Na casa de Anne, também houve animação pelo projeto de peça teatral que a sala dela iria fazer, especialmente por parte de Briana.

—Ai, que legal! - disse Briana, animada e sorridente, enquanto a família jantava - A sua sala vai fazer uma peça e você ainda pegou o papel principal! A minha só vai fazer uma exposição sobre a cultura de outros países mesmo.

—Mas se pegou o papel principal vai precisar ensaiar bastante, não vai? - perguntou o pai dela.

—Mais ou menos - disse Anne - A Ema passou as falas para o meu e-mail e eu não tenho muitas. Não acho que vai ser tão difícil assim.

—Olha lá, heim? - disse Carla, a mãe - Não quero ver filha minha passando vergonha na frente da cidade toda.

—Agora que você falou...é bem possível que a cidade toda esteja lá para assistir - lembrou Anne - Mas boa parte do tempo vou passar dormindo, então...

—Ah, é. Você é a Bela Adormecida, né? - comentou Briana.

—Bela Adormecida? - indagou o pai - Espera. Essa não é a história daquela princesa que é despertada com um beijo?

—É sim - confirmou Anne, já ficando meio corada.

—E-Espera...quem vai ser o príncipe? - disse Antenor, já preocupado.

—O Luciano - falou Anne.

—Sério? O Luciano? - disse Briana, sorrindo - Então seu príncipe mora bem aqui do lado!

—Ai, Briana. Deixa disso. É só uma peça. Os papéis foram sorteados. Se não fosse ele, seria outro.

—Ainda bem que não foram aqueles outros dois malucos que tentaram a vaga de emprego no restaurante - disse Antenor - Sério. Aqueles meninos não batem bem da cabeça, não. Os dois são doidinhos por você.

—E eu não sei? Tenho que aguentar aqueles dois me enchendo o dia todo! - reclamou Anne.

—Espero que não se assanhe demais com o Luciano também, ouviu? - falou Carla - Começa com um beijinho inocente na peça e depois sabe-se lá o que vai acontecer…

—Mãe! Não fale como se eu fosse uma sem-vergonha! - reclamou Anne.

—Estou falando justamente para você não ser uma e fala direito comigo que eu sou sua mãe! - ralhou Carla.

—Tá! - foi tudo que Anne disse, colocando mais um pedaço de carne na boca.

No final da noite, Anne resolveu dar mais uma conferida em suas falas antes de dormir e não conseguiu deixar de notar o quanto Ema, a roteirista da peça, deu ênfase à cena do beijo.

“O príncipe beija apaixonadamente a garota”, leu Anne mentalmente. Isso levou seus pensamentos para a lembrança daquele dia no lago, para aquele momento em que Luciano e ela, bem, acabaram se deixar levar pelo calor do momento e se beijaram.

—Ai, caramba - falou Anne, para si mesma, dando tapinhas em seu próprio rosto para tentar esquecer - Esquece, esquece aquilo. Aquilo não aconteceu!

Incomodada, ela se deitou na cama, mas suas memórias não a deixaram dormir tão fácil, afinal, certas coisas não são tão simples assim de esquecer.

“Droga”, pensou ela, olhando o céu estrelado pela janela. “Será que foi mesmo uma boa ideia ter aceitado esse papel? Nem sei mais direito o que estou sentindo…”

Mas esse pensamento mudou de teor bem rápido.

“Ora, só estou impressionada, afinal, foi meu primeiro beijo”, pensou Anne. “Mas foi só isso, um beijo no calor do momento. Não é como se eu sentisse alguma coisa por aquele idiota do Luciano. É, é isso. Deixa eu dormir logo, vai.”

Bem ou mal, ela conseguiu dormir depois disso.

Algumas semanas depois, Anne concordou em ficar depois da aula para ensaiar, deixando seu turno no restaurante com Gustavo. Não era uma peça muito complicada e nem muito longa, então todos da sala conseguiram cumpriram mais ou menos bem seu papel, com tropeços em uma ou outra fala, mas, em geral, todos estavam se saindo bem. Como prometido, Ema trouxe todo o figurino. Anne, como não poderia ser diferente, ficou muito bem em seu vestido de princesa. Já Luciano, não se sentia tão confortável com sua roupa de príncipe.

—Mas que roupa ridícula - reclamou ele.

—É uma típica roupa de príncipe de contos de fada - falou Ema, em sua roupa de bruxa, levemente ofendida - Eu mesma desenhei. Deveria ficar mais agradecido.

—Por isso eu digo que ele não deveria ficar com o papel do príncipe - falou Ian, com seu vestido de fada - Ainda dá tempo de mudar os papéis.

—Eu não fico com esse papel de fada nem que a vaca tussa e o boi diga saúde! - reclamou Luciano.

—E você acha que gostamos disso? - falou Luís, também usando um vestido de fada, porém azul - Para mim, isso tudo é uma grande palhaçada!

—Agora é tarde demais para trocar - disse Ema - O figurino já foi todo feito sob medida. 

—Mentirosa - reclamou Luís - Se você conseguiu esses figurinos sob medida tão rápido, deve conseguir outros também.

—Bom, produzo roupas nas horas vagas - respondeu Ema - Tinha várias peças já prontas, então foi fácil adaptar para a peça. Mas vamos para o que interessa, vai? E você, Luciano. Só falta ensaiar a sua parte. Sua Bela Adormecida já está ali, prontinha te esperando.

“Ela tem que falar desse jeito!”, pensou Anne, em seu papel de Bela Adormecida, bem, adormecida, com os olhos fechados e aguardando o desenrolar da peça.

—Ah, vamos lá, né? - reclamou Luciano.

Não vamos narrar as falas aqui para não estragar os detalhes da apresentação, mas dá para adiantar que Luciano interpretou bem suas falas até a tão esperada hora do…

—Vai, Luciano - disse Ema - Você só precisa beijar.

Ian olhava apreensivo, Luís olhava furioso. Luciano, no entanto, estava bastante inseguro. 

“Será que ele vai?”, Anne pensava, mas não se atrevia a abrir os olhos.

—Não precisamos ensaiar o beijo - falou ele - Na hora, eu vou saber o que fazer.

—Deixa de ser bobo - falou Ema - Estamos sendo profissionais aqui.

—Na hora vou saber como fazer - disse Luciano - Beijar não é algo tão complicado.

—Ui! - exclamou Kelly - Não sabia que você tinha toda essa confiança, Luciano!

—É verdade - concordou Luís - Desde quando você sabe beijar tanto, heim? Nunca vimos você com mulher nenhuma!

—N-Não preciso dar detalhes da minha vida para vocês - retrucou Luciano.

—Tu mora numa cidade pequena, cara - falou Carioca - Mesmo que você queira esconder alguma coisa da tua vida, não vai conseguir.

—Mas eu concordo com ele - falou Anne - Não precisamos ensaiar beijo. Além disso, já deu meu tempo aqui. Preciso ir trabalhar.

—Podem fugir o quanto quiser agora - falou Ema - Mas vocês sabem tão bem quanto eu que no dia da apresentação não vai ter como escapar disso.

—Eu sei - retrucou Anne - Mas,na real, acho que nem precisamos tocar nossos lábios. Só finge que me beija e já tá bom, Luciano.

—É, exatamente isso - concordou Luciano - É só uma peça de escola. Não precisa ser algo tão sério assim.

—Estão falando de minha obra-prima como dramaturga - lamentou Ema.

—Deixa de drama - ralhou Anne - Até parece que você quer seguir carreira nisso.

—Seja como for, espero que o dia da peça saia tudo muito bem, ouviram? - disse Ema - Finalmente nossa sala vai fazer algo diferente de só vender sorvete. Precisamos arrasar!

—Que seja - falou Anne - Estou indo nessa.

—Anne, espera - disse Ema.

—O que foi? - respondeu a garota, já impaciente.

—Você vai trabalhar de princesa mesmo? 

—Ai, é mesmo - disse Anne, olhando para ela mesma ainda fantasiada - Vou me trocar!

“Alguma coisa isso tem que significar”, pensou Ema, reparando a ansiedade da colega.

A turma fez outros dois ensaios apenas para melhorar as falas. Ema não insistiu no beijo, mas sempre deixou claro que no dia da peça não teria como escapar. Anne e Luciano enrolaram o máximo que puderam quanto a isso, mas, como todos sabem, “marcou data, ela chega”. O dia do festival cultural finalmente chegou e, com ele, o dia da peça de nossos amigos. Foi ali que a ficha de Anne finalmente caiu.

“Caraca. É hoje mesmo. Será que ele vai me beijar mesmo?”, pensou Anne, indo para a escola com sua família.

—É isso aí, garoto - disse Abílio, acompanhando Luciano até à escola para prestigiar o beijo, digo, a peça - Essa é sua chance de ouro, não desperdiça!

—Para de falar bobagem - rebateu Luciano.

“Vou só fingir que beijo a Anne e pronto, mas, será que eu vou conseguir?”, o coração de Luciano batia mais forte ao pensar nisso. Como sairá essa apresentação?