Ele é Will escrita por Laís Cahill


Capítulo 6
Acerto de contas




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Fazia tempo que a luz do lampião de Dipper tinha apagado. Era muito difícil distinguir alguma coisa naquele breu, mas, mesmo assim, ele encarava o quadro de navio pirata na parede do quarto e o brilho das estrelas que o vidro do lampião refletia. Virava de um lado para o outro, inquieto. Por algum motivo não estava conseguindo pegar no sono hoje. O que nem fazia sentido, pois tinha gastado muita energia durante o dia andando pra lá e pra cá, entregando folhetos e casualmente atacando um velho suspeito. Queria ser como Mabel, que simplesmente caía na cama e dormia. Naquele momento, ela já devia estar dormindo faz horas.

Mais um tempo se passou com Dipper de olhos fechados, tentando apagar a mente de qualquer pensamento. Quando estava quase conseguindo, acordou abruptamente ao se chocar contra a própria cama. Sentou-se e olhou de um lado para o outro, alarmado. Um porta-retrato que ficava no criado-mudo estava, agora, caído no chão. O cobertor de Mabel estava todo desarrumado sobre ela e os objetos em geral pareciam ter mudado de lugar.

Tudo isso era bizarro, mas estes pareciam os efeitos de algo que já tinha acontecido antes: Anomalias gravitacionais.

Dipper precisava certificar-se. Com muito cuidado, levantou o cobertor e desceu os pés ao chão. Depois de colocar suas pantufas, seguiu lentamente para a porta e abriu uma fresta para espiar o corredor.

 

 

 

Vamos, máquina idiota, funcione!”, Bill pensava enquanto ajustava a frequência do metavortex transuniversal, “Eu não roubei lixo tóxico nem viajei a crateras de naves extraterrestres pra isso!”.

Ele testou a alavanca pela milésima vez, e um rastro de eletricidade percorreu a fiação até a estrutura de formato triangular. O portal falhou um pouco antes de se estabilizar, iluminando-se com uma forte luz azul-claro. Bill abriu um sorriso cedo demais. Seu corpo começou a ficar mais leve e a descolar do chão.

— Hã? Não, não, não, NÃO!

Anomalias gravitacionais eram tudo o que Bill não precisava no momento. Devia ter algum problema com o emissor de ondas antigravitacionais.

Desesperado, ele tentou agarrar a alavanca, mas já tinha sido levado para longe. Por sorte, o circuito deu algum problema e o portal desligou. O demônio e os objetos ao seu redor se estatelaram no chão com a volta da gravidade.

Bill teve vontade de dar um murro na sua invenção. Ao invés disso, saiu esbravejando pelo laboratório, frustrado. Suas pernas ainda doíam de tanto andar por aí espalhando folhetos para encontrar sua “família”. Tudo inútil. Já fazia um tempo que Bill tinha aprendido que dor só era hilária quando estava no corpo dos outros. Agora só conseguia sentir raiva, muita raiva. A dor era uma pedra no sapato desgraçada que estava sempre lá, o impedindo de atingir todo o seu potencial, junto com aquele corpo maldito. Queria se jogar na parede, esmurrar-se, quebrar alguns ossos, mas não podia se dar a esse luxo. Ele tinha um objetivo maior a ser atingido. Um dia, prometeu, um dia ele ia fazer a família Pines pagar por tudo o que fizera com ele. Osso por osso.

Dentre todas as coisas das quais Bill sentia falta, seus poderes eram a maior delas. Claro que ele gostava de ter o poder de possuir os humanos ou transformá-los em tapetes em um piscar de olhos, mas ainda mais do que isso, ele sentia falta dos poderes mais simples como flutuar, aparecer e desaparecer quando quisesse e mudar de forma. Ele rosnou. Aquela forma humana era patética. Se pudessem vê-lo agora, os monstros de sua dimensão com certeza fariam piada até não poder mais. Onde já se viu, o ser mais poderoso do campo da mente estar preso em um corpo humano e dependendo de seus piores inimigos para se manter vivo?

Bill respirou fundo e recuperou a postura, esfregando os olhos com uma mão e tentando clarear a mente. Por algum motivo, andava extremamente irritado e não conseguia se concentrar. Ainda havia uma fiação inteira para verificar, tinha que ajustar os níveis de neônio e criptônio, regular o calibrador de partículas e as ondas antigravidade. Não tinha tempo a perder. Além disso, segundo suas contas, restavam cerca de cinco horas para o amanhecer e ele teria de abandonar tudo pela metade. Quanto mais demorasse, mais havia o perigo de alguém entrar no laboratório e descobrir sobre seus experimentos.

Os níveis das substâncias foram os primeiros a serem corrigidos. Apesar da pressa, Bill tentou ser o mais meticuloso possível com isso, pelo risco de alguma coisa não sair como planejado. Foi por isso também que decidiu restaurar o botão de cancelar operação que um dia Stanford construiu. Apesar de tudo, a sorte de Bill só pareceu mudar quando estava conferindo a fiação e encontrou um mau contato. “Bingo”, ele sorriu. Consertado esse pequeno detalhe, o equipamento todo se iluminou ao ser ligado e pareceu estável. Será que estava pronto para ser finalmente acionado e começar a contagem regressiva? Só havia uma forma de descobrir.

Bill dirigiu-se para a frente do portal e abriu um largo sorriso insano ao colocar as mãos na alavanca. Estava finalmente acontecendo! Estava até sentindo o vento do portal batendo em seu rosto, a luz azul-clara preenchendo o ambiente, até ser jogado violentamente para o lado e todo o maquinário se apagar.

Por alguns segundos, Bill permaneceu no chão empoeirado, cegado pela tontura e tossindo. Sua cabeça ainda latejava e dava voltas por ter se chocado contra o chão, mas, assim que conseguiu, virou-se e viu aquele garoto chutando a alavanca de sua máquina com toda a força. Dipper Pines.

Tomado por um surto de raiva e adrenalina repentino, Bill sentiu suas entranhas ferverem ao urrar e saltar contra seu inimigo, atingindo-o com um soco no rosto e o forçando a largar a máquina.

— Seu pinheiro miserável! — gritou entre um soco e outro, aproveitando que o outro estava atordoado. — Você nunca largou do meu pé, não é? Agora vai pagar por isso!

O próximo soco, no entanto, errou o alvo quando Dipper se esquivou para o lado. Bill se desequilibrou com o impulso do movimento, e foi empurrado com tudo contra a parede. Vários livros e equipamentos de metal caíram em cima de Bill com um estrondo, e ele soltou um berro quando um baú encapado em couro acertou sua perna.

— Bill Cipher! Eu sabia que era você o tempo todo! — Dipper bradou enquanto se aproximava, o outro ainda caído de joelhos. — Como consegue ser burro a ponto de voltar aqui, depois de tudo o que fez?

— Pff… Heheheh…

Bill parecia rir da própria desgraça. Virou-se e levantou o rosto lentamente, o que fez Dipper soltar um grito de horror. Seu tapa-olho tinha caído, revelando um olho amarelo doentio de pupilas estreitas e cílios longos demais. Toda a sanidade que restava no demônio pareceu esvair-se quando ele começou a rir maniacamente, avançando em direção ao outro.

— Olha só que meigo, me chamando de burro! Até esqueceu que eu só estou aqui porque você abriu a porta pra mim. Valeu, pirralho! Nada disso seria possível sem você!

Dipper rangeu os dentes e mirou um soco na cara de Bill, que se esquivou facilmente. O demônio riu ao ver o outro irritado, pretensioso.

— Você acha mesmo que eu preciso daqueles diários estúpidos pra construir um portal? Há! Meu amor, eu inventei esse portal! Acha que o seu tio avô é um gênio? Ele foi minha marionete o tempo todo!

O garoto tentou se controlar. O que Bill queria era fazê-lo ficar cego de raiva, pois lutar com ele não iria levar a lugar nenhum. Então ao invés de tentar atacá-lo, Dipper avançou para o outro cômodo, a sala de controle.

— Ei, aonde pensa que vai? — o demônio gritou atrás dele, tentando agarrar seu braço. Quando passou pela porta, deu de cara com Dipper puxando um monitor de cima de um armário de aço para derrubar no painel de controle.

Desesperado, Bill se atirou em cima do outro. Os dois rolaram no chão, apenas para ver o monitor cair com um estrondo ensurdecedor em cima do projeto em que Bill vinha trabalhando todas as noites. A placa de metal destruída foi percorrida por pequenos sinais elétricos, prestes a explodir, até pifar de vez e soltar uma fumaça escura com cheiro de queimado. O coração de Bill gelou e pareceu ir até o estômago enquanto ele olhava para aquilo, desacreditado. Voltou-se para Dipper, mais bravo do que nunca.

— Você tem alguma ideia... — Ele tentava imobilizar o garoto no chão, em cima dele. — Alguma ideia do trabalho que eu tive pra arrumar isso??

Finalmente, Bill conseguiu prender o outro agarrando seu pescoço com uma mão e empurrando a mandíbula para cima, sentado em cima de seu corpo. Dipper tentava inutilmente aliviar o aperto em seu pescoço, agonizando. Bill levantou o outro punho, preparando-se para dar um murro bem dado no meio da cara de Dipper. A cena do garoto se debatendo e engasgando era tudo o que desejava alguns minutos atrás, mas, de repente, não parecia haver mais sentido em esmurrá-lo até fazer sair sangue. Achando que estava tudo perdido, Dipper se surpreendeu ao sentir a mão que apertava seu pescoço aliviar a pressão e uma lágrima quente atingir sua pele. Bill estava com o rosto vermelho, os olhos úmidos enquanto o encarava. A mão que estava prestes a dar o soco tremia debilmente.

— Eu só queria... — Bill soluçou. — Eu só queria ir pra casa...

Bill abaixou o punho que ameaçava o outro. Ao invés disso, apoiou os cotovelos no chão e segurou o próprio rosto entre as mãos enquanto as lágrimas continuavam a brotar. Nem reparou que, nesta posição, seu rosto estava a centímetros do de Dipper.

— Seu pedaço de... Estúpido... — Bill mal conseguia formar frases direito. Não conseguia sequer enxergar, com a visão toda embaçada e rosto queimando. Ele só queria ficar ali chorando para sempre até que ficasse sem forças para gritar e se esquecesse de todos os seus problemas.

Bill sentou e enxugou seu rosto inutilmente, soluçando sem parar e deixando Dipper sair debaixo dele. Com o efeito da adrenalina passando, o ferimento causado pelo baú na perna do demônio já começava a arder, assim como todas as suas articulações das vezes em que fora atirado no chão. Foi então que notou o barulho vindo do elevador ligado, que chegava ao terceiro piso. Já era. O barulho do monitor caindo fora tão alto que devia ter acordado toda a cabana. Tomado pelo desespero, Bill não teve tempo de fazer nada a não ser fechar rapidamente seu olho anormal e abaixar o rosto antes que as portas se abrissem.

— Dipper? Will? — Soos agora entrava no cômodo com uma lanterna em mãos, alarmado. O demônio mal tinha coragem de olhar para ele. — O que está acontecendo aqui?

Era o fim do jogo. Agora era a parte que Dipper contaria tudo o que aconteceu para o homem e, na melhor das hipóteses, Bill morreria jogado no fundo de uma cela de cadeia. E não havia nada que pudesse fazer porque estava preso naquele corpo maldito. Seu coração pareceu encolher-se cada vez mais.

— Soos, hã... que bom que você chegou! — exclamou Dipper. — Eu estava mostrando o laboratório para o Will agora mesmo, mas... ele tropeçou e essas coisas caíram em cima dele. Você me ajuda a levar ele de volta pra cima?

No mesmo instante, Bill desviou os olhos da perna que sangrava e olhou para Dipper, surpreso. Por que aquele idiota estava o acobertando? Não tinha batido na cara dele o suficiente? E será que o gordo ia engolir essa mentira deslavada? Os dois pareciam acabados, tinham marcas de ralado e hematomas por todo o corpo, e o lugar estava uma bagunça, com objetos caídos por todos os cantos e um painel de controle estraçalhado. Além disso, o portal na sala ao lado estava de pé novamente e era de madrugada. Quem é que leva o amigo para um lugar no meio da noite se não é pra esconder nada?

— O quê? Dipper, eu não acredito! — Soos ficou bravo. Bill temeu o pior. — Você não sabe que não é pra trazer ninguém aqui pra baixo? Esqueceu do que o Stan disse?

Ele engoliu a mentira. Bill mal conseguia acreditar.

— Eu sei, desculpa mesmo! É que o Will insistiu muito.

Soos levou uma mão ao rosto, nervoso.

— Argh, eu vou levar ele logo lá pra cima e fazer um curativo. Você fica aqui embaixo e muda a senha enquanto isso. E nunca mais traga seus amigos pra cá.

O garoto ficou animado, mais animado que o normal.

— Beleza, Soos. Valeu! Ah, e, Will — Ele se lembrou —, você vai precisar disso.

Desconcertado, o demônio olhou para Dipper lhe estendendo seu tapa-olho. Bill pegou o objeto. Depois de um breve instante sorrindo, o menino desviou o olhar novamente como se não tivesse feito nada demais. Bill, por outro lado, mesmo depois de pegar o elevador, não conseguia parar de pensar no que tinha acabado de acontecer. Olhou para o estimado tapa-olho em suas mãos. Não conseguia entender por que o garoto Pines tinha decidido mentir por ele. Se tivesse revelado a verdadeira identidade de Bill, Soos certamente teria acreditado e não teria nem como Bill afirmar o contrário, já que Dipper poderia apenas forçá-lo a abrir seu olho ou mostrar que estivera reconstruindo o portal interdimensional.

Uma coisa era certa, Bill se deu conta quando chegaram ao térreo, engolindo em seco: Agora Dipper tinha uma informação muito interessante para usar como arma.


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Notas finais do capítulo

Não sei se estavam esperando mais para o Dipper descobrir sobre o Bill ahsuahsu
Uma reviravolta dessas, bicho.



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