A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 22
21: Oportunidade de ouro.


Notas iniciais do capítulo

Gintsune... Alguém afável e atencioso, ou um cretino cruel? Eis a questão... Mas sem dúvida ele possui uma índole, no mínimo, duvidosa.

GLOSSÁRIO:

Futon: Tipo de colchão enrolável feito para se por em pisos tipo tatame. É formado por um shikibuton (inferior) e um kakebuton (acolchoado grosso).

Yunomi: xícara de chá japonesa.



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Quanto mais Gintsune ia se acostumando àquele mundo, mas ele achava Higanbana uma cidade um tanto às avessas.

O natal, por exemplo, uma data comemorativa comercial feita para casais, certo? Mas ali eles pareciam se dedicar muito mais à parte comercial, do que propriamente à parte focada em “comemoração” e “casais”, e a mesma coisa com o dia dos namorados: a maioria ali parecia mais focada em vender os chocolates do que em trocá-los entre si.

E agora era a “semana dourada”, há dias isso era tudo do que se falava na televisão, na internet, nos corredores da escola, e aonde quer mais que Gintsune fosse: uma semana inteira de folga, para ficarem em casa relaxando e descansando… mas não em Higanbana. Lá estavam elétricos e planejando trabalhar sem parar.

Que lugar de loucos era esse onde ele havia parado?!

—O que esperava? A economia desse fim de mundo é baseada toda no turismo, é claro que os períodos de descanso são os nossos de maior produtividade. — Yukari respondeu-lhe enquanto passava o aspirador de pó em um quarto recém desocupado.

No canto do quarto Gintsune flutuava sentado de ponta cabeça no ar com braços e pernas cruzadas.

—E quando descansam? — perguntou. Sem olhá-lo e ainda ocupada em limpar o quarto, Yukari limitou-se a dar de ombros. Gintsune estalou a língua. — Parecem formigas!

Desligando o aspirador de pó e pondo-o de lado junto com a sacola de lixo que já havia recolhido anteriormente, Yukari respondeu-lhe:

—Talvez seja algo difícil para alguém como você compreender, mas nós humanos precisamos trabalhar para poder viver.

—Vocês ainda teriam dinheiro para comer mesmo se parassem por uma semana. — ele reclamou sem aceitar aquela resposta, girando lentamente no ar, quase a deriva. — Com certeza não iriam falir.

Yukari amarrou a boca do saco de lixo e virou-se pra ele ponto as mãos nos quadris com expressão severa.

—A semana dourada é um feriado prolongado altamente lucrativo! Se fechássemos em uma época como essa, vários clientes poderiam perder a confiança em nós e deixar de se hospedar conosco, nossa reputação cairia e perderíamos cada vez mais clientes até que, sim, talvez fossemos forçados a declarar falência no final do ano!

Que exagero! Gintsune girou os olhos e balançou a cabeça.

Mas se o Zashiki Warashi estivesse por perto ele certamente teria acenado vigorosamente com a cabeça, aprovando aquele discurso. Trabalho, trabalho e trabalho, era só nisso o que pensavam o tempo todo, e nunca se divertiam.

—Você já pensou em pedir para tirar folgas de vez em quando?

Sentando-se sobre os calcanhares, Yukari começou a passar um pano sobre a mesinha.

—Eu tiro folgas. — retrucou.

—Você não para de trabalhar nem quando é verão e não há hóspedes!

—Eu tirei alguns dias de folga no verão passado. — a garota teimou.

—Para estudar! E isso não conta! — protestou.

—Também fiquei de folga durante meu aniversário.

—Não... — respondeu lenta e pacientemente — Eu tomei seu lugar para que você pudesse sair sem que sua família notasse.

Com tengus também era assim, eles só trabalhavam, brigavam e treinavam o tempo todo. Mas, ao menos, ele conseguia convencer seu irmão tengu a sair para se divertir com ele às vezes, mas aquela garota… nunca.

Aquele mundo podia ser divertido e interessante como há muito tempo o seu próprio mundo deixara de ser, mas em contraponto ele era infinitamente… solitário.

—Afinal o que você faz aqui? — perguntou já aborrecida com sua presença ali.

Cruzando os braços atrás da cabeça e esticando as pernas Gintsune deitou-se no ar.

—Por causa da semana dourada os pais de Eisuke-kun o convocaram a trabalhar no restaurante, e ele não vai poder me servir de graça porque os pais vão estar lá o tempo todo também, Say-chan não tem que trabalhar, mas me disse que quer dedicar essa semana aos estudos, não sei por que se nós nem estamos em época de prova...

—Hannyu-senpai está no último ano, ele deve estar se preparando para as provas para a faculdade. — ela comentou.

—Provas para a… o que? — repetiu sem entender — Que seja. Mio, Ami, e Izumi também não podiam sair por que…

—Todos estavam ocupados demais para ter tempo para você. — Yukari resumiu com um suspiro — Que triste deve ser perceber que no final você não é importante para ninguém. Não é?

—Oras, não é tão mal assim. — ele sorriu sem engolir sua provocação virando-se de lado para vê-la melhor e apoiando a cabeça sobre a mão — Na verdade vim aqui justamente para avisar que eu estava pensando em aproveitar esse feriado prolongado para sair um pouco da cidade.

—Sorte a sua. — a garota respondeu com pouco caso.

—Caso eu não perca a noção do tempo, devo retornar na próxima semana. — continuou a falar — Então não precisa chorar de solidão por sentir a minha falta, está bem?

Terminando de limpar a mesa e colocando-se de pé, Yukari lançou-lhe um olhar mal-humorado, que ele respondeu com um sorriso zombeteiro e então ela fez algo completamente inesperado e absurdo: ela latiu.

E arregalando os olhos Gintsune fugiu daquele quarto como um furacão.

Ele devia ter ido embora naquele instante, viajando para se divertir e deixando-a ali exatamente como disse que faria! Isso! E talvez até visitasse o grande templo de seu senhor Inari em Kyoto! E se Yukari queria ficar e trabalhar até cair então que ficasse!

Mas ele acabou ficando.

Não se mostrou a ela, é claro, pois ainda estava bravo com sua impertinência da última vez. E não que ele houvesse a seguido durante todos os segundos de cada dia, mas… bem, pelo menos durante parte deles.

É só que ele estava um pouco curioso, Yukari sempre estava reclamando do quanto sua vida era tediosa e como ela queria ir embora daquela “cidade de fim de mundo”… mas com certeza se dedicava bastante ao trabalho.

E na verdade se ela não estivesse trabalhando tanto, certamente teria se dado conta de que Gintsune não havia realmente ido embora, já que o feitiço de seu quarto nunca sumiu, assim como na última vez em que ele viajara, mas ao invés disso ela estava trabalhando até ficar com seus ossos todos praticamente moídos e só ser capaz de se arrastar até a cama e perder a consciência ali ao final de cada dia — isso mesmo, não dormir, mas ficar desacordada de uma vez! — o que só deixava Gintsune ainda mais impressionado com o fato de, na manhã seguinte, ela ainda ser capaz de se levantar e fazer tudo de novo.

E devia estar dolorida, certamente estava dolorida, pois no dia anterior a mãe havia lhe preparado um banho quente e Yukari ficara por tanto tempo lá dentro que Gintsune já havia começado a cogitar a possibilidade de ela ter perdido a consciência e estar se afogando lá dentro e ele ter que entrar para puxar sua cabeça para fora da água…! Quando ela saiu de lá.

Aquilo definitivamente foi demais para ele!

—Aquilo que você fez da última vez foi muito grosseiro! — proferiu quando finalmente conseguiu pegá-la sozinha.

Yukari estava no depósito, pegando alguns futons extras para um dos quartos e deu um pequeno pulo de surpresa ao ouvi-lo ali.

—Já está de volta tão cedo? — espiou-o por cima do ombro — Ainda estamos bem no meio da golden week. Sabe disso, não sabe? Sua noção temporal não pode ser tão ruim assim.

—Não é coisa que se faça a um amigo! — insistiu.

—Eu não achei que fosse funcionar… — Yukari suspirou, embora não parecesse nem um pouco arrependida — Eu entendo que você tenha bastante medo, mas não acha que está exagerando um pouco? Quero dizer… você sabia que não era nenhum animal de verdade, era apenas eu.

—Minha família tem um histórico complicado. — ele pigarreou. — E você precisa parar para descansar!

—E por que isso de repente? — Yukari se esticou para pegar o segundo futon. — Eu já te disse: a semana dourada é um evento importante, não podemos simplesmente parar assim do nada, nossos convidados esperam bastante de nós.

—Não estou dizendo para todos os funcionários pararem. — bufou — Estou dizendo para você ir descansar, olhe para a sua cara, está exausta! Pare por, pelo menos, uma ou duas horas. Humanos são criaturas frágeis e efêmeros demais, então tenho certeza de que isso não está lhe fazendo bem algum!

—Besteira! — ela descartou seu comentário deixando o futon aos seus pés e esticando-se para pegar o terceiro.

Yukari definitivamente não o ouviria, por que ela tinha que ser tão teimosa? Apoiando a mão no quadril, Gintsune suspirou profundamente:

—Sabe Yukari, você deveria agradecer pelo meu bom coração. — declarou com seriedade.

A garota começou a virar-se…

—Mas do que você está f…?

…Quando ele repentinamente abriu a mão diante de seus olhos, liberando em seu rosto uma tênue fumaça branca que a fez desfalecer em seus braços antes mesmo de se dar conta do que havia acontecido.

—Ah Yukari, que sorte a sua que eu realmente tenho um coração muito amável. — murmurou acomodando a cabeça dela em seu ombro, e passando o braço por detrás de seus joelhos e costas para erguê-la do chão.

Yukari sentia-se flutuar, com uma sensação estranha no estômago, como se seus órgãos estivessem se movendo ali dentro, igual à sensação que se tem quando se pula de algum lugar muito alto, por exemplo, porém… mais arrastada, mais demorada, uma queda que nunca chegava ao fim. Embora não se sentisse cair.

Era uma sensação estranhamente familiar, mas até agradável… e Yukari quase se deixou embalar novamente para dentro do sonho quando, repentinamente, lembrou-se de quando conhecia aquela sensação, e abrindo repentinamente os olhos gritou e tentou empurrá-lo para longe de si, acertando-o cegamente no peitoral e no rosto.

—Oi, pare com isso! Quer cair?! — a voz irritada dele soou acima de sua cabeça, e o apoio desapareceu do entorno de suas pernas sendo deixada-as, para seu desespero, a deriva balançando no vazio e, em lugar disso, seus pulsos foram aprisionados juntos por um firme aperto, porém o suporte em volta de suas costas continuou abençoadamente onde estava. — Você acertou meu nariz Yukari!

Estavam voando!

Percebeu com o coração acelerado. Não teve coragem de olhar para baixo e ver a que altura realmente estavam então focou seu olhar no rosto dele afinal.

—O que está fazendo?! — sua voz soou um pouco mais aguda do que pretendia.

Gintsune, aquela raposa estúpida, jogou a cabeça para trás e gargalhou.

—O que estamos fazendo. — corrigiu-a jocoso — Estamos voando! Não consegue perceber?

Ele soltou seus pulsos e ela automaticamente levou os braços ao redor de seu pescoço, agarrando-se ali, e não o soltou mesmo quando ele voltou a passar o braço por detrás de seus joelhos.

—E aonde vamos? — quis saber, tentando convencer a si mesma que tremia pelo frio e não pelo medo de ele deixá-la cair.

Ele não a deixaria cair. De jeito nenhum!

—Ei se acalme um pouco, está tentando me estrangular ou algo assim? — Gintsune perguntou-lhe rindo bem humorado. — Eu não vou deixá-la cair, sabia?

—Eu sei que não. — retrucou, mas ainda assim pegou-se se agarrando ainda mais ao seu pescoço e, consequentemente, colando-se a ele, ele era um youkai manipulador de fogo, lembrou a si mesma ao sentir-lhe o calor corporal que lhe atravessava as roupas até chegar-lhe a pele, por isso é tão quente. — Aonde vamos?

—Se sabe que não vou deixá-la cair por que se agarra a mim dessa maneira? — ele questionou sorrindo malicioso — Oh bem, não vou culpá-la, segure-se em mim o quanto quiser e aproveite bem então!

E voltou a rir, fazendo-a sentir as orelhas esquentarem de constrangimento.

Céus. Por que ele precisava ser tão irritante?!

Ainda assim Yukari não o soltou e continuou a agarrar-se firmemente ao seu pescoço.

—Aonde vamos? — exigiu saber mais uma vez, agora ficando impaciente.

—E isso importa? — devolveu-lhe.

—Claro que importa! — ela soltou-o brevemente apenas por tempo o suficiente para dá-lhe um fraco soco na altura do ombro, mas logo depois voltou a agarrar-se. — Se está me sequestrando de novo quero saber para onde!

—Não estou sequestrando-a coisa alguma! — ele rebateu — Estou levando-a para voar! E é essa a gratidão que recebo? Acaso não gosta de voar Yukari?

Gostar? Como poderia saber se gostava se nunca havia experimentado antes e agora estava apavorada demais com a possibilidade de ele deixá-la cair a qualquer instante para conseguir aproveitar?

—Não vou te deixar cair. — Gintsune repetiu como se pudesse ler seus pensamentos, talvez essa fosse uma de suas habilidades ocultas. — Então apenas aproveite o passeio, e seja um pouco mais grata, sim?

Yukari girou os olhos, mas ainda com os braços envolta de seu pescoço deitou a cabeça em seu ombro.

—Obrigada. — agradeceu, mesmo sem saber exatamente pelo que.

Fechou os olhos sentindo a brisa no rosto, e aquecida pelo calor da raposa já não sentia mais tanto frio quanto antes, mas… por que estavam ali? Gintsune certamente não tinha vontade de dizer-lhe aonde iam, mas quando foi que a pegara? E… não havia algum lugar aonde ela devia estar?

Franziu o cenho tentando lembrar-se… a pousada!

Sentou-se repentinamente com olhos arregalados e o coração martelando na garganta.

Tinha que estar trabalhando agora e não...! Em seu quarto?

Ela moveu a cabeça lentamente, com os olhos acostumando-se aos poucos à penumbra, mas sim, sem dúvida estava em seu quarto. Quando haviam retornado?

As únicas fontes de luz eram o luar que passava através da janela aberta e o mostrador do relógio em sua mesa que mostrava 4h23min com números azuis brilhantes.

Ela inclinou-se sobre a borda da cama até que o topo de sua cabeça encostasse-se ao chão para procurar pela raposa, e ali estava ele: seu longo corpo enrodilhava-se no canto com a cabeça adormecida repousando placidamente sobre as patas dianteiras cruzadas. Ali naquela escuridão sua pelagem emitia um tênue brilho prateado.

—Quando foi que voltamos? — quis saber.

Sua voz soou estranhamente alta.

As orelhas de Gintsune moveram-se e suas pálpebras tremeram antes que ele as abrisse.

—Oh, então você finalmente acordou Yukari. — comentou sorrindo.

Mesmo que aquela expressão ficasse bizarramente assustadora em um rosto animal Yukari já estava acostumada demais a ele para ainda se deixar assustar com aquilo.

—Quando foi que voltamos? — voltou a perguntar.

Ela sentou-se ereta, afastando-se de seu caminho quando ele começou a arrastar-se para fora da cama. Ela ainda estava usando o quimono com o qual estivera trabalhando, percebeu, ela já o estava usando antes?

—Quando voltamos de onde? — ele questionou ao sair de debaixo da cama, alongando-se até estar de volta a sua forma humana.

Yukari franziu o cenho ajeitando-se sobre a cama para se sentar sobre os calcanhares e por as mãos sobre os joelhos.

—O que aconteceu? — perguntou por fim — Eu… estive dormindo?

Havia sonhado?

—Por quatorze horas inteiras! — Gintsune confirmou dando uma olhada no relógio em cima da mesa e parecendo um tanto assombrado com aquela constatação. — Estava realmente cansada, não é Yukari? Mas não se preocupe, eu a substitui esplendidamente!

—Me substituiu? — repetiu ainda com a mente lenta e confusa.

—Na pousada, é claro! — ele confirmou alegremente — Eu a trouxe para seu quarto e a deixei aqui, depois trabalhei em seu lugar enquanto você dormia, mas não se preocupe porque fui muito diligente para que não tivesse problema algum! — garantiu, e ainda parecendo muito orgulhoso de si mesmo prosseguiu: — Fiz tudo isso, mesmo podendo estar me divertindo a léguas daqui, eu tenho ou não tenho um coração muito bom? Eu teria trocado suas roupas também para que você ficasse mais confortável, mas tive a impressão de que você não gostaria disso, então eu apenas…

“Sabe Yukari, você deveria agradecer pelo meu bom coração.”, ele dissera, e depois… a expressão de Yukari se endureceu.

—Você me drogou! — acusou-o.

—O que? — ele recuou um passo para trás e então caiu sentado no ar — Eu não!

—Como ousa?! — Yukari cerrou os punhos, amassando o tecido do quimono laranja entre os dedos.

Gintsune olhou-a chocado.

—“Como ouso”? — repetiu — Estou aqui dizendo que te fiz uma boa ação e é assim que me agradece?!

—Uma boa ação?! É assim que chama?! — cuspiu irritada — Drogar-me e invadir minha privacidade?!

—Como eu invadi sua privacidade? — ele franziu o cenho cruzando as pernas na posição de lótus — Acabo de dizer que nem toquei nas suas roupas, tudo o que fiz foi tirar suas sandálias…!

—Drogou-me!

—Já disse que não fiz isso! — Gintsune defendeu-se já começando a ficar impaciente com aquelas acusações.

—Você me desacordou com aquela fumaça estranha e eu dormir por quatorze horas inteiras! — ofegou furiosa — Como isso não é ser drogada?!

—Eu só relaxei você um pouco! O fato de ter apagado tão rápido e por tanto tempo só comprova o quanto seu corpo já estava exausto!

—E invadiu meus sonhos! — acusou-o sequer parecendo ouvi-lo.

—Eu não…! — ele parou, um sorriso astuto surgiu lentamente em seus lábios, enquanto ele apoiava o cotovelo sobre a coxa e o rosto sobre a mão — Esteve sonhando comigo Yukari?

Yukari fez uma careta.

—Não se faça de inocente.

Ele continuava com aquele mesmo sorrisinho irritante na cara.

—E sobre o que era o sonho?

Isso a fez franzir o cenho.

—Realmente não esteve invadindo meus sonhos? — perguntou desconfiada.

Gintsune endireitou as costas.

—Já te disse: estive o tempo todo na pousada substituindo você. — mostrou as mãos com as palmas voltadas para cima.

—Você é capaz de estar em dois lugares ao mesmo tempo. — relembrou-o.

—Eu poderia se quisesse. — ele deu de ombros, e então ocultou as mãos nas mangas — Mas não o fiz.

Ela encarou-o em duvida e desconfiada por alguns instantes.

—Está me dizendo a verdade?

Descruzando as pernas a raposa voltou a ficar de pé no chão.

—E você acreditaria? — quis saber.

Yukari remoeu aquilo por dois segundos.

—Me desculpe. — disse por fim — E… obrigada. Mas não tinha o direito!

Gintsune estalou a língua.

—Você reclama demais Yukari. — declarou fazendo-a girar os olhos e aproximou-se para sentar-se no chão com as costas apoiadas na cama — Então você sonhou comigo.

—Você causa-me problemas, estressa-me, e tenho o constante pressentimento de que está prestes a armar alguma coisa e preciso ficar te vigiando, é óbvio que uma hora ou outra esse estresse se manifestaria na forma de pesadelos — respondeu analítica.

—Sonhos! — corrigiu-a ofendido — Um sonho comigo nunca é um pesadelo!

Ela ignorou-o.

—Era apenas uma questão de tempo. — deu de ombros.

—E sobre o que foi seu sonho comigo?

—Isso importa?

—Estou curioso. — agora foi ele aquele quem deu de ombros.

—Sonhei que voávamos. — suspirou desistindo, sabia que ele não a deixaria em paz de qualquer forma.

—O que? Só isso? — ele deixou a cabeça cair para trás, apoiando-a no colchão, a decepção era nítida em sua expressão e tom de voz. — Que tédio!

—Me desculpe por ser tão entediante então. — disse deitando-se e dando as costas a ele.

—É só que é uma coisa simples demais. — ele suspirou — Poderíamos sair agora se quisesse.

—Sair? — estranhou — Sair para onde?

—Para voar. — respondeu — A cidade inteira está dormindo a essa hora, então ninguém nos veria. Você quer voar Yukari?

Yukari pensou naquilo por um momento, no sonho tinha medo de cair e abraçava-o por isso.

—Não. Não quero.

Fechou os olhos e cobriu-se até as orelhas, não que fosse capaz de voltar a dormir agora.

***

Lentamente a dama aproximou sua mão do circulo de luz prateada, porém acabou recuando com os dedos ainda há poucos centímetros da luz.

Precisava ter paciência. Relembrou a si mesma. Logo ele chamaria por seu nome, e viria tirá-la dali.

O tempo sempre foi algo muito relativo, ele passava de maneira diferente para humanos e youkais, o que para eles era toda uma vida podia ser apenas um sopro para os youkais, e mesmo entre os youkais o tempo podia ser diferente, alguns viviam por vários séculos, já outros por não mais do que alguns meros dias. Porém nunca antes ela se sentira tão à parte e isolada em seu próprio tempo quanto desde que se vira encerrada naquela longa noite onde somente ela existia.

Hesitante a mulher raposa recuou sua mão para junto ao peito novamente, ele lhe prometera que a encontraria onde quer que ela esteja, mas será que estava realmente procurando por ela lá fora agora? E se sua voz não o houvesse alcançado? Afinal ele sempre fora tão disperso... tão… inconstante. E também amava o barulho e a agitação, por isso a solidão e o silêncio sempre foram sufocantes para ele na mesma medida em que eram acolhedoras e tranquilizantes para ela, então é óbvio que estivesse onde ele estivesse certamente seria em um lugar barulhento e movimentado. E se, em meio a tantas vozes, a dela houvesse simplesmente passado despercebida? E se ela o chamasse novamente e ele ainda assim não a escutasse? E se ele nunca chamasse por seu nome?

Estava duvidando dele. Percebeu de repente. Estava com medo de ter sido esquecida.

A solidão e o silêncio sempre lhe foram acolhedores, ela relembrou-se esfregando aos próprios braços por cima do uchikake, mas aquela escuridão opressora já estava quebrando-a e em seu intimo desejou que ele viesse logo, enquanto curvava-se para frente fechando os olhos novamente e pensava de novo e de novo, que fora pelo amor dele que tudo aquilo começara, e fora pelo amor dela que acabara daquela forma.

Talvez fosse melhor dormir. Sim. E quando acordasse ele já estaria ali para ela.

Pois seu irmão lhe prometera: estivesse onde estivesse ele sempre a encontraria.

Deitando-se e puxando os joelhos à altura do peito, a solitária dama selada entreabriu os lábios e, mesmo que por um breve momento, devolveu algum resquício de som àquela escuridão vazia:

Longa é a cauda do faisão da montanha
Isso se curva em seu voo;
Mas ainda mais, parece-me,
Deixado na minha situação solitária,
Esta noite sem fim.

Quando ele viria chamar por seu nome e seu tempo voltaria a correr?

***

Mal fazia uma semana que o feriado prolongado havia terminado e vários colegiais já imploravam pela chegada do final de semana, Gintsune estava rindo disso quando, pouco depois das aulas daquele dia ter terminado, um quarteto de garotas do último ano se aproximaram dele e lhe “pediram gentilmente” para que as acompanhassem porque queriam ter uma “pequena conversinha”, e é claro que ele já havia vivido por tempo o suficiente e irritado pessoas — e youkais — o bastante, para saber até onde aquilo os levaria, mas ainda assim as seguiu, pois estava curioso para saber qual a razão da insatisfação delas… afinal poderiam ser tantas. Ele havia roubado o namorado de alguma delas? Tinham inveja por ele ter muito mais beleza que elas e da atenção que os garotos lhe davam? Havia se aproximado de “quem não devia”? Todas as possibilidades eram possíveis e perfeitamente plausíveis.

Portanto assim que se viram em um corredor um pouco mais vazio as garotas o empurraram para dentro do banheiro feminino mais próximo, ali trancaram a porta e o cercaram contra a parede.

—Parece que ultimamente você tem se achado mais do que é de verdade Ayakashi-chan. — disse a primeira delas.

—Você tem passado mais tempo do que deveria com o nosso Eisuke-kun! — reclamou a segunda garota — Desde que ele começou a se encontrar com você, quase não tem dado mais atenção a nenhuma de nós! Você está monopolizando por completo e Eisuke-kun pertence a todas nós!

Oh, então o assunto era Yonekura Eisuke, ele não conseguiu evitar sorrir, é verdade que o rapaz andava bastante fascinado com a encantadora Ayaka Shiori nos últimos tempos e Gintsune acabara por dar atenção a ele também, afinal o restaurante de sua família servia uma comida absolutamente deliciosa… uma relação proveitosa para ambos.

—Do que está rindo estúpida?!

A primeira garota, que pelo visto era a líder, enfureceu-se o empurrando agressivamente, e Gintsune recuou um passo e bateu as costas contra a parede para dar-lhes a impressão de que havia se desequilibrado, afinal não seria bom para o seu papel de garota humana se ele simplesmente tivesse se mantido no lugar.

—Então é disso que se trata afinal? — inclinou a cabeça olhando-as cinicamente — Ora se estão assim tão insatisfeitas com como as coisas estão agora, porque não tentam chamar a atenção de Eisuke de volta ao invés de ficarem aqui perdendo tempo tentando me intimidar? — sorriu-lhes debochadamente — São tão patéticas, não me admira que Eisuke tenha se entediado de vocês.

Na verdade ele não deveria estar provocando-as daquela maneira, já que se elas acabassem partindo para a agressão física ele não tinha certeza de que poderia reagir para se defender sem machucá-las — afinal humanos eram tão pateticamente frágeis — e tão pouco poderia ficar parado e simplesmente deixar-se ser agredido… embora até mesmo isso fosse provavelmente machucar muito mais a elas do que a ele, pois seria como socar e chutar um saco de pedras.

—Vaca! — a segunda garota ergueu a mão para acerta-lhe uma bofetada, mas ele a interceptou facilmente agarrando-lhe o pulso em um piscar de olhos, fazendo-a arregalar os olhos e puxar a mão de volta.

E agora? Ele deveria tentar gritar por ajuda? Seria realmente ruim se aquelas garotas quisessem partir para a agressão física… afinal que culpa ele tinha se membros humanos se desprendiam tão facilmente de seus corpos?

—Já chega!

Duas das garotas agarraram-lhe os braços e o “forçaram” sobre os joelhos — como se qualquer humano pudesse forçá-lo a qualquer coisa pela simples força bruta — enquanto discutiam entre si que tipo de lição deveriam lhe dar.

Provavelmente uma simples surra no banheiro era fácil demais, já que uma delas sugeriu mergulhar sua cabeça na privada enquanto outra era da opinião de que deveriam cortar-lhe os cabelos, será que alguma delas realmente acreditava que ele apenas permaneceria calmo e dócil enquanto elas tentavam fazer qualquer uma dessas coisas? E se, por acaso, alguma delas sequer cogitasse encostar em seu precioso tesouro em seu pulso, então ele não responderia por si… mas por fim as garotas optaram apenas por arrastarem-no até um dos boxes do banheiro e deixá-lo trancado ali.

—Espero que passe uma boa noite aqui querida! — Riram apagando as luzes do banheiro ao saírem.

Antigamente dizia-se que quando uma mulher era consumida por sentimentos de inveja, fúria e, principalmente, ciúmes, ela corria o risco de tornar-se numa hannya, e de fato Gintsune mesmo já havia conhecido uma ou outra hannya de origem humana, mas embora o fato não fosse assim tão comum quanto os humanos acreditavam ser, ele ainda continuava a ser um risco real.

Um o qual muitas vezes as mulheres humanas pareciam estar dispostas a correr, embora ele não pudesse culpá-las totalmente por isso, é claro, pois Gintsune certamente provocava bastante alguma delas às vezes.

Na verdade houve uma vez quando ele estava caminhando por uma estrada em sua forma feminina humana e encontrou por acaso o pequeno séquito do filho de um senhor qualquer, o qual ficou obviamente deslumbrado com sua bela aparência e quis levá-lo consigo para casa, Gintsune achou que podia ser um jogo interessante e acabou por deixar-se ser levado.

Qual havia sido mesmo o nome que ele adotara naquela vez? Fora algo simples, algo como Yumi, ou Yuri talvez.

De qualquer forma o pai do fidalgote também ficou deslumbrado pelo belo rosto de Gintsune, assim como não podia deixar de ser e exigiu tomá-lo de seu filho embora ele próprio já possuísse quatro concubinas — isso só pelo que Gintsune pôde contar — o filho recusou-se e espadas foram sacadas e sangue foi derramado, no final ninguém morreu, mas em fim o pai esbravejou que “o moleque podia ficar com a mulher”, desde que nenhum dos dois voltasse a cruzar seu caminho... Gintsune imaginava que se aquele não fosse o único filho homem ele teria sido deserdado ali mesmo.

Desde o principio ficou claro para todos que aquela mulher havia chegado àquela casa com a própria marca da discórdia.

Mas a maior contenda foi mesmo com a esposa do fidalgote, ela era uma mocinha jovem e ingenuamente apaixonada pelo marido, não que ela realmente tenha acreditado que o marido nunca arranjaria as próprias concubinas, mas eles estavam casados a menos de um ano e ela não achava que ele buscaria por elas tão cedo.

Sendo mimado, recebendo presentes caros e vestindo as mais finas roupas, Gintsune passou ali longos meses, ganhando cada vez mais o apreço do fidalgote tornando-se assim a sua favorita para o desalento da decepcionada esposa… que por duas vezes tentou eliminar a concorrência com veneno.

Ela era uma moça jovem e ingênua, com uma pequena falha entre os dentes enegrecidos, Gintsune ainda lembrava-se disso até hoje, embora não conseguisse mais se lembrar de seu rosto com detalhes, e certo dia viera até as habitações daquela que se tornara “a primeira concubina do herdeiro” para que as duas tomassem chá juntas.

—Somos irmãs agora, por isso não é bom que sigamos nos desentendendo dessa forma, pelo bem de meu amado marido. — ela explicou-lhe timidamente com sua voz quase sussurrante.

—É claro. — Gintsune sorriu cinicamente. — Pelo bem de nosso amado é melhor que nos demos bem.

Ele notou a forma como a jovem esposa pressionou os lábios um contra o outro, logo antes de educadamente oferecer-lhe a yunomi de chá.

É claro que Gintsune sentiu o veneno no momento em que a bebida tocou-lhe os lábios, mas bebeu tudo prazerosamente agradecendo a “nova irmã” por ele, e a pobre moça chorou desconsoladamente quando sua querida nova irmã Yumi-chan chegou ao final do dia viva e perfeitamente saudável.

Ela fez ainda uma segunda tentativa cerca de um mês depois, quando boatos de que Yumi-chan poderia estar grávida se espalharam — francamente Gintsune não tinha ideia de onde ou como boatos como esse tomavam forma — carregando ainda mais na dose de veneno dessa vez, e voltou a chorar copiosamente quando Yumi-chan chegou mais uma vez incólume ao final do dia.

Assim como seu marido chorou também quando Gintsune finalmente cansou daquela brincadeira e os abandonou sem deixar rastros… bem, ele imaginava que se aquela jovem esposa não se tornara uma hannya por tentar envenenar a concubina do marido duas vezes, umas colegiais também não se tornariam apenas por trancar uma garota no banheiro durante algumas poucas horas.

Na verdade alguém nesse mundo ainda corria risco de se tornar um youkai nos dias de hoje?

E afinal por quanto mais tempo pretendiam mantê-lo ali? Ele bufou. A princípio havia acreditado que as garotas só pretendiam lhe dar um susto e logo voltariam para lhe soltar, afinal se outra pessoa o encontrasse antes, nada lhe impedia de delatá-las e pô-las em sérios problemas, mas aparentemente elas não estavam nem aí para as consequências e o mais provável é que houvessem simplesmente ido para casa e o deixado para ficar preso ali até a segunda-feira.

Gintsune pensava em tudo isso sentado sobre a tampa do vaso sanitário na terceira cabine do banheiro feminino do segundo andar, embora ele não estivesse realmente preso ali, pois ainda podia derrubar a porta, ou saltar por cima dela ou simplesmente atravessá-la, francamente dentre essas três opções derrubar a porta era a que lhe parecia mais divertida, porém ainda havia uma quarta opção dez vezes mais divertida que essa: Buscar Haruna Kakeru.

A escola já estava quase completamente vazia agora, mas Gintsune ainda era capaz de ouvir que algumas pessoas permaneciam por ali, provavelmente membros de clubes e uns poucos professores. Haruna podia perfeitamente ser um desses professores, e seria fácil para Gintsune achá-lo, pois já havia ido até sua casa e invadido seus sonhos por tantas vezes que agora lhe parecia que o cheiro do professor só não lhe era mais familiar que o cheiro de Yukari ou o dele próprio.

E de fato Haruna ainda estava no colégio, mas foi um pouco irônico o lugar onde Gintsune acabou por encontrá-lo: O clube de investigação paranormal.

Sorrindo Gintsune atravessou a porta em sua forma espiritual… e paralisou surpreso ao ouvir a sua própria voz declarando ali dentro:

—… sei que estou acima dos humanos, essas criaturas frágeis e efêmeras, pois em tudo sou superior, sou mais forte e mais poderosa… — Do outro lado da sala uma projeção de si mesmo, mascarado e vestindo-se elegantemente erguia os braços sobre o que parecia ser algum tipo de palco. —… minha existência, portanto, está mais próxima dos deuses do que dos humanos... E ainda assim... Foi a ela, a essa humana, a quem os deuses escolheram, e a presentearam com tamanha beleza que ofusca até mesmo minha existência ancestral…

 Ainda surpreso Gintsune reconheceu aquelas falas como pertencendo à peça em que ele participara durante o festival escolar, mas como era possível? Seria algum tipo de ilusão? Humanos por acaso eram capazes de fazer tais mágicas?!

—Já vimos esse vídeo um trilhão de vezes! Não há nada aí! — uma voz de garota reclamou.

Gintsune olhou a volta, a sala estava escura, mas ele era capaz de ver três alunos sentados em cadeiras escolares espalhadas por ali, em seu estupor ele havia até mesmo esquecido momentaneamente o seu objetivo para ter ido até ali.

—Nós podemos ter visto um trilhão de vezes, mas essa é a primeira vez para Oda-kun, e nunca se sabe o que um olhar novo pode nos trazer! — retrucou uma voz de garoto — Foi uma peça sobre a Raposa de Higanbana, é óbvio que uma peça desse teor teria altos índices de atrair algo! Não se lembram de Oiwa?

—Mas não atraiu coisa alguma! — insistiu a mesma garota de antes — Presidente desista de uma…!

—Muito bem, muito bem, já chega agora crianças. — a voz de Haruna ergueu-se do fundo da sala juntamente com as luzes sendo acesas. — De qualquer forma já está na hora de irmos, não? Então arrumem tudo agora…

Ele estava sentado ao lado de uma mesa com um computador e uma estranha máquina que Gintsune nunca vira antes, mas que parecia ser de alguma forma a fonte de sua imagem ilusória projetada na parede, pois quando Haruna a desligou o “Gintsune ilusório” — que se tornara mais fraco com a presença da luz — desapareceu por completo. Parece que os humanos nunca se cansavam de surpreendê-lo!

De qualquer forma ele não podia se esquecer de porque havia ido até ali, então assim que Haruna saiu da sala Gintsune não perdeu tempo e, posicionando-se ao fim do corredor, modulou a voz para que se parecesse à de uma das garotas que o haviam trancado no banheiro e disse alto o bastante para que sua voz escoasse pelos corredores:

—Aposto que agora aquela Ayaka Shiori vai aprender a lição! — sorrindo, ele viu Haruna paralisar arregalando os olhos, e prosseguiu: — Ela se acha tão bonita! Quem ela pensa que é? Pelo menos agora ela vai ter um tempo para pensar naquele banheiro…

E finalizou com uma risada maquiavélica — só para dar um charme — que foi diminuindo aos poucos como se a pessoa estivesse se afastando.

Foi nesse momento que Haruna pareceu voltar a si e correu até onde Gintsune estava, parando justamente ao seu lado, embora não o pudesse perceber ali, olhando de um lado para o outro a procura da suposta aluna que estivera ali até a pouco.

—Espere o que foi que você…?! — mas obviamente não havia ninguém ali. Agitado o professor olhou de um lado para o outro — Ayaka…!

E então, para o deleite de Gintsune, saiu correndo desenfreado sem parecer ver nada a sua frente. Agora tudo o que restava a ele era voltar ao banheiro e esperar pacientemente até que Haruna pudesse encontrá-lo… não havia tantos banheiros assim no colégio.

Oh, e quem sabe ele não devesse estar chorando um pouco também?

Gintsune não tinha a melhor das noções temporais, mas provavelmente demorou cerca de vinte minutos até que Haruna fosse bater à porta do banheiro certo:

—Ayaka-chan você está aí dentro?! — chamou-a batendo na porta como se pretendesse derrubá-la. — Responda, por favor!

E ele, fazendo o seu bom papel de donzela em apuros, respondeu obviamente aos prantos:

—Professora Haruna! Professor é mesmo o senhor? Oh por favor, me tire daqui!

—Ayaka…! — ele pareceu parar por um momento para recuperar a respiração — Oh graças aos deuses, você está bem?

—E-eu estou. — soluçou dramaticamente. — Elas me trancaram aqui… e-eu não sei por que, mas me trancaram… por favor, por favor, tire-me daqui!

—Espere, fique calma e eu logo te tirarei daí! — Haruna disse embora parecesse é que era ele mesmo quem precisava se acalmar.

Gintsune tinha certeza que a porta não estava realmente trancada, embora tendesse a travar às vezes, como já ouvira algumas garotas reclamando, mas ainda assim Haruna demorou quase trinta segundos inteiro, praguejando e sacudindo-a até finalmente conseguir abri-la.

—Ayaka-chan! — a chamou.

Ele estava realmente em pânico, não estava? Que fofo.

—Aqui! — respondeu-lhe.

E num piscar de olhos a porta do boxe foi escancarada e Gintsune, ainda sentado sobre a tampa do vaso ali dentro, foi repentinamente puxado para fora de encontro a um tórax masculino.

—Você está bem? — ofegou abraçando-a — Te machucaram em algum lugar?

—Eu estou bem, não me feriram. — murmurou com o rosto escondido em sua camisa, enquanto secava as lágrimas… não havia como ele perder aquela oportunidade. — Só fiquei assustada, estou aqui há horas, eu chamei, mas ninguém veio…

Haruna pousou o queixo no alto de sua cabeça.

—Isso também me assustou Shiori. — suspirou.

—Professor, muito obrigada por vir me salvar. — murmurou afastando-se.

E então segurando a camisa do professor por entre os dedos colocou-se na ponta dos pés e o beijou.

Haruna não levantou objeções.

Definitivamente não havia como Gintsune perder aquela oportunidade.


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Notas finais do capítulo

E afinal o professor acabou caindo nas garras dessa raposa traiçoeira, o que será de nosso querido Haruna agora?

Curiosidades do Japão:

A Semana Dourada ou Golden Week:
Consiste em um conjunto de feriados nacionais que vai geralmente de 29 de abril a 5 de maio. São estes: Dia do Showa (29 de abril) em comemoração ao aniversário do ex-imperador da era Showa, Dia da Constituição (3 de maio), Dia do Verde (4 de maio) data dedicada à apreciação do meio ambiente, e Dia dos Meninos (5 de maio) no qual tem-se por objetivo rezar pelo crescimento saudável dos meninos. Além disso, a partir do ano de 2019, um novo feriado nacional foi incluído na semana dourada: Dia da Era Reiwa (1° de maio) em comemoração ao inicio da nova era no calendário imperial. Muitas pessoas aproveitam esse feriado prolongado para viajar pelo país ou exterior ou então ficam em casa, simplesmente descansando. Afinal, a maioria das empresas, fábricas, alguns comércios e escritórios japoneses fecham por um período de 7 a 10 dias e com isso as pessoas tem a oportunidade de tirar férias, viajar, passear e descansar.

A lenda de Oiwa:
Uma das histórias de fantasmas mais famosas do Japão, intitulada como “Yotsuya Kaidan”, a lenda fala sobre Oiwa, uma bela mulher que casou-se com um ronnin empobrecido e ganancioso que interessou-se por uma mulher mais rica e, na tentativa de livrar-se de Oiwa, a envenenou, o veneno não a matou, mas deixou seu rosto terrivelmente deformado, e numa nova tentativa de livrar-se da esposa o marido ameaçou um homem para que ele a seduzisse, mas o homem acabou por contar toda a verdade a Oiwa que, arrasada, cortou a própria garganta, algum tempo mais tarde seu marido casou-se novamente, porém, na noite de núpcias ele viu Oiwa em lugar de sua nova esposa e, enlouquecido, a matou. Os finais da lenda variam: alguns dizem que ele foi perseguido pelo espírito vingativo de Oiwa até enlouquecer e cometer suicídio, outros que o próprio espírito de Oiwa o matou.
A lenda foi adaptada por diversas vezes em peças de teatro e filmes, no entanto, tornou-se comum que vários desastres e infortúnios acontecem àqueles envolvidos em tais produções, e passou-se a acreditar que esta era a maldição do espírito de Oiwa, enfurecida por sua tragédia ter-se tornado num entretenimento e, portanto, passou a ser regra que, antes de realizar-se qualquer produção relacionada à Oiwa, toda a equipe envolvida deve ir até seu túmulo templo Myookooji, próximo a estação Sugamo do Metrô Mita Line rezar por sua alma e pedir-lhe permissão.



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