Ele é Will escrita por Laís Cahill


Capítulo 11
O luau


Notas iniciais do capítulo

É hoje, o capítulo do tão esperado luau! Se quiser entrar no clima, vou deixar um link com música ambiente:
https://youtu.be/tEKis6wMSSs



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773173/chapter/11

— Sabe qual é o nome desses colares, Dipper? Lei!

Mabel pegou o colar de flores que ofereceram na entrada da piscina e o enrolou para enfeitar a própria cabeça. Os gêmeos, acompanhados por Bill, tinham acabado de pagar sua entrada na pequena mesa perto do portão, depois de esperar algum tempo na fila. O garoto riu do entusiasmo da irmã. Às vezes ela era tão facilmente impressionável...

— Certo, vou pegar um... “lei” também.

Ao entrar na área da piscina, porém, ele não pôde evitar ficar boquiaberto. Os organizadores do evento tinham mesmo realizado um ótimo trabalho com a ambientação do lugar. A grade de metal, que cercava a área pavimentada, estava coberta por folhas de palmeiras e pranchas de surfe, e a deprimente prisão da piscina tinha sido substituída por um local cheio de mesinhas e cadeiras para as pessoas sentarem depois de fazerem seus pedidos no bar. Pequenas lampadinhas penduradas em correntes enfeitavam o lugar, que era iluminado pelos raios do sol poente e luzes submersas da piscina. Isso sem contar a ótima música havaiana ao vivo se misturando ao som de pessoas rindo e conversando.

— Oi, Mabel! Aloha! — As amigas de Mabel apareceram e cumprimentaram a amiga, despertando Dipper de seu transe.

— Candy, Grenda! E aí?

Enquanto as meninas colocavam o papo em dia, o garoto olhou para a multidão que se espalhava ao redor da piscina e umas poucas que se arriscavam a entrar. Imaginou se Wendy estaria entre elas. Não que estivesse obcecado com isso, mas esperava ter alguém além de sua irmã e Bill com quem conversar durante a festa. Apesar de Dipper costumar ser pessimista em relação às coisas, a música suave e alegre lhe transmitia um bom pressentimento sobre aquela noite.

— Ai! Eu não acredito! Aquele é o Mermando? — Mabel gritou de repente e apontou para o cara que tocava ukelele na banda, debaixo de um holofote no outro lado da piscina. Dipper estreitou os olhos: Parecia realmente o tritão, com cabelo comprido e pele escura, só que sem o detalhe da cauda de peixe, obviamente.

— Merma... quê? — Grenda disse, confusa.

— Vamos! Eu tenho que falar com ele!

Dipper riu, observando sua irmã levar as amigas para o meio da multidão à força. Achava muito improvável que fosse mesmo o Mermando, mas quem era ele para duvidar de alguma coisa? Pelo menos elas teriam uma noite divertida.

Falando nisso, o que será que tinha para comer?

— Ei, Will, acho que vou dar uma volta por aí — avisou ao outro, que ainda estava por perto. Estava tão quieto que era fácil se esquecer da sua presença.

— Pode ir. Eu vou ficar bem.

A atitude de Bill, com as mãos nos bolsos enquanto olhava para longe e dava alguns passos, não passava muita confiança, mas Dipper considerou que não havia nada de muito ruim que ele pudesse fazer por ali, de qualquer forma: Nenhuma sucata para transformar em portal ou tios-avôs para atazanar. Feliz em se ver livre de amarras, o garoto se infiltrou na multidão, à procura do bar e, por que não, de diversão?

Não demorou, no entanto, para ele se deparar com um obstáculo: um homem de rosto de harpia e porte assustador apoiado em uma parede. Dipper foi obrigado a desviar. Era o cara que ele e Wendy apelidaram de senhor Checa-piscina durante o curto período que trabalharam para ele, pois era obcecado com aquilo e os dava calafrios. Provavelmente estava ali para se certificar de que a sua amada piscina não seria danificada durante o evento, além de, claro, ser pago para isso. De qualquer modo, Dipper preferia passar longe dele. Não ficaria surpreso se o homem ainda guardasse ressentimentos daquela época.

Apesar do encontro indesejado, chegar ao seu destino não foi difícil, já que o bar tinha em suas extremidades totens esculpidos em madeira com tochas acesas no topo. O fogo com certeza chamava atenção em contraste com a luz decrescente da tarde. Logo que se aproximou, congelou ao ouvir vozes conhecidas.

Era ela mesma. Wendy Corduroy, vestindo um top branco e shorts com blusa amarrada no quadril, que deixavam sua cintura definida em evidência, os cabelos ruivos soltos pelas costas. Ela conversava com uma amiga no momento, uma mão na cintura, e Dipper teve que se lembrar de soltar a respiração antes de se aproximar, sorrindo.

— Oi, Wendy! Como vai?

— Ei, fala aí, Dipper! — respondeu a ruiva, trocando um toca aqui com o garoto. — Não sabia que você vinha! Eu chamei a Tambry pra vir comigo.

Wendy apontou para sua amiga, uma garota um pouco mais baixa que ela, de cabelo roxo até a linha do queixo com uma mecha rosa. Dipper ficou curioso.

— Tambry?

— Eu mesma — disse ela. — Por que a surpresa?

— Nada, é só que piscina não parece o seu tipo de coisa.

A garota estava completamente vestida com roupas escuras, mesmo estando calor e se tratando de uma festa na piscina. Pelo que se lembrava, Tambry era um tanto viciada em celular, e as duas coisas não combinavam muito.

— E não é. Ela me chantageou, Dipper — a garota emo disse com os olhos arregalados, encarando o menino. — Roubou o meu celular e disse que não ia devolver se eu não viesse. Você acha que conhece as pessoas, mas depois elas te apunhalam pelas costas!

— Sua mentirosa! O seu celular tá na sua bolsa! — Wendy riu, empurrando a amiga. — Ela tá mentindo, Dipper.

Tambry pressionou os lábios para não rir.

— Ou será que é isso que ela quer que você pense?

O trio deu risada. Dipper tinha se esquecido do quanto era divertido passar um tempo com a turma da Wendy.

— Ei, Wendy — ele puxou assunto. — Você lembra do senhor Checa-piscina?

— Ugh. — A garota estremeceu. — Nem me lembre desse cara.

— Não repara, mas... eu o vi na beirada da piscina, perto do quartinho de equipamentos.

— Uh oh. — Ela olhou ao seu redor, preocupada. — Será que ele percebeu que eu joguei álcool na piscina?

— Você o quê?

Olhando com mais atenção, o pessoal na piscina não parecia estar muito normal. Dipper soltou uma gargalhada ao avistar um sujeito boiando de barriga pra cima, parecendo muito chapado. Será que ela não conseguia passar um dia sem arrumar encrenca?

Os três continuaram a bater papo por um tempo, até chegar um rapaz alto na roda e cumprimentar as meninas, bem-humorado. Tinha um porte atlético bem aparente pela falta de camisa. Dipper tentou sorrir, mas notou, incomodado, o jeito como o outro ficava perto de Wendy, do jeito que apenas uma pessoa muito próxima faz.

— Ei, Dipper, você ainda não conhece o Nate, não é?

O garoto fez que não com a cabeça, desconfiado. Os dois se apresentaram um para o outro, mas não adiantou: A primeira impressão já tinha ficado. Assim que Nate entrou na roda, Dipper começou a se sentir mais e mais deixado de lado, pois o grupo agora falava de pessoas e assuntos que ele não conhecia. Ele tentava sorrir às vezes, só para fingir que entendia as brincadeiras, mas ficou olhando aleatoriamente para os lados, considerando seriamente ir fazer outra coisa. Por fim, se cansou de ficar ali.

— Ei, Wendy, acho que vou comprar uma bebida — ele avisou à amiga.

— Ok. — ela respondeu rapidamente. O resto do grupo continuava conversando entre si. Quando Dipper virou-se, ela chamou sua atenção. — Ah, já que você vai lá, compra uma pra mim também? Vê se consegue uma com álcool.

Dipper coçou a nuca. Sinceramente, não estava a fim de mais problemas.

— Eu não sei, Wendy. Nem ferrando vão acreditar que tenho vinte e um anos.

— Ah, qual é, Dipper. — Ela o cutucou com o cotovelo, descontraída. — Tenho certeza que o pessoal não está nem aí, eu peguei uma agora a pouco. Eu te pago depois.

Por que era tão terrivelmente difícil dizer não para aquela garota?

— Tudo bem, então — Dipper cedeu, com um suspiro que ele esperava não ter sido ouvido graças ao barulho da festa.

Ao virar de costas, no entanto, o garoto se deparou com uma fila imensa para o bar. Deu de ombros, pois não era como se ele tivesse muita coisa melhor para fazer, de qualquer forma. Apesar da longa extensão da fila, divagar em seus próprios pensamentos era uma coisa que Dipper fazia como ninguém e, antes que se desse conta, já estava na frente dela.

— Ô garoto, o que você... Ahhhh! — O barman se assustou quando Dipper se voltou para ele. O uniforme de funcionário da festa, que consistia em roupas de banho e um colar de flores coloridas, não combinava nem um pouco com o peito pálido, cabelo emo e cara mal humorada do atendente.

— Robbie? O que você tá fazendo aqui? — Dipper falou, surpreso, dando uma risada. — A propósito, belo colar.

— Ah, legal. Era só o que faltava. — Robbie bufou do outro lado do balcão. Geralmente essa era a parte que ele se escondia em seu capuz, mas sua mão passava inutilmente sobre o próprio peito, sem encontrar nenhum cordão para fechar o gorro. — Vai pedir alguma coisa ou vai vazar logo daqui?

Dipper achou aquilo uma piada. De todas as pessoas que poderiam ter contratado para o evento, Robbie era a que menos se encaixava no papel.

— Bom, deixa eu dar uma olhada... — Ele observou o cardápio brevemente. — Me vê dois desse... coquetel azul havaiano, um deles com álcool porque é pra Wendy.

— Ah, tá certo — Robbie ironizou. — Até parece que eu vou acreditar nesse seu papo furado, pirralho. Você quer é encher a cara.

Isso era... exatamente o que Dipper estava esperando.

— Eu tô falando sério — ele insistiu. — Vou ter mesmo que trazer ela aqui pra confirmar? E não é como se você se importasse com regras. Aposto que só está fazendo isso porque sou eu.

— Uau, que descoberta, Sherlock. Grande coisa. — O barman cruzou os braços. Acrescentou — E, se você realmente está pedindo uma bebida pra ela, onde é que ela está agora, hein? Só quero ver.

— Há, fácil. — Animado, Dipper se esticou sobre a multidão para apontar para o local onde Wendy estava minutos atrás. — Tá vendo ali, do lado da Tambry?

Robbie quase caiu no balcão.

— O quê? A Tambry veio? Ela não me disse nada!

Dipper observou o cara ficar desesperado, esticando o pescoço na tentativa de avistar a garota.

 — Ahhhnn, deixa eu adivinhar — acrescentou lentamente. — Você brigou com a Tambry.

Ao invés de retrucar, Robbie simplesmente enfiou seu colar de flores na cabeça de Dipper.

— Olha, pode pegar que bebida você quiser, eu não me importo, tá? Eu já volto.

Antes que o garoto pudesse protestar, o barman de araque correu como um raio para o meio da multidão e Dipper se viu no lugar dele, embasbacado e confuso. Robbie achava mesmo que ia fazê-lo trabalhar de graça no seu lugar? Ah tá. Ele vislumbrou, em pânico, a fila cheia de pessoas impacientes e tentou sair de fininho, colocando o colar de volta na mesa. Foi pego no flagra.

— Onde você pensa que vai? — Uma garota de biquíni que trabalhava ali o agarrou pela camisa, furiosa. — Volte ao trabalho, as pessoas estão esperando!

Dipper ergueu os braços em rendição e encarou os olhos da garota, atrás de grossos óculos de grau. Ela estava achando mesmo que ele era o Robbie? Pelo jeito estava, porque continuou a trabalhar como se nada tivesse acontecido. Que mulher maluca.

Sem opções, e sem querer apanhar, Dipper começou a atender aos pedidos do jeito que dava. Para falar a verdade, trabalhar sob pressão e sem fazer a menor ideia do que estava fazendo era incrivelmente estressante, mas a esperança de receber dois coquetéis de graça o mantinha ali. Depois de o que pareceram horas, o pensamento de que Robbie talvez nem sequer voltasse começou a martelar na cabeça de Dipper. Justamente quando o garoto estava prestes a desistir, Robbie finalmente apareceu.

— Aê, valeu, cara — ele agradeceu. Tambry tinha voltado com ele. — Achei que, a esta altura, você já estaria longe.

— Robbie! — Dipper se voltou para ele, furioso, largando seu posto. — Mais um segundo e eu teria socado a sua cara!

— Nossa, calma! — O jovem riu. Provavelmente Dipper nunca o tinha visto tão bem-humorado. — Qual era mesmo a bebida que você queria? Coquetel azul sei lá o quê, né? Eu faço pra você.

Com uma destreza impressionante e muito satisfatória, Robbie misturou dois coquetéis e os serviu em copos separados. O líquido era azul bebê com gelo em pedaços, e o copo de plástico, grande e decorado.

— Não precisa pagar. O da Wendy — ele falou em tom sarcástico — é o que tem o guarda-chuva.

O guarda-chuvinha era feito de papel cartão e crepom, montado ao redor de um canudo.

— Certo, vou fingir que não percebi esse sarcasmo aí. — Dipper riu. Sendo tão gentil assim, Robbie nem parecia a mesma pessoa. — Até mais.

Antes de sair, Dipper avistou Tambry já enfiada atrás de seu celular e se lembrou de que precisava perguntar algo para ela.

— Tambry, você sabe onde está a Wendy?

— Não sei, foi mal — respondeu, sem parar de digitar. Sua habilidade de prestar atenção a duas coisas ao mesmo tempo era sem dúvida impressionante. — Eu estava com ela agora há pouco, mas aí ela foi pra outro lugar com o Nate.

— Hum. — Dipper engoliu em seco. Sabia muito bem o que aquilo poderia significar. — Bem, obrigado de qualquer forma.

Antes de sair de perto do bar, Dipper ouviu um homem furioso reclamando com Robbie.

— Quem foi que fez esse drinque? Eu pedi sabor limão, e não laranja! E o que misturaram aqui não é uísque.

Dipper apressou-se em dar o fora dali antes de se meter em problemas novamente. Abriu caminho no meio da multidão com cuidado para não derrubar a bebida e começou a procurar Wendy. Como esperado, ela não estava no lugar de antes, nem perto da banda, nem em uma das mesinhas, nem no meio da piscina... Justamente quando ele concluiu que ela só podia estar demorando no banheiro, reparou em um casal em um canto da piscina. A garota tinha cabelo ruivo.

Uma bola de tênis pareceu entalar-se na garganta de Dipper. Estático, ele observou a ruiva colocar um colar de flores carinhosamente no pescoço do seu companheiro. O rosto dela, banhado pela suave luz azul, que vinha das paredes da piscina, e o cabelo, escurecido pela umidade, eram inconfundíveis. Wendy. Com aquele cara que, de tão insignificante, Dipper já tinha esquecido o nome.

Ao sinal de um beijo iminente, Dipper voltou-se para o outro lado. Junto com o choque de realidade, sentiu muita raiva. Enfurecido, afastou-se da piscina, buscando ficar o mais longe possível da cena. Tinha vontade de atirar os coquetéis no chão e pisar em cima, não apenas por ter ficado esperando por tanto tempo na fila, se submetido ao acordo de Robbie e ter sido feito de idiota por Wendy, mas por ser sempre tão trouxa. Ele sabia que não tinha chance nenhuma, desde seus doze anos era assim e, no entanto, seu coração nunca quis acreditar nisso. Poderia até ficar machucado uma vez ou outra, mas voltava a saltar à primeira demonstração de afeto.

Essa era para ser uma noite incrível, e ele próprio tinha conseguido estragar tudo. Por que afinal, a culpa não era de Wendy por desapontar as expectativas de um garotinho iludido. Se ela tinha um namorado, por que não iria ficar com ele durante a festa? Que se dane se alguém acabasse vendo. A pior parte era que Dipper já sabia de tudo, mas continuou nutrindo esperanças até que visse com os próprios olhos. A música alegre e calma da festa não parecia mais confortá-lo e sim zombar dele.

Recostado em uma parede perto de onde as pessoas dançavam, Dipper tomou um gole generoso do coquetel de Wendy. Tinha o mesmo sabor que o outro: Suco de abacaxi e refrigerante com um leve traço de coco, exceto por um toque alcoólico que descia queimando a garganta. Amassou o guarda-chuvinha e jogou no lixo com um movimento. O gosto da bebida com álcool nem era melhor que a normal, mas ele não dava a mínima. Se o álcool realmente podia fazer as pessoas se esquecerem de seus problemas, mesmo que apenas por alguns instantes, essa era a hora de testar.

Ficou observando as pessoas dançarem e conversarem enquanto bebericava sua bebida, um pouco deprimido, até que, entre elas, avistou Bill. Ele estava conversando com uma garota e tinha um copo na mão. Apesar do mau-humor, Dipper ficou curioso. Seria possível que Bill já tivesse aprendido a dar em cima das garotas? Aproximou-se com os ouvidos atentos. Antes que pudesse distinguir alguma palavra, no entanto, ele observou o demônio se curvar e engasgar. A mão dele agarrava o próprio peito, tossindo, e a garota parecia desesperada, sem saber o que fazer. Dipper estava prestes a correr para ajudar, mas nesse instante Bill cuspiu alguns cubos de gelo em seu próprio copo. A garota, pasma, o encarou.

— Ah, não se preocupe, eu tô bem. Só precisava de um pouco de gelo na bebida — disse ele, como se nada tivesse acontecido. O cérebro da pobre menina ainda lutava para processar a informação. Bill estendeu o copo na direção dela. — Quer um pouco também?

Dipper tapou a própria boca para não cuspir a bebida. Obviamente, a garota ficou sem graça e recusou. Soltou alguma desculpa qualquer e deu o fora.

Quando Bill deixou o centro da pista de dança e se dirigiu à parede, Dipper caiu na gargalhada.

— Caramba, Will, esse é o seu jeito de “flertar”?

O outro sorriu.

— Ora, não seja idiota. É claro que eu sei que elas não vão gostar, só é divertido ver a cara delas.

Com isso, Dipper tinha que concordar. O demônio se apoiou na parede ao seu lado e o fez lembrar do coquetel restante, que estava apoiado no peitoril de uma janela ao seu lado para não ter que ficar segurando.

— Servido? — Dipper ofereceu.

Bill olhou para o garoto como se ele tivesse acabado de lhe oferecer alguma espécie de droga ilícita.

— Tem certeza que essa coisa não tá batizada?

— Will, por favor, né. — Dipper revirou os olhos. — Apenas pegue.

Sem mais perguntas, o demônio aceitou o copo e o colocou dentro do que já segurava, que estava vazio. Por um momento, os dois ficaram apenas ali, um ao lado do outro, como bons parceiros. Nem parecia que, menos de uma semana atrás, ainda eram inimigos mortais.

— Saca só essa — Bill avisou.

Encostado de maneira descontraída na parede, Bill avistou uma garota, que estava batendo papo com suas amigas a alguns metros de distância, e piscou para ela. A princípio, Dipper pensou que a brincadeira não fosse funcionar, já que, pela roupa e trejeitos, se tratava de uma patricinha esnobe e, portanto, difícil de impressionar. A estratégia, no entanto, logo se provou eficaz quando a garota sorriu orgulhosamente ao conversar com as amigas e começou a lançar olhares para o outro. Dipper ficou boquiaberto, em um misto de incredulidade bem-humorada e inveja. Sério mesmo que aquela desgraça conseguia flertar com qualquer um e se dar bem?

Olhou para o corpo de Bill com um pouco mais de atenção. Apesar de ser magro devido à má alimentação, sua postura era relaxada e transbordava autoconfiança. Era até engraçado ver como ele sempre estava usando algum item amarelo. No momento, esse item era a bermuda, e a parte de cima consistia de uma camisa escura semiabotoada. Não sabia exatamente o que havia de diferente nele, mas até que concordava que ele estava... esteticamente agradável.

Mais algumas jogadas de charme depois, a patricinha foi para um canto pegar alguns petiscos e Bill aproveitou para ir falar com ela. Foi recebido com um sorriso.

— E aí, gato? Curtindo a festa?

Ela se apoiou na mesa, brincando com uma mecha de seu cabelo cacheado com os dedos.

— Agora tá ficando melhor. — Bill se inclinou na direção dela e sorriu. Dipper revirou os olhos e se perguntou aonde aquilo ia chegar. Mesmo de longe, ele podia ver que o demônio continuava piscando o único olho aparente com uma frequência que estava começando a incomodar. A garota riu. — Aliás, que bom que você está aqui. Eu queria te perguntar uma coisa.

Ela olhou para o outro com expectativa, um sorriso levemente malicioso no rosto. Pobre garota.

— Aquela sua amiga ali, qual é o nome dela? A do nariz grande. — Bill apontou para a roda de amigas dela, em um canto. Em resposta, a patricinha franziu as sobrancelhas, confusa. — Eu estava pensando se você poderia nos apresentar.

O sorriso da garota desapareceu completamente. Agora ela parecia insultada, mas Bill continuou tagarelando.

— Quer dizer, eu tenho alguma coisa por meninas de nariz grande — ele disse com falso constrangimento, ainda piscando com frequência. — Imagina durante um beijo, sentir ele passando pelo pescoço e... — De repente, ele começou a esfregar o olho, que piscava loucamente. — Ah, para quieto, desgraça de olho!

O rosto da menina era uma mistura de expressões. Nenhuma delas boa.

— Foi mal, é que eu tenho um tique nesse olho, foi assim que perdi o outro... — Ele apontou para o tapa-olho e então desferiu outro golpe no olho que piscava. — Ai, sossega, mano! Por que você resolve dar a louca justo quando... argh! Enfim, você pode me apresentar pra ela?

Silêncio. A garota bufou em descrença. Nem se deu ao trabalho de responder: Simplesmente balançou a cabeça em negação, revirou os olhos e foi embora. Assim que isso aconteceu, Bill abriu um largo sorriso e se voltou para Dipper, que soltou todo o riso que estava segurando.

— Eu não consigo, não dá! — O garoto se afastou do local com Bill em seu encalço, rindo alto. Estava com muita vergonha alheia, mas aquilo era hilário.

Os dois foram para um lugar menos lotado, perto do banheiro masculino, e continuaram a conversar animadamente, um tanto isolados do resto do barulho da festa. Bill explicou que gostava de ser estranho de propósito. Segundo ele, os humanos tinham uma noção muito restrita dos comportamentos que eram aceitáveis ou não, e ver como as pessoas reagiam de forma exagerada a coisas tão simples era curioso.

Enquanto escutava Bill, empolgado ao falar do assunto e com o rosto iluminado pela luz amarelada do lugar, Dipper achava difícil acreditar que aquele era o demônio que um dia tinha virado toda Gravity Falls do avesso. Ele só parecia... humano demais. Se ignorasse tudo o que sabia anteriormente, dava até para acreditar que aquele era um garoto normal, que por acaso tinha conhecido numa festa. Alguém que tinha família e sentimentos como qualquer um.

Foi apenas quando Dipper tomou o último gole de seu copo que ele se deu conta do quanto tinha bebido e começou a se preocupar. O seu estômago parecia estranho, como se estivesse esquentando, e o rosto também estava um pouco quente. A sensação era estranhamente boa.

— Ei, pinheiro? Você tá aí? — Bill acenava para o outro, que tinha parado de prestar atenção na conversa.

— Oi, foi mal. — Dipper olhou para ele. — O que você disse?

— Eu desafiei você a entrar na piscina — Ele falou alto, apontando para a água.

O garoto quase riu, lembrando do que Wendy tinha falado mais cedo.

— Você é louco. Tacaram álcool nessa piscina, cara.

— Primeiro, sim, sou — Bill retrucou. — Segundo, por que você liga se já está bêbado?

Dipper encarou o demônio, desconcertado. Ele não tinha dito nada sobre as propriedades alcoólicas da bebida.

— Como você poderia saber disso?

— Há, sabe... — Ele sorriu, presunçoso. — Não é difícil de presumir isso quando você fica olhando para esse copo o tempo todo como se tivesse cometido algum crime.

— Seu... — Dipper balançou a cabeça em negação, rindo. — Tá, eu bebi sim. O que vai fazer sobre isso?

Bill exibiu um sorriso malicioso.

— Eu? Nada. Eu só estou orgulhoso por você estar seguindo meus passos.

O demônio recebeu uma cotovelada em resposta. Alguns minutos de conversa depois, Dipper olhou para o seu relógio e percebeu que já era tarde demais.

— Ei, Will, acho melhor a gente ir andando. Combinei de me encontrar com a Mabel na entrada às nove e meia.

— Ah. Pode ir, eu vou pegar outra bebida antes.

Dipper concordou e seguiu rumo à entrada, mas, ao chegar lá, Mabel ainda não tinha aparecido. Ao invés de voltar para procurá-la, ele decidiu esperar ali mesmo, encostado em um canto no lado de fora e gingando um pouco o corpo ao ritmo da música havaiana. A essa hora o céu já tinha escurecido fazia algum tempo, e dava para ver pouca coisa além dos pinheiros e arbustos da vegetação à frente. Só percebeu que havia dois jovens de aparência duvidosa por ali quando eles já estavam perto demais. Os dois se aproximaram do garoto, cercando-o.

— E-ei, caras, o que... — Dipper tentou conversar, mas logo recebeu um empurrão do cara que mais parecia uma muralha. Sua sombra se estendia acima de Dipper, bloqueando o caminho e o forçando a se afastar do local da festa. Onde estavam os seguranças quando se precisava deles?

— Não estamos aqui para bater papo, pirralho.

O outro cara riu, os dentes tortos e horríveis à mostra.

— Sim, nós estamos aqui para bater outra coisa.

O jovem enorme encarou seu colega com uma expressão de “Sério, cara?”.

— Bater carteira! É isso que eu quis dizer. Carteira. Haha.

O outro cobriu o rosto, com vergonha alheia. Enquanto isso, Dipper ficou desviando o olhar de um rosto para o outro, que lhe pareciam familiares.

— Espera um pouco.... Eu conheço vocês! — Ele apontou para eles, em reconhecimento. — Vocês atacaram o meu amigo naquele abrigo para sem-tetos!

— Ah, é mesmo? — O grandão riu. — Que ótimo, porque você vai ser o próximo se não passar a carteira!

Dipper sentiu os músculos retesarem e encarou os valentões, com fúria contida. Podia ser que se desse terrivelmente mal, mas não estava nem um pouco a fim de recuar. Ao invés disso, a vontade de encher aquelas caras horríveis de porrada só crescia.

— Haha, olha só — o dentuço caçoou. — O baixinho acha que consegue nos enfrentar!

Provavelmente esse era o rumo que a discussão tomaria se não fosse por Bill, que chegou na hora certa.

— Há. Bom ver vocês de novo, cabeças de vento. Podem largar o pirralho.

O demônio parecia despreocupado e exibia um sorriso pretensioso no rosto, de forma muito parecida com o que costumava fazer em sua forma triangular. Por que Bill estava fazendo aquilo? Os valentões se voltaram para ele.

— Olha só, o namorado dele chegou! O que vai fazer? Chamar uma mulherzinha pra salvar seu traseiro que nem da última vez?

Agora fora do foco da atenção, Dipper não sabia o que fazer. Devia fugir? Talvez atacá-los primeiro enquanto não estavam prestando atenção? Encarou Bill em busca de algum sinal, mas ele não encontrou o seu olhar um segundo sequer. Ao invés disso, se aproximou a passos tranquilos.

— Vocês tiveram sorte que da última vez eu estava em público e não pude fazer nada. Ainda bem que agora este não é o caso.

— Escuta, ciclope, este é o último aviso. — O grandão inflou o peito e encarou o outro, dando um passo para frente.

Apesar das ameaças, Bill não parecia amedrontado. Muito pelo contrário.

— Ah, sim, meu outro olho. — Ele fez um gesto com a mão, como se estivesse entediado. — Já que você gosta tanto dele, que tal... dar uma olhada?

Assim que o demônio puxou o tapa-olho, os dois bandidos gritaram de susto. O olho de tom amarelo e doentio com pupila reptiliana girava como se estivesse fora de controle, acompanhado de uma longa risada maligna. Os dois deram um passo para trás.

— Mas o quê…?

— Saiam da minha frente agora, antes que eu acabe com as suas raças! Vocês não sabem com quem estão lidando, bando de imbecis!

Dava para ver as pernas deles tremendo. Um deles tentou se aproximar, mas Bill deu um passo para frente com imponência.

— Eu disse SAIAM!

Em resposta, os dois recuaram e um deles quase caiu, para em seguida sair correndo em desespero. O pânico gerado pelo susto foi tão irracional e repentino que era impossível não haver poderes mentais envolvidos.

— Eu vou assombrar os seus sonhos! Não podem se esconder de mim! — Bill bradou para eles até que sumissem de vista. Depois espanou a palma das mãos, como quem se livra de um estorvo. — Haha, assustar humanos é tão fácil. Esses dois vão ter pesadelos por um bom tempo.

— Will! Isso foi incrível! — Dipper se jogou em cima de Bill em um abraço, sem pensar direito. Afagou os cabelos dele, rindo, mas recebeu um empurrão em resposta.

— Argh, me solta, desgraça! Tá parecendo a sua irmã, credo!

Dipper riu.

— Você acabou de se meter em encrenca por minha causa, é claro que eu tô feliz!

De fato, tudo aquilo era surpreendente. Dipper nunca tinha visto o outro fazer algo que não fosse para próprio benefício, ainda mais para ajudar quem costumava ser seu inimigo.

— Acha mesmo que é por sua causa? Tá bom. Você é tão ingênuo. — Bill olhou para o outro lado, convencido. — Eu queria dar o troco naqueles caras, só isso.

Aquela desculpa não colou nem um pouco, mas Dipper preferiu não discutir. Teria sido muito mais fácil para Bill simplesmente ficar lá e vê-lo apanhar dos dois desconhecidos, e Dipper nem ficaria sabendo disso. E se a intenção fosse ganhar a confiança de Dipper, ele simplesmente teria admitido ter vindo por causa dele. A única explicação era que o demônio se importava com ele… em algum nível. E, caramba, ele tinha mesmo chamado Bill de amigo no meio da discussão?

Já sem nada para fazer, os dois voltaram à entrada, à espera de Mabel. A lua brilhava já alta na imensidão estrelada acima dos pinheiros, indicando as horas transcorridas na festa. Redonda e luminosa, clareava a paisagem ao redor como um discreto, porém poderoso holofote. Tratava-se de uma daquelas noites encantadoramente inspiradoras, em que até o indivíduo mais cético se encontraria envolto por uma névoa mágica de ternura inexplicável e se permitiria, ao menos por alguns breves instantes, acreditar que tudo era possível.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse talvez tenha sido um dos capítulos mais bafônicos até agora.
Se bem que... tem vários XD
Qual foi a sua parte preferida? :3



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ele é Will" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.