Após conversar um pouco com Anne sobre seus próprios sentimentos sobre Luciano, Márcia encontrou Ema, a apoiadora número um do ship “Lucianne” que não fazia questão alguma de esconder isso.

—Aproveitando o sol para pedalar? - perguntou Ema.

—Pois é - respondeu Márcia - Estou voltando para casa agora para almoçar.

—Nossa, você almoça tarde, heim? Já são quase três da tarde.

—Vocês aqui do interior são bem pontuais, né?

—Acho pontualidade uma virtude.

—Bem, só estava acompanhando a Anne. Ela foi entregar o almoço lá em casa.

—Ah, sim. Até que vocês estão se dando bem.

—Por enquanto, sim.

—”Por enquanto”?  - repetiu Ema - Por quê? Ela te fez alguma coisa?

—Acho que eu acabei fazendo alguma coisa para ela - disse Márcia.

—Pode explicar melhor?

—Ah, é que eu disse para ela que gosto do Luciano.

Ema arregalou os olhos.

—Você o quê?!

—É. Sei o que está pensando. Mas não posso ser falsa com o que eu sinto. Gosto do Luciano. Na verdade, acho que gosto dele desde que criança, quando brincávamos juntos nas minhas férias.

—Você tem certeza disso? - perguntou Ema, claramente tensa.

—Sim, tenho - Márcia respondeu na lata.

“Isso é mau!”, pensou Ema. “Vai atrapalhar todos os meus planos”

—Aliás, isso é algo que eu queria falar com você - continuou Márcia - Você tem uma intuição e tanto para relacionamentos. Conversando com a Anne pude perceber que ela parece ficar bem abalada quando falo do Luciano. Eu diria que, pelo menos da parte da Anne, ela parece gostar dele, apesar de não admitir.

—Você sabe disso? E ainda assim quer investir no Luciano?

—Sim, quero - falou Márcia.

“Na lata, de novo”, pensou Ema, cada vez mais tensa.

—E você acha que tem chances com o Luciano? Você disse ter percebido que a Anne gosta do Luciano, mas você concorda que o Luciano gosta da Anne?

—Parece que sim.

“Ela fala tudo na cara mesmo!”, pensou Ema.

—Sei o que deve estar pensando. Está pensando que sou uma pessoa horrível por querer algo com alguém que sei gostar de outra pessoa, mas eu sou bem mais pragmática.

—Como assim?

—Quero dizer que não acredito nessas coisas de alma gêmea e amor romântico. Amor é algo que se constrói ao longo do tempo. Luciano e Anne, no máximo, possuem uma quedinha um pelo outro, mas é algo tão superficial que quebra bem fácil.

—O que você quer dizer com isso?

—Quero dizer que posso fazer Luciano gostar de mim e esquecer da Anne, mesmo que ele esteja gostando dela agora.

“Isso é péssimo!”, Ema já estava quase pensando em sequestrar Márcia e levá-la para longe, mas tentou ao máximo manter sua calma.

—E por que está me contando tudo isso?

—Apesar de ter falado tudo isso, é só minha opinião, só o que estou percebendo. Quero confirmar com você: o quanto você acha que o sentimento entre Luciano e Anne é forte?

—Extremamente forte! - Ema se apressou em dizer - É que os dois são cabeça-dura e mais teimosos que mulas, mas os dois se amam. Eu nunca me engano com essas coisas.

—E você pode me provar o que está dizendo?

—Provar?

—Sim. Alguém inteligente como você não deve agir só por intuição. Você deve ter um motivo maior para shippar tanto os dois, não tem?

Infelizmente, Ema só tinha sua intuição forte mesmo.

—Você não me conhece - prosseguiu Ema - Minha intuição nunca falha. Diversos namoros e casamentos já aconteceram aqui nessa cidade porque eu percebi quem era a tampa de cada panela. Uma experiência assim não dá para desprezar.

—Ai, que decepção - suspirou Márcia.

—Como assim “decepção”? - reclamou Ema.

—Você pode ser bonita, inteligente e rica, mas arrogância é um defeito horrível.

—Arrogante? Eu?

—Você nem considera a possibilidade de estar errada sobre suas intuições. Isso é arrogância.

Ema ficou pasma.

—Nunca ninguém falou assim comigo antes.

—Acho que você não deve estar muito acostumada a ser contrariada, né? - falou Márcia - Mas, ei, não leve a mal. Só estou dizendo que você pode estar errada. Luciano e Anne possuem sim algum sentimento um pelo outro, nisso eu concordo, mas isso é mais complicado do que parece. O amor é como uma semente que você cultiva e rega. Se você descuidar dela, ela simplesmente morre. Se eu mostrar para o Luciano que posso ser uma namorada bem melhor do que a Anne, esse sentimento vai embora rapidinho.

Ema queria muito voar no pescoço de Márcia, mas fazia de tudo para se controlar.

—Márcia, eu....

—Há quanto tempo Anne e Luciano estão nesse chove não molha?

—Bem, a Anne veio morar aqui no começo do ano - falou Ema - Então, um pouco mais de seis meses.

—Seis meses? - disse Márcia, espantada - Se não rolou nada até agora, então acho que não vai mudar muita coisa.

—Vocês da cidade são muito apressados - explicou Ema - Aqui as coisas são mais calmas. Não dizemos oi para as pessoas e já saímos beijando.

—Imagino. Vocês devem se beijar só na hora do casamento, né? - provocou Márcia.

—Se todo mundo fosse modesto e casto, como manda a santa igreja, o mundo seria um lugar bem melhor - Ema respondeu catolicamente.

—Olha, perto de muitas meninas da cidade, sou bem tranquila nisso - falou Márcia - Não pretendo ir tão rápido com o Luciano, mesmo porque ele parece bem devagar com essas coisas. Mas se ele nunca teve nada com a Anne, então tenho chance, sim. Posso fazer ele esquecer dela.

Nem Ema e nem Márcia sabiam que Luciano e Anne já se beijaram longe dos olhares de todos. É sempre bom lembrar disso.

—Essa é a sua decisão?

—É. Esperava que você me desse provas mais concretas de que os dois tinham alguma coisa, mas se sua impressão é a única evidência, então vou investir mesmo. Valeu, Ema. Fui.

E Márcia saiu pedalando.

“Ela é bem mais sincera com o próprio coração do que a Anne”, pensou Ema. “Essa Márcia é mesmo uma ameaça. Preciso proteger meu ship de algum jeito!”

Parece que os relacionamentos do primeiro ano da escola de Vila Baunilha finalmente terão alguma agitação.