Vila Baunilha escrita por Metal_Will


Capítulo 114
Hora de dormir




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—Beleza - disse Beni - É sempre bom ouvir uma história antes de dormir!

—Sua mãe sempre faz isso? - perguntou Márcia.

—Não - disse ele - Ela disse que já tenho quase onze anos e não tenho mais idade para isso.

“Exatamente”, pensou Márcia.

—Mas gosto de ver outras pessoas contando histórias. A criatividade humana é formidável.

—Puxa, é difícil ver garotos da sua idade falando isso - disse Márcia admirada - Hoje em dia vocês já fazem tudo pelo celular.

—Não tenho celular - falou Beni, começando a falar em tom mais baixo depois disso - E não quero ter tão cedo. Você sabe que eles pegam todas as suas informações, não sabe? Mesmo que um dia eu ganhei um, não vou entrar nessas coisas de redes sociais, nem nada do tipo.

“Ah, agora entendi porque. Mas ele tem uma conta para jogar videogame, não tem?”, pensou Márcia.

—E então? - continuou Beni - Que história você vai contar?

—Tá legal. Você conhece a Bela Adormecida? - perguntou a garota.

—Sim. Fizeram uma peça disso na escola - disse ele - Não tem outra?

—Tá bom. Você conhece...Chapeuzinho Vermelho? - perguntou Márcia.

—Ah, claro - disse ele - Mas faz tempo que não escuto. Pode contar essa.

—Muito bem - disse ela - Era uma vez, uma menininha chamada Chapeuzinho Vermelho.

—Espera. O nome dela era Chapeuzinho Vermelho mesmo? - perguntou Beni.

—É - falou Márcia.

—Duvido - disse Beni - Quem é que vai batizar a filha de Chapeuzinho Vermelho?

—Tá bom - concordou Márcia - Então me ajuda a contar a história. Como ela se chama?

—Florisberta! - disse ele.

—Florisberta? Quem tem um nome desses?

—É por isso que ela prefere ser chamada pelo apelido - disse Beni.

—Tá bom. Era uma vez uma garota chamada Florisberta que tinha o apelido de Chapeuzinho Vermelho.

—Espera, espera - interrompeu Beni.

—O que foi agora? - perguntou Márcia.

—Por que tem que ser vermelho?

—A história era assim.

—Mas por que vermelho? Não podia ser amarelo?

—Tá bom - disse Márcia - Chapeuzinho Amarelo. Feliz agora?

—Isso - disse ele - Agora está mais original.

—Tudo bem - prosseguiu Márcia - Ela tinha esse apelido por sempre usar uma capa amarela. Um dia, a mãe de Chapeuzinho Amarelo disse que a avozinha dela estava muito doente e pediu para que Chapeuzinho Amarelo levasse uma cestinha de doces para ela e...

—Espera, espera, espera - disse Beni, interrompendo mais uma vez.

—O que foi agora? - perguntou Márcia.

—Se é avó dela, não é uma senhora de idade?

—Sim.

—Não é muito saudável levar doces, não acha? Todo mundo sabe que açúcar faz mal.

—O que você sugere? - perguntou a garota.

—Podia levar sanduíches naturais em pão integral - falou ele.

Márcia suspirou.

—Tá. Chapeuzinho Amarelo, então, estava levando sanduíches naturais para sua vovozinha. A mãe dela disse para tomar cuidado no caminho e não seguir o caminho da floresta. A mãe queria evitar que a filha encontrasse com o lobo.

—Um lobo? 

—Sim, um lobo mau que adorava devorar menininhas no jantar.

—Por que o lobo tem que ser mau? - perguntou Beni.

—Como assim? - indagou Márcia - Ele quer devorar a menina! Isso não é ser mau?

—Mas animais selvagens agem apenas por instinto, não estão sujeitos aos mesmos padrões morais que nós! Não faz sentido falar que é um lobo mau!

—É uma história de fantasia, Beni - explicou Márcia - No mundo de fantasia, animais são racionais.

—Ah, tá. Isso explica muita coisa - falou ele.

—Então...Chapeuzinho Amarelo queria também levar umas flores para a sua avó e achou que não teria problema seguir o caminho da floresta só para pegar algumas flores. Só que aí ela acabou se perdendo e acabou encontrando o lobo.

—O lobo mau? - perguntou Beni.

—Sim. A mãe falou que a floresta era perigosa, mas não falou especificamente do lobo. Ela achou que ele fosse um animal bonzinho - disse Márcia - Ele perguntou para ela o que estava fazendo e Chapeuzinho disse que estava colhendo flores para sua avó.

—E ela fala assim? Do nada? - disse ele.

—Sim.

—Mas que burra - falou Beni - Como ela pode falar da vida assim para qualquer estranho?

—É, nisso aí eu concordo - disse Márcia.

—E o que o lobo fez?

—O lobo pensou que poderia almoçar tanto a avó quanto a menina. Ele perguntou o endereço da avó e a Chapeuzinho falou que era do outro lado da floresta. O lobo indicou um caminho errado para a Chapeuzinho dizendo que era um atalho e ela, ingênua, aceitou.

—Espera, essa heroína é burra demais - reclamou Beni.

—De qualquer forma, o lobo foi até a casa da vovó e a comeu - disse ele - Daí, ele se disfarçou com as roupas da avó para esperar a Chapeuzinho.

—E depois?

—Depois a Chapeuzinho chegou e perguntou, “nossa, vovó. Que olhos grandes a senhora tem” e o lobo, disfarçado de velhinha, disse “É para te ver melhor”.

—Peraí, peraí, peraí, minha filha! - disse Beni com um certa impaciência - Tá me dizendo que a menina não reconhecia a própria avó?

—É. A história é essa.

—Até para burrice tem limite! Como é que ela não sabia que a avó era um lobo?

—Bem, ela era ingênua - Márcia só continuou - Depois ela perguntou “Nossa, vovó. Que orelhas grandes a senhora tem” e o lobo disfarçado disse “É para te ouvir melhor”. Por fim, ela disse “Nossa, vovó. Que boca grande a senhora tem”. O lobo disse “É para te mastigar melhor”. E correu atrás dela.

—E depois?

—Bem, Chapeuzinho correu o máximo que conseguiu até achar um caçador. O caçador matou o lobo e tirou a avó da barriga dele. Assim, todos puderam comer os sanduíches em paz. Fim.

—Poxa, Márcia, tá forçando a amizade, não acha?

—Por quê?

—A velha foi comida por um lobo e você tá me dizendo que ela ainda estava viva dentro da barriga dela?

—É uma história de fantasia, como eu falei.

—A menina é uma anta e a vovó, doente, sobrevive a um lobo que devora mordendo, mastigando e estraçalhando carne humana. Aí é pedir demais, né?

Márcia apenas suspirou.

—Foi você que pediu uma história. É uma história infantil. Você queria o quê?

—Algo um pouco mais interessante.

Márcia suspirou de novo.

—Tá legal. Sabia que na versão original dessa história, o lobo não devora a vovó de cara? Ele corta a velhinha em pedaços, faz uma sopa com ela, se disfarça e quando a Chapeuzinho chega ele faz a menina comer a sopa com os pedaços da avó?

Beni apenas olhou para Márcia com os olhos arregalados.

—Acho que já tá na hora de dormir, né? Boa noite, Beni - disse ela, com um sorriso.

E assim, ela apagou a luz e deixou Beni dormindo.

“Ai, espero que isso não tenha assustado muito ele!”, pensou a garota.

“Maneiro!”, pensou Beni após ouvir a versão original. Ele pegou no sono e dormiu tranquilamente.

No dia seguinte, os pais de Beni chegaram e encontraram os dois jogando xadrez.

—Xeque-mate - disse Beni.

—De novo? - reclamou Márcia - Você é bom nesse jogo, heim?

—Oi, gente - disse a mãe.

—Ah, vocês voltaram - disse Márcia - Espero que tenham feito uma boa viagem.

—Você...está bem, Márcia? - perguntou a mãe.

“Essa é a primeira pergunta que ela faz?”, pensou a garota.

—Foi demais! - disse Beni - A Márcia é uma ótima jogadora de games e conhece muito de contos de fadas. Ela só precisa melhorar no xadrez!

—Fico feliz que tenham se dado bem - disse a mãe - Posso te chamar outras vezes?

—Claro - falou Márcia - O Beni é um ótimo garoto.

E assim terminou a primeira missão de Márcia como babá em Vila Baunilha. 

—Puxa, é difícil encontrar alguém que saiba lidar tão bem com o Beni, né? - comentou o pai, depois que Márcia saiu.

—É - concordou a mãe - Como ela conseguiu?

A resposta? Bem, digamos que Márcia sabe lidar bem com quem pessoas um pouco excêntricas.

—Bisa! - reclamou ela, assim que chegou em casa - Ouvindo metal no último volume de novo?

—Ah, mas você já voltou? - reclamou dona Cleide.

É, isso explica muita coisa.


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Notas finais do capítulo

Não é muito difícil de achar qual é a versão original da Chapeuzinho. Kkkk.

No próximo capítulo, começamos um novo arco. Até lá! :)



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