Vila Baunilha escrita por Metal_Will


Capítulo 76
A colina do arrepio


Notas iniciais do capítulo

Bom domingo e boa leitura.



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Subindo alguns escadas encontrávamos uma garota baixinha, pálida, cabisbaixa, com cabelos pretos longos cobrindo seu rosto e um olhar tristonho. Seu nome era Samara. Ela estava chegando em sua casa, localizada em um ponto mais ou menos afastado de Vila Baunilha. Para chegar na casa de Samara era necessário passar por um pequeno bosque velho, deserto, com árvores desfolhadas. Nem os pássaros e outros animais costumavam ficar por ali. Resumidamente, era um local triste e sombrio. Sua casa também ficava em uma região pouco iluminada pelo sol. Às vezes, Samara tinha a impressão de que fazia sol na cidade toda e só chovia na sua casa. 

—Cheguei - disse a garota, abrindo a porta tristemente.

—Oi, filha - disseram os pais da garota, não muito animados. Não que estivessem tristes com alguma coisa - era o jeito natural deles. Ambos os progenitores de Samara tinham olhares cansados e expressão pálida

—Alguma novidade? - perguntou a mãe, enquanto varria o chão. Seus cabelos também eram longos e cobriam parte do rosto.

—Nenhuma - falou Samara.

—Eu tenho - disse o pai de Samara - Acho que consegui um lucro maior com as últimas ações. Entrou mais dinheiro esse mês do que o esperado.

Isso foi falado sem o mínimo de empolgação (ainda que tenha sido uma ótima notícia). O pai de Samara trabalhava em home office com o mercado financeiro. Ele costumava trabalhar na cidade vizinha quando a cidade ainda não tinha Internet, mas, quando o acesso chegou à região, ele simplesmente aderiu ao trabalho doméstico. Acumulava uma quantidade razoável de dinheiro com isso, mas não tinha muitas pretensões de sair daquele local. Sua esposa também se contentava em fazer o trabalho de casa e passar as tardes jogando online (sim, isso mesmo que você leu). 

—Oh, que bom - disse a mãe, em um tom nada animado.

—S-Sério?! - disse Samara, esboçando um sorriso.

—Sim - confirmo o pai dela - Aliás, que animação. Você tem andado de muito bom humor ultimamente, filha.

—E-Eu? - gaguejou Samara - N-não é nada. Não é que eu esteja gostando de alguém, nem nada do tipo e…

—Gostando? - perguntou a mãe.

O pai dela apenas suspirou.

—É o destino de todo pai. Ser trocado por um marmanjo qualquer quando a filha chega naquela idade.

—É sério! Não estou interessada em ninguém! Não precisam se preocupar - disse Samara.

—Mas estamos preocupados - disseram ambos os pais em uníssono, embora sem o mínimo de empolgação.

—Não precisa! Mesmo - Samara insistia.

—Ainda assim, precisamos cuidar do seu futuro, filha - disse o pai dela - Não podemos deixar que qualquer um se case com você.

—Isso mesmo. Deve ser alguém que combina com você - falou a mãe - Como seu pai e eu.

“Vocês combinam até demais”, pensou Samara.

—Bem, já que ganhamos um pouco mais esse mês, por que não comemoramos? - disse o pai dela.

—Sim, verdade. Seria bom comemorar - concordou a mãe.

Apesar da entonação, eles estavam de bom humor, um bom humor sombrio, mas ainda era bom humor.

—Vamos lá, Samara - disse o pai dela - Pode pedir o que quiser para o almoço. Vamos comer algo especial que você goste.

—P-P-Pedir o que eu quiser? - perguntou ela.

—É - confirmou a mãe - Você deve entender dessas coisas de entrega de comida e tal. Peça alguma coisa de algum lugar que você goste.

“Espera. O Luciano não trabalha com entregas? Pode ser uma oportunidade de eu conversar com ele!”, pensou Samara.

Samara nunca tinha experimentado a comida da lanchonete de Luciano, então sua inocência justificava uma consideração desse tipo.

—J-J-Já sei o que vou pedir! - disse Samara, sorrindo.

“Ela é muito empolgada”, pensaram os pais ao mesmo tempo.

Enquanto isso, Luciano tentava tirar mais uma música em seu violão ali no seu quarto, mas ele não controlava tão bem seus pensamentos. Aquele pensamento sempre vinha à sua cabeça quando menos esperava.

—Aaah! De novo! - reclamou Luciano, deixando o violão de lado e colocando as duas mãos na cabeça - Por que não consigo parar de pensar naquilo?

“Aquilo” que Luciano estava pensando era o beijo que ele teve com Anne quando os dois estavam sozinhos na trilha do Lago do Coqueiro. O que ele combinou com Anne é que o que aconteceu na floresta, fica na floresta, mas parece que o cérebro dele não queria abandonar essa lembrança tão fácil.

—Por que fui beijar justo a insuportável da Anne? - reclamou Luciano - Ah! Sou um idiota! Idiota! Idiota!

—Ei, idiota - disse Abílio, pai de Luciano, chegando na porta do quarto dele.

—Eu sei que sou - respondeu Luciano.

—Deixa de moleza. Tenho um serviço pra você - falou Abílio.

—Serviço? E desde quando temos pedidos na hora do almoço? - reclamou Luciano.

—Alguém pediu uma entrega - disse Abílio - É nossa chance de tirar um extra.

—Ah, entrega - reclamou Luciano - Deve ser na fazenda da Ema de novo. Os funcionários de lá adoram comer porcarias.

—Não, não. É em outro lugar - disse Abílio - Numa tal “Colina do Norte”.

Luciano sentiu seus cabelos e seus pelos do corpo se arrepiarem ao ouvir esse nome.

—Você disse...Colina do Norte?

—Foi o que eu disse - confirmou Abílio.

—Não, não, não pode ser. A “colina do arrepio”, não.

— “Colina do arrepio”? - perguntou Abílio.

—É. Dizem que aquele lugar é mal-assombrado - falou Luciano - Sério! É um local muito sinistro! Quem é que pediu entrega lá?

—E eu vou saber? Nosso lema é “entregar bem, não importa a quem”. Se pagarem, pode ser até um fantasma. O que importa é que a gente leve uma grana nisso.

—Era um fantasma?! - perguntou Luciano.

—Sei lá - disse Abílio - Usaram nosso aplicativo de entregas. Três sanduíches de queijo no capricho.

—Para pedirem nossos sanduíches só podem ser criaturas de outro mundo mesmo. Ai, ai, ai.

Abílio já estava começando a ficar nervoso.

—Não criei um filho para ser medroso! Levanta logo daí e entrega esses sanduíches de uma vez! Faz logo seu trabalho e justifica sua comida e moradia aqui!

Vendo que não tinha jeito, Luciano cedeu. É, ele teria que enfrentar a colina do arrepio, querendo ou não.

Enquanto isso, Samara estava ansiosa para finalmente encontrar Luciano em sua própria casa.

—Sei que é o Luciano que faz as entregas - falou ela, agora em seu quarto (um quarto bem escuro por sinal) - N-não que eu esteja gostando dele, nem nada, mas...por algum motivo, poder conversar com ele me deixa empolgada e com o coração batendo. E..e ele vai vir aqui em casa. Ai, ai, ai.

Samara rolava em sua cama imaginando a situação e abraçando seu travesseiro. A primavera chegou mesmo para aquela garota.

—Querido. Nossa filha está mesmo apaixonada - disse a mãe, ao ouvir as risadinhas dela do lado de fora do quarto - São sintomas bem claros.

O pai apenas suspirou.

—Eles crescem tão rápido. Parece que foi ontem que ela era nossa garotinha, andando por aí com um vestidinho preto. 

—Pois é - concordou a mãe.

Os dois suspiraram. É, o amor familiar sempre aparece, mesmo nas famílias mais trevosas.


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Notas finais do capítulo

Talvez não trevosos, mas estranhos com certeza. Kkkk.

Obrigado por ler e até a próxima!



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