O Mistério da Lua - Livro I escrita por salutetrangeer


Capítulo 4
El Curandero


Notas iniciais do capítulo

Queridxs, dois avisos importantes!

1) todos os nomes de objetos, coisas e comidas que não são tão conhecidos aqui no brasil estão com um asterisco e nas notas finais o significado de todas elas.

2) As playlists são importantes, trazem outra atmosfera para este livro então para um experiência ainda melhor, tentem ouvir todas pois até o tempo delas é pensado para isso.

Boa leitura! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/776431/chapter/4

     Na noite passada depois do pesadelo sinistro e do corte mais sinistro ainda, lavei o machucado profundo, apliquei remédio, enfaixei e tomei um comprimido de analgésico anti-inflamatório usando a desculpa de que "meu corpo não está adaptado à esta cama, sinto dores musculares", preferia esquecer do que tentar entender o que havia acontecido, talvez acabasse completamente pirada. O dia foi superficialmente tranquilo, desempacotamos mais algumas das caixas e a casa parecia cada vez mais nosso lar, as decorações realmente ajudam, pensei.

     Quando estávamos na garagem, papai desempacotava e organizava suas ferramentas de trabalho o avisei de que sairia mais tarde com Pablo, sua expressão demonstrava claros sinais de preocupação o que não era surpreendente levando em consideração os sete desaparecidos da última semana, depois de ouvir centenas de vezes recomendações de segurança subi as escadas pra tomar banho e me aprontar.

· • • • ✤ • • • · ·

     Pela milionésima vez observei o reflexo no espelho e bufei por não encontrar a roupa adequada, por fim decidi usar calça jeans que esconderia a panturrilha enfaixada, camiseta, tênis e levar uma jaqueta caso fizesse frio, os dias no México sempre eram quentes, mas as noites em contradição, muitas vezes geladas.

— Prometo que cuidarei dela Sr. Stoned. - Pablo sorriu calmamente depois de ouvirmos centenas de novas recomendações de segurança, ele usava uma calça jeans, camiseta justa cáqui, o cabelo num coque bem feito e o colar de pedra negra continuava ali, brilhando intensamente.

— Ela é minha única filha, meu único bem então trate de tomar cuidado, e você mocinha esteja aqui até meia noite. - Revirei os olhos e me despedi.

     A tarde estava quente e o vento abafado, talvez o sol se deitaria no horizonte em alguns minutos. Pablo dirigia uma pick up preta, era antiga e fazia tanto barulho quanto a azul, os bancos de tecido eram confortáveis, o rádio funcionava bem e havia um pequeno pacote de salgadinhos típicos mexicanos com embalagem colorida de caveiras dançantes, e muita, mais muita, pimenta.

— Por que se mudaram para uma cidade tão abandonada e distante? - Ele mexia no rádio a procura de uma estação que não houvesse ruídos, músicas muito antigas ou notícias. Hesitei recordado que realmente, a localização era no meio do nada.

— Bem, papai é mexicano e quando perdeu o emprego nossa casa foi leiloada, tínhamos fundos para minha faculdade, mas foi preciso gastar tudo na mudança para cá e nas reformas, decidimos vir porque a nacionalidade dele e a minha dupla nacionalidade evitariam burocracias e consequentemente, menos gasto financeiro. - Peguei mais dos salgadinhos apimentados em formato de bolinhas e mostrei o saco para ele, que pegou um punhado.

— E sua mãe? – Indagou enquanto balançava levemente a cabeça no ritmo da música no rádio.

— Morta, ela morreu durante o parto, papai nunca mais namorou espero que agora com toda essa mudança ele se permita encontrar um novo amor. - Dei de ombros.

— Sinto muito. - Respondeu com os grandes olhos verdes me fitando.

— Não sinta, não tem o que sentir, já faz tanto tempo que ela também é desconhecida para mim. - Respondi com uma leve pontada de dor e saudade na boca do estômago.

— Tem algo que posso fazer para ajudá-la? - Sua expressão pensativa se tornava mais intensa quando começou a coçar o queixo enquanto prosseguíamos a conversa.

— Se pudesse me ajudar a arrumar um emprego, seria de grande ajuda. - Ele apertou o volante e respirou fundo.

— Posso arrumar um emprego para você na mesma loja em que minha irmã trabalha, é a loja da família, você tem quase dezoito, certo? - Hesitei por um instante pensativa e curiosa, assenti respondendo a pergunta sobre minha idade lembrando que em poucas semanas meu aniversário chegaria.

— Eu adoraria. – Respondi por fim, um emprego seria ideal para ajudar nas finanças de casa.

— É uma loja de produtos esotéricos e naturais, você só precisa atender e ajudar na organização da loja, lá vão te explicar melhor,  amanhã te levo. - Estávamos chegando na cidade, era um pequeno vilarejo com uma grande praça central, comércios ao redor com paredes coloridas vibrantes, e ruas paralelas com algumas casas e lojas intercaladas, lojas de roupas, mercado, padaria e muitas floriculturas. O alaranjado do crepúsculo da noite e as pequenas lamparinas no alto traziam um cenário incrivelmente mágico, especial e misterioso.

— Vamos comer no melhor pub  da cidade. - Paramos o carro em uma das vagas da praça e seguimos em direção à um minúsculo restaurante/bar, a decoração versão dark zumbi anos cinquenta era um verdadeiro lugar temático, luzes neon piscavam por paredes específicas e a junkebox colorida aguardava ansiosamente pelo primeiro da noite a colocar uma moeda e escolher um música famosa do Elvis Presley.

     Escolhemos uma pequena mesa em frente à vidraça, do lado de fora, o canteiro no chão era decorado com pequenos vasos de flores coloridas.

— Boa noite. - Um garçom de boné, calça e camiseta larga com o nome da hamburgueria, segurava uma pequena caderneta e uma caneta preta. - Qual pedido desta noite quente? - O garoto aparentava vinte anos e nos olhava ansioso com seus pequenos olhos castanhos.

— Quero um burrito* de queijo, licuado* de manga com iogurte e uma porção de nachos*. - Observei o cardápio de plástico duro, as grandes sequências de sabores de lanches e petiscos chamavam minha atenção. 

— Quero um chocolate gelado, quesadilha* e fritas. - O garçom anotou tudo e saiu deixando a informação de que em alguns minutos nossos pedidos estariam prontos.

— Já ouviu as histórias da cidade? - A luz amarelada do lustre simples suspenso trazia um brilho hipnotizante para o colar, luzes ruivas e douradas para o cabelo de Pablo que em contraste com sua pele bronzeada eram como uma verdadeira releitura dos quadros de Michelangelo.

— Ninguém nunca me contou. – Me distraia enrolando um canudo no dedo.

— Esta cidade é cheia de histórias. - Respondeu observando o movimento na praça a mulher passeando com o cachorro, pessoas fazendo cooper, casais caminhando observando o luar, crianças brincando de correr e comerciantes vendendo doces e quitutes em carrinhos.

— Adoraria ouvi-las. - Por um instante estranhamente lembrei da frase da senhora da conveniência dizendo que a cidade não era um lugar normal, em seguida um frio percorreu minha espinha como uma bala ardente.

     Pablo se ajeitou na cadeira e organizou as palavras:

https://www.youtube.com/watch?v=bi_3sJ7hM4E&t=497s

— Dizem que há muitos e muitos anos, antes que qualquer tecnologia fosse criada, a cidade era uma grande floresta com duas tribos inimigas os Pluma Blanca e os Rios del Sangre. Ambos comandados por Caciques Xamãs, a magia era utilizada todos os dias para diversas finalidades, acreditavam em Deuses, e animais de poder.

— O que é um Xamã? – Questionei interessada.

— Xamã é um tipo de sacerdote religioso, provavelmente de uma tribo ou aldeia, ele ou ela tem conhecimento sobre ervas, cristais, fases da lua, oráculos e podem entrar em contato com nossos ancestrais, protegem a natureza, mas também podem lidar e comandar espíritos ruins. – Respondeu calmamente. – Certo dia, o Cacique dos Pluma Blanca organizou um casamento arranjado para sua filha Chlumani com um velho Curandeiro poderoso na Antiga Arte Xamãnica de uma tribo distante, no entanto Chlumani tinha um caso com Eyota filho e herdeiro da tribo dos Rios del Sangre. 

     O garçom chegou com nossos pedidos e colocou tudo encima da pequena mesa de madeira envernizada, tomei um gole da grande taça de chocolate gelado atenta e curiosa com a história.

— O curandeiro, com toda esperteza e desconfiança, foi até o xamã da tribo para uma sessão oracular que denunciou a traição de Chlumani e além disso, uma gestação bastarda. O Curandeiro devastado pelo que descobrira, com o coração partido e ódio incorporado, invocou com o auxílio do Xamã treze demônios que destruiriam a criança, Eyota, Chlumani e todo o restante das duas tribos que o haviam traído.

     Pablo fez uma pausa, tomou um gole de seu licuado, comeu alguns nachos e prosseguiu:

 Depois da morte de Eyota, e da morte de seu filho ainda no ventre, Chlumani foi sequestrada e levada até o Curandeiro que a colocou numa grande pilastra em praça pública, onde a queimaria até a morte, enquanto as colossais labaredas queimavam sua carne murmurou um grande e poderoso feitiço para que os demônios fossem aprisionados novamente, para sempre. Era uma grande Feiticeira Xamã. – Pablo riu de minha expressão de surpresa.

— E o Curandeiro? O que houve com ele? – Indaguei cabisbaixa.

— Alguns dizem que se matou de desgosto, outros dizem que simplesmente morreu de velhice, e alguns acreditam que continua vivo por aí amaldiçoado com o feitiço de Chlumani para que nunca tivesse realmente alguém consigo e vivesse em eterna solidão. – Ele parecia realmente acreditar em toda a lenda.

— Isso é tão triste! – Respondi – Ela tinha o direito de ficar com quem amava de verdade, não foi certo sofrer por puro egoísmo dos outros.

— Talvez, mas naquela época o pensamento era outro e casamentos arranjados eram corretos e poderosos.

— E os demônios? Poderiam ser soltos novamente? – Indaguei indignada e triste com tudo o que acabara de ouvir.

— Dizem que o verdadeiro feitiço foi perdido, ou destruído, não se sabe o verdadeiro paradeiro, mas qualquer que seja vamos torcer para que não o encontrem, existem coisas que devem permanecer em segredo. - Seus olhos misteriosos aguardavam por uma resposta.

— E os espíritos deles? – Perguntei relembrando que eram um povo xamã com ligação ancestral e que provavelmente seus espíritos não haviam simplesmente desaparecido.

— Chlumani é a feiticeira que protege os casais e as crianças, Eyota é o guerreiro que protege as matas e o trabalho, e o Curandeiro é a vingança, morte e arrependimento. – As palavras me atingiram com um golpe mortal, e um nó se formou em meu estômago.

     Meu coração estava apertado com tudo, embora fosse apenas uma lenda parecia haver tanto sentimento e realidade em todas aquelas palavras que imaginar passar por tudo o que Chlumani passou fazia meus olhos marejarem intensamente.

     Terminando o jantar, pagamos a conta para seguirmos nosso caminho e percebi um estranho homem olhando a placa brilhante neon do lado de fora, suas roupas e pele estavam sujas e rasgadas, o cabelo era grande encaracolado num emaranhado, coçava a cabeça de forma agitada, era um provável morador de rua. Saímos do pub, o homem encostado na parede olhava para os lados como se tivesse medo de que alguém o encontrasse, e então nos instantes seguintes tudo aconteceu muito rápido, o senhor segurou meu braço tão forte que as pontas de seus dedos estavam ficando brancas, meu corpo inteiro se contraiu.

— Elas estão refazendo o feitiço! Elas libertarão todos os demônios, e a ira dos caciques xamãnicos cairá por todos nós! Precisamos fugir destas terras enquanto ainda há tempo! – Ele gritava com os olhos negros arregalados, fitando minha alma da maneira mais pura e intima. Puxei o braço.

— Sugiro que saia daqui antes que eu arrebente sua cara. – Pablo com todo o sotaque mexicano se aproximava do morador de rua com os punhos cerrados.

— Vamos embora. – Falei puxando-o para evitar a briga desnecessária, antes que fosse embora retornei o olhar para o homem que colocou o dedo indicador enfrente aos lábios num movimento de silêncio misterioso, entramos no carro e fomos embora. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pub*: Tipo de bar típico da grã-betanha, ao redor do mundo também pode ser encontrado como um tipo de restaurante.

Nachos*: São tortilhas crocantes de milho em formato triangular, semelhante à Doritos.

Burrito*: Um tipo de tortilha como uma panqueca servido com diversos cheios como carne, queijo, feijão, chilli, tomate etc.

Licuado*: Tipo de bebida de suco com frutas espremidas ou batidos, mistura-se com leite ou iogurte.

Quesadilha*: Tortilha com recheio de queijo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Mistério da Lua - Livro I" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.