O festival de primavera, a festa mais tradicional de Vila Baunilha, continuava a todo vapor. Obviamente, em qualquer evento com tantas pessoas, a segurança é fundamental. Assim sendo, não poderíamos ter uma festa desse nível sem a presença da força policial da cidade, constituída pela dupla de policiais mais competente da região (na verdade, a única dupla de policiais da região).

—Soldado Caxias, meu rapaz, esteja sempre atento - disse o delegado, caminhando ao lado de seu parceiro - Nunca sabemos quando algo inesperado pode acontecer.

—Sim, senhor - respondeu o soldado prontamente.

Talvez faça alguma diferença dizer que eles patrulhavam enquanto comiam algodão-doce.

—A propósito - prosseguiu o delegado - Como vão as coisas entre você e a senhorita Ema?

—Bem, não mudou muito - respondeu o soldado, após comer mais um pedaço de algodão-doce - Como comentei, acabamos tendo um mal-entendido da última vez. Achei que ela realmente estava querendo iniciar algo mais sério…

—Mas ela disse que não queria?

—Não, mas…

—Então ainda há tempo de mudar a situação, caro soldado - falou o delegado - Aproveite o festival para resolver de uma vez essa questão.

—Mas como?

—Lembra da lenda da árvore central?

—Dizem que quando alguém se declara sob a árvore...o casal pode ficar junto para sempre. Ah, mas isso é só uma lenda.

—Lenda ou não, é um lugar bem romântico. Por que não tenta?

—Seria bom, mas...preciso patrulhar o festival e…

—Não se preocupe com isso - disse o delegado - Você pode patrulhar e também conversar com a senhorita Ema. Uma coisa não impede a outra.

—Olhando por esse lado…

—Por exemplo, podemos patrulhar e pegar um cachorro-quente agora. O que acha?

—Acho uma boa ideia - falou o soldado.

—E aí, pai - disse Carioca, se aproximando do delegado. Para quem não lembra, Carioca é filho do delegado.

—Ah, Rodrigo, meu rapaz. Está se divertindo? - respondeu o delegado. Para quem não se lembra, Rodrigo é o nome real do Carioca.

—Tá maneiro. Só precisava pegar mais uma graninha com o senhor…

—Mas você já gastou tudo que eu te dei?

—A comida daqui é boa, né? - falou Carioca.

—Bem, fazer o quê? Já comeu o cachorro-quente? Íamos pegar um agora.

—Já comi uns dois - disse Carioca - Mas já que tô aqui, posso aproveitar e pegar mais um.

É, comida era um dos pontos fortes do festival. Outro ponto forte é a atração que a festividade provoca em outros locais, como habitantes das cidades vizinhas. Ainda que não tivesse tantos visitantes assim, o turismo aumentava um pouco naquela época e boa parte do retorno financeiro do evento vinha desses visitantes. Se bem que alguns deles podiam ser problemáticos.

—Ian! Ianzinho! - gritou Tamires, a filha do prefeito de Campo Encantado, uma cidade próxima. Ela sentiu uma paixão fulminante por Ian desde a primeira vez que o viu e encontrá-lo no evento foi uma explosão de sentimentos no seu coração.

—O quê?! - o pobre Ian apenas estava passeando pelo festival para encontrar a pessoa que realmente amava, sua querida Anne, mas não esperava encontrar Tamires por ali.

—Como é bom te ver aqui! - disse Tamires, correndo até ele - Você saiu sem se despedir da última vez que nos vimos…

—Você praticamente me sequestrou, sua maluca! - gritou ele - Não vou cair nessa de novo! Tchau mesmo!

—Espera, espera! - Tamires começou a correr atrás dele e o derrubou segurando suas pernas - Vim de tão longe só para te ver e é assim que você me recebe? É minha primeira vez nesse festival. Não quer curtir ele comigo?

—Nem ferrando! Você é uma maluca e…

Tamires tirou um spray paralisante da bolsa e, depois de jogá-lo em Ian, da mesma bolsa, tirou uma corda e amarrou o garoto.

—O que você tá fazendo?

—Sabe porque vim para esse fim de mundo participar desse festival? - falou Tamires - Por que ouvi falar de uma lenda bem interessante. É justamente nesse dia que duas pessoas ficam juntas quando se declaram sob a árvore central, aquela árvore enorme ali no centro da praça. Ah, achei tão romântico.

—É só uma lenda. Você não acredita nessas coisas, acredita?

—Será mesmo? Não custa nada tentar, não é?

Só que a árvore central já estava ocupada com ninguém menos que a irmã do nosso pobre amigo Ian, Samanta. Junto com sua amiga Cíntia, ela estava aguardando Briana chegar. Samanta havia chamado Briana por mensagem dizendo que queria falar algo para ela na árvore, ao mesmo tempo em que aguardava o garoto popular de sua sala, Enzo. Samanta também havia chamado Enzo se encontrar com ela próximo à árvore central como uma admiradora secreta. Seu plano era simples: dizer para Enzo que Briana gostava dele, esperar ele rejeitá-la e depois esperar que Enzo revelasse amar Samanta. Bem, na cabeça dela parecia fazer sentido.

—Oi, Samanta - disse Briana - Você tinha me chamado?

—Sim, eu...ei, o que ele tá fazendo aqui? - perguntou Samanta.

—Algum problema? - perguntou Beni que, por sua vez, estava acompanhando Briana.

—Ah, estávamos vendo o festival - explicou ela - Quase ganhamos nos joguinhos das barracas.

—Nossa. Quero jogar na pescaria! - falou Cíntia, apenas para ser interrompida na mesma hora por Samanta.

—Tá, que seja. Só queria que você esperasse o Enzo aqui comigo.

—O Enzo da nossa sala? - perguntou Briana - O que tem ele?

—Digamos...que ele tem uma mensagem importante - falou Samanta.

—O quê? O Enzo também faz parte da organização? - perguntou Beni.

—Do que você tá falando? - estranhou Samanta.

—Não finja que não se lembra. Todos aqui sabemos do esquema. Você é uma mensageira da organização que está se preparando para o grande desastre que ameaça a Terra, não está?

Lembramos que Samanta deu uma desculpa parecida com essa para se livrar de Beni muitos capítulos atrás…

—Não tem nada a ver com isso - foi tudo que Samanta disse - É que quero falar algo importante para você e o Enzo, assim que ele passar aqui…

—É ele ali, não é, amiga? - apontou Cíntia.

—Ah, sim - falou Samanta.

Samanta acenou e Enzo se aproximou da turma.

—E-Enzo - gaguejou Samanta - Então, eu…

—Espera - disse Enzo, se dirigindo para Cíntia - Escuta, Cíntia. Você me mandou chamar aqui para falar o que sente, né? Mas, desculpa. Não tô a fim mesmo. Você encontra alguém mais legal.

—Eu? - estranhou Cíntia.

—Foi mal. Até mais - disse Enzo, indo embora.

—O que foi isso? - perguntou Samanta.

—Então, amiga. Também não sei. Você me pediu para chamar o Enzo para vir aqui. Como eu não consegui achar ele, pedi para um dos amigos dele passar o recado.

—E ele achou que você estava querendo se declarar, não é?

—É? - Cíntia parecia tensa.

—Então, o que você queria falar? - perguntou Briana.

Samanta teve que inventar uma desculpa na hora.

—Eu...eu...só queria que vocês vissem o primeiro namorado da Cíntia - falou Samanta - Mas parece que o Enzo não quis nada com ela.

—É mesmo? Puxa, Cíntia, que chato, né? - falou Briana - Mas nós ainda somos muito novinhas para namorar. É melhor assim.

—Mas, amiga, você…

Samanta só pisou no pé de Cíntia para ela se tocar de não falar mais nada.

—É, é, é isso mesmo - disse Cíntia - Então, já que não estamos namorando, vamos fazer alguma coisa?

—Vamos! - comemorou Briana - Tem várias brincadeiras que eu ainda não tentei. Aquela de tiro ao alvo com espingarda de chumbinho parece legal!

—Nessa eu sou bom. Vamos lá!

Briana e Beni foram na frente. Samanta só suspirou.

—Mais um plano estragado - disse Samanta - E agora nem tenho cara de chamar o Enzo aqui de novo.

—Desculpa, amiga.

Com as crianças saindo dali, dois outros conhecidos nossos se aproximam do local.

—O que foi? - perguntou Luciano, vendo que Márcia tinha parado.

—Queria descansar um pouquinho - falou Márcia, sentando no banco bem abaixo da árvore central - Aqui parece um bom lugar.

—É? Então, tá?

—Sabe, Luciano, eu…

Mas antes que Márcia pudesse falar mais alguma coisa, Ema chegou bem naquele instante.

—Oi, gente. Vocês já chegaram? Que coincidência encontrar vocês aqui, bem debaixo da árvore central.

Márcia encarou Ema com uma cara não muito satisfeita.

“Não achou mesmo que eu ia facilitar para você, né?”, pensou Ema, com uma expressão cínica. Bem, a noite está só começando...