Vila Baunilha escrita por Metal_Will


Capítulo 179
Os sentimentos de Ema




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—Senhorita Ema! - gritava soldado Caxias em sua humilde bicicleta, enquanto Ema corria sem rumo após receber a declaração sincera do tímido policial - Por favor, espere!

Era inútil, ela continuava correndo pela cidade sem olhar para trás.

“Como pode ser tão rápida?”, pensou o soldado, enquanto pedalava como se sua vida dependesse disso (bem, na verdade a vida amorosa dele dependia muito disso). Finalmente, ele conseguiu superar a velocidade da garota e parou na frente dela.

—Por favor, me deixe em paz - disse Ema, ainda com os olhos lacrimejados.

—Por que está correndo, senhorita Ema? - perguntou o soldado - Eu sou uma pessoa tão ruim assim?

—Não é isso - continuou Ema - Não, você é uma pessoa maravilhosa.

—Juro que fui sincero sobre o que falei - continuou o soldado - Eu realmente te amo, senhorita Ema. Eu te amo muito. Apenas nunca disse nada porque não sabia como você reagiria. Pelo visto, eu não devia mesmo ter dito nada…a senhorita não quer mesmo nada comigo.

—Não, a questão não é essa - falou Ema - A questão...a questão é que eu não posso.

—Perdão - continuou o policial - Eu não consigo entender.

—Eu tinha tudo perfeito na minha cabeça, tinha tudo acertado entre você e a Márcia. Eu nunca erro nessas coisas, por que tive que errar nisso?

—Senhorita Ema, você não está dizendo coisa com coisa - falou o soldado - Teria como se acalmar um pouco?

—Eu é que peço desculpas - disse ela - Minha cabeça está uma bagunça agora. Estou envergonhada, lisonjeada e preocupada, tudo ao mesmo tempo.

—Vou dizer de novo. Eu fui sincero. Agora...agora é com a senhorita - disse o soldado - Quais seus sentimentos por mim? Pode falar. Eu aguento.

—Soldado, eu...eu acho você um pessoa incrível, mas… - Ema fez uma pausa e depois continuou - Mas eu não posso corresponder.

Caxias ficou em choque, mas uma parte dele esperava por isso.

—Eu já imaginava - disse ele, tentando segurar a decepção - Uma moça tão maravilhosa como você nunca poderia querer algo com um simples policial do interior como eu. Eu...já devia saber.

—Espera, soldado. Você não entendeu - disse Ema - É tudo muito mais complicado do que você está pensando.

—Como assim?

—Eu preciso cumprir uma promessa - respondeu a garota.

—Eu...realmente não entendo.

—É, eu sei - disse ela - Mas eu vou explicar. Acho que tudo começou no dia em que minha mãe morreu…

*Início de flashback*

Sete anos atras, quando Ema ainda estava entre seus sete e oito anos, a mãe da garota acabou falecendo por uma pneumonia. A saúde da mãe de Ema nunca foi muito forte e apesar de todos os cuidados que o dinheiro podia comprar, ela acabou não resistindo. Após o velório, Henrique, o marido viúvo, teve uma conversa séria com sua filha.

—Agora somos só nós dois, querida - disse Henrique, abraçando Ema ternamente.

—A mamãe...morreu, não é? - respondeu Ema.

—Sim, morreu - disse ele - Quando se trata de saúde, nem todo o dinheiro do mundo pode resolver se não tiver jeito.

—Mamãe… - balbuciou Ema, voltando a sentir falta dela.

—É por isso que precisamos cuidar bem um do outro, filha - disse Henrique, olhando nos olhos dela - Vamos começar sempre tomando o máximo de cuidado com tudo. Sempre lave as mãos antes de comer, não brinque na chuva, sempre leve uma blusa quando sair…

E a lista continuava. O trauma de Henrique com a morte precoce de sua esposa o levou a se tornar bem paranoico com questões de saúde e prevenção. Se fosse só isso, não teria tanto problema. O maior problema é que ele também se tornou extremamente carente da presença da própria filha. Algumas semanas depois, Henrique viu que Ema lia com muita concentração um livro de romance.

—O que está lendo, Ema? - perguntou ele.

—Ah, é uma história de amor. Romeu e Julieta. É tão linda - disse Ema, toda contente. Henrique, por sua vez, apenas arregalou os olhos, segurou nos ombros de sua filha e olhou bem nos olhos dela dizendo o seguinte.

—Não, não é linda - disse ele - É uma história de um casal que morre tragicamente porque queriam ficar juntos.

—Pai! - reclamou Ema - Você contou o final!

—O amor é uma coisa forte demais, minha filha - disse ele - Quando duas pessoas querem ficar juntas, podem mover o mundo inteiro para isso.

—Isso é muito bonito, né?

—Sim - disse Henrique - E um dia você também vai conhecer esse amor. Você vai encontrar um rapaz, vai se casar e...vai me deixar sozinho.

Henrique apenas saiu de perto com uma expressão triste.

—Não, pai - disse Ema, correndo para abraçá-lo (nessa época, Ema ainda estava da altura da barriga de Henrique) - Eu nunca vou te deixar sozinho!

—Você diz isso agora, mas…

—Eu prometo - falou ela - Prometo que vou estar sempre com o senhor.

—Promete mesmo? - insistiu Henrique.

—Sim - confirmou a garota.

Foi uma promessa de criança. Conforme o tempo foi passando, Henrique fazia questão de lembrar Ema dessa promessa. Por exemplo, em um certo dia, quando ela estava na quarta série, um coleguinha da escola (que hoje nem mora mais na cidade) se aproximou de Ema com uma flor enquanto ela aguardava seu pai terminar alguns negócios no mercado.

—Ema? - disse o garotinho.

—Ah, oi. Como vai? - falou ela.

—Pra você - disse ele, entregando uma flor para ela, envergonhado.

—Puxa, que fofo!

—Escuta, Ema. Você tem namorado?

—Eu? Não.

Nesse exato momento, Henrique já estava de volta e olhou com uma cara realmente assustadora para o garoto.

—Esse menino está te incomodando, filha? - perguntou ele.

—Ah, não. Ele só estava me dando essa flor.

—Só isso mesmo? - a aura ameaçadora de Henrique só aumentava.

—S-Só isso, sim - disse o garotinho, saindo dali o mais rápido que conseguiu (não se sabe se esse foi o motivo dele ter ido embora da cidade, mas…).

—Ema, minha filha - disse Henrique - Você quer mesmo arranjar um namorado e me abandonar de vez?

—Ai, pai. Quantas vezes eu vou ter que falar? Não pretendo namorar e nem me casar com ninguém.

—Por favor, filhinha. Não me abandone. Você é tudo que eu tenho! - disse Henrique, abraçando a criança de novo.

—De novo isso, ai, ai…

Apesar disso, Ema não conseguia deixar de admirar o lado romântico da vida. A mãe dela tinha muitos livros de romance e ela lia todos vorazmente. Quando aprendeu a mexer com computadores e celulares, romance era seu gênero preferido. Mesmo assim, ela lembrava da promessa que fez e mesmo depois de já ter se tornado adolescente, tinha decidido firmemente não se envolver com ninguém. Sua única válvula de escape eram os romances e, quando já havia enjoado deles, começou a olhar para as pessoas à sua volta.

—O que foi, Kelly? Tá distraída - disse Ema, na sétima série, quando viu sua amiga Kelly meio que sonhando acordada.

—Ah, nada - respondeu Kelly, envergonhada.

Olhando para a direção do olhar de Kelly, Ema viu Gustavo, na época um aluno do ensino médio, fazendo flexões no pátio.

—Ah, entendi. Você tá de olho naquele menino do médio, né? - disse Ema, sorrindo.

—O quê? Não, eu..

—Relaxa. Dá para ver na sua cara. Eu já ouvi falar dele e se quer saber, acho que vocês combinam, viu?

—V-você acha?

—Claro.

Não demorou muito para Ema conversar com Gustavo e aproximá-lo de Kelly. Foi assim que eles começaram a namorar, bem, pelo menos dentro do que uma garota da sétima série e um aluno do médio (tão inocente quanto um aluno de sétima série) entendiam como namoro. Vendo a felicidade da amiga, não demorou muito para Ema perceber que tinha um talento como cupido. A partir dali, ela resolveu dedicar sua vida a juntar os casais que consideravam promissores. E incrivelmente, ela nunca errava.

—Filha - perguntou Henrique chegando para Ema certo dia - Um dos rapazes que trabalha na fazenda me pediu para te agradecer pelo noivado dele. Não entendi muito bem...

—Ah, sim. Ajudei ele a conquistar a atendente da sorveteria - disse ela, toda contente - Mais um casal feliz!

—Você fez isso? Mas por quê?

—Eu gosto de ajudar os outros - respondeu ela - Principalmente nas questões do coração.

—Coração...você está apaixonada não está? Eu sabia! Você vai arranjar um namorado e me deixar de lado! Sabia que esse dia ia chegar!

—Não, pai. Não falei nada disso! - ralhou Ema - Só disse que quero ajudar os outros a encontrar o amor.

—É só isso mesmo?

—Sim - disse ela.

Henrique a abraçou quase chorando. Ema apenas abraçou de volta.

“Vou manter minha promessa, pai”, pensava ela. “Eu não poderei ter ninguém, mas...farei o máximo para todos que gosto fiquem com as pessoas que amam!”

*Fim do flashback*

—É isso. Essa é a promessa que eu fiz - disse Ema - Eu...não posso ficar com ninguém. Por isso, não quero te magoar, soldado.

Soldado Caxias estava chorando, bem mais do que Ema.

—Soldado? - estranhou ela.

—Isso é tão lindo, senhorita Ema! - falou ele, se derramando em lágrimas - Preservando a si mesma para fazer com que os outros sejam felizes. Você é mesmo um anjo!

—Não, não sou! - respondeu ela - Eu...eu sempre me orgulhei do meu dom de ver quem combina com quem. Eu realmente jurava que você era a pessoa perfeita para a Márcia, mas eu errei. Julguei mal os seus sentimentos. E a pessoa que você gosta...a pessoa que você gosta sou eu, alguém que não pode corresponder…

—Sim, você errou, senhorita Ema - disse ele - Mas por que a senhorita não pode corresponder?

—Você não escutou o que eu disse? - falou ela - A minha promessa com o meu pai. Eu prometi a ele que sempre estaria por perto.

—Mas essa promessa não faz sentido nenhum! - gritou o soldado - Pelo que entendi, ele nunca te obrigou a fazer isso, não é? Foi tudo algo que você decidiu. Você e ninguém mais.

—Bom, sim, na verdade, fui eu quem decidiu isso, mas…

—Então é isso - disse ele - Vamos conversar com o seu pai. Tenho certeza de que ele vai entender a situação!

—Mas tem uma coisa que é verdade - disse Ema - Meu pai só tem a mim. Imagino que você queira se casar comigo, não é?

—Sim. Quero sim. É o que eu mais quero na vida - falou Caxias, segurando nas mãos de Ema, apenas para soltá-las depois encabulado - Claro, se você aceitar…

—E como eu vou me casar e deixar meu pai? Eu, eu simplesmente não posso…

—É claro que você pode - disse o soldado, em um tom surpreendentemente firme.

—Soldado? O que…

—De novo, vamos falar com o seu pai - disse ele.

—Você não entende, eu…

—Senhorita Ema - disse o soldado, olhando fixamente nos olhos dela - Você só está com medo, não está?

—Bom, eu não quero deixar o meu pai e…

—Isso não tem nada a ver com o seu pai! - disse a voz de uma pessoa se revelando atrás da árvore próxima de onde os dois estavam conversando. Era a Márcia.

—S-senhorita Márcia? - disse Caxias, surpreso.

—Márcia? - falou Ema - Desde quando você estava aí?

—Ah, desde o começo da sua história - falou ela - Vocês estavam tão concentrados que nem me viram chegar. E eu também não queria estragar o momento.

—Então você escutou tudo? - perguntou Ema.

—O suficiente para te entender um pouco melhor e é bem como eu suspeitava - falou Márcia - Isso não tem nada a ver com o seu pai. Tem tudo a ver com você. Você se apegou a essa promessa idiota só para disfarçar seu medo. Você tem medo de amar e sofrer. O seu pai amava muito a sua mãe e você viu todo o sofrimento que veio depois dessa perda. No fundo, o que você não quer é se apegar a alguém e depois sofrer com alguma decepção.

—O que você sabe? - reclamou Ema - Desde quando você é psicóloga?

—Estou errada? Fala, então - disse Márcia, sem retroceder.

Ema retrucou irritada.

—Está! Está sim! - rebateu a riquinha - Eu não sou essa egoísta que você pensa! É verdade...é verdade que eu fujo de relacionamentos, mas não porque não quero sofrer, é porque...eu não quero que os outros sofram! Não quer decepcionar ninguém!

Ema falou isso com lágrimas nos olhos, o que deixou até Márcia surpresa.

—Sério mesmo? - comentou Márcia.

—Se for... - balbuciou o soldado - Você pode ficar tranquila, senhorita Ema. Eu estou pronto para enfrentar qualquer coisa do seu lado!

—Viu só? - disse Márcia - Você tem alguém que está disposto a ficar com você e enfrentar tudo. Vai mesmo deixar essa oportunidade passar?

—Márcia! Para de se meter nisso, você…

—Eu me recuso a ouvir isso de você! - Márcia interrompeu na mesma hora, logo depois se virando e olhando bem nos olhos da garota - Você se mete na vida de todo mundo e não quer que se metam na sua, você quer que todo mundo se case, menos você. Chega disso. Você não é melhor do que ninguém, Ema! Nem sempre a vida vai ser do jeito que você quer!

Tanto Ema quanto Caxias estavam bem chocados.

—Esse rapaz gosta de você de verdade - disse Márcia - É isso que importa. Se vocês namorarem e casarem, vão ter dias ruins? Vão. Vocês vão brigar? Muito. Pode acontecer alguma coisa inesperada? Pode. Mas isso faz parte da vida de um casal! Isso é a vida real, Ema. Não são os romances que você leu a vida inteira! Sim, alguma hora você ou ele vão sofrer, mas esse é o preço do amor. É uma questão de ver o que você valoriza mais: seu amor ou o seu sofrimento?

—Ninguém...nunca falou assim comigo antes - resmungou Ema.

—Então já tava na hora, né? - reclamou Márcia - Agora é você quem precisa decidir. Se você não ama o soldado Caxias, diga isso agora. Mas se você ama, só vai sofrer mais se fugir agora. Vai, é com você.

—E-Eu não sei se estou pronto para ouvir - disse ele.

—Não estraga tudo agora, pelo amor de Deus! - ralhou Márcia - Só aguenta.

Após alguns segundos, Ema finalmente disse.

—Eu...eu amo - disse ela, com lágrimas nos olhos, mas com um sorriso no rosto - Soldado Caxias. Você é a pessoa mais gentil que já conheci nessa minha vida curta e você sempre esteve do meu lado desde que a gente se conheceu...

Ema segurou nas mãos dele e continuou.

—...e eu quero que você continue do meu lado - terminou Ema, sem tirar os olhos do rosto dele.

—Senhorita Ema, eu…eu…

—Só beija ela logo! - falou Márcia.

E foi o que aconteceu. Depois desse beijo (e provavelmente depois dos anjos cantarem ‘Aleluia’ no céu), agora era hora de voltar à realidade.

—Bem, vamos ter que falar com o seu pai - disse Caxias.

—É, essa vai ser a parte difícil.

Mas necessária. Caxias e Ema, no mesmo dia, estavam diante de Henrique revelando seu relacionamento.

—Eu sabia! - disse Henrique, chorando dramaticamente - Sabia que um dia você iria me abandonar para ficar com um marmanjo. É o destino de toda filha.

—Pai, eu sei que eu prometi, mas...estive pensando melhor…

—Não precisa dizer nada - falou ele - Agora você vai se casar, se mudar para uma cidade grande e me deixar aqui!

—Ai, pai, como você é exagerado! - reclamou Ema - Vai, amor. Diz para ele a sua ideia.

—Já está chamado ele de ‘amor’. Ai, meu coração - reclamou Henrique - Acho que não vou aguentar, não.

—Senhor Fontes, eu… - Caxias falava humildemente - Nós não pretendemos sair da cidade e nem morar longe do senhor.

—Não? - Henrique abriu o olho esquerdo, até esquecendo um pouco de que estava fingindo um infarto.

—Não - respondeu o soldado - A senhorita Ema insistiu para que continuemos morando aqui depois do casamento. Claro, vamos nos casar só depois que ela terminar o colégio.

—Isso mesmo - confirmou Ema - Eu prometi que ficaria do seu lado sempre, mas não preciso ficar solteira para cumprir essa promessa.

Ema disse isso segurando as mãos do soldado, pronta para enfrentar as objeções do pai, mas, surpreendentemente...

—Ora, por que não disseram isso antes? - disse Henrique se recompondo - Se é assim, então não tenho nada contra! Vamos comemorar o noivado de vocês.

Ok, isso foi de 0 a 100 muito rápido, mas foi o que aconteceu.

—Noivado? Bem, começamos a namorar hoje e…

—Você PRETENDE se casar com ela, não é, soldado? - disse Henrique, bem enfático no pretende.

—C-Claro…

—Então já vou considerar isso um noivado - disse ele - Vamos abrir um champagne. Oh, é verdade, Ema é menor de idade. Vamos nos contentar com suco de laranja.

Parece que tudo está bem quando acaba bem. Mesmo que seja com suco de laranja em vez de champagne...


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Notas finais do capítulo

Márcia rainha mitando em vários capítulos seguidos sem nem mesmo ser protagonista. Por que isso está acontecendo? Nem eu sei...kkkk.

No próximo capítulo, entramos no último arco da fic. Espero que continue acompanhando.

Até. :)



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