Ele é Will escrita por Laís Cahill
Localizada no quintal da Cabana do Mistério, havia uma grande clareira coberta de grama alta e folhas secas. Stanley Pines e seu sobrinho neto discutiam perto da porta dos fundos. O mais velho meteu um rastelo na mão do outro.
— O aspirador de folhas tá quebrado, então toma isto aqui.
— Ah, fala sério! Não acha que eu seria mais útil ajudando o tivô Ford? — retrucou ele. Estava louco para voltar ao projeto no porão e sem vontade nenhuma de perder tempo arrastando folhas por aí.
Stan suspirou em resposta.
— Garoto, a sua irmã já está ajudando a fazer as placas para a feira de mistério. Alguém precisa deixar esse chão limpo até sexta-feira, então anda logo. Não esquece de cortar a grama.
O velho fechou a porta e deixou o garoto no quintal. Dipper suspirou e começou a rastelar o chão. Sentia saudade de quando ele não tinha que fazer nada para a feira e só ia passar lá quando estava tudo terminado, como um passe de mágica.
Já haviam se passado quinze minutos de sofrimento quando Bill aproximou-se atrás de Dipper.
— Ei, pinheirinho.
— Ahhhh!! — Ele sobressaltou-se e soltou o rastelo. O cabo pesado caiu no chão com um baque dolorido. — Ai, meu pé!
— Opa! Hehe, foi mal. — Bill deu um sorriso amarelo.
Dipper irritou-se.
— Onde é que você estava, criatura?
— Eu? Pela cidade — respondeu, bem-humorado, alternando o peso de um pé para o outro e desviando o olhar.
O garoto Pines ficou esperando que o demônio dissesse mais alguma coisa, mas pelo visto era só isso mesmo.
— Quer saber, não importa. Preciso deixar esse lugar limpo antes que escureça, se não meu tio-avô vai ficar uma fera.
Dipper voltou a rastelar o chão. Após a noite do abraço, os dois não puderam evitar um leve constrangimento na presença um do outro. Não sabiam como agir, e Bill não queria correr o risco de pisar na bola de novo. Contudo, em pouco tempo, a relação deles tinha voltado ao normal e Bill podia voltar a irritar e a brincar com Dipper o quanto quisesse. Não podia estar mais feliz.
— Quer ajuda? — ofereceu Bill. — Você está tirando as folhas, mas também precisa de alguém pra cortar essa grama, né?
O garoto concordou.
— Acho que seria útil. Valeu.
Bill saiu e, um tempo depois, voltou com o cortador de grama. Ligou o aparelho e começou a empurrá-lo por aí. Ao ver que o amigo tinha parado de trabalhar para observá-lo, Bill se apoiou com uma mão só no cortador, espreguiçando-se longamente. Aproximou a outra mão da boca para fingir um bocejo, mas o cortador bateu em um tronco de repente e Bill quase perdeu o equilíbrio. Dipper não conteve o riso.
Algumas provocações e alguns minutos depois, Bill já tinha acabado seu trabalho, mas o outro ainda estava na metade.
— Nossa, que demora a sua — reclamou Bill.
— Concordo. Quer fazer o trabalho pra mim? — o garoto sugeriu, dando um sorriso sarcástico e pausando o trabalho.
— Hum, dispenso.
O olhar de Bill fixou-se em um monte enorme de folhas formado em um canto. Um monte cheinho de folhas das tonalidades mais variadas, seco, volumoso, simplesmente pedindo para que alguém pulasse ali. Dipper percebeu suas intenções e ergueu o rastelo em sua direção.
— Ah, hã-hã, não vai pular aí, não!
— Mas eu não ia! Credo! — Bill voltou-se para o outro e fingiu estar ofendido, fazendo cara de sério. — Não vou te atrapalhar. Olha, quer ajuda? Me dá isso aqui.
Sem pensar, Dipper lhe entregou a ferramenta e Bill a arremessou para longe no mesmo momento, correndo na direção do monte.
— Ah, não!! — Dipper protestou e tentou impedi-lo.
Folhas voaram para todo lado.
— Uhuuu!! — comemorou o demônio, esbaldando-se no meio das folhas e as atirando para cima. Uma bagunça.
— Ora, seu…
Dipper correu até os restos mortais do monte, mas Bill foi mais rápido e fugiu para o meio das árvores.
— Não adianta fugir, eu vou te encontrar! — ele avisou, procurando atrás dos troncos.
— Tem certeza?
Dipper se voltou na direção da voz.
— Isso, continua falando.
— Oh não, ele vai me pegar! — dramatizou o demônio.
Com a maior discrição que a situação permitia, Dipper se aproximou de um tronco largo, o único largo o bastante para esconder uma pessoa. Como um felino, ele se aproximou e virou-se para ver o que havia atrás, mas não encontrou nada.
Alguém tocou em suas costas.
— Ei! — Dipper deu meia-volta, meio zangado, meio sorrindo.
Bill saiu correndo novamente, aos risos.
A perseguição continuou até voltarem em direção à cabana. Bill parou de correr de repente e Dipper, no embalo, foi de encontro a ele. Os dois caíram no folharal e rolaram pela grama, gargalhando. As folhas secas foram caindo com leveza à medida que eles se acalmavam. Dipper tentava retomar o fôlego, apesar de Bill ter parado de rolar praticamente em cima dele. Era como o dia em que descobriu sobre o portal no porão e se atirou em cima de Bill para pará-lo, só que dessa vez o contexto era todo invertido.
— Achou que minha ajuda ia sair de graça, né? — o demônio provocou.
— Okay, você ganhou essa — disse Dipper, exausto, colocando o braço na frente do rosto para disfarçar as bochechas coradas.
Bill largou-se no chão ao lado de Dipper. A brisa morna de verão soprava sobre a copa das árvores e parecia levar todo o cansaço e preocupação para longe.
— Você é impossível — murmurou o garoto humano.
As suas palavras foram absorvidas.
— A olhos humanos? Provavelmente — Bill retaliou.
— Não foi isso que eu quis dizer.
— O que você quis dizer, então? Impossivelmente bonito? — disse em tom brincalhão.
Dipper riu e franziu as sobrancelhas com a piada, mas calou-se ao ver que Bill tinha virado e o encarava, apoiado nos cotovelos. Estava perto, muito perto.
Uma respiração.
— Eu… deveria voltar pro trabalho.
Dipper levantou-se e deixou um Bill confuso no chão.
— Ah, sim. Claro.
O garoto pegou sua ferramenta para continuar a rastelar o chão.
— Talvez eu devesse limpar minha bagunça — sugeriu Bill.
— Não, tudo bem. Já está quase terminado.
— Tá bom.
Bill não entendeu por que Dipper ficou assim tão sério de repente. Decidiu não incomodá-lo e voltou para a cabana, pensando se tinha feito alguma coisa errada. Entrou pela porta dos fundos.
Do outro lado da porta, Mabel o encarava com um sorriso esquisito.
— Ahhhh! — Bill quase caiu de susto. — Mabel! Você… Você não devia estar fazendo as placas para a feira?
— Já terminei. — Ela lhe mostrou a placa que segurava, escrito “barraca do beijo”. — Por acaso vi vocês pela janela. Você e o Dipper estão muito próximos ultimamente. O que está acontecendo?
Seu olhar minucioso era como um scanner.
— Bom… Nada fora do comum — Bill murmurou, na tentativa de afastar suspeitas.
— Não tente me enganar. Eu sei o que está acontecendo, você gosta do Dipper! — Ela mesma parecia surpresa ao dizer isso. — Isso explica muita coisa.
— O quê? Claro que não! — Bill contrariou. Que espécie de acusação era aquela?
— Bobinho! Por que não me falou antes? Eu poderia ajudar você!
Bill estava confuso.
— Você... não está brava?
— Não! Por que estaria? Ok, ele é o meu irmão, isso é meio estranho. Mas mesmo assim, tenho umas dicas pra você conquistar ele!
— Quê?
— Já pensou em falar “eu te amo” com código morse? Conheço o Dipper, ele curte essas nerdices.
Ela o cutucou com o cotovelo, sugestiva.
— Não! — disse Bill, estupefato. — Eu não gosto dele desse jeito.
— Qual é, pode parar de fingir. Eu vi vocês dois.
Bill bufou, sem resposta.
— Eu vou lá pra cima.
Ele dirigiu-se às escadas. Mabel riu, erguendo o sinal de “barraca do beijo”.
— Ok! Quando quiser admitir eu vou estar aqui, viu???
Bill trancou-se no quarto e apoiou-se na porta, aliviado em se ver livre da garota.
“Você gosta do Dipper!”
Nunca tinha olhado para as coisas deste jeito, pois sempre dissociara o desejo físico da proximidade emocional. Para ele, ficar com Dipper era algo que aquele corpo humano queria e nada mais. Não era pessoal, não tinha a ver com a sua própria vontade.
Por isso, o questionamento de Mabel levantou uma dúvida: Será que ele, como demônio, gostava de Dipper? Estava apaixonado por ele, como aqueles filmes bregas de romance que a Mabel gostava de assistir? Queria fazer declarações de amor, atos heroicos e realizar rituais humanos?
Encarando desse jeito, parecia uma coisa muito mais séria. Relacionamentos eram complexos demais, e essa era apenas a ponta do iceberg. Bill não os compreendia e, até compreender, poderia machucar muita gente.
Talvez fosse melhor se manter fora deles.
Uma parca luz iluminava o porão escuro e empoeirado.
— Chave de fenda — pediu Stanford ao aprendiz, como um cirurgião ao enfermeiro.
— Está aqui. — Dipper lhe entregou a ferramenta.
— Está quase pronto.
A mesa de trabalho estava abarrotada de esquemas, ferramentas, minúsculas peças eletrônicas e quinquilharias. O localizador de anomalias no meio, iluminado por uma luminária como um experimento ultrassecreto. Foram muitas horas de trabalho árduo naquele projeto.
Por mais que Dipper tivesse pedido para ajudar o tio-avô, e por mais que gostasse de participar das invenções, agora se sentia culpado. Não tinha certeza do que, exatamente, o detector conseguiria encontrar, se era apenas atividade sobrenatural da gravidade ou algo a mais. Temia por Bill e já não sabia se queria continuar.
— Tivô Ford… — Começou a pensar em uma desculpa. — Eu…
— Terminei! — disse o tio-avô de repente, triunfante.
Os dois se inclinaram sobre a invenção, cheios de expectativa.
— Será que agora funciona? — indagou Dipper.
— Só tem uma forma de descobrir. Faça as honras.
O garoto hesitou por um momento antes de apertar o botão de ligar. O monitor piscou brevemente, mas logo se estabilizou. A pequena antena que captava sinais começou a girar, e a caneta começou a rabiscar o longo rolo de papel que saía da máquina.
— Hora de fazer a pesquisa em um raio de cinco quilômetros…
O velho digitou os comandos no teclado. Dipper uniu as mãos perto da boca com preocupação. Ao apertarem o botão de pesquisar, o sistema iniciou a formação de uma imagem na tela.
O cientista deu um grande sorriso.
— Isso! Toca aqui!
Os dois comemoraram, mas a alegria durou pouco. O aparelho começou a apitar logo em seguida, a luz vermelha de emergência piscava com um pulso acelerado.
— O que é agora? — O garoto se curvou na frente do monitor, preocupado.
Algumas marcas se espalhavam pela tela, como pingos de tinta manchando o papel. A maior delas se localizava exatamente onde estavam, no porão.
— Isso não é bom — anunciou Ford, sombrio. — Nada bom mesmo.
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Você chegou até aqui? Obrigada! :D
Eu vi que tinha gente esperando que Bill e o Dipper ficassem juntos logo após a reconciliação. Não esperem que seja tão fácil hahahaha
This is getting interesting.