodiram…?

Alguém lhe agarrou o ombro e outro alguém a chamou. Parecia ser o professor delas, mas estava tão distante:

—Vocês estão bem? Alguém se feriu?

Uma corrente de ar atravessou-as e, pela primeira vez em meses, Yukari estremeceu de frio.

—Mas o que foi que deu naqueles estúpidos fazendo aquilo tão gravemente?! — a representante reclamou irada andando de um lado para o outro na enfermaria — Alguém poderia ter se machucado seriamente!

—Apenas se acalme Kanae-chan e beba um pouco de água, alguma de vocês sente alguma coisa? — a enfermeira perguntou de sua mesa.

—Acho que estou em choque. — Kaoru respondeu tremendo. — Yuki também, ela ainda não disse uma palavra.

Sentada ao seu lado Yukari estava observando distraidamente um modelo de corpo humano posicionado ali perto, aquilo também havia sido obra do garotinho maltrapilho, bem como tudo o mais em sua semana, achava que as brincadeiras haviam ultrapassado os limites há tempos, mas agora já era demais, não havia sido apenas incômodo ou problemático, mas perigoso, e pior ainda, colocara suas amigas em risco também, ela precisava dar um jeito de parar com aquilo logo.

Deveria tentar chamar Gintsune…? 

Mas não só ela não sabia como fazer isso ou usar as chamas com esse propósito — e também duvidava que ele fosse atender no último número que usara para ligar — como também isso feriria muito além de seu orgulho… porém se as coisas piorassem ainda mais… ah, havia alguma coisa ali agora também não é?

Yukari não sabia onde estava, mas podia sentir seus olhos postos sobre ela e lentamente moveu o olhar do modelo de anatomia para a área com as camas, um pouco mais ao fundo da enfermaria.

—Shibuya Yukari? — a enfermeira a chamou fazendo-a virar-se rapidamente de volta — Você pode se deitar se estiver muito abalada.

—Isso não é necessário. — ergueu a mão — Também não estou ferida, então gostaria de voltar para aula agora.

—Se você diz…

A enfermeira dizia enquanto, sem que nenhuma delas percebesse, três pequenas e esguias figuras brancas saiam voando rapidamente de debaixo da segunda cama da enfermaria e escapuliam atravessando à porta.

—Isso foi perigoso! — a primeira das raposas tubo pronunciou-se assustada.

—Os olhos dela são problemáticos! — a segunda raposa estremeceu.

—Muito! — concordou a terceira.

—O que querem dizer com isso, estúpidos? — Anko reclamou da janela, aquele boneco idiota estava no portão… — Achei que tinham dito que ela não pode nos ver!

—Não pode. — negou a segunda kudagitsune — Mas sabe sobre nós, é assustador!

—Assustador! — ecoaram as outras duas.

E ela também sabia lá fora, mesmo antes de nós jogarmos as bolas!

—Se ela sabe, significa apenas que meu irmão é muito mais estúpido do que eu pensava! — afirmou saltando para o chão.

—Não é isso, jovem mestre, os olhos dessa mulher…!

—Silêncio, ela é só uma mulher tediosa, nem sequer pode nos ver, se pudesse fazer algo já teria feito! — o filhote esbravejou — E vamos logo, eu estou com fome de novo!

Ordenou disparando pelo corredor, mesmo naquela forma diminuta ele ainda sentia muita fome, os criados queriam retrucar, mas no momento o melhor para eles era apenas se afastarem logo de Yukari, então seguiram seu jovem mestre sem mais reclamações.

Felizmente o resto do dia transcorreu sem mais nem um grande transtorno, nada de seu material misteriosamente ficando todo grudado à mesa nem sua caneta vazando e manchando todo seu caderno e até parte de seu uniforme, e aquela mancha não iria sair nunca…!

—Yuki, o que você achou do assunto de hoje? — Kaoru lhe perguntou hesitante — Na verdade eu… não sei se entendi bem, e o professor disse que seria um fator chave na avaliação final.

—Eu também não. — admitiu despreocupada — Mas ele também disse que esse era o último assunto do semestre, então as próximas aulas com certeza serão apenas revisão e exercícios, por isso teremos bastante tempo para conseguir…

De repente Kaoru puxou sua mão para si.

—Então vamos estudar juntas, Yuki! — convidou-a quase emocionada, surpreendendo Yukari — A representante vai formar um grupo de estudos para as pessoas que estiverem tendo mais dificuldade como você e eu, vamos hoje!

Yukari franziu o cenho, sem saber ao certo como reagir por dois segundos.

—Eu… na verdade isso é muito repentino, então acho…

Uma mão repousou em seu ombro.

—Você já está pronta Shibuya?

—Ah, representante. — Yukari virou-se — Obrigada pelo convite, mas ainda falta mais de um mês para as provas, então não acho que eu já precise começar a…

—E pretende começar a estudar quando? Na véspera? — a representante falou repentinamente tão alto que Yukari pulou de susto, e praticamente todos na turma pararam para olhá-las — Já se esqueceu das notas medíocres que tirou na última avaliação, Shibuya?!

Yukari encolheu-se momentaneamente.

—Eu… hum… — gaguejou, logo antes de fazer-lhe uma reverência — Sinto muito, eu realmente estou agradecida que tenha se preocupado assim em lembrar-se de mim, mas eu estava agora mesmo prestes a dizer a Kaoru que o convite foi muito repentino e, infelizmente, tenho meus compromissos e meu pai nunca permitiria, portanto…

Foi interrompida quando a representante ergueu o dedo indicador, pedindo um minuto de silêncio, na outra mão a colega já tinha o celular com um número discado apenas esperando pelo toque para chamar, que ela rapidamente apertou, levando-o ao ouvido.

Yukari franziu o cenho, para quem ela estava ligando…?

—Alô, senhor Shibuya? — a representante começou a falar de repente, praticamente botando a mão na cara de Yukari para que ela se calasse antes que pudesse expressar qualquer protesto — Eu sou Kanae Aiha, representante de classe de sua filha. — houve quase trinta segundos de silêncio enquanto a representante provavelmente ouviu um sermão do pai de Yukari, antes que ela voltasse a falar com um sorriso inabalável — Sim, senhor, eu entendo e peço perdão, mas infelizmente eu não tinha um número privado para o qual ligar. — e sem nem dar tempo para uma resposta, começou a disparar sem pausa: — Acontece que esse é um assunto de suma importância para o futuro acadêmico de sua filha: como o senhor talvez esteja ciente, as provas de final de semestre estão se aproximando e Yukari, infelizmente não se saiu muito bem na última avaliação, não, estou sendo gentil, seu desempenho foi tenebroso! — Yukari engasgou-se e desesperadamente tentou puxar o celular da mão da colega, mas a outra se esquivou habilmente — E é por isso que estou reunindo um grupo de estudos para se reunir hoje, para que assim possamos todos avaliar os principais pontos no quais estamos mais deficientes e assim poder priorizá-los nos estudos dessa avaliação e posso lhe garantir que não tomará muito do tempo dela, planejamos apenas compartilhar apostilas sobre os assuntos em que temos maior dificuldade para que possamos estudar com maior eficiência sozinhos em casa, e somente os que continuarem a terem dificuldade irão precisar continuar a comparecer nas reuniões do grupo de estudos, mas tenho certeza que o senhor entende e se preocupa com o futuro acadêmico de sua única filha e permitirá que ela compareça. — finalmente ela fez uma pausa, de não mais do que dez segundos, para ouvir uma resposta, e sua expressão tornou-se séria — Sim senhor, eu entendo, eu lamento o incômodo, obrigada.

Desligando, ela manteve sua expressão inalterada enquanto guardava o celular e terminava de arrumar o resto de suas coisas, sem dizer mais nem uma palavra.

—E então? — Yukari perguntou sem aguentar mais o suspense — O que foi que ele disse?

Com uma expressão ainda mais séria, a representante colocou a mão em seu ombro.

—Lamento Shibuya. — Yukari suspiro, é claro, ela já esperava por isso, nem sabia por que se sentia decepcionada… — Mas ele permitiu, então você não poderá fugir de mim hoje!

Inicialmente Yukari piscou, e então, passado alguns segundos, ela perguntou:

—Como disse?

O sorriso de satisfação da representante não podia ser mais evidente.

—Ele permitiu. — repetiu exultante.

Ao seu lado Kaoru vibrou de alegria.

—Eu vou ligar para casa e avisar! — anunciou correndo para sua própria bolsa.

Ela era simplesmente um furacão! Pensou chocada. Ninguém, aparentemente nem Shibuya Daisuke, era capaz de resistir a sua forte determinação!

Então, obviamente Yukari não teve escolha além de segui-las, mas… por que tinha que ser justamente ali?!

Yukari fez uma careta.

—Achei que iríamos estudar, por que viemos até aqui? — perguntou em tom de reclamação, mesmo que não fosse sua intenção.

—Precisávamos de privacidade. — a representante afirmou.

—Não poderíamos ter ido para a biblioteca da escola?

—Não podemos comer na biblioteca. — Aoi-chan comentou com a mão sobre a barriga — E estudar sempre dá fome.

Yukari olhou a volta, como se procurasse uma escapatória.

—E por que não vamos a uma lanchonete? — sugeriu. — Como… aquela Kitsune encantada, por exemplo.

Foi o primeiro nome que lhe ocorreu, parece que sua cabeça sempre girava em torno de raposas… mas ela expulsou esse pensamento da mente.

—Seria barulhento. — a representante respondeu sem hesitar.

—E como um karaokê seria mais silencioso que uma lanchonete?! — reclamou.

—Aqui tem salas à prova de som. — a representante respondeu erguendo o queixo com ar petulante. —Tanto faz, você já nos seguiu até aqui mesmo, então vamos: aí vem Hongo, ela já fez nossa reserva, de qualquer jeito.

Yukari estremeceu, não pretendia voltar ao karaokê tão cedo assim, não tinha boas memórias de sua última ida até o local, mas como dissera a representante, de qualquer forma eles já estavam ali.

—Então como vamos fazer isso? Como decidiremos…

Começou a dizer abrindo a mochila, mas foi interrompido pela representante alegando que o mais importante era, antes de qualquer coisa, que fizessem os pedidos.

—Agora sim podemos ir ao que interessa. — a representante anunciou mergulhando um pedaço de nugget em um copinho de ketchup — E Shibuya. Feche. Esses. Cadernos. Agora.

A garota a olhou perplexa.

—Mas o propósito não é revisar a matéria da prova…?

Sem nem escutá-la, a representante apontou para Yukari, que estava sentada diretamente à sua frente, com um pedaço de nugget mordido.

—Shibuya. — intimou-a. — O que é que está acontecendo com você?!

Surpreendida, Yukari arregalou os olhos, agora toda atenção da sala estava concentrada unicamente nela, Aoi-chan a olhava impassível, comendo um pedaço de nugget

distraidamente, enquanto Kaoru e Sakura-chan se inclinavam em sua direção ávidas a espera de sua resposta e praticamente sem piscar, elas também estavam cientes de que a intenção da representante ao arrastá-la até ali nunca fora estudar.

Caíra numa armadilha.

—Eu… — engoliu em seco — Acho que estou tendo um pouco de dificuldade nas fórmulas de matemática e também com inglês.

Ela sabia que a representante não estava se referindo a isso, mas preferiu insistir apenas porque algo lhe dava a impressão de que aquilo ao que ela realmente se referia, fosse o que fosse, seria muito desconfortável.

Mas a representante logo cortou suas esperanças:

—Você sabe que não é disso que estou falando Shibuya!

—E quanto… a revisão para a prova? — perguntou estupidamente.

A representante bufou e girou os olhos.

—Temos um mês inteiro antes das provas, Shibuya, francamente!

Decretou lançando um olhar incisivo ao caderno ainda aberto sobre a mesa até que Yukari, cuidadosamente, o fechasse.

—Mas… por que disse que iríamos estudar então?

Yukari franziu o cenho se, por um lado, ela queria saber, por outro estava apreensiva, afinal, tudo aquilo fora uma armadilha exclusivamente para ela.

—Se eu tivesse dito qualquer outra coisa nem você, nem o seu pai, teria concordado. — a representante respondeu despreocupada, girando uma mão no ar enquanto cruzava as pernas.

—E eu precisava de um motivo plausível para me ausentar do conselho estudantil hoje.

Sakura-chan acrescentou com um sorriso nervoso que praticamente gritava: “Por favor, não me entregue!”, Yukari limitou-se a suspirar e balançar a cabeça.

—Representante isso é novamente sobre aquela história de eu precisar relaxar antes de ficar careca por estresse? — Yukari começou a guardar suas coisas — Agradeço a preocupação, mas…

—Estamos aqui porque eu sou uma amiga extraordinária e percebo quando minhas amigas estão passando por um mau momento. — a representante a interrompeu seriamente. — Yukari, você quer falar sobre isso?

Yukari, e não “Shibuya”.

Yukari engoliu em seco.

—Eu realmente não sei…

Começou a dizer, mas Kaoru segurou sua mão.

—Yuki, pode falar com a gente. — murmurou confortando-a — Nós… sempre fomos amigas, não é?

—Falando sério, Yukari. — Aiha desviou o olhar, apoiando o braço esticado ao longo do encosto do sofá — É claro que não quero te pressionar, mas eu já te disse mais de uma vez que pode me contar se algo acontecer, nós podemos não nos conhecer a tanto tempo quanto você e Hongo, mas você pode se queixar comigo, está bem? E se não quiser falar comigo, ou com qualquer uma de nós, pelo menos fale com alguém, será pior se só ficar guardando e ficar passando por essa montanha russa sozinha. Fale mal ou grite, tem uns microfones logo ali, chore se quiser, ninguém vai te ouvir do lado de fora mesmo, apenas não podemos beber, mas podemos pedir sorvete, só coloque para fora, vamos chorar ou xingá-lo junto com você.

Yukari franziu o cenho.

—Uma… montanha russa? — repetiu incerta.

—Fica aérea, tem ideia de quantos incidentes andou tendo ultimamente? — Yukari moveu-se desconfortável, seus “incidentes” não tinham nada haver com qualquer falta de atenção sua, mas ela não sabia dizer se essa suposição era melhor ou pior que a de Tanaka-senpai sobre ela ser uma possível vítima de bullyng — E se deprecia como se não fosse nada demais. — de repente Aiha olhou-a irritada — Que história é essa de “sou tediosa demais para os gostos dele, mas ele não fala por mal”? Estou engasgada com isso há meses!

Mas quem se engasgou ao ouvir aquilo foram Kaoru e Sakura-chan.

—Ele disse o que? — Sem perceber Kaoru apertou repentinamente a mão de Yukari, que a puxou de volta com um gemido de dor.

—Como pode ser tão babaca com um rosto daqueles? — Sakura-chan exclamou chocada, mas logo depois sacudiu a cabeça — Esqueçam, os lindos são sempre os piores!

—Mas ele não ter interesse em Yukari-chan pode ser a melhor coisa que aconteceu a ela. — Aoi-chan comentou baixo segurando um copo de refrigerante com as duas mãos, e mordeu o lábio inferior — Ninguém deveria querer ser “interessante” para uma coisa daquelas.

O olhar de Yukari paralisou em Aoi-chan, é claro que ela sabia de algo, mas Yukari ainda tinha a esperança que se não confirmasse nem mencionasse nada, ela acabaria achando que havia sonhado ou visto coisas… as coisas poderiam ficar ainda mais problemáticas se mais pessoas soubessem sobre Gintsune e a irmã.

Parou franzindo o cenho, mas no que estava pensando? Gintsune sabia se virar, o problema ali era Aoi!

Yukari não sabia o que poderia acontecer com a amiga se aquelas raposas descobrissem que ela sabia!

—Nishiwake tem razão. — Aiha concordou seriamente, e Yukari prendeu a respiração, não era possível, ela também…?! — Mesmo que ele seja bonito, se sua personalidade é horrível e ele te faz sentir inferior, não vale à pena… pelo contrário, a única coisa que valeria a pena seria mandar ele pro quinto dos infernos.

Yukari poderia ter se assustado com a agressividade repentina nas palavras da amiga, tal como Kaoru e Aoi-chan que arregalaram os olhos, mas ela estava aliviada.

—Não é nada disso, ele realmente não faz por mal, só… — começou a explicar.

—Pare de passar a mão na cabeça dele! — Aiha a assustou com sua raiva repentina ao bater na mesa — Ele te causa dor de cabeça, some e aparece quando bem entende e a faz ficar ansiosa e relapsa, e não tem nenhuma empatia por seus sentimentos! O que ele acha que você é? Um brinquedinho de cachorro?!

Yukari ficou sem fôlego.

—Não…! — arquejou — Sei que pode parecer que é assim, mas realmente não…! — engoliu em seco, apertando os punhos sobre o colo — Sim, ele é problemático e me dá dor de cabeça, mas quando lhe falo seriamente que algo me incomoda se corrigi. — geralmente… — E é claro que ele é imprevisível em suas aparições, mas não é como se me devesse alguma satisfação realmente, quanto aos meus sentimentos, já disse que nunca tivemos esse tipo de relaç…

—Você continua dando desculpas a ele, Yukari. — Aiha a repreendeu seriamente — Ele não te deve satisfação? Ótimo, então o que veio fazer aqui no Natal? Você também não deve satisfação alguma a ele! Por que continuou te buscando na escola? Você foi repreendida por isso!

—Isso… ele se preocupa… e não veio mais depois que o avisei que isso me causava problemas.

Pelo menos não veio mais com uma aparência que a colocasse numa situação difícil.

—Isso é senso comum! — Aiha insistiu, mas Gintsune não tinha senso comum — E no Natal ele estava “preocupado” também?!

—Ah, hã…

—Eu sinto muito sobre aquilo! — Sakura-chan disse de repente, curvando-se envergonhada e arrependida — Eu realmente lamento sobre o que aconteceu naquela vez, foi tudo por causa de um mal entendido meu que você ficou naquela situação! Eu vim aqui só para me desculpar, realmente sinto muito pela situação que provoquei, nunca foi minha intenção, no futuro cuidarei de ter mais cuidado com as palavras!

—Não… — Yukari piscou — Está tudo bem, sei que não fez de propósito.

—Mesmo assim ele podia ter sido um pouco mais sensível! — Kaoru interveio — Mesmo se Sakura-chan se enganou, rir daquele jeito foi muito cruel!

—Yukari, não é só porque vocês não namoram que ele pode menosprezar seus sentimentos assim, amigos também devem ter sensibilidade sabia? — Aiha pontuou — Nenhuma de nós aqui está apaixonada por você, mas estamos preocupadas, entende o que digo? Até Ichinose, que mal a conhece e pode falar coisas bem inconvenientes se preocupa.

—Eu já pedi desculpas! — Sakura-chan protestou.

Um bolo se formou na garganta de Yukari, mesmo que ela não soubesse bem o porquê.

—Eu realmente não sei o que se passa na cabeça dele, e tem muita coisa que não entendo também. — confessou concentrando o olhar nos nuggets sobre a mesa e concentrando-se para falar calma e claramente, não podia voltar a chorar como naquela vez — Ele é um narcisista e um canalha, eu mais do que ninguém aqui sei o quanto, e me dá nos nervos, mas é gentil comigo e sempre me diz como sou sua importante amiga… e também diz que sou fria, mas é ele quem tem as palavras mais incrivelmente cruéis quando discutimos! Como num momento pode dizer que somos amigos e se importa comigo e no outro que só estava se divertido as minhas custas?! — parou ofegante, sentindo os olhos já pinicando — Canalha! — pegou a lata de melon soda mais próxima sobre a mesa e a virou, bebendo quase metade de uma só vez, antes de deixá-la pesadamente sobre a mesa tentando se recompuser — Mas… eu me preocupo com ele, eu gosto de estar com ele e sinto sua falta quando não o vejo, e mesmo que pareça que sempre só faz o que quer e não tem senso comum algum eu… sei que ele se preocupa e tenta cuidar de mim à sua maneira. — suspirou pesadamente — Represen… Aiha-san, eu sei que vai dizer que estou passando a mão na cabeça dele de novo e que ele devia ter mais cuidado com meus sentimentos já que, pelo menos em tese, nós somos amigos, mas como ele poderia saber alguma coisa se eu mesma não sei o que estou sentindo?

—V-v-v-você não sabe?! — Sakura-chan perguntou no auge da perplexidade. — Mesmo enquanto nos diz tudo isso?

E, a julgar pelas expressões de todas — inclusive o nítido terror no rosto de Aoi-chan — ficou claro que ela era a única ali que havia perdido alguma coisa, franziu o cenho, era mortificante pensar naquela noite, mas mesmo assim confirmou:

—Quando perguntei, ele ficou quieto.

—Você perguntou uma coisa dessas diretamente a ele?! — Kaoru deixou escapar um gritinho fino e horrorizado.

As sobrancelhas de Yukari quase se uniram.

—Não… deveria?

Agora era Sakura-chan quem estava bebendo refrigerante desesperadamente como se precisasse acalmar os nervos.

—Yukari, ainda que você seja um pouco densa e nós somos jovens e inexperientes… mas ele não é! — Aiha pontuou passando a mão pelos cabelos — Ele é o adulto, mais vivido e experiente, então mesmo se você não notou o que estava acontecendo, eu tenho certeza que ele entendeu, e tinha que se responsabilizar… manter distância, recusar o quimono que você costurou,

—O quimono? — interrompeu surpresa.

—Você fez um quimono masculino na aula de trabalhos manuais. — Kaoru relembrou — Sabemos que não era para seu pai… e não muito tempo depois usou todo seu horário de almoço só para fazer reparos na peça.

Yukari corou, ela queria se enterrar num buraco.

—E mesmo assim ele nunca fez nada para detê-la! — Aiha o acusou — Apenas continuou a lhe dar esperanças, esperando em silêncio ver até onde aquilo iria… como um tipo de piada cruel.

—Eu não entendo. — balbuciou desconcertada — Que esperanças ele alimentou sem que eu me dessa conta enquanto me mantinha no escuro…?

Mas mesmo enquanto falava ela sentia que, em alguma parte no fundo de seu ser, já sabia a resposta, porém era como se enquanto não a verbalizasse não se tornaria real, e covardemente continuava a dar voltas no mesmo lugar…

—Yukari-chan. — Aoi-chan a chamou pálida e chorosa — Você se apaixonou por ele.

Foi naquele exato momento que ela sentiu como se fosse tragada pela realidade, sua alma pareceu sair do corpo e Yukari caiu para trás recostando-se no sofá e olhou inexpressiva para o teto.

—Aiha — chamou tão chocada que sua voz soava vazia.

Um segundo de silêncio… dois… três…

—Sim?

—Acho que vou aceitar aquele pote de sorvete agora.

De repente, alguém começou a rir, mas Yukari assustou-se ao perceber que era ela própria, seu corpo tremendo de leve enquanto a risada incrédula arranhava sua garganta.

Ele não tem nada de bom além do rosto.

Recordou amargamente.


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Notas finais do capítulo

O que será agora de nossa pobre Yuki agora que seus olhos estão bem abertos a respeito do seu coração? ^_^

Curiosidades do Japão:

A brincadeira "Kagome Kagome";
Trata-se de uma brincadeira folclórica do Japão onde uma criança (o "oni") senta-se no meio de um círculo com os olhos vendados enquanto as outras crianças juntam as mãos e andam em círculos em volta do oni cantando uma música. Quando a música para, o oni tem que falar qual é a pessoa atrás dele, se ele estiver correto, a pessoa atrás dele vira o oni, mas se não estiver correto, continua como oni indefinidamente até acertar.



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