Ele é Will escrita por Laís Cahill


Capítulo 3
Pesadelos e roupas novas




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Todo dolorido, Dipper sentou-se em sua cama e se espreguiçou de manhã. Esfregou os olhos pesados. Não tinha dormido nada bem naquela noite.

O garoto se levantou e foi ao banheiro enxaguar o rosto. Olhou para si mesmo no espelho, mãos apoiadas na pia. Seus cabelos castanhos rebeldes pela manhã emolduravam um rosto cansado, as pontas levemente molhadas. Os olhos exibiam olheiras abaixo das sobrancelhas franzidas e uma gota de água ainda escorria pelo nariz ruborizado.

Tudo que tinha feito naquela noite fora ficar se remexendo pra lá e pra cá entre um cochilo e outro. Um flashback de seu pesadelo voltou à sua mente: O céu invadido por nuvens de um tom amarelo alaranjado doentio que se dissipavam no centro, de onde surgia uma fenda vermelho vivo com formato semelhante a uma estrela de quatro pontas. Uma pontada de dor de cabeça veio com outro flashback. Desta vez, era um enorme vitral avermelhado em formato de olho, cuja pupila era um losango escuro e comprido.

Não era a primeira vez que Dipper sonhava com isso. De fato, desde o Estranhagedon, ele vinha tendo esse tipo de pesadelo, que geralmente também envolvia ele e Mabel sendo perseguidos e Ford sendo torturado. Ele sempre acordava suado e ofegante no meio da noite, e demorava a dormir novamente. Porém, com o tempo, os pesadelos foram se tornando menos e menos frequentes até se tornarem raros. Hoje em dia, Dipper quase nunca os tinha. Qual seria o motivo deles terem retornado justo hoje? Seria algum tipo de aviso? Será que havia alguma chance de Bill voltar ou o Estranhagedon ocorrer de novo?

A ideia não desgrudou da mente de Dipper durante todo o café da manhã. A possibilidade de alguém estar tentando reestabelecer um portal para entrar em contato com o campo da mente outra vez o aterrorizava. E se alguém tivesse roubado os diários e decidido reconstruí-los?

Assim que teve certeza de que estava sozinho, então, Dipper resolveu passar no laboratório subterrâneo da cabana para conferir se tudo estava como antes. Foi lá que tudo tinha começado e, se alguém tivesse mexido ali, podia ser sinal de encrenca. A última vez que ele entrara no laboratório fora no começo das férias, e estava sendo usado como um lugar de armazenamento extra para as tranqueiras da loja. Stanford era quem usava mais o lugar, mas como ele quase sempre estava viajando, o laboratório estava uma bagunça e Dipper não tinha motivos para ficar indo lá. Até agora.

Digitou a senha rapidamente na máquina de salgadinhos e entrou. Tinha sorte de que era domingo e a loja de presentes não estava aberta, caso contrário teria de esperar até escurecer para a barra ficar limpa. Desceu as escadas do corredor atrás da máquina, entrou no elevador e apertou o botão para o terceiro piso. Seus pés batucavam no chão com impaciência até que a porta se abriu.

Um suspiro de alívio escapou da boca de Dipper quando ele soltou a respiração. Tudo parecia exatamente como da outra vez: Caixas e cabeças de animais empalhados amontoavam-se nos cantos e um pano empoeirado cobria o painel principal. Acima do painel, uma janela de vidro retangular dava para a segunda sala, em que o portal dimensional ainda se encontrava destruído no chão. Diversas outras máquinas, cujos comandos Dipper não entendia, se localizavam nas laterais. Ele passou o dedo na superfície de uma delas, que saiu coberto de poeira. Esfregou os dedos para limpá-los, distraidamente.

Ainda faltava verificar uma coisa: Os diários. Dipper tirou o pano do painel rapidamente, logo se arrependendo ao começar a espirrar com o pó. Quando se recompôs, ele retirou dali três livros velhos de capa vermelho-escuro. Os diários. Ford e Dipper já tinham considerado se livrar deles diversas vezes, por questões de segurança. Se aqueles diários caíssem em mãos erradas, o destino do mundo poderia correr perigo, pois continham instruções detalhadas sobre como invocar Bill Cipher e construir um portal dimensional. Apesar de tudo Dipper não tinha coragem de fazer isso, com medo de que ainda precisasse deles. Ou talvez ele só tivesse se apegado àquelas páginas amareladas, lombada grossa e capa de couro, depois de tudo o que passaram juntos. Afinal, era o trabalho mais importante da vida de seu tio-avô. O que ele tinha que concordar, no entanto, era que devia esconder os livros em um lugar mais seguro.

A expressão do garoto se iluminou quando ele se lembrou do lugar perfeito: O lugar onde tinha achado o terceiro livro, três anos atrás. Era um pequeno compartimento escondido no chão da floresta que podia ser aberto através de uma alavanca localizada dentro do tronco de uma árvore. Não se lembrava exatamente de qual árvore era, mas conhecia o local e não seria difícil encontrá-la de novo.

Uma caixa baixa e de base larga no canto da sala que estava cheia de adesivos velhos para carro parecia ideal para transportar os diários. Ele jogou tudo fora, colocou os diários empilhados dentro dela após envolvê-los em plástico bolha e já estava pronto para subir. Quando estava saindo pela porta da máquina de salgadinhos, no entanto, Dipper se deparou com Melody fechando a porta da loja de presentes depois de entrar. Tentou não se desesperar.

— Ahm, oi, Melody — disse, disfarçando. — O que tá fazendo por aqui em pleno domingo?

— Ei, Dipper! — Ela acenou, sorridente, e deu de ombros. — Eu só vim ver o Soos, mesmo. Além disso, a Feira do Mistério é semana que vem e a gente ainda tem muito a fazer. — ela bufou. — Coisa importante. Ele está aqui, né?

A garota guardou as chaves dentro de uma grande bolsa rosa que carregava no ombro.

— Tá sim. Ele deve estar lá em cima.

Quando a namorada de Soos saiu, Dipper suspirou. Essa foi por pouco. Certo, agora só faltava levar a caixa para o esconderijo e, com sorte, não ser visto por mais ninguém. Foi só pensar nisso que, quando cruzou a porta, deu de cara com Will na sua frente. Dipper gritou de susto e quase deixou a caixa cair.

— Oi, Dipper! — sua irmã o cumprimentou. — Eu vim aqui fora mostrar para o Will o meu gancho de escalada. Beep!

Ela apertou um botão e o gancho saltou com um tranco até encravar no tronco de uma árvore. Ainda desorientado, Dipper olhou para o garoto recostado na parede da cabana, que soltou um sorriso de deboche.

— Te assustei? Cuidado, eu não quero ter que usar calças molhadas mais tarde.

Mabel riu. Dipper sentiu suas bochechas queimarem de vergonha e raiva, encarando o garoto que vestia roupas emprestadas por ele. Estava ficando farto daquele sujeito por ali, e ficar esperando do lado de fora da porta era suspeito pra caramba. Esforçou-se para se recompor, respirando fundo e pondo um sorriso no rosto. Já sabia o que fazer.

— Ah, legal, Mabel. Falando nisso, tem uma coisa que eu ia pedir pra você ir fazer com o Will. Ele precisa de roupas novas, certo? Por que não vai com ele pra cidade e compra algumas?

Will nem teve tempo de responder.

— Sim, boa ideia! Acho que o Soos me dá algum dinheiro pra isso. — Mabel ficou animada. — Eu também podia fazer um suéter pra ele! Você vai adorar!

— Hum, claro. — Will sorriu em resposta, embora com menos animação.

O garoto moreno não pôde deixar de sorrir quando os dois voltaram para dentro. Agora poderia fazer sua tarefa com a certeza de que Will estaria ocupado até o fim do dia. Ah, o doce sabor da vitória. Até o seu corpo parecia mais leve para andar agora.

 

 

 

O tempo gasto para encontrar a árvore e enterrar os diários fora mais longo do que Dipper pensara. Agora, já no banho, seus braços tinham pequenos arranhões de galhos e suas pernas estavam cheias de picadas de insetos. Aparentemente ele não tinha tanta certeza assim do lugar em que a árvore se encontrava, e o sistema que elevava o compartimento do chão estava todo enferrujado. Pelo menos estava aliviado por ter colocado os diários em um lugar seguro.

Ao sair do chuveiro, gemeu ao ver seu tênis todo sujo de terra. Mais roupas pra lavar. Falando nisso, será que ele também teria de lavar as roupas que emprestou para Will? Fez uma cara de nojo ao se imaginar usando a mesma cueca que ele, e lutou para afastar o pensamento da cabeça.

— Ei, Dipper, vem ver só o que eu fiz para o Will! — Sua irmã o chamou quando ele entrou no quarto. Ela estava sentada em sua cama ao lado do garoto loiro, que se virou para Dipper. — Eu decidi adaptar um desses tapa-olhos do Soos depois que costurei o suéter. Awn, ele não fica adorável?

Will riu um pouco para Mabel em resposta. Dipper observou o suéter amarelo gema com estampa de pequenas chaves pretas que Mabel tinha costurado especialmente para o garoto. Ele já usava uma nova calça jeans preta e ainda havia um pequeno monte com outras roupas na cama. Finalmente, aquele tapa-olho. Tinha formato triangular com bordas levemente arredondadas e era totalmente preto, mas dava pra ver que era uma versão reformada de um dos tapa-olhos que Soos usava quando estava fantasiado de Senhor Mistério.

— E aí, pinheirinho? O que acha? — disse Will, aquele sorriso irritante no rosto.

Dipper congelou. Só tinha uma pessoa que o chamava dessa forma, e ela tinha morrido três anos atrás, apagada na mente de seu tio avô. Bill Cipher. Seria possível? Lentamente, Dipper foi ligando os pontos. Se Bill retornasse, faria todo o sentido voltar para a Cabana do Mistério, afinal, poderia encontrar os diários, reativar o portal para voltar à sua dimensão e dar continuidade ao seu plano de instaurar o caos. E aquele nome? Will só estava separado do nome do demônio por uma letra.

Dipper tentou se controlar e agir com naturalidade.

— Nossa, Will — comentou enquanto se aproximava dos dois com calma. — Essa roupa combinou mesmo em você. Sério. Eu só não entendo a utilidade deste... tapa-olho!

Dizendo a última palavra, Dipper arrancou o acessório com toda a força do rosto do outro, rasgando a tira. A cabeça de Will foi empurrada violentamente para o lado com o movimento brusco. Mabel parecia aterrorizada. Lentamente, o garoto loiro se voltou para Dipper. A menina se levantou e tentou intervir:

— Dipper, para com isso! Eu fiz o tampão porque...

— Seu lunático desgraçado! — Will se levantou, furioso. O outro garoto se encolheu, dando um passo pra trás. — Que alucinação tá se passando nesse seu cérebro de minhoca? Tá vendo isso aqui? — Ele apontou para o seu olho direito, fechado, e imitou. — “Ô caolho, cegueta, ciclope”! Tem noção do quanto já fui zoado por isso? E quando finalmente alguém é legal o suficiente pra me fazer um tapa-olho, você destrói!

Will disse a última frase particularmente alto. A garganta de Dipper ainda estava travada. Agora todas as suas suspeitas pareceram perder o sentido.

— Will, calma! — Mabel segurou o braço dele. — Isso é fácil de consertar.

O loiro se virou para ela. Pareceu ficar um pouco mais calmo e até um tanto triste.

— Obrigado, Mabel.

A garota fitou o irmão duramente, a decepção evidente no rosto.

— Espero que esteja feliz, Dipper.

E então se virou para o outro lado. O coração de Dipper pareceu despedaçar-se ao ouvir essa frase. Queria se explicar, mas não encontrava palavras. Sentia-se horrível. Burro. Estúpido. O que ele estava pensando? Que Bill tinha magicamente ganhado corpo físico e retornado como um humano depois de três anos morto? Era loucura.

Envergonhado, o garoto deixou o quarto de cabeça baixa não sem antes ouvir algumas palavras de consolo de sua irmã para o outro. O único jeito era manter-se o mais distante de Will quanto possível até que a raiva se dissipasse um pouco e, com sorte, pudesse pedir desculpas.


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Notas finais do capítulo

Oie, gente! Desculpem a demora pra atualizar. Os dois capítulos anteriores passaram pelo processo de betagem, e demorou para chegar nesse aqui. O importante é que agora vou atualizar com mais frequência!
Eu adoraria saber o que estão achando até agora ^^



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