Vila Baunilha escrita por Metal_Will


Capítulo 131
O jovem artista




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/775280/chapter/131

 

A escola municipal de Vila Baunilha é a única escola na cidade. Você já deve conhecer nossa querida sala de primeiro ano do Ensino Médio com seus oito alunos. Mas nem todas as salas de aula da escola são tão lotadas assim. A sala do segundo ano, por exemplo, possui quatro alunos. Espere. Não, possui cinco alunos (se contarmos a Samara). E a sala do terceiro ano? Bem, essa é a mais peculiar, com a impressionante quantidade de...um aluno.

—Bom dia - disse o professor Otávio, com sua habitual animação inexistente, entrando na sala de terceiro ano.

—Bom dia - respondeu o único aluno sentado na frente, ainda menos empolgado. Um garoto caucasiano, cabelos pretos e aparência bem comum.

—Então, onde paramos mesmo? - perguntou o professor.

—O senhor já terminou todo o material do bimestre - retrucou o aluno.

—Sério? Quando a sala só tem um aluno a matéria vai bem mais rápido - comentou o professor.

—Matéria? O senhor só falou para eu ler os livros e perguntar caso eu tivesse alguma dúvida - falou o garoto.

—Bem, e você tem?

—Não.

—Então não reclama - falou o professor - Pode usar esse tempo livre para estudar para alguma outra matéria ou fazer outra coisa.

—Esse é o ponto. O que quero fazer não tem nada a ver com o que aprendo na escola.

—E o que você quer fazer?

—Quero pintar! - disse ele - Trouxe até o quadro que estava terminando outro dia…

O garoto mostrou empolgado sua obra de arte para o professor que, por sua vez, não demonstrou muito entusiasmo.

—Isso aí é arte? - perguntou ele.

—O senhor não percebe? O contraste entre as cores, a gradação entre elas, é uma manifestação clara do meu subconsciente perturbado com um futuro incerto!

—Pra mim é só um monte de tinta jogada em uma tela…

—Pensei que um professor de história fosse mais sensível à arte!

—Justamente. Estudei história da arte o suficiente para saber que essas porcarias de arte moderna são apenas uma desconstrução insolente e debochada das formas eternas da arte clássica.

—Discordo - disse o aluno - Minha abordagem de arte é livre, onde o artista pode se desprender dos cânones do passado e voar como um pássaro dentro de sua própria alma e subjetividade, conhecendo os aspectos mais profundos de seu subconsciente e transmitindo na tela aquilo que palavras não podem dizer!

Traduzindo para o pobre leitor que só queria relaxar e ler uma fic de comédia simples: o professor gostava de arte clássica, enquanto o aluno gostava de arte moderna.

—Que seja - disse o professor - Se quiser pintar, pode pintar. Faça como quiser, err...qual é o seu nome mesmo?

—Renan, professor - respondeu ele - O senhor sempre me pergunta a mesma coisa.

—Que seja, Renan. Pode pintar o que quiser até o fim da aula - disse ele - Enquanto isso, vou terminar de ler meu jornal.

Renan apenas suspirou. Sua frustração era evidente. Só que ele não era o único frustrado na região. Vejamos o que nossa amada (ainda que não muito simpática) protagonista andava fazendo naquele dia, depois da aula e após mais uma tarde de trabalho.

—Pronto, mãe - disse Anne - Acabei de arrumar todas as mesas.

—Muito bem - elogiou Carla, não sem antes conferir se ela havia passado pano adequadamente em todas as mesas - Pelo nosso cronograma, você pode até sair mais cedo hoje.

—Ah, obrigada - disse ela - Ainda preciso terminar minhas lições.

—Pode ir - falou Gustavo, o outro funcionário do restaurante - Eu dou conta das coisas aqui. Ainda estou compensando meus dias de folga.

Assim, Anne saiu mais cedo. Ao sair do restaurante e observar a calmaria da cidade, ela apenas suspirou.

“Só mais alguns anos e posso cair fora daqui”, pensou ela. “Meus pais podem até gostar daqui, mas não tem como eu aguentar essa vidinha aqui para sempre!”

Após ir para casa e terminar a matéria que estava atrasada, Anne percebeu que acabou mais cedo do que esperava.

—Cara - falou ela - Com esse material raso, nunca vou ter condições de passar em medicina. Já vi que vou precisar fazer cursinho depois de acabar o colégio…

Anne se espreguiçou e olhou para fora. O tempo realmente parecia passar mais devagar ali.

—Quando não estou trabalhando, o tempo nessa cidade doida não passa. Incrível.

Sem muito o que fazer em casa, Anne resolveu sair para dar uma volta e pensar no seu próprio futuro. O que fazer? Cursinho depois do colégio? Seu sonho de ser médica era bem claro, mas ela sentia que não podia alcançar todo o seu potencial morando em uma cidadezinha tão pacata como aquela.

Enquanto andava (e torcendo para não encontrar nenhum dos seus colegas de sala querendo encher a sua paciência), a garota acabou subindo em uma pracinha mais ao alto da cidade, local onde poderia enxergar melhor a paisagem. Para sua surpresa, o lugar não estava vazio. Renan, o único aluno do terceiro ano, estava ali, pintando. Embora não fosse muito curiosa com os negócios dos outros, Anne se aproximou. Renan parecia concentrado e levou um susto ao ver a garota atrás dele.

—O que é isso? Quem é você? - estranhou ele.

—Oi pra você também - respondeu Anne.

—Ah, foi mal - disse Renan - Estava concentrado.

—Percebi. Você gosta de pintar, é?

—Sim - disse ele - É algo que me faz sentir mais vivo, sabe?

—Sério?

—É quando eu coloco toda a minha alma em uma obra! - falou o garoto - O que está achando?

Anne olhou para o quadro.

—Não parece muito com a paisagem.

—Não é a paisagem que eu quero representar - falou Renan - É a minha impressão da paisagem.

—Ah, entendi - falou a garota - Sua visão de arte é mais moderna, né?

—Isso - falou Renan - É disso que eu estou falando. Você parece ter uma visão mais ampla do que o povo dessa cidade!

—Bem, acho que sou um pouco diferente do pessoal daqui mesmo…

—Você...não me é estranha. Acho que já te vi em algum lugar…

—É, acho que já te vi também - falou Anne - Você estuda no colégio daqui, não estuda?

—Claro! Você estuda no colégio da cidade - disse Renan - Sou o único aluno da minha sala e nem saio dela na hora do intervalo, então não conheço muito o resto dos alunos.

—Você também não vai muito no restaurante do centro da cidade, vai?

—Adoro a comida da minha mãe. Não preciso de restaurantes - falou ele.

“Achei rude”, pensou Anne.

—Mas o que tem o restaurante? - perguntou ele.

—Eu trabalho lá.

—Ah, entendi - falou ele - Desculpa. Eu realmente não foco muito nos outros, gosto mais de refletir sobre mim mesmo. Às vezes esqueço do mundo ao meu redor, sabe?

—É, reparei.

Anne apontou para o pote de tinta onde Renan tinha acabado de derrubar sem querer.

—Oh, droga. Acabei de comprar essa tinta e… - enquanto ele se abaixou para pegá-la, acabou derrubando o cavalete de sua tela e, como se não bastasse, mais tinta acabou caindo no quadro que estava pintando.

—Você...tá bem? - perguntou Anne.

—Estou, mas o meu quadro…

—Talvez isso signifique alguma coisa - falou Anne, ao ver a tinta jogada na tela de modo bagunçado.

—Não, não significa nada! Não faz sentido se não for algo que venha do meu próprio ser! - exclamou Renan, quase rasgando o avental que estava usando pelo impacto do acidente.

“Outro dramático”, pensou Anne. “Por que, Senhor amado? Por quê?”

—Agora vou ter que esperar outro momento de inspiração para pintar! - falou Renan.

—Err...você gosta mesmo de pintar, não é?

—Sim - respondeu ele - O meu sonho é ser um artista. Mas acho que não vou conseguir muita coisa nessa cidade.

—Sério? Meu sonho é ser médica. Quero sair dessa cidade assim que terminar o colégio!

—Mesmo? Termino o colégio esse ano, mas não sei se minha família vai querer que eu vá estudar fora. Meu pai vive falando para eu ajudar nos negócios da família, mas não quero mexer com carne o dia inteiro.

—Ah, você é filho do açougueiro da cidade? Usamos muito a carne de lá no nosso restaurante.

—Pois é, mas não é o que eu almejo, sabe? Acho que meu potencial é muito maior do que essa cidadezinha aqui. Você entende?

—Entendo - disse Anne - Entendo muito o que quer dizer.

—Aliás, qual é o seu nome mesmo? - perguntou Renan.

—Anne - respondeu ela com um sorriso - E o seu?

—Renan - falou ele - Prazer.

Os dois ficaram mais um tempo conversando, até que Renan finalmente resolveu recolher suas coisas e ir embora. Anne o acompanhou e os dois se despediram no centro da cidade.

“Renan, né”, pensou Anne, depois disso. “Puxa, não imaginava que tinha pessoas pensando que nem eu por aqui também. Apesar dele ser meio dramático e esquisitinho, mas é um esquisito bem diferente do Luís ou do Ian. Parece ser um cara legal!”

Enquanto Renan, ao voltar para casa, também estava envolto em seus próprios pensamentos.

"Anne, né?", pensou ele. "É, acho que eu devia prestar mais atenção nas pessoas à minha volta. Parece ser gente boa"

É, parece que temos mais um ponto na rede de relações pessoais dessa história...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Como se a Anne já não tivesse admiradores o suficiente (mas ninguém leva Ian e Luís a sério, leva? Kkkk)

Até o próximo capítulo! :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vila Baunilha" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.