Vila Baunilha escrita por Metal_Will


Capítulo 173
Anne 2.0




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Enquanto a maioria da cidade dormia, alguém não dormia. Enquanto as luzes da maioria das casas de Vila Baunilha estavam apagadas, uma luz se mantinha acesa: a luz no quartinho de uma garagem, também conhecida como o laboratório de Luís, nosso jovem cientista.

—Terminei! - disse Luís, com olheiras e uma enorme caneca de café do lado ao receber uma mensagem de encerramento na tela de seu computador - Meu maior projeto está finalmente pronto!

O garoto apertou Enter no computador e as portas de uma cabine esquisita no laboratório se abriram. Após muita fumaça sair, uma figura já podia ser vislumbrada.

—Aí está - falou Luís, olhando para sua mais nova criação - Finalmente ela está acabada! A Anne 2.0 está finalmente concluída!

Como assim? Bem, se olharmos para o que saiu da cabine, veremos um indivíduo realmente muito parecido com Anne em aparência, cabelo, tudo. A diferença é que ela parecia sem vida, congelada, imóvel. Não, com certeza não era nossa Anne que estava dormindo tranquilamente em sua casa. Quem estava ali era alguma outra coisa. Mas é melhor deixarmos o próprio Luís explicar (como um bom cientista gênio e megalomaníaco, é claro que ele vai falar sozinho contando seu projeto apenas para reafirmar sua genialidade).

—Estava trabalhando nisso há meses - falou Luís - Desde que consegui aquele fio de cabelo da Anne sonhei em replicá-la para mim. Só precisei mapear todo o material genético dela, arranjar um uniforme da escola, aprimorar minha impressora 3D, arranjar alguns materiais que imitem bem a pele humana e aqui está. Minha própria Anne 2.0!

Exatamente. Praticamente desde que Anne chegou na cidade e Luís se apaixonou por ela, o garoto estava trabalhando em criar uma réplica da garota. A pergunta é: com qual objetivo?

—Agora só preciso alimentá-la com esses dados de personalidade que recolhi observando a Anne por todos esses meses e deixar o resto com a inteligência artificial - falou Luís, inserindo um pendrive localizado em uma entrada na nuca da tal Anne 2.0 - Agora terei como praticar minha convivência com a Anne! Vou saber direitinho como lidar com ela! Dessa vez, ela será minha!

Enquanto Luís gargalhava de modo megalomaníaco, a Anne 2.0 carregava os dados. Após alguns instantes, o processo parecia ter terminado.

—Já acabou? - disse Luís, empolgado - Beleza. Agora é só desconectar e ligar aqui…

Após Luís apertar um botãozinho na nuca da robô e alguns barulhos eletrônicos serem emitidos, Anne 2.0 finalmente abre a boca.

—Olá - disse ela.

—Ah, você fala! Você fala mesmo! - disse Luís, correndo para abraçar a robô, mas foi jogado para longe com um golpe.

Embora já estivesse acostumado com as pancadas que levava de Anne, Luís não contava com essa.

—Ei, por que fez isso? - reclamou ele.

—Não gosto de qualquer um me abraçando! - refutou a robô.

“Ah, é claro”, pensou Luís. “Ela está agindo de acordo com os dados que recolhi do comportamento da Anne. Foram meses com uma mini-câmera instalada no meu relógio capturando todos os momentos em que a Anne interagia comigo...”

E quando Luís se lembrava desses momentos, a maioria deles eram pancada atrás de pancada.

—Espere, Anne - disse ele - Não precisamos brigar, né? Vamos ser amigos.

—Bom, sempre fomos amigos, não? - respondeu a robô - Aliás, o que eu estou fazendo aqui? Não devia estar no restaurante dos meus pais?

—Não, não - disse Luís - O restaurante nem está aberto uma hora dessas…

—Uma hora dessas? Que horas são agora? - Anne 2.0 conferiu o relógio na parede e viu que já passava de duas da manhã - Uma da manhã? O que eu estou fazendo no seu laboratório uma hora dessas?

—É uma longa história - disse Luís - Amanhã eu te conto. Por que não vamos dormir agora? Podemos dormir juntinhos e…

Anne 2.0 apenas deu outro soco em Luís, jogando-o na parede mais próxima ao ouvir uma proposta daquelas.

—É, acho que não escolhi bem as palavras - balbuciou Luís, enquanto se recuperava de mais um impacto.

—Vou voltar para casa - falou ela.

Assim que Anne 2.0 se virou, Luís correu até a nuca dela e a desligou. Parece que sua invenção não foi tão bem-sucedida assim.

—Cara, é melhor mudar algumas coisas na personalidade dela - disse Luís - Melhor ajustar os dados para ela não me ver como ameaça. Mas eu não quero que ela seja totalmente artificial. Se ela não replicar o comportamento da Anne de verdade, todo meu trabalho terá sido inútil.

Após dizer isso, Luís não conseguiu conter um bocejo.

—Bom, seja como for, melhor deixar isso para amanhã - disse ele - Fiquei a noite inteira trabalhando nisso e amanhã tem aula. Vou dormir.

E assim, Luís deixou o laboratório e foi para o seu quarto. A noite passou, o novo dia chegou e Luís resolveu continuar com sua vida normal deixando seu projeto secreto ainda em segredo. No entanto, ele havia esquecido de algo importante. Ao sair do laboratório, ele esqueceu de desligar o computador e, naquela manhã, enquanto tinha ido para a escola, numa dessas coisas que só costumam acontecer em ficção, um gato entrou no laboratório pela janela aberta, andou por cima da mesa e acabou pulando em cima do teclado, pressionando justamente o botão que ativava a Anne 2.0 remotamente. Coincidências…

—Ai, o que aconteceu? - falou a robô, após ser ligada novamente - Eu estava falando com o Luís quando, do nada, tudo apagou.

Ao receber estímulos luminosos de fora, Anne 2.0 concluiu que já havia amanhecido. Ela não se lembrava de nada e não conseguia raciocinar além do que sua programação permitia. Ao olhar para o relógio e o calendário, Anne 2.0 inferiu algo que dificilmente alguém acordando de repente em um lugar não-familiar conseguiria inferir.

—O que é isso? Estou atrasada! Preciso ir para o trabalho agora!

Sim, Anne 2.0 despertou mais ou menos no final da aula, quando Anne tinha que ir para o restaurante. Lembramos que os dados no disco rígido de Anne 2.0 eram apenas alguns poucos elementos que Luís recolheu e mesmo ele ainda não tinha a habilidade de reproduzir uma inteligência humana perfeita. O resultado foi uma Anne robô saindo do laboratório pela janela e andando em direção ao seu local de trabalho.

—Bem, não deu tempo de assistir a aula de hoje. Vou ter que pegar a matéria mais tarde - falou Anne 2.0 para si mesma - Mas pelo menos vai dar tempo de chegar no trabalho.

E assim a robô caminhava de modo nada natural pela cidade. Desnecessário dizer que isso não vai prestar...


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