—Ai, amiga. Nem acredito que você vai me emprestar aquele vestido lindo! - disse Cíntia, acompanhada de sua rica amiga Samanta em uma tarde nublada após tomarem um chocolate quente na praça da cidade. Estava um dia frio e as duas estavam bem agasalhadas.

—Pode usar à vontade - disse Samanta - Afinal, é um vestido leve e não costumo usar ele no frio. Só me devolve quando o verão começar, tá?

—Claro. Não preciso sair com ele. Só preciso tirar várias fotos usando.

—Será que vai servir em você?

—Claro que vai, amiga - disse Cíntia - Temos quase o mesmo peso.

—Você é uns dez quilos mais gorda do que eu, Cíntia - lembrou Samanta.

—Detalhes - respondeu a amiga.

As duas conversavam caminhando até finalmente chegarem no portão da mansão do prefeito. Tudo estaria totalmente normal se não fosse um pequeno detalhe.

—O que é isso? - estranho Samanta ao olhar nada menos do que o cidadão honorário da cidade, Amadeu, o urso, simplesmente dormindo na frente do portão.

—É o Amadeu, amiga - disse Cíntia.

—Isso eu já sei - respondeu Samanta - Quero saber porque o Amadeu está dormindo na frente da minha casa.

—Ah, isso eu já não sei - falou Cíntia - Será que…

—Será o quê?

—Sabe, amiga - disse Cíntia - Ouvi dizer que ursos hibernam.

—Hibernam?

—É. Quando começa a ficar frio, eles se recolhem e dormem. E hoje tá bem frio, né?

—Mas eles fazem isso em cavernas, não na frente da casa das pessoas - disse Samanta.

—Ah, mas o Amadeu não é um urso muito comum, né? - lembrou Cíntia.

—Não quero saber - falou Samanta - Ei, seu urso. Acorda.
—Cuidado, amiga - falou Cíntia - Ele é o Amadeu, mas ainda é um urso.

—E daí?

—É que se acordarmos ele de repente, talvez ele nos ataque por instinto - falou Cíntia - Sabe. Animais agem assim.

—E o que vamos fazer? - reclamou Samanta - Preciso entrar em casa.

—É, eu também quero pegar o vestido - disse Cíntia - Já sei. Vamos entrar pela porta dos fundos.

—O quê? Nunca! - disse Samanta - Eu me recuso a entrar pela porta dos fundos da minha própria casa. Logo eu, Samanta Ferraz, a princesa dessa cidade.

—Seu pai é só o prefeito, não o rei, amiga.

—Você entendeu, Cíntia - retrucou Samanta - Podemos esperar ele acordar. Não deve demorar, ainda mais com todo o barulho da nossa conversa.

—Espera um pouco - falou Cíntia, mexendo em seu celular e fazendo uma rápida pesquisa - Vamos ver… “tempo de hibernação dos ursos”. Aqui, achei. Se ele estiver mesmo hibernando, vai demorar de cinco a sete meses para acordar.

—Cinco a sete meses? Tá zoando, né?

—Não, amiga. Tá aqui. Olha só.

Cíntia mostrou o resultado da sua pesquisa no celular.

—Mas duvido que ele esteja hibernando - falou Samanta - Estamos em um país tropical. A temperatura está sempre amena, ainda mais na nossa região.

—Então pode ser que ele acorde logo, né? Como você falou, se fosse hibernação, ele procuraria uma caverna.

—Err..ele tá vivo, né? - comentou Samanta.

—Claro que tá - disse Cíntia - Dá para sentir a respiração dele. Não é fofo?

—Sim, é muito fofo - falou Samanta sorrindo, mas deixando a meiguice de lado poucos segundos depois assim que se lembrou de seu papel de vilã da história - Que fofo o quê? Ele que vá dormir em outro lugar. Quero entrar em casa!

—Por que não liga para sua casa e pede para algum empregado tirar o urso daí?

—Boa ideia - falou Samanta - Vou fazer isso.

Samanta ligou para sua casa, mas, justamente naquele horário, era hora de faxina e o som do aspirador juntamente com a música que a mãe de Samanta estava ouvindo no rádio não deixaram ninguém na casa ouvir o telefone.

—Ninguém atende - disse Samanta.

—É, então vamos ter que esperar o Amadeu acordar - disse Cíntia.

—Ou podemos tentar acordá-lo.

—Mas pode ser perigoso - disse Cíntia.

—Não precisamos tocar nele - disse Samanta - Só precisamos fazer barulho de longe.

—Como assim?

Samanta pediu para Cíntia segui-la. As duas se afastaram um pouco e Samanta começou a gritar.

—AMADEU! ACORDA! ACORDA, SEU URSO PREGUIÇOSO!!! ACORDA! - gritou ela.

Mas não teve resposta alguma.

—Não deu certo, amiga - comentou Cíntia.

—Não precisa me lembrar do que eu já sei - reclamou Samanta - Que saco. Vamos ter que ser mais drásticas.

—Como?

—Já sei. Vamos colocar o celular para despertar bem perto dele e sair correndo - falou Samanta - Acho que não deu certo porque estamos muito longe, mas se ele ouvir um barulho mais próximo, aposto que acorda!

—Não sei, não.

—Não vamos saber se não tentarmos! - disse Samanta - Vai lá!

—Eu? - indagou Cíntia.

—É. É só colocar seu celular perto dele com o despertador programado. Vai!

—T-tá - gaguejou Cíntia, sem deixar de pensar que o urso poderia acordar agitado e jogar o celular dela para longe. Ela fez o que Samanta pediu, colocou o celular para despertar após um minuto e saiu de perto. Um minuto depois, o despertador toca, mas nenhum resultado. Amadeu só parecia roncar cada vez mais.

—Nada - observou Samanta.

As duas se aproximaram. Cíntia pegou rapidamente seu celular, enquanto Samanta dava um longo suspiro.

—Mas que coisa! Ele não acorda! - reclamou a menina.

—Desiste, amiga - falou Cíntia - Vamos entrar pelos fundos mesmo.

—Isso nunca! - insistia Samanta - Eu tenho o meu orgulho.

Orgulho demais, convenhamos.

—Então por que não vamos para algum outro lugar? - sugeriu Cíntia - Quando seu pai deve voltar para casa ele dá um jeito de tirar o Amadeu daí, afinal, ele vai precisar entrar com o carro.

—Mas eu quero entrar em casa agora! - exclamou Samanta, teimosamente. Difícil dizer o que era mais forte, o sono de Amadeu ou o orgulho de Samanta.

Amadeu, por sua vez, apenas se mexia para mudar de lado e continuava em seu sono pesado. Samanta não se conformava.

—Mas que folgado. Como ele pode dormir tão de boa na frente da casa dos outros? - reclamou a menina.

—Ah, mas ele é fofinho dormindo, não é?

—Fofinho ou não, vou fazer esse bicho acordar - proclamou Samanta - Agora é pessoal. Além disso, acordar um urso pode me dar uns bons pontos de vilania.

Sim, não podemos nos esquecer que Samanta era uma vilã (pelo menos se via como uma). Será que ela vai conseguir despertar nosso amigo urso?