A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 23
22: De que lhe valem os humanos?


Notas iniciais do capítulo

Amante de raposas e folclore oriental que sou, estou muito feliz porque essa semana em fim chegou o livro que comprei "Raposas contos fantásticos orientais" e quero agradecer a Shalashaska por me recomendá-lo ♥
.
Gintsune pode ser belo... mas ainda é impiedosamente inescrupuloso em suas brincadeira... ou será que não? XD

GLOSSÁRIO:

Ikiryõ: é uma manifestação da alma de uma pessoa que vive separada de seu corpo.

Kanabôs: Espécie de porrete japonês, feito de madeira com pontas de metal.

Kodama: Espécie de youkai guardião que habita e protege as florestas no Japão, geralmente colonizando arvores grandes e antigas.

Mikoshi: um palanquim religioso sagrado. Os seguidores xintoístas acreditam que ele serve como veículo para transportar uma divindade no Japão enquanto se desloca entre o santuário principal e o santuário temporário durante um festival ou quando se muda para um novo santuário.

Onee-san: irmã mais velha, embora nem sempre se refira necessariamente a uma parente de sangue, sendo usado geralmente por crianças para referir-se também a uma mulher mais velha, mas ainda em idade jovem.

Senpai: é usado para indicar alguém com mais experiência e para indicar hierarquia.

Se houver alguma palavram que não entendam, me digam, por favor! :D



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Yukari já o havia advertido antes para que ele não fumasse em lugares públicos e muito menos na escola — e ainda mais em sua forma colegial —, dizendo algo sobre isso ser ilegal.

—Você já tem uma lista de “pequenos delitos” bem grande, então vamos tentar não aumentá-la mais ainda, por agora, está bem? — foi o que ela dissera.

Bem, provavelmente não tinha problema algum desde que ninguém fosse capaz de enxergá-lo.

Yukari era certinha demais, não era como se alguém pudesse ligá-lo aos seus “pequenos delitos” de roubo, como ela gostava de dizer, embora Gintsune entendesse que ela se preocupava mais com o quanto seus pequenos delitos poderiam prejudicar os outros do que propriamente com o quando ele poderia se encrencar caso fosse pego.

O que ele não entendia direito… era porque sempre acaba voltando até ali.

—Acho que pode ser solidão. — meditou em voz alta embora, ou talvez justamente por isso, ninguém fosse capaz de ouvi-lo ali. — O que você acha?

Era uma pergunta retórica, é claro, ele não esperava de forma alguma que aquela raposa de pedra, e muito menos a raposa de verdade selada em seu interior, pudesse realmente respondê-lo.

Claro que outra possibilidade é que aquilo também fosse resultado de alguma inexplicável atração pelo perigo, os humanos não eram os únicos que possuíam disso afinal, mas Gintsune não sentia nenhuma espécie de adrenalina estando ali tão perto daquele lacre e daquelas águas enfeitiçadas para repelir youkais raposas, então devia ser apenas solidão mesmo.

Assim como sua mãe, ele sempre foi uma raposa muito sociável, não lhes agradava estar sozinhos de forma alguma, mas obviamente por motivos diferentes: ela havia crescido só, sido escravizada por um exterminador e maltratada até conhecer o pai dele, com quem formara uma família, não lhe admirava que a mãe não gostasse da solidão… e quanto a ele, ele simplesmente crescera cercado de mimos, calor e risadas, então o oposto disso não lhe agradava.

—No mundo youkai eu me entedio depois de algumas décadas, no mundo humano fico solitário depois de uns poucos meses.  — reclamou soltando a fumaça de seu cachimbo, e então dando um sorriso cínico — Para mim, obviamente, nada menos do que poder ter aos dois mundos simultaneamente pode me satisfazer. Eu realmente sou um youkai extremamente ganancioso e mesquinho! — riu de si próprio jogando-se de costas na grama com os braços estendidos ao seu lado, e então cobrindo o rosto com o imenso chapéu de palha do tengu resmungou: — O que será que aquele tengu imbecil e sua família estão fazendo agora?

Apesar de que não lhe adiantava de nada ficar pensando nisso, afinal não havia maneira de fazer contato com eles… se ao menos ele tivesse prestado um pouco mais de atenção ás lições de sua mãe, talvez ele pudesse arrumar alguma forma… mas também não adiantava se lamentar por isso agora, Gintsune suspirou e quase imediatamente depois ele ouviu um suspiro ao seu lado e ergueu levemente o chapéu e surpreendeu-se ao ver o professor Haruna sentar-se há pouco mais de meio metro dali.

—Professor Haruna?!

Exclamou sentando-se repentinamente, fazendo o professor sobressaltar-se olhando a volta até encontrá-lo ali.

—Onde...? Quem...?

—Ah, me desculpe, eu tenha essa péssima mania de ser sorrateiro. — desculpou-se desconcertado, havia acabado por se materializar num impulso.

Que bom que com o final do feriado a população de turistas da cidade havia minguado em grande parte, e continuava a diminuir gradativamente conforme os últimos dias de primavera se esvaiam, mas embora os sentidos de Gintsune lhe dissessem que não havia ninguém por perto ele continha com todas as forças o ímpeto de olhar a volta para saber se alguém o havia visto se materializando ali — afinal ele nem sequer percebera a aproximação de Haruna.

O professor ajeitou os óculos, franzindo o cenho.

—Desculpe, nos conhecemos? — havia olheiras debaixo de seus olhos.

—Talvez. — sorriu-lhe, discretamente escondendo o cachimbo dentro da manga — Você é professor de Yukari, não é? Eu o vi durante o festival.

Sorriu inocentemente, e Haruna sorriu-lhe.

—Shibuya Yukari? — quis confirmar — Então você é conhecido de uma das minhas alunas?

—Sim, acho que podemos dizer assim. — concordou rindo — Somos bons amigos, Yukari e eu, sabe? A propósito eu sou Gin.

—É um prazer. — Haruna inclinou levemente a cabeça, talvez fosse devido à luz, mas ele parecia um tanto pálido também — Eu me chamo Haruna Kakeru, ah, mas você já sabia disso, não é? — riu de si mesmo — Afinal chamou-me pelo nome agora há pouco!

—É verdade. — Gintsune riu junto, abraçando aos joelhos — Mas o que você faz por aqui? Não está em horário de trabalho? E é época de provas… Yukari me contou.

Acrescentou rapidamente.

Na verdade a época de provas era a razão para Gintsune estar “matando aula” ali, aquelas crianças sempre ficavam tensas demais com a aproximação dos testes, e toda aquela tensão atraia aquela ralé nojenta que, por sua vez, deixavam o ar ainda mais tenso e repugnante, que atraía mais ralé, deixando o ar mais tenso… era um ciclo vicioso e repugnante do qual Gintsune preferia manter distância.

Mas aquela certamente não era a razão para o professor estar ali.

—Ah sim, eu deixei meu alunos em aula livre pelo primeiro horário, queria espairecer um pouco. Se estivéssemos na cidade grande eu poderia dizer que me atrasei por causa do trânsito, mas as coisas são diferentes aqui. — o professor confessou rindo. — Mas às vezes eu gosto de vir até aqui para espairecer, sabe?

—Ah, é mesmo? — Gintsune sorriu de lado.

Acenando afirmativamente, Haruna pegou uma carteira de cigarros do bolso da camisa.

—Você conhece a lenda dessa estátua, Gin-San? — perguntou distraidamente levando o cigarro aos lábios.

—Ora, o senhor fuma professor? — Nunca havia sentido cheiro de tabaco no professor antes.

—Eu havia parado. — Foi tudo o que respondeu com o cigarro pendendo entre os lábios ainda sem ascendê-lo.

—Entendo. Suponho que um professor realmente tenha muitas coisas na cabeça… são tantos alunos para cuidar afinal. — comentou o observando.

Ele obviamente não estava surpreso em ver o professor aflito daquela forma, no último encontro de ambos Shiori o havia empurrado delicadamente e fugido logo depois de murmurar que aquilo fora um erro da parte deles, claro que Gintsune esperava que o professor corresse atrás de si, mas supunha que ter ficado parado onde estava em completo choque pelo que acontecera também era uma reação aceitável… e não fora surpresa alguma quando Gintsune o fora visitar naquela noite e descobrira que o professor já estava sonhando com sua aluna antes mesmo de a raposa invadir seus sonhos — No sonho em questão Ayaka Shiori empurrava o professor para longe enquanto chorava e o chamava de diversas coisas bastantes desagradáveis.

Não lhe admirava que estivesse pálido e com olheiras.

Mas era engraçado e até mesmo irônico que o professor Haruna viesse buscar espairecimento diante de uma raposa quando era justamente uma raposa que o estava deixando naquele estado. Gintsune conteve-se para não cair na risada.

—Tem fogo? — o professor perguntou-lhe tateando os bolsos.

“Tem fogo?” que pergunta engraçada de se fazer a um youkai dominador de fogo.

—Achei que fosse contra a lei fumar em lugares públicos. — comentou ao invés disso, teria Yukari mentido para ele? Ludibriado por uma colegial humana!

—Ah sim, sim é claro, perdão. — Haruna pigarreou levantando-se. — Creio que seja melhor eu ir agora. — disse-lhe guardando o cigarro intacto de volta na carteira e devolvendo-a ao bolso da camisa — Tenho alunos me esperando afinal.

—Claro. — Gintsune concordou sorrindo de lado, ele sabia bem que aluna Haruna esperava ver — Desculpe por ter interrompido o seu momento de reflexão professor.

O professor balançou a cabeça.

—Não foi nada.

Depois que se viu novamente sozinho ali Gintsune ergueu os olhos para a estátua da raposa a sua frente.

—Ora, quem sabe eu não deva enfrentar aquela escuridão escolar afinal? — refletiu com um sorriso maroto.

Ainda assim Ayaka Shiori só reapareceu no colégio na quarta-feira, já que Gintsune levou toda aquela noite para limpar o ar daquela escola ao menos até um estado aceitável, e depois ainda precisou de boa parte de um dia fazendo a digestão.

—Oh Yukari, você realmente tem seu lado fofo, não é? Não consegue ficar longe de mim! — quis provocá-la enquanto caminhavam juntos para comprar bebidas durante o almoço.

Naquele dia a representante o pegara antes que ele pudesse escapar com seu almoço — feito por Yukari — afinal já não havia mais qualquer necessidade de continuar evitando Eisuke, visto que o colégio inteiro sabia que os dois saiam — assim como também sabiam que Eisuke não tinha exclusividade alguma — e como “punição” por tê-las evitado durante tanto tempo, o fez ir comprar todas as bebidas, tarefa para a qual Yukari imediatamente se ofereceu para ajudar.

—Só quero garantir que você não vai ficar com o dinheiro das garotas e quebrar as máquinas de bebidas. — ela respondeu-lhe.

Ele só queria ver o que é que eles iam dizer quando as garotas começassem a perguntar novamente porque o seu almoço e o de Yukari eram exatamente iguais.

Gintsune estalou a língua.

—Ouça Yukari, eu posso ser um ladrão sem vergonha como você diz…

—E bêbado libertino. — ela acrescentou — Eu também o acho um completo bêbado libertino.

—De qualquer forma. — ele girou os olhos — Apesar de eu realmente ser um ladrão sem vergonha bêbado e libertino, eu não sou guiado pelas mesmas ganâncias que vocês humanos, sabe? O dinheiro não me interessa tanto assim, gosto das coisas que o dinheiro trás, mas posso conseguir a maioria delas sem precisar do dinheiro. Então se, de uma forma ou de outra, vou ter a minha bebida, apesar de que eu preferiria saquê, para que iria querer uns poucos trocados?

Yukari pareceu pesar suas palavras por alguns momentos, antes de responder:

—Pela simples diversão de quebrar as máquinas?

—Ah! Isso eu faria com certeza! — confirmou rindo.

—Você tem certeza que está tudo bem falar dessa forma aqui no colégio? E se alguém o ouvir? — ela questionou-lhe cruzando os braços, quando pararam em frente à máquina de bebidas — Leite com morango para a representante.

—Claro, claro, e café com leite para você, por que vocês gostam tanto dessa coisa nojenta? E refrigerante de melão para Kaoru-chan e Aoi-chan... deveriam vender saquê nas escolas. — reclamou enquanto depositava o dinheiro e fazia os pedidos — Eu saberia se alguém nos estivesse escutando, meus sentidos são bastante apurado comparado ao dos humanos. — Além disso, havia escolhido propositalmente ir até uma das máquinas mais distantes, por saber que mesmo durante o horário de almoço não haveria muito movimento naquela área. — E é bom poder falar livremente com alguém. Amigos servem para isso. Ah, o refrigerante de melão acabou, levamos coca-cola?

—Para Kaoru sim, Aoi-chan prefere leite com morango. — ela adiantou-se para fazer os pedidos em seu lugar.

—Uma coca para mim também. — ele acrescentou

—Realmente acredita que somos amigos? — Yukari quis saber, enquanto se agachava para pegar as bebidas.

—Bem, sim é claro. — confirmou recebendo uma das latas de Coca-Cola e as duas caixas de leite com morango, esperta, dar a ele apenas a própria bebida e aquela que ela tinha certeza que ele não tentaria beber — O que você achou?

—Alguém conveniente para você, com quem acabou envolvido devido às circunstâncias? — ela sugeriu levantando-se.

—Sem dúvida tem isso também. — ele concordou rindo — Mas amizades são formadas por circunstâncias, não é mesmo?

—Tudo bem, eu desisto. — ela suspirou começando a fazer o caminho de volta. — Porém ainda tem algo que você disse que está me incomodando.

—É sobre aquela história de você às vezes sentir ciúmes de mim? — quis provocá-la enquanto a seguia de volta.

—Somos amigos não somos? Amigos sentem ciúmes uns dos outros às vezes, fim. — respondeu-lhe nenhum pouco abalada, na opinião de Gintsune ela tinha se acostumado rápido demais a ele. — Mas não, me refiro a que certa vez você me disse que eu não tenho um hobbie. Lembra-se disso?

—Na verdade não. — confessou — Mas é isso que a tem incomodado?

—Sim. — admitiu — Minha vida é muito tediosa.

—Então por que não tenta arranjar um hobbie? Entre num clube, por exemplo. — sugeriu.

—Impossível, minhas obrigações na pousada não me deixam tempos para atividades extracurriculares da escola, é por isso…

—Isso não faz sentido algum. — ele a interrompeu. — A família de Kaoru-chan também tem uma loja, não é? E ainda assim ela faz parte do clube de artesanatos.

—Artes. — o corrigiu.

—Tanto faz. — girou os olhos — Eu só estou dizendo… espere. — A raposa girou nos calcanhares pouco antes de um rapaz, vestido em uniforme escolar e com a mão estendida a frente, alcançá-lo e arqueou uma sobrancelha. — Não acha que é muito grosseiro chegar assim de forma tão sorrateira por trás de uma garota?

Pego de surpresa o garoto parou por apenas um instante, mas logo depois continuou avançando até agarrar o delgado braço de Ayaka Shiori com sua grande mão.

—Eu sou Kurata Kei, venho observando-a a muito tempo. — disse de repente. — Saia comigo!

Gintsune franziu o cenho.

—Mas o que…?! Que tipo de declaração tão assustadora é essa?! — ele puxou o braço para se livrar — Acha que pode simplesmente chegar e ir agarrando-me assim ordenando que saia com você?!

Parecendo ter sido pego de surpresa por sua irritação o rapaz piscou como se houvesse levado uma bofetada.

—Não foi o que eu… — começou a dizer, mas mudou de ideia no meio do caminho — É só que eu sempre gostei de você, mas não achava que me daria bola então nunca… mas então ouvi dizer que está saindo com Eisuke, e também que sai com qualquer que lhe pague comida, por isso pensei… por que não comigo?

Gintsune precisou conter-se para não torcer a boca e voltar a franzir o cenho, talvez estivesse pegando aquela mania de Yukari, ele vinha passando tempo demais com ela.

—Primeiro de tudo essa abordagem foi péssima! — o censurou — E segundo que eu saio com quem quiser e não quero sair com você.

Começou a virar-se para ir embora, mas o cara, insuportavelmente insistente pelo visto, não havia se dado por vencido ainda e mais uma vez agarrou-lhe o braço e puxou-lhe de volta.

—Vamos, saia comigo! Eu pago o que você quiser comer!

—Já disse que não tenho interesse! — retorquiu irritado e impaciente, talvez se ele houvesse se aproximado de uma maneira diferente a história seria diferente, mas agora Gintsune só queria livrar-se do cara, porém ele o estava agarrando por ambos os braços e Gintsune ainda estava fingindo ser uma delicada garota colegial humana, com uma força totalmente correspondente a uma. — Me solte agora!

—Deixe-nos ir, não vê que está sendo um incomodo?! — Yukari colocou-se ao seu lado, pegando o pulso de Kurata e tentando fazer com que soltasse seu braço.

—A conversa não é com você, se manda daqui! — Kurata a afastou como se ela não fosse nada.

Gintsune trincou o maxilar e flexionou a perna direita já pronto a chutá-lo para longe, agora aquilo havia ido longe demais…! Mas alguém se adiantou a ele:

—O que é que está acontecendo aqui? — Professor Haruna questionou sério e sombriamente, pondo a mão sobre o ombro de Kurata.

Com certeza não era usual ver aquele professor com uma expressão daquelas e tampouco usando aquele tom de voz e surpreendido Kurata imediatamente largou seus braços, como se houvesse recebido uma pequena descarga elétrica — pena que esse era um tipo de poder mais raro entre as raposas, o qual Gintsune não possuía.

—Professor nós só estávamos… — Kurata começou a se virar.

—Ele surgiu do nada! — Gintsune alegou de repente, recuando um passo para trás — Yukari e eu estávamos indo para a sala e ele surgiu segurando-me com brusquidão e queria obrigar-me a sair com ele!

—Eu não estava! — o moleque negou furioso — Eu só queria te convidar para sair sua vaca!

Aquela com certeza não era a melhor forma de se defender, mas Gintsune evitou seu sorriso vitorioso substituindo-o por um ultrajado arregalar de olhos:

—Estava assediando-me! — acusou-o — Eu lhe disse não! Não sabe o que significa “não”? Professor eu fiquei apavorada, achei que ele agrediria a mim ou a Yukari quando ela tentou ajudar-me.

—Nunca ergui a mão contra nenhuma de vocês sua cadela intriguista…! — o tolo negou enfurecendo-se ainda, e o aperto do professor em seu ombro tornou-se ainda mais firme, agora também o segurando pelo braço.

Ele não erguera a mão, mas Gintsune realmente sentira a ameaça… e foi bom de várias maneiras que o professor tivesse chegado naquele momento, pois do contrário, Kurata acabaria descobrindo que humanos também eram capazes de voar.

—Já chega. — Haruna calou-o, e Gintsune ouviu o garoto gemer de leve, será que um humano era capaz de quebrar o braço de outro com uma única mão? — Ayaka-chan, você está bem?

De algum jeito o professor Haruna parecia mais culpado que Kurata: ele sequer estava olhando-lhe nos olhos.

—Sim… só fiquei um pouco assustada. — suspirou.

—E você Shibuya-chan?

—Estou bem. — Ela respondeu embora ainda surpresa. — Obrigada professor.

—Ótimo… você… vocês duas podem voltar para a sala. — Gintsune não deixou de reparar o esforço tremendo que Haruna fez para encarar-lhe. — E você vem comigo.

—Eu já disse que não fiz nada! — Kurata protestou, mas não tentou resistir quando Haruna o levou dali.

Assim que ficaram sozinhos ali novamente, Yukari foi a primeira a voltar a falar:

—Mas o que foi que aconteceu aqui?! — por que ela estava usando aquele tom reclamão e acusatório agora?

Gintsune girou nos calcanhares.

—Eu tenho um lindo rosto e uma fama horrível — piscou-lhe — E alguns homens são trogloditas estúpidos que não sabem ouvir não.

—Uma péssima combinação com certeza. — ela comentou ceticamente. — E por que o professor Haruna estava por aqui?

Estaria seguindo-o?

—Eu não faço ideia… vamos, vamos, pare de me olhar assim, eu não planejei nada disso por nenhum motivo escuso, está bem? — apesar de como as coisas haviam lhe sido surpreendentemente convenientes no final. — Yukari, o que você esperava? A beleza sempre tem seu preço a ser pago! — jogou a cabeça para trás gargalhando — Vamos indo, as garotas estão nos esperando, não é?

Empurrou-a levemente com o ombro e retomou seu mesmo caminho de antes, mas nem por um segundo sequer deixou de estar consciente do olhar desconfiado de Yukari.

*.*.*.*

Algumas lendas nos contam que, em certas noites de verão, um terrível cortejo com diversos tipos de youkais surge atravessando as ruas trazendo consigo caos, desgraça e destruição e qualquer um a por acaso cruzar seu caminho perderá a vida, essa é a terrível Hyakki Yakou — A parada noturna dos cem demônios — e é fato que, mesmo entre os próprios youkais, poucos foram aqueles que realmente viram uma genuína Hyakki Yakou, mas alguns poucos no auge de seu pavor podem ter acreditado justamente nisso naquele dia quando se depararam com as dezenas de onis que irromperam por entre as árvores, embora o sol ainda estivesse em seu ponto mais alto e fosse um claro dia de primavera — ou tão claro quanto era possível naquele mundo youkai recoberto de miasma.

Mesmo sendo terrivelmente agressivos e territoriais, ainda havia alguns pequenos youkais a morarem nas terras dominadas pelos onis que, por vezes, inclusive serviam à própria deusa oni em sua caverna, sendo classificados por ela como “criaturinhas adoráveis e inofensivas” e podendo viver naquele território sem maiores problemas, mas mesmo eles correram e esconderam-se em suas árvores quando a brutal procissão de onis apareceu criando sua própria estrada naquela floresta antes tão densamente fechada, derrubando as árvores com seus grandes punhos se fosse preciso, pois nada podia se interpor em seu caminho — ainda que vez por outra, Ryota, que encabeçava o cortejo, tocasse alguma árvore avisando aos outros de que aquela não devia ser derrubada, pois algumas delas eram os lares de kodomas afinal — e armados com seus kanabôs machos e fêmeas seguiam em formação cerrada rosnando e rugindo as palavras “De joelhos! De joelhos!” repetidas vezes enquanto guardavam ferozmente o mikoshi que era transportado no centro de suas fileiras.

Afinal que outra maneira haveria de transportar uma deusa?

—Por que eles são tão teimosos e superprotetores? — Tennyo Hikari reclamou com um muxoxo dentro do mikoshi apesar de toda a gritaria do cortejo de onis do lado de fora pouco abafada pelas paredes de madeira, não conseguido disfarçar sua cara emburrada — Eu lhes disse uma dúzia de vezes que ficaria bem mesmo se apenas papai me acompanhasse, e nunca me enganei em minhas previsões. Para que trazer praticamente a vila inteira? E já foi um tremendo desafio conseguir deixar vinte e cinco onis para trás, mas eu não podia deixar meu precioso tesouro desprotegido!

Todo o interior do pequeno templo portátil estava sendo iluminado por uma dezena de minúsculas luzes que haviam surgido das pontas dos dedos da deusa oni e agora flutuavam a deriva ali como pequenos vaga-lumes.

—Tenho certeza de que eles também pensam da mesma forma a seu respeito. — sentada à sua frente Mayu tentou acalmá-la enquanto amamentava o filho mais novo. — Eles só estão preocupados.

Ela tentava soar calma e reconfortante, mas nunca antes em sua longa vida havia estado tão desconfortável quanto naquele momento. Transportada em um mikoshi! Um palanquim sagrado para transportar os próprios deuses, Mayu tinha certeza que estava cometendo alguma espécie de heresia gravíssima ao estar ali dentro junto da deusa oni — mesmo que a convite da própria — ela, aliais, segundo o que dissera, também não era muito querida pelos deuses, mas talvez os deuses não as vissem ali, Gintsune e Satoshi estavam sempre dizendo isso, não é? Os deuses só tinham olhos para os humanos, eles não se importavam com aquele mundo… então talvez os deuses não se dessem conta de sua heresia ali, não é? Não é?

—São tão teimosos e cabeças-duras! — a deusa oni fez beicinho.

Apesar de que ela própria era a epítome da teimosia… quando Satoshi informou à deusazinha de que era chegada a hora de eles partirem, Tennyo Hikari assim como os havia convencido a ficarem até que Akio nascesse tentou novamente dissuadi-los de partir tentando os convencer a ficar até que o bebê deixasse de mamar — e certamente se eles tivessem aceitado ela tentaria estender o prazo mais uma vez quando este também se findasse.

—Mas… não percebe o quanto é perigoso andar por aí com uma mulher humana e um bebê meio humano ainda tão novinho? — ela insistiu — Aqui estarão seguros! Nada jamais alcançou o interior da minha caverna!

Por um instante essas palavras pareceram fazer Satoshi hesitar, mas Mayu estava irredutível, ela não voltaria de forma alguma a ser o pássaro engaiolado que fora criada para ser, quando vivia entre os humanos isso não lhe importava tanto, mas depois de ter escapado e vivido por dois séculos envolta em uma liberdade com a qual a maioria das mulheres do seu status jamais poderiam sequer sonha, ela havia ficado inegável e irremediavelmente viciada naquilo, e encarcerada na “proteção” daquela caverna ela estava a ponto de enlouquecer! Precisava sair, ver o sol, cheirar as flores, molhar-se na chuva, correr livre, passar suas noites ao lado de Satoshi…!

Colocando-se sobre os calcanhares ela colocou as mãos sobre o chão de tatame, dedos juntos, as pontas dos indicadores se tocando e curvou-se até tocar a testa nas mãos.

—Somos muito gratos pelos seus cuidados e hospitalidade. — disse — Mas é chegada a hora de partimos.

Em seu intimo ela temia que a deusa oni tentasse aprisioná-los ali pela força, mas para seu alivio Hikari suspirou resignada e disse:

—Está bem, se vocês têm que ir, então tem que ir. Apenas prometam que voltarão para ver-me outras vezes.

E então logo depois anunciara que os acompanharia até os limites de seus territórios, eles tentaram dissuadi-la disso, mas dessa vez ela foi completamente irredutível, e por onze dias inteiros os onis ficaram em absoluto tumulto, a preciosa deusazinha deles saindo da vila?! Mesmo que não fosse deixar o território como ela mesma prometera…! Eles simplesmente não podia deixá-la só e desprotegida daquela maneira, e antes que Mayu pudesse se dar conta os onis já haviam construído um mikoshi e organizado toda uma comitiva para escoltá-la e acompanhá-la.

No inicio Hikari insistiu que Akira e Akihiko viajassem a curta distância dentro do mikoshi junto delas também, mas seria impossível espremer a todos ali dentro de forma que ela acabou por desistir e apenas Mayu e seu bebê tiveram de subir ao mikoshi junto da deusazinha enquanto os garotos seguiam pelo ar, vigiando o séquito de cima, e Satoshi fechava a retaguarda das fileiras — apesar de que, na verdade, Tennyo Hikari não se importava muito com onde ele estaria, pois afinal havia outras centenas de tengu por aí.

O templo portátil parou com um solavanco que as sacudiu e desequilibrou, mesmo que estivessem transportando ali o seu ente mais querido, a delicadeza não fazia parte da natureza dos onis.

—Parece que chegamos. — Hikari suspirou. — Vocês poderiam ficar.

—É muita gentileza de sua parte, mas realmente precisamos ir.

—Entendo. — ela murmurou desanimada — Então provavelmente já é hora de colocar isso.

E estendeu-lhe a máscara e o chapéu que haviam lhe sido tomados no dia em que os onis os capturaram na floresta. Agora parecia que já fazia tanto tempo…

—Muito obrigada, pode segurá-lo enquanto os ponho? — Mayu lhe estendeu o bebê.

—Ele é tão bonitinho, não é? — Hikari deu uma risadinha o embalando — Mas vocês vão ficar realmente bem? E se fizéssemos uma máscara para Akio-kun também? Eu ficaria mais tranquila assim.

—Ficaremos bem. — Mayu garantiu arrumando a máscara no lugar.

Ela ainda não havia colocado o chapéu de viagem quando a porta do mikoshi foi aberta e Satoshi estendeu-lhe a mão para ajudá-la a sair.

—Chegamos. — anunciou. — Ryota me disse que depois deste lago já não é mais incumbência deles.

Ele havia feito um novo chapéu para si e também estava novamente em posse de seus pertences trazendo suas espadas presas ao quadril e a alabada de Mayu amarrada às costas.

Ryota ainda estava por perto, mas o restante onis haviam se espalhado em um circulo amplo pela região, com certeza dispostos a esmagar qualquer coisa que tentasse se aproximar, e muito deles haviam inclusive sumido de vista, para seres tão brutos e pesados, eles eram surpreendentemente bom em ocultar suas presenças.

—Ah, é o lago onde papai conheceu a mamãe e ele me encontrou. — Hikari avisou-os descendo do mikoshi com a ajuda de Akira enquanto ainda carregava Akio — Mas ele é bem profundo e está cheio de algas no fundo, então seria perigoso uma humana tão delicada tentar nadar.

—Obrigada pelo aviso. — Mayu agradeceu pegando o filho de volta, embora nunca tenha tido a mínima intenção de nadar ali.

—E muito obrigado pela hospitalidade também! — Akihiko agradeceu pousando em frente a deusa — Se não fosse por vocês, vai sabe o que poderia ter acontecido! Mamãe gritou tanto quando Akio nasceu que certamente teria atraído uma horda inteira de youkais para nos devo…!

De repente a deusazinha o puxou para seus braços.

—Eu gostaria que vocês ficassem para sempre! — Hikari lamentou-se se recusando a largar Akihiko enquanto acariciava seus cabelos — Era tão bom ter olhos nos céus também para vigiar nossas amadas terras…

Assistindo aquilo indiferente Akira cruzou os braços e estalou a língua por detrás de sua máscara.

—Conversa! — retorquiu descrente — Você só queria nos ter por perto porque nos vê como itens raros para sua preciosa coleção.

—Pode ser que tenha razão. — ela admitiu com um dar de ombros.

—Ai! — exclamou Akihiko saltando para trás quando uma de suas penas foi repentinamente arrancada de suas costas — Por que fez isso?

Girando a pena negra entre os dedos enquanto a admirava a Tennyo Hikari respondeu:

—Ora, uma previsão não pode ser feita sem um pagamento, não é mesmo?

—Que previsão? — Satoshi indagou.

A deusasinha suspirou guardando a pena dentro da manga.

—Lamento que o amigo de vocês me seja inalcançável, mas se é verdade que precisam ir… — murmurou tocando o colar de contas em seu pescoço e deixando que seus olhos se preenchessem de luz: — Devem seguir para o norte. Sigam os cursos d’água e de certo encontrarão alguém que talvez possa ajudá-los a alcançá-lo.

—Alguém capaz de alcançar Gintsune-Sama?! — Akira agitou-se.

—Mas você disse que ele está no mundo humano agora…! — Satoshi quase perdeu o fôlego — Isso é realmente possível?!

Tennyo Hikari os encarou.

—Bem, eu disse talvez. — sorriu-lhes unindo as pontas dos dedos — Mas por via das dúvidas o que lhes custa seguir para o norte, não é?

*.*.*.*

Em certo dia de final de primavera, por volta do final da tarde, um pequeno grupo de colegiais passavam em frente a um parquinho onde um grupo de crianças reunidas decidiam sobre o que brincariam agora, até que, no meio deles, um garoto de boné azul ergueu o braço, havia um aro prateado em volta de seu pulso.

—E se brincássemos de “pique-sombra” eu ganho quando conseguir pisar na sombra de todos vocês! — sugeriu.

—E como você perde? — uma das crianças, uma menina com um prendedor em forma de estrela no cabelo, perguntou.

O garoto de boné colocou as mãos nos quadris.

—Eu perco se um de vocês conseguir pisar na minha sombra é claro!

Yukari parou obsevando aquelas crianças.

—Então eu vou ficar no centro e contarei até dez… — estava dizendo o garoto de boné.

Ela semicerrou os olhos.

—Ei! Você! — chamou de repente, surpreendendo as crianças, que se entreolharam sem saber como reagir e piscando o garoto de boné apontou a si mesmo. — Sim, você! — confirmou — Venha aqui agora!

Ele parecia genuinamente surpreso, mas acabou indo até ela de um jeito ou de outro.

—Sim? O que foi onee-san? — perguntou olhando-a inocentemente com seus grandes olhos cinzentos.

—Não venha com essa história de “onee-san” pra cima de mim, Gintsune! — Yukari reclamou movendo a mão para arrancar-lhe o chapéu da cabeça.

Mas ele foi mais rápido, e agarrando bem ao boné esquivou-se dela agachando-se no chão.

—Há! Você realmente tem olhos muito bons, não é mesmo Yukari? — Gintsune a elogiou do chão.  — Antigamente os exterminadores precisavam treinar por muitos e muitos anos antes de conseguirem desvendar o disfarce de uma raposa apenas com um olhar, uma criança com seus talentos inatos certamente seria levada por eles sem mais perguntas!

E como ela iria deixar de reconhecê-lo se, independente da forma que assumisse Gintsune sempre mantinha os olhos cinzentos e o aro prateado no pulso? Ignorando toda aquela ladainha dessa vez foi Yukari quem colocou as mãos sobre os quadris.

—E o que é que você pensa que está fazendo agora? — questionou em tom de censura. — Que forma é essa que assumiu?

—Eu estou fofo, não estou?

—Super. — confirmou — Diga logo o que está fazendo!

—Por que você sempre acha que eu estou aprontando alguma coisa? — perguntou-lhe sorridente, e Yukari arqueou uma sobrancelha — Eu só estou brincando com as crianças, juro. Eu também brincava com os filhos do meu irmão tengu o tempo todo, gosto bastante de crianças, sabia?

—Provavelmente porque você também é uma criança apesar de todos esses séculos de vida.

Aquilo o fez rir.

—Era a mesma coisa que a esposa do tengu sempre dizia! — declarou. — E o que você faz por aqui? Não é a sua rota costumeira para ir para casa, na verdade a pousada fica para o outro lado.

—Parece que o professor Haruna não está se sentindo muito bem e não pôde ir à escola desde ontem, então o presidente do clube pelo qual ele é responsável sugeriu que seus membros fossem visitá-lo, e perguntou à representante se ela não queria ir junto, já que ele é o professor responsável de nossa classe também. A representante achou que isso seria íntimo demais, porém também seria grosseiro simplesmente recusar, então eu perguntei-lhe se poderia vir e pedi seu celular emprestado para ligar para casa e pedir permissão, mas Kaoru tinha atividades de clube hoje e não pôde vir e Aoi-chan não se sentiu a vontade para vir também. De qualquer forma seria ruim se muitos viessem.

—Oh… que boa amiga você é. — ele assentiu zombeteiro — Então Haruna não está passando bem? Quem sabe não é apenas falta de sono e um pouco de cansaço?

Ele tentou fazer aquele comentário soar da forma mais inocente possível, mas ainda pareceu suspeito demais à Yukari, no entanto não teve tempo de interrogá-lo a respeito daquilo:

—Ei Gin! — as crianças já impacientes o chamaram — Venha logo! Daqui a pouco escurece e aí não dá mais pra brincar de pique-sombra! E também vamos ter que voltar para casa!

O mini Gintsune levantou-se com um pulo, ajeitando o boné sobre a cabeça.

—A gente se vê em casa onee-san!

Ele estava tirando sarro dela? Antes que Yukari pudesse realmente se decidir, Gintsune já havia voltado correndo para junto de seus “novos amiguinhos”.

—O que aquela onee-san queria? — ela ouviu as crianças o interrogarem.

—Nada demais, apenas me avisar para não me atrasar para o jantar essa noite… — ele respondeu descontraído.

—Shibuya! — a representante chamou-a repentinamente fazendo a adolescente se sobressaltar — O que está fazendo aí? Vamos logo!

—Sinto muito! — desculpou-se correndo para alcançá-la.

Mas nada lhe tirava da cabeça que aquela raposa definitivamente estava aprontando das suas de novo.

Yukari costumava pensar que Higanbana era uma cidadezinha de fim de mundo pequena como um ovo, mas ainda assim às vezes ela acabava por ser surpreender com a descoberta de algum novo recanto oculto da cidade, assim como a ruazinha onde o professor Haruna morava, longe dos campos de flores e pontos turísticos “assombrados” da cidade ele escondia-se atrás de um pequeno bosque cercado de grades negras do qual ela nunca ouvira falar antes, mas o presidente do clube de investigação paranormal, um animado senpai de cabelos curtos e espetados que se apresentara simplesmente como Takeru logo fez questão de explicar-lhes enquanto atravessavam o bosque:

—Segundo as lendas esse bosque é habitado por um antigo deus das flores que já protegeu a cidade por duas vezes durante ambos os anos do binbougami. O professor estava nos devendo há tempos algumas fotos desse lugar! — ele mesmo virava o celular de um lado para o outro tirando montes de fotos a cada passo — E a hora é muito propícia para fotografias: O sol já vai ser por! A hora perfeita de transição entre esse mundo e o outro, com certeza alguma coisa vai acabar aparecendo na câmera!

Ele realmente havia ido até ali por consideração ao professor?

—Takeru é obcecado por fotos e vídeos que possam se provar registros sobrenaturais. — a única garota do clube, e que se apresentara apenas por “Hana”, lhes explicou.

Na verdade o clube paranormal era bem diminuto, pois mais da metade de seus membros haviam se formado no ano anterior e apenas um novo integrante entrara nesse ano, tendo assim chegado perigosamente perto do cancelamento e possuindo agora apenas o número mínimo de integrantes para continuar funcionando, eles certamente haviam estado bem desesperados no inicio do ano em busca de novos membros.

A representante estalou a língua criticamente observando Takeru-kun — Yukari se sentiria mais confortável se eles houvessem dito seus sobrenomes — agachado e tirando fotos do pequeno templo que provavelmente deveria pertencer ao deus das flores.

—Então nossa escola está financiando um clube apenas para seus membros ficarem por aí brincando de tirar fotos de fantasmas?

—Que audácia! — ele exclamou levantando-se — Nós somos um clube muito sério! Trabalhamos duramente para registrar a herança de nossa cidade investigando e documentando suas lendas, guardando-as para a próxima geração, para que nossas raízes não se percam!

—Ou é o que dizemos oficialmente para continuamos recebendo o financiamento da escola. — Hana-chan deu de ombros chegando ao fim do bosque — Mas é, realmente só ficamos brincando de contar histórias de fantasmas uns aos outros.

—Hana! — Takeru-kun protestou.

—Às vezes também assistimos filmes de terror.

O terceiro e último, além de o mais quieto também, membro do clube que os seguia um pouco mais detrás acrescentou baixinho. Aquele também era outro Takeru, então para que não houvesse confusão no clube, ele era o único que se apresentara com a adição do sobrenome.

—Oda! Você também está me traindo agora?! — o presidente Takeru reclamou.

Com certeza o professor Haruna era um monitor bastante flexível… não era a toa que o clube paranormal gostava tanto dele.

A casa do professor era muito pequena e antiga com um estilo japonês humilde e tradicional, sobre o muro havia um gato branco usando uma coleira verde com um pequeno guizo em volta do pescoço que bocejou preguiçosamente para o grupo enquanto passava e então se pôs a nitidamente encarar Yukari no final da fila, ele a reconhecia porque era um dos gatinhos que Gintsune havia resgatado durante o inverno, deu-se conta, afinal a raposa lhe dissera que os havia doado ao professor.

Haruna os recebeu com os cabelos molhados penteado para trás, como se tivesse tentando se ajeitar de última hora, e um ar forçadamente jovial desculpando-se pela bagunça, apesar da expressão claramente abatida estampada em suas olheiras, barba por fazer e rosto pálido que fez Yukari se sentir culpada por estar ali o incomodando, mas ainda assim entrou junto com os outros, desculpando-se pela intromissão enquanto o professor garantia que “se realmente fossem incômodos, ele teria pedido à escola para dizer que ele estava internado numa UTI ou qualquer coisa assim”, e então os instruiu a sentarem-se na sala enquanto ele ia preparar o chá, e embora a representante tenha alegado que não pretendiam ficar por muito tempo ele insistiu, a casa era tão tradicionalmente japonesa por dentro quanto era por fora.

—Na verdade eu tentei dissuadi-los, mas Takeru e Oda estavam decididos, então eu vim junto para ao menos impedi-los de tentar acampar na sua casa. — Hana-chan assegurou, e quando o presidente de seu clube começou a protestar contra aquilo, ela simplesmente o ignorou e prosseguiu: — E também sugeri que convidássemos alunos da turma da sua tutela, assim eu teria reforços se precisasse.

—Bem pensado. — o professor aprovou servindo o chá, ele sempre tivera as mãos tão finas e esquálidas? — Mas… somente vocês duas quiseram vir da classe? 

Por um instante ele quase pareceu tão desolado que Yukari piscou.

—Na verdade eu não avisei ninguém. Se o tivesse feito isso aqui com certeza teria se tornado uma excursão escolar.

A representante admitiu sem medo pouco antes de beber o chá, fazendo o professor pestanejar.

—Ah claro, assim é melhor… provavelmente. — murmurou para si mesmo.

Ele estava realmente bem? Yukari franziu o cenho prestes a perguntar alguma coisa quando Takeru-kun adiantou-se a ela, lembrando-se animadamente:

—O senhor guardou consigo uma cópia do vídeo que gravou da peça, não foi? — o professor teve um leve sobressalto, mas Takeru-kun prosseguiu sem parecer perceber coisa alguma: — Por que não assistimos agora?

—Presidente, esse vídeo de novo não, já o vimos uma centena de vezes, não há nada lá! — Hana-chan o olhou de forma irritada — E nós viemos até aqui para ver como o professor está de saúde e não para incomodá-lo! Além do mais Kanae-san acabou de dizer que não vamos nos demorar!

—Mas talvez as garotas vejam algo que deixamos passar! — o presidente do clube defendeu-se rapidamente.

Hana-chan arregalou os olhos, se horrorizada ou enfurecida Yukari não sabia dizer.

—Você é idiota?! — perguntou boquiaberta — Isso não é uma reunião do clube e muito menos estamos aqui para tentar conseguir mais membros!

—Eu já sou membro de um clube de verdade. — a representante comentou deixando a yunomi vazia sobre a mesa.

Yukari manteve-se calada e bebeu seu chá quietamente, ela não participava de clube algum, mas sua vida já estava cheia de sobrenatural até demais.

—Shimura-chan sempre foi a mais centrada do clube. — o professor contou-lhes rindo — Eu diria que ela é a ancora que mantêm o clube na realidade. — Então Hana-chan se chamava Shimura, isso deixava Yukari um pouco mais a vontade. — É por isso que eu sempre digo que ela é — Minha princesa!

Hana-chan sobressaltou-se arregalando os olhos juntamente com Oda-kun, Takeru-kun e até mesmo a representante, ao mesmo tempo em que o chá desceu pelas vias respiratórias de Yukari e ela teve um ataque de tosse, deixando seu rosto vermelho e enchendo seus olhos de lágrimas, mas o professor nem pareceu notar nada disso e esticando o braço descuidadamente em direção a Hana-chan ele acenou como se pedisse para que ela se aproximasse.

—Venha Hana, venha aqui minha princesa querida!

Havia chá saindo pelas narinas de Yukari, e o rosto de Hana-chan estava branco feito cera.

—P-professor. — ela gaguejou — O senhor está se sentindo b…?

Calou-se quando o som de um suave miado se fez ouvir, e o som de um pequeno guizo tilintou enquanto uma cauda laranja roçava a lateral do corpo de Hana-chan até que uma cabeça felina, com pelagem branca e laranja, surgiu ali, pulando para o colo do professor.

—Essa aqui é a Hana, ela é a princesinha da casa, é muito carinhosa. — o professor apresentou-lhes acariciando a gata com um sorriso bobo, concluindo com uma careta: — Muito diferente do irmão indiferente que parece só estar interessado em ter o que comer e onde dormir e do irmão atacado que definitivamente está decidido a destruir minha casa.

—Shibuya. — a representante chamou-a, entregando-lhe um lenço que Yukari aceitou com um aceno de gratidão. — Professor, sua gata se chama Hana?

—Sim claro, afinal ela é delicada como uma flor. Não acham? — Haruna confirmou sorrindo.

E espreguiçando-se Hana – a gata — desceu do colo do professor e subiu na mochila de Yukari onde se deitou relaxadamente, fazendo-a franzir o cenho, gatos eram folgados assim por natureza ou esse era um mau hábito que ela havia adquirido com aquela raposa?

—Deu o meu nome para sua mascote? — Hana-chan, a colegial, perguntou com os lábios entreabertos.

Haruna girou a cabeça em sua direção.

—Hana…? — pronunciou lentamente como se estivesse dizendo o nome pela primeira vez, sobre a mochila de Yukari a gata ergueu a cabeça e miou — Oh é verdade! — ele riu — Me desculpe Shimura-chan, realmente… — balançou a cabeça ajeitando os óculos — Mas juro que foi apenas uma coincidência, digo, os irmãos dela são Yuki e Tsuki, então… não foi intencional.

Ele suspirou e bebeu mais um gole de chá, por um lado o professor parecia ser o mesmo de sempre, mas por outro… havia qualquer coisa estranha ali, como se ele estivesse apenas atuando. Talvez.

—Hum… professor. — Oda-kun o chamou, falando pela primeira vez desde que haviam chegado — Por que o senhor não vai a um médico?

—Muito obrigado pela preocupação Oda-kun. — o professor agradeceu, não eram apenas suas mãos, os olhos também estavam fundos e encovados por detrás dos óculos, acentuados pelas olheiras — Mas realmente não há com o que se preocupar, eu certamente já estarei apto na segunda-feira, creio que seja apenas um pouco de cansaço pela falta de sono, ando tendo insônia ultimamente então eu realmente só preciso de uma boa noite de sono.

“Quem sabe não é apenas falta de sono e um pouco de cansaço?”.

Por um segundo pareceu a Yukari que Oda-kun teve um leve espasmo que repuxou os cantos da sua boca para baixo.

—Falta de sono. — repetiu — Está desorientado e senti talvez… os membros pesados?

—Bem, sim. — Haruna riu de leve apoiando o rosto de lado sobre a mão, seus olhos, Yukari reparou, estavam avermelhados. — Mas isso são consequências da falta de sono, eu já comprei um remédio para me ajudar hoje de manhã.

—Claro. — Oda-kun resmungou não parecendo muito convencido — Professor, o senhor por acaso tem ouvido sons em sua casa durante a noite… hum… passos talvez? E quem sabe visto vultos nos cantos…

Yukari e a representante franziram os cenhos enquanto Oda seguia com aquele interrogatório tão estranho, mas o presidente Takeru e até mesmo a séria Hana-chan pareciam muito concentrados nas respostas e reações do professor. No que eles estavam pensando afinal?

—Eu moro com três gatos. — Haruna afirmou rindo — É claro que ouço e vejo todo tipo de coisa, coisas caindo, sons de garras ou móveis se afastando, nada disso é novidade.

A representante riu de forma divertida com a resposta, mas os três membros do clube se olharam inquietos.

—Professor. — chamou Oda-kun mais uma vez — O senhor se lembra de talvez hum… ter ouvido alguém bater na porta à noite talvez? Mas ao abrir descobriu que não havia ninguém? Ou qualquer outra coisa estranha? Sonhos ou coisa assim?

De alguma forma aquela conversa estava deixando Yukari inexplicavelmente inquieta e desconfortável, e ela terminou seu chá engolindo com dificuldade.

O lábio inferior do professor tremeu e dessa vez seu sorriso pareceu essencialmente forçado.

—Sonhos? — repetiu — Como posso sonhar se há quase um mês sequer durmo?

Tanto tempo assim?!

—Entendi… ouça professor… na verdade a razão para eu ter vindo até aqui… é que havia algo que eu queria lhe entregar. — Oda-kun inclinou-se para o lado e Yukari percebeu que ele estava revirando a mochila à procura de algo, antes de endireitar-se novamente — Já que o senhor parecia tão bem e adoeceu assim de repente… pensei que talvez um amuleto do templo… é para afastar energias ruins, pode ajudá-lo a dormir melhor. Poderia aceitá-lo? Se não for um incomodo é claro.

Ele estendeu ao professor um pequeno amuleto.

—Oda mora num templo, o pai dele é o monge chefe. — Hana-chan lhes contou.

Sorrindo de forma cansada o professor estendeu a pálida mão sobre a mesa.

—Claro que não é incomodo algum, muito pelo contrário Oda-kun, eu sou muito grat…

De repente uma grande bola de pelos cinza escuro saltou sobre a mesa sacudindo-a e sobressaltando a todos roubou o amuleto das mãos do professor e saiu correndo dali num piscar de olhos, que levantou com um salto tentando agarrar o gato, mas ele fugiu dali com uma velocidade impressionante acompanhado do som de um leve tilintar de guizo.

—Tsuki, isso não é um brinquedo! — Haruna o chamou saindo da sala correndo — Volte aqui! Devolva isso!

Os colegiais ficaram assim sozinhos na sala, olhando uns para os outros sem ter o que dizer.

—Acho que seria melhor irmos agora. — Yukari sugeriu, encontrando a própria voz afinal.

Ela não sabia dizer por que, mas queria ir para casa e queria ir naquele instante, mas embora a representante tenha concordado e começado a recolher suas coisas também, os membros do clube de investigação paranormal sequer pareceram ouvi-la, inclinando-se uns em direção aos outros para conferenciar, completamente esquecido da presença das duas ali.

—Bem! Oda o que achou? — Takeru-kun quis saber passando o braço em volta dos ombros do mais novo. — Sente alguma coisa?

—Não sei. — Oda-kun respondeu evasivo — É possível, mas… todas as casas antigas parecem ter o mesmo tipo de energia. — ele remexeu-se inquieto — O professor com certeza perdeu muito peso.

—Ele vem tendo insônia há um mês. — Hana-chan os relembrou — É claro que perdeu peso, além disso, ele negou ter tido sonhos ou ouvido e visto coisas atípicas.

—Nada disso descarta a possibilidade completamente. — o presidente Takeru insistiu — Além do mais, não acham que a saúde dele se agravou muito rápido?

—O que está sugerindo presidente? — questionou Hana-chan.

—E se isso estiver acontecendo à bem mais tempo do que pensamos? Talvez a coisa tenha ficado impaciente por alguma razão… — afirmou seriamente.

—Mesmo morando tão perto das terras de um deus? Talvez eu devesse ter trazido um amuleto mais forte. — Oda-kun afirmou preocupado — Digo, o professor certamente está exausto, mas meu irmão também ficou assim quando estava estudando para as provas de admissão na faculdade, perdeu quase 7kg…

—Mas o professor Haruna não está estudando para prova alguma. — o presidente Takeru bufou.

Yukari não sabia do que eles estavam falando e tampouco queria saber, ela só queria ir para casa agora, mesmo que houvesse ligado para avisar sobre seu atraso, os pais certamente se irritariam se ela chegasse muito tarde, decidida agarrou as alças da bolsa ao seu lado, expulsando dali a gata que dormia sobre ela.

—Afinal do que vocês três estão falando?! — A representante exigiu saber, já impaciente.

Os três membros do grupo ergueram a cabeça ao mesmo tempo, talvez só agora se lembrando de que não estavam na sala de seu clube.

—Estamos discutindo a possibilidade de o professor Haruna estar sofrendo de algum tipo de mal espiritual. — o presidente Takeru respondeu seriamente.

—Como uma possessão espiritual. — Oda-kun exemplificou.

—Ou algo que vem devorando sua essência. — Hana-chan acrescentou.

Yukari largou a bolsa com um suspiro derrotado, ah, então toda aquela sua inquietação era isso afinal… ela não queria ouvir e confirmar o que já havia pressentido.

...

Gintsune sempre havia gostado de barulho, movimento, agitação e comemoração, mas às vezes até mesmo ele apreciava um momento de tranquilidade, especialmente ali em Higanbana que, ele precisava admitir, era linda ao anoitecer… e o cheiro das flores, continuava impregnando o ar daquela maneira mesmo a primavera já tendo praticamente se findado.

Então por vezes Gintsune limitava-se a simplesmente sentar-se no telhado da pousada com seu cachimbo ou uma boa taça de saquê — ou ambos — e apreciar a vista.

—Bem, eu estive procurando-o por todo canto. — uma voz baixa e risonha comentou de algum lugar, Gintsune não deu atenção, a pousada ainda estava cheia de vozes, pois ainda possuía um número razoável de hospedes — Mas eu já devia ter imaginado que você seria atraído para essa colina, você e ela são realmente semelhantes afinal, mas fico aliviado que não tenha liquidado com os humanos daqui…

Continuou a voz fazendo as orelhas de raposa brotar no alto de sua cabeça. Alguém estava falando com ele? De onde vinha aquela voz? Ele começou a virar a cabeça de um lado para o outro procurando seu interlocutor ao mesmo tempo em que as orelhas moviam-se parar tentar a captar a origem do som.

—Na verdade desde o principio não sinto qualquer rastro de energia violenta vindo de você. — mesmo parecendo tão distante a origem da voz era muito mais próxima do que Gintsune pensara a principio, mas por que ele não conseguia localizá-lo de forma alguma?! — Mas ainda quis encontrá-lo para certificar-me…

Ali! Ali estava ele! Gintsune arregalou os olhos: bem próxima à sua mão esquerda estava um minúsculo homenzinho com não mais que trinta centímetros de altura, vestindo roupas muito requintadas e antiquadas — até mesmo para os padrões de Gintsune — e com o rosto encoberto por uma máscara com o rosto de um velho homem sorridente. O deus das flores!

Então o cheiro de flores que Gintsune sentira antes não era proveniente da cidade, mas sim daquele estranho visitante.

—Já fazia muito tempo que eu não gastava tanta energia assim. — confessou o deuszinho risonho — Mas eu queria encontrá-la de qualquer forma, se Tsubaki-chan não houvesse passado em frente ao meu templo hoje com aquele grupo de amigos e eu não tivesse sentindo sua presença nela…

Recuperando-se de seu choque inicial Gintsune moveu-se tão rápido quanto possível para colocar-se sobre os joelhos e curvou-se até pressionar a testa contra as costas das mãos, surpreendendo ao pequeno deus que se calou.

Um silêncio mórbido cresceu entre os dois, será que ele esperava que Gintsune lhe dissesse algo? Mas o que deveria dizer? Sua mãe nunca o havia instruído sobre aquilo, ela lhe disseram para sempre tratar os deuses de forma adequada e respeitosa, e nunca ofendê-los, mas quem poderia dizer com certeza o que era capaz de ofendeu ou não a um deus? Mesmo um diminuto e insignificante deuszinho como aquele.

De repente o deus das flores começou a rir.

—O que é isso? Por que está se curvando diante de mim? — perguntou incrédulo — Levante a cabeça raposa-chan! Ho! Ho! Ho! É verdade que os humanos me concederam um santuário e chamaram-me de deus, mas há não muito tempo atrás eu não era mais do que um insignificante youkai das flores! E inclusive prostrei-me eu mesmo aos pés da dama raposa dessa mesma forma que você está fazendo agora!

Aturdido e confuso Gintsune levantou-se.

—Prostrou-se? — repetiu desconcertado.

—Foi logo que ela chegou a essas terras. — confirmou o pequeno deus — Eu não era um deus naquela época, é claro, mas aquela mulher…! Tão grandiosa e assustadora, não sabíamos quem era, mas é claro que nos curvaríamos, estávamos todos apavorados com a possibilidade de sermos mortos com um simples olhar!

Piscando incrédulo, Gintsune acabou não medindo suas palavras ao declarar:

—Para que veio atrás de mim?

—Ah sim, claro. — o deus das flores inclinou a cabeça de lado, enfiando as mãos dentro de suas volumosas mangas — Acontece que fiquei tão surpreso na primeira vez que nos falamos por saber que você não é aquela raposa, que acabei inclusive me esquecendo de perguntar quais são seus propósitos aqui, afinal eu não fazia ideia de que ainda há youkais do seu nível nesse mundo, achei que o ceticismo humano havia expurgado todos.

—Não tenho propósito algum, apenas fui invocado de volta a esse mundo recentemente. — confessou.

—Verdade? — o deu o observou passando a mão no queixo liso de sua máscara — Quem o invocou?

Gintsune mexeu-se desconfortável.

—Não sei. — e já fazia algum tempo que não pensava nisso.

“Você é despreocupado demais!” ainda podia ouvir o pai o repreendendo, e isso não deixava de ser verdade, refletiu, era fato que alguém naquele mundo definitivamente conhecia seu verdadeiro nome… e ainda assim ele deixara isso de lado para sair se divertindo por aí.

O deus das flores ainda o estava obervando.

—Entendo. — ele curvou-se, deixando Gintsune mortificado, que tipo de deus era aquele que se curvava a um youkai?! — Bem, acho que já é hora de retornar ao meu templo agora, já estou quase sem forças.

Ele riu levemente e uma suave brisa soprou ali, levando ao pequeno como um leve dente de leão flutuando no ar, fazendo Gintsune piscar após aquele encontro tão inusitado.

E somente vários minutos depois é que ele se deu conta de que, em algum momento durante a inesperada visita do deus das flores, ele havia deixado cair o seu precioso cachimbo de cabo longo, e estava justamente a procura dele farejando em volta d pousada, quando ouviu a voz de Yukari o chamando:

—Gintsune! Venha aqui! — erguendo a cabeça, Gintsune procurou ouvir com um pouco mais de atenção: — Você está aí? Gintsune!

Ela nunca procurava por ele, mas estava chamando-o agora? Intrigado Gintsune acabou por atender seu chamado, encontrando-a em seu quarto, inclinada no chão enquanto o procurava debaixo da cama.

—Gintsune? — o chamou por uma terceira vez.

Sempre que voltava da escola, Yukari sequer pisava em casa, ela simplesmente trocava de roupa e começava a trabalhar na pousada… para alguém que se dizia tão ansiosa para deixar aquele lugar, ela realmente se dedicava bastante. Mas naquele dia ela havia ido para casa, mesmo que apenas por uns minutos, apenas para vê-lo!

Atravessando a janela fechada ele materializou-se no meio do quarto e sentou-se ali sobre as patas traseiras.

—Yo Yukari, eu já estou aqui. — avisou-a sorrindo — Estava sentindo falta da minha presença, é isso?

Mas quando Yukari ergueu-se ela estava com um semblante muito sério, e apertava a mandíbula tão fortemente que Gintsune imaginou se seria possível que a qualquer momento seus dentes pudessem se estilhaçar.

Virando-se e arrumando firmemente a saia debaixo das pernas ela sentou-se sobre os tornozelos e apertou os punhos sobre as coxas.

—Yukari, o que…? — começou a perguntar, já preocupado com toda aquela seriedade.

—O que fez ao meu professor? — ela o cortou seriamente.

Sua orelha direita moveu-se com um tique involuntário.

—Haruna disse alguma coisa?

—Eu fui muito estúpida. — afirmou com um olhar duro feito pedra. — Você mesmo me disse que estava ali no colégio para se divertir, mas eu fui cega, eu não consegui ver… corria até o professor sempre que o via nos corredores, no festival escolar encontrei-o junto dele, não foi? E quando o professor Haruna foi até a sala para tirar sua foto especial com nosso ace e você magicamente apareceu ali? E todo aquele show quando você fingiu estar doente e desmaiou? Achei que só queria chamar a atenção e causar confusão, mas era mais que isso, era o professor Haruna, não era? O tempo todo era ele e apenas isso. Você estava atrás dele. — Então era isso? Mas uma bronca por uma de suas travessuras? Gintsune girou os olhos, era melhor ter continuado a procurar pelo cachimbo, apertando as mãos sobre o colo Yukari o encarou, e quando Gintsune nada respondeu, silvou irritada por entre os dentes, por que ela estava tão irritada afinal? Era apenas mais uma travessura… — Está devorando a energia vital dele.

—O que?! — engasgou-se arregalando os olhos.

Categórica Yukari continuou a dizer suas conclusões acusatórias:

—Você me disse certa vez que a comida humana não é capaz de satisfazê-lo por completo, mas você estava se virando comendo youkais que eu sou incapaz de enxergar, porque não come seres humanos, que tola eu fui! Pode não se alimentar de nossa carne, mas certamente se alimenta da essência vital, e está devorando a do professor!

—Agora espere um pouco aí! — protestou — Eu não estou devorando a essência vital de ninguém!

—Não acredito em você! — a declaração irritada dela o atingiu como uma bofetada, pois mesmo chamando-o de mentiroso, cínico e tantas outras coisas, de uma forma ou de outra, ela sempre pareceu acreditar em suas palavras. — O professor adoeceu!

—E daí? Humanos adoecem o tempo todo!

Certamente aquela era uma defesa bastante cínica de se fazer, afinal era com certeza sua culpa que Haruna tivesse adoecido agora, mas não estava de forma alguma devorando qualquer parte de sua essência.

—Ele perdeu peso. — Yukari o encarava como se pudesse ver através de si — Não dorme há semanas, está abatido e disperso.

—Eu não estou devorando a essência de ninguém. — negou virando o rosto de forma ultrajada, e só então resmungou: — Mas posso ter andado a me divertir um pouco com Haruna.

Yukari crispou os olhos.

—O que você fez? — perguntou por entre os dentes.

Ainda sem encará-la Gintsune deu de ombros.

—Ele era tão digno e moral, que pensei… em me divertir. Talvez atormentá-lo um pouco e quebrar seus princípios, relacionar-me com ele enquanto aluna parecia-me muito interessante. — pelo canto dos olhos viu Yukari emudecida arregalar os olhos — Mas alguns humanos são tão fortemente agarrados às suas crenças e valores que quando eles se partem, acabam quebrando juntos. — Finalizou com um resmungo: — Não é culpa minha, eu só estava me divertindo.

—Se divertindo, sim, então é assim que você vê. — ela assentiu gelidamente, mas uma veia latejava em sua têmpora — É assim que chama fazer um bom homem consumir a si próprio em culpa, às vezes esqueço-me que você, por mais bonito que seja, é na verdade monstruosamente inumado.

Ela havia acabado de ofendê-lo e reverenciar sua beleza simultaneamente? Gintsune por fim voltou a encará-la, inclinando a cabeça de lado em confusão, onde Yukari pretendia chegar? A garota prosseguiu calmamente:

—Declarou-me sua amiga, não foi? Mas o que são os humanos para você? Meros legos com os quais possa brincar, manipular e descartar ao seu bel prazer?

—O que são legos? — perguntou confuso.

Ela prosseguiu falando sem lhe dar atenção:

—O que sou para você afinal? Não uma amiga, isso certamente não, afinal não passo de uma mera humana, essa raça que você tão jocosamente brinca como se fossemos reles peões. Uma simples diversão, algo que você por ventura achou que seria interessante e talvez até vantajoso incomodar.

—Mas afinal por que está tão ofendida? — olhou-a chocado — Não fiz mal a você, sua família e nem sequer a seus preciosos hóspedes! E eu já disse, se Haruna está se afundando em bebida, não é minha c…

—A questão. — interrompeu-o rigidamente — É que não quero ter nada haver com uma criatura tão indigna assim, então será que poderia ir?

Ele fitou-a sem reação.

—Ir? — repetiu.

Ela assentiu.

—Sei que já exigi isso várias vezes, e até ameacei exorcizá-lo uma par de vezes talvez, achei que finalmente havia me acostumado a você, mas não. — balançou a cabeça, fazendo as tranças se remexerem em seus ombros — Então vá embora, não quero ser sua amiga, mesmo porque vejo que humanos lhe são meros joguetes, como poderia ser amigo de um? Se for preciso irei até o templo de Inari que há na região e rezarei por sua punição, a deusa é protetora das raposas, mas não me lembro de alguma vez ela já ter intervido quando uma de vocês mereceu a punição. Temos o exemplo de Tamamo-no-Mae[i], e mais outra aqui mesmo na cidade, não é? Então é isso, vá embora daqui, já não quero vê-lo nunca mais.

Não queria vê-lo nunca mais? Mesmo ele sendo tão bonito e ela tendo correndo daquela maneira para revê-lo depois que ele voltou de seu pequeno passeio na virada do ano? Como Yukari podia dizer uma coisa cruel daquelas, de maneira tão calma e tão fria?

Ainda mas perplexo ele viu-a levantar-se enquanto alisava as saias e dirigir-se dignamente para a porta, como uma princesa que encerrava sua audiência, e antes que se desse conta já havia se levantado e saltado a frente tomando a forma humana e agarrando-lhe o pulso assim que ela colocou os pés para fora.

—E se eu deixar Haruna em paz? — sugeriu.

Ele podia achar outra diversão facilmente afinal, diversão era o que não faltava no mundo humano.

—Isso seria bom. — ela concordou sem encará-lo, Yukari puxou o pulso, mas Gintsune não a soltou — E logo depois vá embora, não me importa para onde.

Qualquer um poderia vê-los ou escutá-los das escadas mesmo, mas Gintsune não estava acostumado a ser desprezado, aquilo o fez hesitar.

—Talvez… eu possa concertar.

Dessa vez foi a colegial que hesitou, ela remoeu aquilo por um ou dois segundos, e então respondeu:

—Não acredito em você.

—Eu posso concertar se quiser. — repetiu bufando impaciente — Só… que talvez isso atraia exterminadores a essa cidade. — não sabia se ainda existiam exterminadores de youkais nesses tempos, mas não gostaria de arriscar — E então sim, posso lhe garantir que desaparecerei dessa cidade e você nunca mais me verá, estará preparada?

—Faça como quiser. — respondeu friamente.

Ela voltou a puxar o pulso e dessa vez Gintsune a deixou ir, deixando-se para trás ele fechou a porta apoiando sua testa a ela com um suspiro cansado.

Manipulado por uma mera adolescente humana, o que diriam seus pais se o vissem agora?

Gintsune obviamente já havia estada na casa de Haruna por inúmeras vezes, mas nunca antes imaginara que iria até ali para fazer algo como aquilo, ele estremeceu. Gintsune simplesmente não podia acreditar que estava prestes a fazer aquilo, qual era o problema de Yukari afinal? E qual era o problema dele por escutá-la? Resmungando a raposa retirou as mãos de dentro das mangas e bateu com três golpes curtos, porém firmes, na porta.

Esperou ali por alguns instantes antes de ouvir um leve arrastar de pés e uns poucos miados do lado de dentro, logo antes da porta de madeira se abrir com um pesado arrastar.

Nem sequer um “quem está aí?” antes, ele simplesmente a abriu, as pessoas realmente eram muito pouco cuidadosas ali… aquilo o lembrou de algo que vovó Tsubaki dissera certa vez: “diferente do que o nome e as histórias que contamos para atrair turistas sugerem, nada de assustador, sinistro ou remotamente perigoso nunca acontece aqui, é uma das vantagens de se morar no interior”. Claro que também alguém dificilmente imaginaria que um ser sobrenatural de verdade poderia bater à sua porta na calada da noite, talvez antes, mas certamente não nesses céticos tempos atuais… mesmo em uma cidadela como Higanbana.

A princípio o professor Haruna não o reconheceu ali.

—Quem…? — E então Gintsune retirou o chapéu do tengu da cabeça, e sua expressão torceu-se em desconcerto — Gin… San?

—Oi, eu não tenho tempo para preâmbulos então vamos direto ao ponto, ok? — disse em um de seus raros momentos de falta de humor colocando a mão no ombro do professor para afastá-lo de lado e já entrando na casa.

O professor veio logo atrás, agarrando-lhe o braço numa débil tentativa de detê-lo.

—Não pode simplesmente ir entrando assim! — repreendeu-o como ele fosse um de seus alunos, o que, tecnicamente, ele era. — Saia agora antes que eu chame a policia!

Impaciente Gintsune livrou-se da mão do professor com um único movimento.

—Acredite. Vir até aqui hoje também não foi exatamente uma opção minha. — declarou entrando na sala. Àquela altura a casa de Haruna já lhe era tão familiar quanto a sua própria… mas as latas de cerveja eram novidade. Gintsune parou e virou-se — Está bêbado? Eu preferiria que estivesse sóbrio.

Memórias de bêbados obviamente não eram as mais confiáveis do mundo afinal.

—Estou avisando pela última vez: saia ou eu chamo a policia! — Haruna avisou-o irritado, enquanto uma pequena gata branca e laranja se esfregava ronronando em seu calcanhares, nenhum pouco alarmada com a presença de Gintsune ali.

Chutando algumas latas de cerveja vazias, Gintsune sentou-se ao lado da mesinha de centro sem qualquer cerimônia, e um gato cinza, ainda meio filhote, saiu correndo de debaixo da mesa para brincar com uma das latas.

—Claro, chame a policia. — instigou-o apoiando o cotovelo na mesa — E quando eles chegarem irão se deparar com a casa vazia exceto por um homem bêbado e seus três gatos.

—Não estou bêbado. — o professor negou com firmeza.

 Gintsune o analisou, bem, pelo menos dos bêbados com os quais ele já cruzara — e isso provavelmente incluía ele próprio — Haruna era, naquele momento, o mais “sóbrio” entre eles, ele ergueu uma lata ainda meio cheia a altura dos olhos e sacudiu-a levemente, analisando quanto do conteúdo ainda restara.

—Ou então podemos conversar com eles sobre o motivo para você estar bebendo tanto e ter voltado a fumar também: Ayaka Shiori.  — ele bebeu alguns poucos goles da lata de cerveja que tinha em mãos — Pois é eu sei de tudo viu? Então por que não se senta aqui e conversamos um pouco? Ah sim, e esqueça logo essa história de polícia.

Afinal Yukari certamente ficaria brava se Gintsune arrumasse ainda mais problemas ao seu querido professor, então era melhor evitar que Haruna passasse por bêbado em frente aos policiais para que depois a história se espalhasse para a cidade toda, como era típico de pequenas cidades, afinal ele obviamente não pretendia se deixar ser pego por meras autoridades humanas.

Deixando-se cair de lado, Haruna apoiou-se contra o batente da porta, aparentemente cansada de ser ignorada Hana afastou-se do dono insensível e orgulhosamente de cauda erguida aproximou-se de Gintsune e subiu sobre seu colo.

—Eu devo estar ficando louco. — disse mais para si mesmo do que para Gintsune. — Eu não… eu não sou um pervertido… eu nunca… não consigo tirá-la da minha cabeça. O tempo todo, meus pensamentos parecem girar e serem conduzidos diretamente a ela, eu ouço o seu nome murmurado ao vento a cada passo que dou no colégio. É enervante, enlouquecedor. Até mesmo quando durmo ela está lá. — olhou-o suplicante. — Estou ficando louco?

Não, o louco aqui sou eu. Gintsune remoeu consigo mesmo coçando atrás das orelhas de Hana.

—Por que não se senta? — convidou-o estendendo-lhe a lata que ainda tinha na mão — Tome mais um pouco de cerveja se isso te fizer se sentir melhor.

—Quando você chegou eu tinha acabado de vomitar. — Haruna confessor arrastando seus pés até ele.

Gintsune imediatamente afastou a lata.

—Nada de cerveja então. — decretou.

O professor arrasado nem pareceu ouvi-lo, agora que havia começado a falar ele simplesmente não podia parar:

—Nunca pretendi tocá-la. Precisa acreditar em mim! Mas eu a beijei. — ele inclinou-se pra frente e bateu a cabeça tão forte na mesa que Gintsune ficou com medo de ele ter quebrado o crânio — Eu provavelmente teria continuado, mas ela fugiu, foi quando me dei conta do que havia feito.

—Mesmo? — ele havia feito um pequeno erro de cálculos então.

—Praticamente não tenho dormido desde então… quando durmo ela está lá. — Ainda sem erguer o rosto, Haruna estendeu seu braço a frente, como se tentasse tocar um fantasma enquanto sussurrava: — Agora mesmo é como se pudesse sentir o cheiro dela.

O cheiro ele dissera? Gintsune ergueu ambas as sobrancelhas levando a manga do quimono até o nariz, parece que os humanos realmente nunca cansavam de surpreendê-lo.

—Quase como se pudesse tocá-la…

Mas o que seus dedos encontraram no vazio não foi o ikiryõ[i] da colegial que o assombrava, e sim a garras de um gato branco que lhe arrancaram sangue, fazendo-o erguer-se sobressaltado quando Yuki saltou sobre a mesa e passou a lamber-se desavergonhadamente ali mesmo.

Haruna empurrou os óculos para cima na intenção de arrumá-los, mas acabando por deixá-los mais tortos.

—Por que estou lhe dizendo tudo isso afinal? Eu sequer o conheço.

—É porque está bêbado. — alegou torcendo o nariz e olhando a volta… três, quatro… quatro latas e meia de cerveja.

—Não estou bêbado. — negou — Eu sinto, sinto… que estou aprisionado. Fui preso nessa loucura, nesse…!

—Feitiço? — sugeriu.

—Isso! — confirmou num fôlego só, e então o olhou suplicante, quase parecendo a ponto de desmoronar — O que eu deveria fazer? Desculpar-me? Eu decidi manter distância, me manteria afastado e não voltaria a me aproximar além do estritamente necessário, mas como isso é possível quando todo o meu ser já se encontra completamente preenchido por ela? Shiori-chan… até mesmo dizer o seu nome parece um pecado. Ela é extremamente encantadora, a voz, os olhos, seus movimentos… quando me dei conta já a estava seguindo com os olhos novamente, mas isso foi bom, digo a mim mesmo que por essa vez isso foi bom. Eu a vi do outro lado do pátio, e ela estava com uma colega, mas aí… aquele outro aluno apareceu. Quando dei por mim, minhas pernas já estavam correndo até lá, porque eu tive medo que ele a machucasse. — finalmente parando para tomar fôlego, Haruna agarrou a última lata de cerveja e bebeu o resto de seu conteúdo de uma vez só, jogando-a longe em seguida — Você acha que enlouqueci, não acha? Que estou inventando desculpas para isentar-me, eu sei… mas não consigo pensar direito, só penso nela e não sei mais o que fazer.

Gintsune não havia percebido quando Tsuki se enfiara debaixo da mesa, mas de repente a gorda bola de pelos saltou dali agarrando a cauda de Hana que saltou assustada e saiu correndo da sala, com o irmão a perseguindo, enquanto Yuki se limitava a observá-los laconicamente deitado sobre a mesa, mas o professor, tão perdido em sua própria agonia, nem se deu conta.

Uma mente lutando tão intensamente contra si mesmo, estirada ao máximo já a ponto de romper-se… por que Yukari tinha que ser tão tediosa e privá-lo daquela diversão?

—Você não está louco. — negou calmamente — Ayaka… ela o enfeitiçou.

—Ayaka-chan não fez nada de errado.

—Não, você não me entendeu. — Gintsune recomeçou — A… garota. Ela é bem mais do que parece e sabe exatamente o faz… não diria que ela o enfeitiçou no sentido literal da palavra, mas mais especificamente… o encantou.

Mas o Haruna, aquele tolo, íntegro e teimoso, balançou a cabeça.

—Como pode dizer algo assim? Não posso responsabilizar Shiori por nada, eu é que sou o adulto, e pior: seu professor. Não há desculpas para minhas atitudes… segunda-feira entregarei minha carta de demissão.

Gintsune olhou para o alto, era melhor Yukari o recompensar grandiosamente por algo como aquilo.

—Ouça, o quão realmente bêbado você está? — quis certificar-se.

—Não estou bêbado. — o professor negou novamente — Estou em dúvida entre tirar uma soneca agora ou voltar a vomitar, mas não estou bêbado.

—Realmente? — o olhou ceticamente — Então levante e ande em linha reta.

—Se eu levantar, vou definitivamente vomitar. — assegurou.

—Então fique sentado. — Gintsune suspirou se levantando ele próprio — Mas não caia no sono, e preste atenção.

—Prestar atenção no que?

—A mim é claro.

Gintsune abriu os braços, e diante dos olhos do professor transformou-se na figura de sua querida aluna Ayaka Shiori… no entanto a reação dele foi bastante diferente da que esperava, pois o olhando seriamente e sem nem piscar Haruna afirmou:

—Estou bêbado.

 


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Notas finais do capítulo

Por fim Gintsune acabou não podendo aproveitar muito a sua diversão com Haruna, Yukari é realmente uma estraga prazeres... ou então ele é mesmo apenas cruelmente desumano, qual a opinião de vocês?

CURIOSIDADES DO JAPÃO:

A lenda de Tamano-No-Mae:
Diz a lenda que Tamamo-no-Mae foi uma meio youkai raposa que, para vingar o exílio de seu pai adotivo (um homem humano), infiltrou-se na corte do imperador como sua concubina com a intenção de adoecê-lo e matá-lo, mas quando os conselheiros do imperador desconfiaram de sua verdadeira natureza, eles armaram-lhe uma armadilha a obrigando a se revelar, Tamamo-no Mae fugiu, mas o imperador ordenou sua morte e isso partiu seu coração, pois a raposa havia se apaixonado por ele (e ficado dividida entre seu coração e sua vingança), mas mesmo depois de morta por uma flechada no coração a alma da raposa permaneceu presa a uma pedra, amaldiçoando todos que dela se aproximassem, até que por fim um monge piedoso a libertou para que ela pudesse seguir seu caminho para o além.

BESTIÁRIO:

Ikiryõ: Tradicionalmente, se alguém mantém um rancor suficiente por outra pessoa, acredita-se que uma parte ou a totalidade da sua alma pode temporariamente deixar o seu corpo e aparecer perante o alvo de seu ódio, para jogar-lhe uma maldição ou prejudicá-lo.
Acredita-se também que as almas saem de um corpo vivo, quando este está muito doente ou comatoso, tais ikiryō não são mal-intencionados.

Kodama: Apesar de pacíficos, os kodamas reagirão agressivamente contra aquele que desrespeitar o meio ambiente: acreditava-se e de que se alguém derrubar uma árvore habitada por um espírito mágico sem necessidade, ou, prestar-lhe a devida honra, amaldiçoará toda a sua comunidade. A maldição do Kodama, segundo o mito, é algo a ser temido.



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