Ele é Will escrita por Laís Cahill


Capítulo 2
Adaptação




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Dipper se espreguiçou na cama ao amanhecer, os raios de sol irritando seus olhos. Que sonho esquisito, aquele. Por um momento, realmente acreditou que tinha aberto a porta para um estranho no meio da noite, mas analisando ao acordar, parecia absurdo demais para ser verdade. Com certeza teria sonhos meio perturbados depois de assistir um programa sobre fantasmas. Ele se levantou ainda com sono, aliviado por não ter feito nenhuma besteira, até se deparar com um garoto desconhecido sentado no parapeito da janela, olhando para a paisagem afora.

Droga. Isso tinha mesmo acontecido.

Como explicaria para o pessoal que ele tinha simplesmente decidido abrigar um sem-teto em sua casa sem perguntar pra ninguém? Se é que teriam condições de manter uma pessoa assim. O quarto em que estavam era dividido entre ele e Mabel, e a cama que tinha emprestado para o menino era dela. Soos e sua avó tinham um quarto cada, e só. Sem contar gastos com alimentação, roupa e tantas coisas que faziam Dipper ter dor de cabeça.

Por fim, ele decidiu pôr seu boné, se levantar e cumprimentar o garoto. Sob a luz do sol que entrava pela janela, o cabelo dele atingia um tom loiro ainda mais claro.

— Ei, bom dia. — Queria chamá-lo pelo nome, mas ele literalmente não tinha. — Dormiu bem?

O loiro olhou para trás, parecendo até incomodado.

— Ah. Eu não dormi esta noite. Não estava com vontade.

Estranho. Parecia que o garoto não comia nem dormia direito faz tempo e mesmo assim não queria dormir.

— Então... Eu preciso te apresentar para o pessoal lá embaixo agora. — Dipper falou, sem graça. — Ah, esqueci de te dar algo para vestir. Vem, pega isso aqui.

O garoto catou um conjunto de short e blusa rapidamente e entregou para o outro. Seria melhor se ele estivesse um pouco mais apresentável ao dar as caras lá embaixo.

Dipper se espantou e virou bruscamente para o lado, vermelho, quando o loiro resolveu vestir as roupas novas ali mesmo. Como se não bastasse, ele não usava cueca por baixo da calça.

— Vamos? — disse o outro quando terminou de se vestir. Dipper ainda estava evitando contato visual.

— A-antes... Pega isto aqui e coloca por baixo. — Ele lhe deu uma cueca. Ao ver que o rapaz ia tirar o short de novo, adiantou. — E, por favor, faça isso no banheiro.

O garoto loiro deu de ombros. Entrou no banheiro, trocou-se sem fechar a porta e saiu.

— Ceeerto — disse Dipper, ainda espantado com a falta de noção do outro. Respirou fundo. — Agora vamos.

Os dois desceram a escada com cuidado. Dipper puxou o outro pela mão para irem juntos até a sala de jantar, onde Mabel e Soos sentavam à mesa enquanto a senhora Ramirez preparava o café da manhã. Mabel ainda estava usando a roupa com que dormiu aquela noite.

— Oi, pessoal — Dipper cumprimentou.

Ninguém prestou muita atenção.

— Bom dia, Dipper — respondeu a garota, entretida. Ela estava lendo uma carta, que provavelmente era de seu namorado. Ela poderia simplesmente ligar pra ele, mas seu irmão sabia o quanto ela gostava de coisas românticas clássicas. Então ela olhou para o outro menino. — Bom dia, segundo Dipper... Pera, quê??!

Com o escândalo de Mabel, todos voltaram sua atenção aos dois garotos. Soos, que estava sentado de costas, contorceu o corpo para olhar. Dipper se adiantou:

— Eu tenho alguém para apresentar a vocês. Ele apareceu aqui ontem à noite, enquanto vocês estavam dormindo.

Todos olharam para o garoto calado, de cabelo comprido estranhamente mesclado de loiro e castanho caindo nos olhos. As roupas de Dipper pareciam fora de lugar em seu corpo esguio. Ele fez uma pequena reverência com a cabeça, contorcendo ligeiramente um canto da boca.

— Qual é o seu nome? — Mabel perguntou se apoiando na mesa, interessada.

— É, então. — Dipper interrompeu, riu de nervoso. — Ele não sabe. Disse que acordou sem memória e não tem onde morar, então deixei ele entrar.

— Caaara. Se o Stan ainda morasse aqui ele ia ficar maluco — comentou Soos. Sua avó apenas observava do canto.

— Tá...? — Mabel parecia um pouco cética, mas logo sua expressão se iluminou. — Então vamos dar um nome pra ele!

Dipper teve vontade de dizer pra Mabel que o outro não era um cachorro perdido que decidiram adotar.

— Calma lá! — o faz-tudo a alertou. — Nem sabemos se temos condições de manter ele por aqui, pra começo de conversa.

— Não pretendo ficar por muito tempo! — finalmente o garoto desconhecido abriu a boca. — Só peço abrigo por algumas semanas, até eu conseguir encontrar minha família. Depois não precisam mais nem lembrar que eu existo. — Ele levantou as palmas das mãos, demonstrando que não tinha nada a esconder da família, com um sorriso breve.

— Sim, é só por um tempo. — Dipper concordou.

— Hum, parece razoável. — Soos disse, pensativo. — O que você acha, Abuelita?

— Ora, é claro que pode ficar aqui por um tempo, chuchu — respondeu a senhora. — Vamos achar sua família.

— Eba! Ele vai ficar! — Mabel exclamou e bateu palmas. Dipper sorria de orelha a orelha, assim como o mais novo hóspede. Todos pareciam felizes com a decisão.

— E, então — Dipper começou —, acho que você vai ter que escolher um nome por enquanto. Como gostaria de ser chamado?

Todos olharam para o garoto enquanto ele pensava.

— Nunca pensei nisso... É... Que tal Will?

— Nossa, perfeito! — animou-se Mabel. — Combina muito com você! Ei, Willy, deixa eu te mostrar a cabana!

A garota pulou da cadeira, esquecendo completamente das cartas que estava lendo, e foi correndo mostrar ao outro o resto da casa. Soos riu da cara que o visitante fez ao ser agarrado por ela.

— Ai, ai, como é bom poder ajudar os outros. — comentou consigo mesmo.

Dipper riu um pouco, mas algo o preocupava. Alguma coisa no modo de agir daquele garoto parecia suspeita, isso sem falar naquela franja que sempre escondia seu olho direito.

De qualquer forma, seria melhor focar em achar uma casa para ele, e Mabel parecia empolgada demais com sua chegada. Mesmo que a intenção fosse que ele saísse logo, Will ficaria morando na cabana por tempo indeterminado. Podia ser que encontrassem a família dele amanhã tanto quanto seis meses depois, ou até nunca chegassem a encontrar. O que fariam, então? Enfiariam o garoto em um orfanato? O mandariam pra rua novamente?

É, Dipper. Você não queria que alguma coisa diferente acontecesse?” O garoto pensou consigo mesmo. “Taí. Alguma coisa aconteceu.

 

 

— Então vocês deixaram ele ficar morando aí dentro? — a garota ruiva perguntou, arregalando os olhos. Ela usava uma velha blusa verde xadrez e se apoiava em sua moto, segurando o capacete debaixo do braço.

— Basicamente — respondeu Dipper, rindo e dando de ombros.

Os dois conversavam na frente da cabana, descontraídos. Wendy tinha saído do trabalho e resolvido dar uma passada para ver o amigo. A cena ao redor da Cabana dos Mistérios era composta basicamente por pinheiros altos e placas fazendo propaganda do lugar, assim como uma área aberta respeitável próxima à construção. O sol da tarde batia no telhado e já projetava sombras.

— Mas o mais bizarro não é isso. O cara é muito estranho. — Dipper continuou. — Sabe o que ele fez? Eu dei umas roupas minhas para ele se trocar, e ele tirou a roupa na minha frente.

Wendy abafou o riso, os ombros chacoalhando.

— Eu sei — disse o garoto. — E o pior é que ele tava sem cueca.

— Pelo menos ele era gatinho?

— O quê? Ahm, sei lá. — ele riu, vermelho. Na verdade, ele achava o garoto novo atraente, até. Não que fosse admitir isso pra alguém. Decidiu entrar na brincadeira da amiga. — Só sei que pra alguém tirar a roupa e eu gostar vai ter que pelo menos me pagar um jantar antes.

— Uhum. — a garota disse, irônica. — Se eu tivesse esperado meu namorado me pagar um jantar, eu seria virgem até hoje.

Dipper riu, mas se sentiu meio desconfortável com a conversa. Wendy mudou de assunto:

— A propósito, onde está a Mabel?

— Deve estar tentando botar uma roupa de princesa no Will ou coisa parecida. Ela grudou nesse moleque.

— Coitado. — ela comentou, rindo. Num momento de silêncio, verificou a hora em seu celular. — Ei, acho que já vou indo. Você vai à Feira do Mistério semana que vem?

— Claro, duh. A Cabana do Mistério que organiza!

— Verdade, né? — ela riu. — Beleza, então. A gente tem que se ver mais antes do fim das férias, hein?

Eles acenaram um para o outro, e Dipper suspirou depois que a garota foi embora em sua moto. Ah, Wendy... Ele chutou uma pedra no chão. Ela estava ainda mais linda do que antigamente, com esse ar de universitária e tal. Por mais que tentasse, a sua queda por ela continuava lá. Seria mesmo uma queda? Só se fosse a queda de um poço sem fundo. Por mais que tentasse, Dipper não conseguia deixar de reparar em como os cabelos dela caíam perfeitamente sobre os ombros, como cada movimento seu era perfeito, nem parar de ficar sorrindo como um bobo sempre que falava com ela.

O pior de tudo era que ele sabia que não tinha chance nenhuma. Estava claro desde os treze anos, quando combinaram em ser apenas amigos, e agora ela estava até namorando. E, no entanto, toda vez que voltavam a Gravity Falls era a mesma coisa. Sua irmã já havia o aconselhado múltiplas vezes a encontrar outra pessoa e esquecer ela. Como se fosse fácil. Ele até tinha outros interesses amorosos, mas o crush sempre voltava na potência máxima quando estava naquela bendita cidade.

Dipper voltou à cabana e limpou os pés no carpete da entrada. Lá de baixo, já podia ouvir o som de pessoas discutindo no primeiro andar. Curioso, subiu com pressa.

— Então ele vai ficar dormindo na sala? — Mabel perguntou para Soos.

— É o jeito. A não ser que você e o Dipper concordem em dormir com ele no seu quarto.

— O quarto é muito pequeno pra pôr mais um colchão!

— Até que cabe, se ele tirar durante o dia...

— Oi, gente, o que tá rolando? — Dipper interrompeu.

Os dois se viraram para ele.

— Dipper, você acha que o Will deve dormir na sala ou no nosso quarto? — sua irmã perguntou.

— Hã.... Por que não perguntam pra ele?

Pessoalmente, Dipper preferia a sala, mas achou melhor não interferir.

— Por mim tanto faz. — O hóspede deu de ombros, não parecendo nem um pouco interessado. — Vocês decidem.

— Ele não vai conseguir dormir direito na sala, o pessoal vai ficar zanzando pra lá e pra cá o tempo todo — argumentou Mabel.

— Até parece que ele vai dormir no quarto também, com você e o Dipper tagarelando a noite inteira.

Enquanto Soos e Mabel discutiam inutilmente, Dipper parou pra pensar um pouco, e antes que os dois acabassem se estrangulando, teve uma ideia:

— Já sei! Por que a gente não dá um trato no sótão e o Will dorme lá?

Um momento de silêncio. Mabel soltou um pequeno grito de alegria.

— Sim, isso é perfeito! Daí a gente pode continuar conversando e ninguém tem a privacidade violada!

Soos coçou a cabeça, pensativo. O outro gêmeo acrescentou:

— E, de quebra, o Will não precisa ficar tirando o colchão dele todo dia. Bem mais prático. Além disso, tenho certeza que a gente consegue limpar o sótão ainda hoje. O que você acha, Will?

Todos esperaram a resposta. Pela primeira vez, o hóspede parecia interessado no assunto e até sorria.

— A ideia é ótima.

E então olharam para Soos. O homem pareceu um pouco confuso por ser o centro das atenções, mas em seguida sorriu:

— O que estamos esperando? Vamos lá.

Os irmãos trocaram um toca aqui de gêmeos em comemoração, e Soos logo saiu do quarto. Quando Will passou por Dipper, deu um tapinha em seu ombro e piscou para ele. Sua pupila era de um tom levemente amarelado.

— Aí, moleque. Te devo uma.

Dipper fitou intrigado aquele rosto zombeteiro, de pele bronzeada e cabelo loiro cobrindo o olho direito. Moleque? Okay, aquele garoto definitivamente não agia de maneira adequada para um sem-teto que estava sendo hospedado voluntariamente por alguém. Não só pela forma que o chamou, mas por sua atitude em relação a tudo que falavam: não se interessava, não demonstrava estar agradecido ou cordialidade. Se Dipper tivesse sido recebido com alegria por alguém que não o conhecia, estaria quase beijando os pés dessa pessoa. Esse cara, por outro lado, agora que já tinha o que queria, estava agindo quase como se tivessem a obrigação de fazer tudo pra ele.

Subitamente, desejou que tivesse agido de forma egoísta quando o perguntaram e mandado aquele ingrato dormir na sala no meio das traças e sujeira do Ginga.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam do Will? :3 Ele é um pouco descarado às vezes seuhsuehuehushe
Sim, o Dipper ainda gosta da Wendy. Por experiência pessoal, sei que isso é possível. Você pode até esquecer a pessoa por um tempo, mas quando ela volta...
Sei que o Soos deve parecer um pouco diferente aqui do que ele geralmente é. É só que alguém precisa ser o adulto responsável nessa casa, e como a Abuelita quase não fala, esse fardo é dele. Foi mal, Soos. Mas juro que a parte idiota (e engraçada) dele não vai sumir por completo hseuheuue.



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