Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 94
Bad Hair Day


Notas iniciais do capítulo

Bem que a Jenny avisou... agora Gibbs que se vire para controlar a cabeleira da filha!!

Tenham uma boa leitura!!



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— Já não está um pouco tarde? Amanhã você tem aula! – Disse em direção a Sophie que estava deitada em meu colo abraçada com o tal Mike qualquer coisa.

— Só mais um pouquinho... – Ela disse manhosa.

— Só se você me falar o que está achando do jogo. – Olhei para ela, que estava mais dormindo que acordada.

— Injusto... – A ruivinha murmurou.

— Vai tomar banho e depois cama, daqui a pouco passo lá... – Eu disse colocando-a de pé. – Acha que dá conta? Tá caindo de sono! – Apertei a ponta de seu nariz.

— Sim, senhor – Ela abriu um enorme bocejo – Desculpe.

— Vai logo. E vê se não demora no banho! E Sophie? Não se desculpe...

— É sinal de fraqueza. Mas o senhor falou que nem a mamãe! – Sophie disse indignada enquanto tropeçava em direção à escada.

Quem diria que Jenny um dia iria se preocupar com a demora de alguém no banho.... ela que sempre demorou quase uma hora...

Escutei a porta do quarto ser aberta, e dois pezinhos se arrastando em direção ao banheiro. Voltei minha atenção ao jogo, era o último quarto e, se continuasse assim, eu ganharia a aposta de DiNozzo.

Escutei Sophie me perguntar qualquer coisa, que eu confirmei. Deveria ser algo bobo como se podia dormir com todos os bichinhos de pelúcia.

Passou mais tempo do que deveria, o jogo acabou e, então, subi para ver como Sophie estava.

Quando abri a porta do quarto, fora a luz acessa, tudo estava em ordem, ela ressonava alto, abraçada com o dragão, a bola verde estava o seu lado e, no pé da cama, o ursinho azul chamado Timmy e a boneca de pano. Seu uniforme estava arrumado na cadeira e a mochila já fechada para ir à escola.

Dei um beijo em sua testa e apaguei a luz, deixando a porta um pouco aberta para caso ela precisasse de alguma coisa.

No outro dia cedo, passei para acordar a pequena, que, assim como a mãe, era devagar quase parando de manhã.

— Filha, bom dia, tá na hora. – Acariciei sua testa.

— Tá bom.  - Ela virou para o outro lado.

— Sophie, levanta...

— Mais cinco minutinhos, por favor. – Ela disse entre um enorme bocejo.

Por que saiu à mãe?

— Nada de cinco minutos. A senhorita tem aula. Amanhã você dorme até mais tarde.

Ela virou para o meu lado, mal abrindo os olhos.

— Tá bom.

Igual a mãe. Um tanto mal-humorada de manhã.

Estava fazendo o café quando a ouvi descendo ou melhor pulando os degraus da escada. Assim que chegou no térreo, veio correndo para a cozinha.

— Bom dia, papai! – Ela cantarolou.

— Bom dia.... – Me virei e – O que aconteceu com o seu cabelo?!

— Cabelo? Tá aqui! Não tá? – Ela perguntou confusa, puxando a ponta de uma das mechas.

Aquilo não era um cabelo.... era uma juba! Mas como, se nos outros dias ela se levantou com os cabelos quase arrumados? E então a voz de Jenny veio na minha cabeça: “Por favor, só não a deixe dormir com os cabelos molhados”!

— Merda – Eu xinguei.

— Papai, o senhor falou um palavrão! – Sophie disse assustada.

— Só não repete isso perto da sua mãe! – Eu disse.

— Então eu posso falar perto do senhor?

— Não! Você não pode falar em hora nenhuma!

— Ah, tá! Mas o que foi? – Ela tinha os seus olhos, hoje justamente verdes, para me lembrar da cara da mãe dela, arregalados.

— Você, por acaso, lavou o cabelo ontem?

— Sim! Eu perguntei e o senhor falou que eu podia!

Foi isso que ela perguntou então...

Não tinha jeito. O cabelo dela estava impossível. Tinha que ter alguma coisa que eu pudesse fazer...

— Você penteou o seu cabelo ontem?

— Uhn... não! – Me respondeu.

E eu nem podia xingar. E, também, não sabia o que fazer com aquilo. Só tinha uma saída.

— Kelly? Bom dia! Preciso da sua ajuda! – Liguei para minha primogênita.

— Bom dia, pai! O celular travou de novo? – Ela riu.

— Não é com o celular, é com a sua irmã!

— Com a Sophie? O que tem ela? – O tom brincalhão foi substituído pela preocupação.

— O cabelo dela... o seu nunca amanheceu assim!

Kelly deu uma sonora gargalhada!

— Bem que mamãe falava que o senhor adorava um cabelo ruivo e comprido, mas não tinha a menor ideia de como era difícil cuidar de um. Ela dormiu com o cabelo molhado, né?

— Sim.

— Pai, só lavando de novo, desembaraçando e secando... ou...

— Ou... – Pelo horário, a primeira opção era fora de cogitação.

Olhei para Sophie, ela tinha a cabeça tombada para a direita e me estudava, igualzinha à mãe. E a imagem de uma Jenny, muito brava, passou pela minha cabeça.

— O senhor pode fazer um coque no cabelo dela e lavar de noite, mas tem que secar, senão amanhã vai estar igualzinho. E nem adianta perguntar se ela sabe fazer, porque não sabe. Mãos à obra, Marine, sua caçula precisa de ajuda! Tenho que ir, a gente se fala de noite, consegui sair mais cedo!

E ela desligou, ainda rindo. Kelly ria da situação em que eu me encontrava.

— Tem alguma coisa importante na escola hoje, filha? – Eu não conseguiria mexer naquele cabelo de jeito nenhum.

— Não, por quê?

Nessa hora a campainha tocou. Fui abrir a porta, e dei de cara com Abby e Tony.

— O que vocês dois estão fazendo aqui? – Perguntei.

— Eu vim ver a Sophie! – Abby disse. – Bom dia!

— E eu pagar a aposta.

E Sophie entrou na sala.

— Meu Deus! O que aconteceu com você, Peste Ruiva? Trocou de lugar com um leão? – Tony perguntou enquanto a abraçava.

— Tá tão ruim assim? – Ela perguntou chateada e eu pude jurar que se mais alguém dissesse algo sobre o cabelo dela, ela iria começar a chorar.

— Só um pouquinho.... – Abby disse. - Nada que eu não dê um jeito. Você pode ir lá em cima e pegar um elástico e a escova para mim?

— Sim. – E minha filha correu escada acima.

— O que aconteceu com ela? – Os dois perguntaram ao mesmo tempo.

— Dormiu de cabelo molhado. – Respondi sem entrar em detalhes.

— Bem... – Abby começou. – Eu vou prender aquilo lá, mas vai ter que lavar de novo, tá todo embaraçado... a Jenny deve passar alguma coisa para poder penteá-lo sem problemas, o meu problema é, o que ela passa?

Tony continuava a olhar para o alto da escada.

— Ainda bem que a Jenny não tá aqui...

— Nem me fale... – Eu disse. Eu sei exatamente o tanto que ela falaria.

Com muita paciência, Abby fez um coque no cabelo de Sophie. Não sei se duraria para o dia inteiro, mas pelo menos para a escola daria.

Quando Sophie estava apresentável o bastante, meu celular tocou. Era Jenny. Como ela sabia que tinha algum problema?

— Gibbs. – Respondi fingindo não saber que era ela.

— Bom dia, Jethro! Tudo bem por aí? – Sua voz soou alta pelo telefone.

— Claro. É sexta, Jen. Tudo indo bem.

— Que bom! Sophie está por perto?

— Claro, quer falar com ela?

— Só dar bom dia.

Passei o telefone para Sophie. Ela começou a falar sobre um monte de coisa sem sentido, e quando começou a falar sobre como Abby tinha arrumado o cabelo dela, eu tive que acabar com a conversa.

— Mamãe, o papai tá me mandando desligar, tá na hora de ir para a escola. – Ela disse. – Tô com saudades!

Sophie esperou pela resposta da mãe e depois continuou:

— Tá bom... então te vejo no domingo?... Tá bom, mamãe. Beijos. Também te amo.  – Ela terminou e me passou o celular.

— Tá pronta para ir para a escola?

— Sim senhor. Agora o cabelo tá melhor? – Ela perguntou se dirigindo a nós três.

— Com certeza, Pestinha. Daquele jeito, com certeza, o controle de animais iria te confundir e te levar para o zoológico mais próximo. – Tony respondeu rindo. E eu nunca quis tanto atirar nele quanto naquela hora.

— Não liga pra ele, Sophie. Você tá linda como sempre! – Abby disse a abraçando e indo para a porta. – Não é, Gibbs?

— Com certeza.

E depois desse susto, começava o meu último dia como diretor em exercício do NCIS.

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O que Jethro estava escondendo de mim? Porque não é normal ele interromper uma ligação minha com essa famigerada desculpa de que a Soph está atrasada para a escola. Alguma coisa tinha acontecido, mas o que?

Não importa. Ainda hoje eu fico sabendo. Mal sabe ele que a conferência acabou mais cedo e que nesse momento eu já estou a caminho de casa.

Contudo, se com a Sophie, que é filha dele e de quem ele não se importou de tomar conta, aconteceu alguma coisa, como será que está a agência?

Só uma pessoa saberia me responder. Peguei meu telefone e disquei o número da mesa da minha fiel e competente secretaria, esperando que ela tivesse sobrevivido a semana.

— Escritório da Direção do NCIS, Cynthia Summers, bom dia.

Respirei aliviada. Ela estava viva.

— Cynthia, bom dia, sou eu. Jenny.

— Diretora! Que bom ouvi-la! Mas receio que não poderei transferir a ligação para o Diretor em Exercício, pois ele não chegou.

— Sem problemas, Cynthia, é com você que quero falar.

— Algo que eu possa fazer de tão longe?

— Na verdade, nem tão longe. Chego hoje pelo fim da tarde. Preciso de dois favores.

— Pode dizer, senhora.

— Primeiro, como está a agência? Segundo preciso que você me encontre na Base Aérea de Andrews para me passar o que aconteceu, já que tenho uma reunião no Capitólio ainda hoje.

— Se a senhora se refere ao prédio estar em seu devido lugar e com todas as janelas e portas inteiras, tudo está bem. Já a paciência do Agente Gibbs...

Eu ri... era bom ele provar do próprio veneno de vez em quando.

— Isso é bom... espero que ele não esteja descontando em você!

— Não em mim, mas no Agente DiNozzo, bem, é outra história...

— Você me conta quando nos encontramos. – Eu ria de pensar na cena.

— Sem problemas. Peço para o Melvin pegá-la na base que horas?

— Às quinze, por favor. E, Cynthia, nada de comentar com o Jethro, acho que aconteceu algo com a Sophie e ele não quer me falar.

— Bem, senhora, apenas para te deixar mais calma, a pequena esteve aqui ontem de tarde e estava tudo bem com ela.

Isso me deixava mais tranquila.

— Mas, mesmo assim, silêncio. Te encontro quando aterrissar. 

— Estaremos esperando, Senhora. Tenha um bom voo.

— Obrigada, e tenha um bom dia de trabalho.

Desliguei e fiquei pensando, o que poderia ter dado de errado em apenas uma noite entre Jethro e Sophie? Mas nada me veio à mente. Ou melhor... não, Jethro não seria louco à ponto de colocar Sophie e a Coronel perto uma da outra. Não depois da cena na Sala de Descanso.

Ou ele seria?

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Chefinha: Dá pra me responder logo? Anthony DiNozzo!!

AMETony: Será que você pode se acalmar, Chefinha? Estou tentando evitar que o seu amado pai apareça atrás de mim.

Chefinha: Eu vou conversar com a Ziva, então. Medroso.

AMETony: Pode ir parando. O que você quer?

Chefinha: Chama o resto. Meu plano vai ser posto em ação.

AMETony: Você nem disse qual é o seu plano!

Chefinha: Por isso mesmo, gênio. Hoje. Almoço no centro de DC, naquele restaurante italiano que a Sophie adora. Vou contar o que tenho em mente. Leve todo mundo!

AMETony: Você é diabólica.

Chefinha: Me conte algo que eu ainda não saiba, Agente Muito Especial Anthony DiNozzo?

AMETony: Eu sou lindo!

Chefinha: Esteja lá!! Sua criatura ridícula!

Desliguei o bate-papo e o computador. Era hora de voltar para DC e começar a colocar um certo casal na rota de colisão.

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— Por que estamos aqui?

— Olha, McSonso, Kelly me disse para encontrá-la aqui. Então espere até que ela chegue, mas tem a ver com o plano dela de mandar a Mann embora.

— Já não era sem tempo! Tem noites que eu só fico pensando nisso! – Abby disse animada.

— Ela vai trazer a Sophie?

— Deve trazer, Ziva, afinal hoje é sexta e a Peste Ruiva tem a tarde livre.

— Como será que tá o cabelo dela, será que o coque que eu fiz aguentou todo o tempo? – Abby me perguntou rindo.

— Que coque? – Ziva disse.

Minha Adorada Ninja, você não tem ideia de como estava o cabelo de nossa pequena Ruiva hoje de manhã....

— Tava igualzinho a uma juba de leão. – Abby continuou mostrando com as mãos o tamanho que a cabeleira estava.

— Ainda bem que a Jenny não estava aqui para ver... – Ziva disse com um sorriso. – Mas o que aconteceu?

Não pudemos completar, pois as duas irmãs entraram bem nessa hora.

— Oi gente! Quanto tempo!! – Kelly nos saudou antes mesmo de se sentar.

— Ei pessoal! – Sophie, ainda com os cabelos presos no coque disse, escorregando na poltrona para ficar do meu lado.

— E então? – Abby, a mais apressada, começou. – Desembucha o seu plano, Kelly!!

Kelly deu um sorriso de lado, igual ao do pai e começou com a pergunta mais simples.

— Sophie, o que você acha que está de errado entre o papai e a sua mãe?

— Eles não estão conversando direito. – A ruivinha disse simplesmente enquanto olhava o cardápio.

— E por quê? – Kelly continuou.

— Interrogar crianças é um jogo muito sujo, Kells! – Eu disse abraçando Sophie de lado como que a protegendo da irmã mais velha.

— Fica quieto, Tony. Deixe-a responder.

— Porque o papai vai se casar com a Coronel loira! E eu não gosto dela!

Chegamos no ponto.

— Nem eu. – Kelly respondeu em solidariedade à irmã.

— Mas você tem um plano para ela sumir, não tem? – Sophie levantou os olhos verdes em direção aos azuis da irmã, que sorria abertamente.

— Tenho, e você tem duas tarefas nele.

— Que são? – A ruivinha perguntou curiosa.

— Primeiro: não pode contar para ninguém, nada de falar para a Jenny ou para o papai, ou para a Noemi. Pode ser?

Sophie balançou positivamente a cabeça.

— Segundo: você vai ter que nos ajudar.

— Mas como eu vou fazer isso?

— Eu vou te explicar.... Então, posso contar com você?

— Pode sim, Kells! – Sophie abriu um sorriso muito parecido com o da mãe quando consegue dobrar o Secretário da Marinha em prol do NCIS.

— Pessoal, o plano é esse aqui... - e Kelly tirou de dentro da bolsa, um esquema que ela havia bolado alguns dias atrás.

Não tinha como aquilo dar errado.

Passamos toda a hora do almoço discutindo os prós e os contras do plano, até mesmo Sophie deu a sua opinião.

A “Operação Jibbs” estava começando! 

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O dia apesar de ter passado devagar, foi milagrosamente tranquilo. Nada demais aconteceu, seja entre a equipe ou na direção. Na verdade, na hora do almoço, não encontrei ninguém da equipe no prédio. E quanto à Cynthia, esta havia sumido pelo meio da tarde e não havia retornado até agora.

E, assim, entregaria o escritório para Jen, na segunda, do mesmo jeito que ela me entregou há uma semana.

Do mesmo jeito não. Um pouco melhor. Pois todos aqueles tediosos relatórios e memorandos e ordens de serviço estavam espalhados pela mesa dela, somente aguardando o retorno da “Madame Diretora” para serem revisados, assinados e encaminhados.

Ela queria que eu tomasse conta da Agência. Eu tomei. Mas como ela não mencionou que eu deveria assinar toda essa papelada, tudo está aqui, esperando por ela. Jen, com certeza, terá um retorno bem animado na próxima segunda-feira.

Quanto a mim? A julgar pela hora, Kelly já deve ter pegado Sophie na escola e aproveitado o tempo de folga para darem um passeio e, agora, é muito provável que as duas devam estar tentando decidir o que vão querer jantar hoje. Então, minhas duas meninas me esperam em casa, não me peçam para ficar nem mais um minuto dentro desse escritório. Não sei como Jen atura isso todo dia!

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 - Soph, você tem que me prometer que não vai contar para ninguém sobre o que a gente conversou hoje.

— Prometo Kells. Ninguém vai ficar sabendo! Mas posso fazer uma pergunta?

— Na verdade duas né, Ruiva!

— Sim. Mas voltando, por que você quer começar a falar com o papai que nós duas não gostamos da Coronel? Eu já falei com ele!

Como eu poderia explicar para uma menina de seis anos que o pai dela estava para se casar com uma mulher se ele amava outra?

— Bem, Sophie, vamos dizer que o fato de papai ter duas filhas pode ser um empecilho para que ele e a Coronel Mala Sem Alça se casem, ainda mais se as duas não gostarem da futura madrasta.

— O que é empecilho? – Minha irmãzinha me perguntou com as sobrancelhas levantadas igualzinha ao meu pai.

— Um problema.

— Ahnnn... e por que somos um problema?

— Porque o papai gosta demais da gente. E ela não vai gostar de dividi-lo com a gente!

— Mas a gente chegou primeiro. Você, principalmente.

E minha amada ruivinha entendeu o meu ponto de vista!

— Isso mesmo. E antes dela, TEM outra pessoa!

— Quem? – Sophie me perguntou curiosa.

— Jenny!

— Minha mãe?!

— Sim!

— Mas como assim? Como a mamãe está em primeiro?

— Vamos dizer que eu sei que ela está na frente. Só não me pergunte como.

Na verdade, eu deveria dizer que a forma de amor que meu pai sente pela Jenny é diferente da forma como ele nos ama, mas acho que a Sophie não vai entender...

— Então tá. Entendi.

— De verdade?

— Sim. Temos que mostrar para a Coronel Mala Sem Alça que não tem espaço para ela no coração do papai!

— Isso mesmo! – Sophie mesmo sendo tão nova, conseguiu entender a essência do plano. Eu peguei minha irmã no colo e a abracei apertado.

— Agora, Soph. Só temos que esperar pelo dia perfeito.

— Certo. E assim vai ser um tchauzinho Mala!

— Sim, tchauzinho mala!

Mas não poderíamos conversar mais, pois papai acabava de estacionar a pick up dele na entrada.

— Silêncio a partir de agora, hein?

E a Ruiva apenas passou a mão sobre os lábios e fez o sinal de que os estava trancando e jogando a chave fora. Eu ri alto da cena e foi assim que papai no pegou.

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Fui recebido dentro de casa pela gargalhada de Kelly, alguma coisa que Sophie fez ou disse provocou essa reação nela.

Ou talvez tenha sido somente o fato de o cabelo da minha caçula ainda estar parecendo uma juba de leão.

— Boa noite para vocês duas! – As cumprimentei.

— Boa noite papai! – Elas responderam juntas o que causou outra onda de riso. E Sophie correu para me abraçar.

— O que tem de tão engraçado assim? – Perguntei levantando a ruiva no colo.

— Nada... – Kelly respondeu. – Só que a nossa resposta não foi combinada para sair junta.

Sophie ainda ria e me olhava divertida. E não seu porquê a forma como ela me encarou me disse que eu deveria esperar por algo.

— Vocês duas aprontaram o que durante a tarde? – Estava desconfiado do olhar das duas, mas os olhos verdes de Sophie me falavam mais. Eram idênticos aos da mãe quando queria fazer algo, mas não queria que eu soubesse. Ou seja, Sophie tinha o mesmo olhar que Jen vinha carregando nos últimos meses.

— O jantar. – Foi a ruiva quem me respondeu.

— O jantar? Vocês duas fizeram o jantar? – Perguntei incrédulo.

— Não disse, irmãzinha, que ele não acreditaria na gente? – Kelly falou já na cozinha. E eu me virei na direção dela, já que Sophie desceu do meu colo e foi ajudar a irmã mais velha a arrumar a mesa.

Realmente elas haviam feito o jantar e arrumado tudo. Me surpreendi com isso. Geralmente as duas ficam passeando ou em algum parque ou no shopping e deixam para decidir o que querem comer somente a noite, o que, na maioria das vezes termina com uma pizza sendo entregue.

— Então a dupla estava inspirada na cozinha hoje?

— Eu estava. - Kells me respondeu. – E a Soph só me ajudou.

Sophie balançou a cabeça confirmando a história da irmã.

— Se é assim. Bom apetite.

Poderia dizer que comemos em silêncio, mas não. Sophie estava me atualizando sobre como foi na escola hoje e depois começou a falar sobre uma apresentação de balé que ela faria. Assim que a mais nova terminou, Kelly começou a contar como estava o seu treinamento na Marinha.

— E você, papai? Como foi ser Diretor por uma semana? – Kelly perguntou quando terminou o seu relato.

Eu pensei na pilha de pastas que deixei na mesa de Jen e não consegui não sorrir. Sei que ela vai falar na minha cabeça, mas, pelo menos, esse é um jeito de conseguir irritá-la e tirar dela alguma reação parecida com a que ela tinha quando erámos nós dois em missão. Eu ainda sentia falta das nossas brigas quando estávamos de tocaia, quando, somente para o meu divertimento, eu a tirava o sério só para ver suas bochechas ficarem coradas e seus olhos brilharem de fúria.

 - Tranquilo. Não aconteceu nada demais durante semana. – Respondi simplesmente.

— E os relatórios? – Sophie me perguntou. – Mamãe sempre reclama das pilhas de relatórios! Ela diz que parecem que eles se multiplicam à noite!

— É tive que assinar alguns. – Respondi sério à minha mais nova. E Kelly levantou a sobrancelha na minha direção.

— Não me diga que você fez isso! – Ela ralhou.

— Eu fiz tudo o que eu tinha que fazer, Kells.

— Pai, você não deixou trabalho acumulado para a Jenny não, né? – E ela estreitou os olhos em minha direção.

— Não deu tempo de resolver tudo. Alguma coisa ficou.

— Quanto pai? – Kelly me pressionou.

— O suficiente para ela ter o que fazer na segunda de manhã.

— Vocês dois não mudaram nada! – Minha mais velha disse, deixando a mais nova com cara de dúvida.

— Sua irmã é doida. - Falei para Sophie que diante do olhar da irmã mais velha não disse nada, apenas tombou a cabeça.

— O senhor vai trabalhar no porão hoje? – Sophie me perguntou depois de algum tempo.

— Acho muito bom! Tem muito tempo que não faço nada lá embaixo. – Kells respondeu para mim. – E eu quero ver como os móveis da minha casa estão ficando!

— Depois que arrumarmos a cozinha, sim.

Arrumarmos não. O senhor arruma. Nós duas fizemos o jantar! Vem Sophie, vamos trocar de roupa para poder ficar lá embaixo.

Alguns minutos depois as duas desceram as escadas para o porão devidamente arrumadas para ficarem empoeiradas. As duas usavam um moletom meu, Kelly um preto e Sophie um vermelho, de calças compridas e estavam descalças. O cabelo impossível de Sophie continuava solto.

— Para que o moletom se vocês duas estão descalças?

— Pai, tá quentinho, não se preocupa.  – Kelly respondeu.

— E não estamos descalças, estamos de meias! – Sophie me mostrou o pé onde tinha uma meia, tipo sapatilha, com desenhos de estrelinhas.

— Se vocês duas estão dizendo.... Então, preparadas para ficarem cobertas de poeira?

As duas assentiram e comecei a explicar o que queria.

Ficamos distraídos entre ajustar a madeira e lixá-la e conversar sobre nada em particular que não notamos que alguém entrou na casa.

Quando dei por mim. Jen estava parada no alto da escada e olhava com cara de espanto em direção à Sophie. E eu sabia exatamente o motivo por trás daquele olhar.

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Eu queria ter chegado mais cedo, talvez para conseguir ter jantado com eles. Fazia tempo que nós quatro não jantávamos juntos. Mas a reunião no Capitólio demorou mais do que imaginei. Então, quando cheguei, era tarde para um jantar, mas tinha certeza de que, por ser uma sexta, e pelo fato de Kelly estar aqui, os três estariam acordados.

Bati na porta, mas não fui recebida. Tornei chamar e nada. Então, peguei a cópia da chave que o próprio Jethro havia me dado tempos atrás e abri a porta.

Apesar de acesa, a sala estava vazia, assim, como a cozinha. Antes de me arriscar no segundo andar, segui direto para o porão. Eu não queria acreditar que Jethro havia arrastado as duas filhas para ajudá-lo na construção dos móveis em plena sexta-feira, mas como conhecia as duas muito bem, era bem provável que elas estivessem lá embaixo com ele, se não o ajudando, com certeza falando na cabeça dele.

Antes de chegar perto da porta que dava acesso ao santuário de Jethro, pude ouvir vozes e risos. Como eu pensei, estavam mais bagunçando do que trabalhando.

Abri a porta devagar e observei a cena. Jethro estava de costas para minha posição e notei que ele explicava algo para Kelly, que, por pura brincadeira, fingia não entender, o que arrancava risadas de Sophie, a quem ainda não tinha conseguido ver.

Jethro, levando as respostas de Kelly na brincadeira também, tornou a demonstrar o que ele queria. Dessa vez, ao terminar deu um tapa de leve atrás da cabeça da mais velha.

— Eu não disse! – Ouvi a voz da minha filha. – Papai só bate atrás da cabeça de quem ele gosta.

Kelly deu uma gargalhada enquanto Jethro olhou para debaixo da enorme mesa de madeira e puxou Sophie pela perna, muito provavelmente fazendo cosquinhas nela enquanto a puxava, tendo em vista as risadas que ela dava.

Não contive o sorriso que estampou o meu rosto. E ele estava com tanto receio de que a minha miniatura fosse querer ir embora.

Mas foi então que ela ficou de pé, ainda rindo, e tentando sair do alcance das mãos do pai, que eu notei. Eu realmente notei. E entendi o que ela quis dizer quando, pela manhã, me disse que a Abby tinha arrumado o cabelo dela.

Abby deve ter feito um pequeno milagre, porque do jeito que o cabelo dela estava ali....

Ouvi Kelly entrar na brincadeira e tentar pegar a irmã mais nova, para “ajudar” o pai na tortura quando notei que Jethro me encarava. Olhei de volta e o encarei com a sobrancelha levantada. Ele coçou a parte de trás da cabeça, e eu sabia que ele estava tentando inventar uma desculpa para o que tinha acontecido.

— Oi Jen... Chegou mais cedo! – Foi o que ele conseguiu formular. Mas pude ver em seus olhos que ele sabia que tinha feito a única coisa que eu pedi que ele não fizesse.

Kelly parou de correr atrás de Sophie e se virou para me procurar. Seus grandes olhos azuis arregalados em minha direção. A mesma cara de culpa do pai.

E Sophie? Sophie, bem, ela, não estava muito preocupada com o seu estado não, apenas olhou em direção ao alto da escada e exclamou feliz:

— Mamãe!! Mamãe! Você chegou! Estava morrendo de saudades!

Cheguei ao pé da escada ao mesmo tempo em que ela pulava para me receber em um abraço apertado.

— Também senti sua falta, Ruiva. Mas você pode me explicar como foi que o seu cabelo ficou desse jeito?

Por desse jeito, eu queria dizer, parecido com uma juba de leão depois de brigar com outro leão no meio da poeira.

 Minha pequena me deu a mais simples das respostas:

— Ele acordou desse jeito. – Seus olhos azuis iguais aos do pai e da irmã eram sinceros.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Jethro veio em defesa da filha.

— Jen, a culpa...

— Jethro, sem problemas. – Na verdade, eu só queria rir da situação.

— Mas Jenny... – Kelly tentou intervir.

— Eu estou falando sério. – Tentava conter o riso de qualquer jeito. Toda a aparência de Sophie era de chorar, ela estava imunda, coberta de poeira, com os cabelos completamente embaraçados e parecendo uma juba de leão, mas ela estava feliz. Feliz como há um bom tempo eu não a via. E não só ela. Jethro e Kelly, que também não tinham lá uma aparência muito limpa, estampavam a mesma felicidade em seus olhos azuis. E não seria uma coisa boba como uma cabeleira ruiva completamente despenteada que iria estragar isso.

— Você não vai... – Jethro começou. Acho que eu realmente ando exagerando dentro do NCIS, porque ele realmente pisava em ovos. Foi olhando para ele que eu não me contive e comecei a rir. A rir muito.

— Mamãe, o que é tão engraçado? – Sophie expressou a pergunta que estava estampada no rosto do pai e da irmã. E, espero não soar repetitiva, os três tinham a mesmíssima expressão de dúvida. Com direito a testa vincada e olhos arregalados.

— A mamãe só está feliz de ver você, seu pai e sua irmã felizes, Miniatura. Só isso. – Disse a ela, tentando amansar o seu cabelo.

— Quer nos ajudar? – Ela ficou animada com o que eu disse.

Dei outro sorriso na sua direção, mas sabia que Jethro jamais me deixaria chegar perto de um de seus projetos.

— Eu acho que ainda tem bastante poeira aqui para você se sujar, Jenny! – Kelly disse ao lado do pai. – E se depender desse aqui, vai ter ainda mais.

— Bem, que tem poeira eu estou vendo. Mas acho que eu não sirvo para isso de mexer com madeira. Vou deixar vocês terminarem. – Falei em tom diplomático. E a única reposta que obtive foi uma lixa sendo jogada em minha direção.

— Ainda tem muita coisa para fazer, Jen. Vou precisar de muitas mãos para poder deixar a madeira no ponto que quero e, ainda terminar a tempo de montar na casa de Kelly antes do casamento dela. – Jethro me disse.

Sophie gargalhou e me puxou pela mão me levando para onde ela estava quando cheguei – para debaixo da mesa.

— Papai estava explicando para a Kelly como se lixa a madeira, a senhora pode ouvir e começar junto com ela!

Kelly deu de ombros e olhou para o pai.

— E então, Marine, como é mesmo essa história de lixar a madeira? – ela disse em tom zombeteiro.

Não demorou muito e eu estava descalça e meu vestido, antes preto, estava completamente marrom e eu chegava ao mesmo nível de sujeira dos outros três ocupantes do porão.

Passamos um par de horas ocupados com o que parecia ser a lateral e as prateleiras de uma estante, logicamente, mais fazendo bagunça do que trabalhando, mas foram as melhores horas da minha semana, quem sabe dos últimos meses.

Por pouco tempo, éramos a família que um dia, em uma noite do outro lado do oceano, eu sonhei em ter.

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Era quase uma da manhã quando eu olhei no relógio. Já passara em muito a hora de Sophie ir para a cama, mas, ela nem sequer dava indícios de que estava cansada.

— Que cara é essa, pai? – Kelly perguntou olhando por entre as prateleiras que tínhamos montado.

— Hora de a Sophie ir para a cama.

— Na verdade, para o banho, não é? – Jenny me corrigiu.

Olhei para a ruiva em questão e tive que concordar, ela realmente precisava de um banho, urgente.

— Só mais um pouquinho. – Soph pediu fazendo bico.

— Não! – Eu e Jen respondemos juntos.

— Você tá ferrada, Soph. Não tem para quem recorrer agora. – Kelly disse em direção à irmã.

— Você toma banho primeiro, Sophie, depois é a vez da Kelly.

Minha mais velha me olhou espantada, como se me dissesse que eu não mando mais na hora em que ela toma banho.

— E não me olhe assim, Kelly. Você está na minha casa. Minhas regras. As duas, para cima. Agora.

E elas subiram murmurando qualquer coisa que eu não entendi.

— E sem reclamação. – Jen disse para a filha, mas serviu para Kelly também. – Quando tudo estiver pronto, Sophie, eu vou te ajudar.

Ficamos nós dois no porão por um tempo. Eu olhando para ela, e ela encarando o chão e a sujeira em que se encontrava.

— Desembucha o que quer saber Jethro. – Jen disse sem nem me olhar.

— Você não vai dizer nada sobre o estado em que encontrou a Sophie?

Ela levantou os olhos, suspirou e disse.

— Eu realmente estou passando essa imagem de descontrolada para você?

— Não. É só que....

Ela não passava a imagem de descontrolada. Mas quando se tratava da filha, sei que ela gostava de tudo certo.

— Só que eu sou controladora e perfeccionista.

— Você nunca deixou a Sophie andar por aí desarrumada.

— Ela não está “por aí”, Jethro, está com você! Na sua casa! E o que eu disse sobre ela não dormir com os cabelos molhados, foi porque eu sabia que você não saberia lidar com eles pela manhã. Não me entenda mal. Você é um excelente pai. Mas tem coisa que você não sabe, arrumar cabelos é uma delas.

Ela tinha um ponto.

— Então o aviso.

— Foi para te ajudar. Desembaraçar aquela cabeleira é difícil. E sem o creme certo, você só iria conseguir perder a escova lá no meio. – Ela disse com uma risada.

Meneie a cabeça em acordo, mas tinha outro ponto.

— A sujeira dela, pode deixar que eu dou banho.

— Eu não estou muito diferente dela, Jethro. – Ela apontou para si mesma. - Além do mais, deixe-a ser criança. Vocês estavam tão felizes na hora que cheguei que nada, nem mesmo a minha filha parecendo que tinha mergulhado em uma piscina de areia, iria me fazer brigar com você. Tinha muito tempo que eu não via esse sorriso no seu rosto. – Ela colocou a mão na minha bochecha e sorriu. – Agora, deixe-me ir lá ajudar a Sophie antes que ela vá dormir com o cabelo molhado de novo.

Então ela subiu as escadas do porão carregando os saltos na mão e tentando desembolar os próprios cabelos com os dedos.

Parei para pensar no que tinha acontecido nesse porão hoje. Parecia um sonho. Tinha medo de acordar desmaiado neste chão, como acordei tantas vezes e notar que nada disso existiu.

Contudo escutei uma voz mais alta:

— Sophie Shepard-Gibbs, já para esse banheiro, você nem pensar irá dormir suja desse jeito.

Eu disse, um dia, há alguns anos, que ela daria uma boa mãe. E, pelo menos nisso, eu estava certo.


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Notas finais do capítulo

Quem nunca teve um bad hair day que atire a primeira pedra virtual!!
Agora... o que será que Kelly vai aprontar?
Respostas na terça-feira!!
Muito obrigada a você que leu!
Até lá!
xoxo
PS.: Falando em Bad Hair Day, recomendo muito o curta metragem Hair Love, ganhador do Oscar de Melhor Curta de Animação de 2020.



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