Sorriso Insano escrita por LoneGhost


Capítulo 9
Nostalgia depressiva


Notas iniciais do capítulo

Já conheceram um cordeiro em pele de lobo?
Ok, então conheçam um cordeiro em pele de lobo.

Boa leitura (kisses)



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Estava lá eu, esculpindo um sorriso com uma faca no rosto de minha falecida mãe, com um psicopata me guiando ao fazer isso. Quando terminamos de dar um sorriso a minha ela, que estava com o rosto totalmente horrível, Jeff olhou para mim, enquanto eu, atordoada, ainda olhava para o corpo.

—Que tal te deixarmos bonita também?- perguntou.

Virei-me lentamente para ele que me olhava com olhos diabólicos.

—Não, Jeff...- levantei-me rápido.- Eu não quero.

—Como assim "não"?- questionou se levantando também.

—É que...- comecei, mas não tinha motivos bons para terminar... não motivos bons para ele.

—Quer dizer...- ele começou, mudando totalmente de expressão.- Que você não me acha bonito?

Ele agora parecia mais louco do que antes, como se um complexo de bipolaridade tivesse passado sobre sua mente. Antes, parecia estar adorando tudo aquilo, mas naquele instante, parecia estar indignado e triste. Escolhi com delicadeza as palavras, temendo a morte.

—N-Não, Jeff... você é lindo. M-Mas... eu... acho que não ficaria tão bonita quanto você.

Ele pareceu se concentrar um pouco em minhas palavras, mas logo voltou ao pensamento de antes.

—Mentira!- gritou, irritado.- Você não quer ser como eu, não é mesmo?!

Acertou pensei. Comecei a recuar enquanto ele se aproximava de mim. Percebi que ainda estava com a faca dele em minhas mãos, e ele, desarmado. Não sabia se aquilo era vantagem, pois ele mesmo era uma arma.

—Jeff, somos amigos...

—Você é como Jane...- ele disse.- Você é amiga dela também?

Lembrei-me de Jane, vulgo Jane The Killer, a garota que Jeff quase assassinou tentando deixa-la “bonita” também. Naquele instante, sabia o que ela passou. Pensava que ela fosse somente uma lenda, mas percebi que estava errada.

—Jane?- dei um sorriso forçado.- Posso listar motivos de preferir estar ao seu lado.

Sua expressão mudou novamente depois daquilo, parecendo mais convencido.

—Verdade...?- perguntou em tom baixo.

—S-Sim, Jeff...você é muito melhor do que ela.- menti.

 Ele respirava rápido, olhando para mim, parecendo estar confuso e triste, mas seus olhos demonstravam raiva. Aquele garoto me deixava mais louca do que Thomas, que não parecia sentir nada, e ao contrário, Jeff sentia tudo. Eu estava trêmula e respirava mais rápido que Jeff. Nós ficamos nos encarando por alguns segundos e com aquela faca na mão, me preparava para qualquer ataque surpresa. Ele começou a andar em minha direção, mas sabia que se recuasse, seria pior para mim, então apenas o esperei chegar perto. Aproximou o rosto do meu e pude sentir-me fuzilada por seus olhos.

—Espero mesmo.- disse sério, o que me fez estremecer.

Ele era visivelmente mais alto que eu e olhando-o assim, podia ver que os traços de seu rosto mostrava uma pessoa que um dia foi bonita, mas que transformou-se em um monstro. Estendeu sua mão e dei a faca para ele, perdendo minha chance de ataca-lo. Aliás, acho que aquilo foi melhor, eu não teria forças para matar alguém que nem Slenderman enfrentava.

—Me siga.- ele disse.

 

 Começou a andar e eu fiz o mesmo. Passamos por vários lugares e eu ouvia vozes falando por todos os lados, algumas dando risadas, outras chamando meu nome, outras me criticando... percebia que Jeff não ouvia nada e comecei a achar que podia estar ficando mais maluca que ele. Não falamos no caminho, mas eu andava atrás dele, com minha bolsa nas costas, sempre me perguntado o motivo de não sacar naquele momento algo da minha bolsa e matá-lo. Parecia que algo me impedia. Chegamos à casa de Thomas e Jeff entrou sem bater na porta e invadiu o quarto. 

Ao entrar junto com Jeff, vi Thomas sentado no mesmo canto que amolava seu machado no chão antes de eu sair, mas estava fazendo outra coisa naquela hora. A manga do braço direito estava levantada até o cotovelo, e com a mão esquerda, segurava uma pequena lâmina, que usava para fazer cortes horizontais no braço. Estava se mutilando e havia sangue no chão. Olhou para nós com o rosto sem expressão, mas cheio de olheiras nos olhos, o que me fez sentir uma tristeza imensa. Eu estava começando a viver no mundo dele e não fazia ideia por tudo que ele passava ou por tudo que já passou. Nos ignorou e voltou a se cortar, como se aquilo fosse normal. Eu queria que ele parasse de fazer aquilo, desejava com todas as minhas forças... e pelo que pude ver, não era a primeira vez que fazia aquilo. Cada, corte que via fazendo em si, era uma pontada no meu coração e me senti triste por ter falado com ele da maneira que fiz antes de sair dali.

—Seu fraco.- disse Jeff.

—Não...- a palavra saiu automaticamente de minha boca e os dois olharam para mim.- Não... ele... ele não é fraco.

Ambos me ignoraram. Jeff olhou para Thomas.

—Você é um ótimo caçador, garoto.- falou.- É melhor que amanhã cedo me mostre tudo que sabe de verdade. Vamos para a cidade.

Olhou para mim e sorriu, mas não disse nada, apenas saiu da casa, e pude ouvir sua risada maquiavélica pela floresta.

 

 Thomas continuava se cortando.

—Pare com isso.- falei.

Ele me ignorou. Abaixei até ele e peguei o braço cortado.

—Me solta.- falou.

Passei o polegar pelos cortes, espalhando o sangue pelo braço e senti profundidade em alguns deles, como se quisesse acertar algumas veias e percebi que ele já tentou ou pensou suicídio quando vi alguns cortes verticais. Eu não perguntei, é claro, uma vida daquelas e aqueles cortes todos já eram a resposta. Era aquilo que ele escondia de baixo das mangas... e ninguém podia livrá-lo.

—Não precisa ser assim.- falei.

Ele olhou para mim com os olhos manchados pelas olheiras e mais uma vez pude ver profundidade naquele abismo escuro que eram suas íris. Aquela escuridão toda parecia sua vida, e em meio as trevas, ele não sabia por onde se guiar. Percebi expressão em seu rosto: tristeza. Ele parecia muito depressivo.

—Eu não aguento mais isso.- falou olhando para seu braço.

Eu não sabia o que dizer, só queria abraçá-lo e dizer que estava tudo bem, mas não sabia como ele reagiria àquilo. De qualquer forma, não me importei. Eu estava com vontade de fazer aquilo desde que o conheci, não vou mentir, ele era bem abraçável. Aproximei dele e fiz isso, tentando fazer pelo menos parte daquela dor ser esquecida. De começo, ele não reagiu. Não tentou me afastar ou se afastou, apenas ficou lá, quieto. Podia sentir sua respiração pesada e não me envergonhei do fato de estar coberta de sangue, eu só queria fazer abraçá-lo no momento. Mas ele me fez sentir bem melhor quando me abraçou de volta, e naquele instante, pude ver que havia sentimentos naquele gélido coração. O mais importante foi que percebi que não podia abandoná-lo, não enquanto estivesse passando por tudo aquilo. Seu abraço era tão forte que percebi que ele se forçava a não chorar, mas não queria obrigá-lo a fazer aquilo. Ficamos daquele jeito por alguns minutos até que ele se afastou e eu o soltei. Eu o olhava, mas ele não fazia o mesmo. Mantinha os olhos no chão, como se estivesse passando um filme em sua cabeça.

—Eu não sei por tudo que você está passando.- comecei.- Mas independente do que for, estarei aqui para te ajudar, eu prometo.

—Não faça promessas que não pode cumprir.- ele disse.- Todos prometeram isso e todos se foram. Eu estou sozinho.

—Não conhecemos ninguém em vão, e tenho certeza de que se nossos caminhos se cruzaram, há algum significado, mesmo que seja pequeno e eu nunca vou te deixar sozinho.

Ele olhou por uns segundos para mim e depois desviou o olhar e se afastou um pouco mais. Entendi que precisava de um pouco de espaço e saí de perto dele. Sentei-me ao seu lado e olhei para o teto. Estava começando a ficar com dor de cabeça por conta da fome e meus olhos pareciam querer se fechar sozinhos, enquanto todos os músculos do meu corpo pediam descanso. Minha boca estava seca e eu precisava beber alguma coisa. Imaginei há quanto tempo Thomas passava por tudo aquilo.

—Posso fazer uma pergunta pessoal?- perguntei.

—Faça...- disse desanimado.

—Você está aqui há quanto tempo?

Ele estava com a cabeça encostada na parede e pareceu pensar por alguns segundos.

—Há dois anos.

Gelei.

—Qual a idade de Jeff? Você sabe?- perguntei.

—Bom... Ele matou o irmão e os pais com doze anos. Matou sozinho por um ano inteiro. Mais de 200 mortes registradas pelo famoso assassino desconhecido. Detetives perceberam que era uma única pessoa cometendo os crimes por haver um método de assassinato. Mesmo que ele mate de várias formas, há sempre algo que o entrega, a faca, que é a mesma usada em todos os crimes. Algumas pessoas, mesmo sabendo de tudo isso, não acreditavam que fosse uma única pessoa cometendo essas loucuras, então Jeff foi visto como uma teoria.

—Aos doze anos ele matou a família e fugiu...- falei recaptulando tudo.- Então ele passou um ano inteiro matando sozinho, e fez mais de 200 vítimas aos doze anos... ele ainda era uma criança...- me espantei.- Ele começou a procurar seguidores aos treze anos?

—Acredito que sim... mas só conseguiu isso aos quatorze, que era a idade que tinha quando me encontrou.

—Então Jeff tem dezesseis anos?

—Exatamente.- falou.

Thomas também tinha doze anos... também era uma criança. Eu deixei tudo aquilo fluir em minha mente.

—E... sua família?- perguntei, mas logo me arrependi ao pensar ter entrado em um assunto pessoal demais.

Ele me olhou ainda com a cabeça encostada na parede e vi tristeza em seus olhos, o que me fez querer me bater por ter perguntado aquilo. Ele tirou os olhos de mim.

—Na mesma casa em que você estava.- começou.- Dois anos atrás eu e minha família havíamos ido passar as férias lá, eu, minha madrasta, meu pai e minha irmã mais nova Thalia e nosso irmão postiço Shay.

—Na mesma casa?- perguntei confusa.- Mas aquele local é uma propriedade pertencente apenas à família Allen.- falei me lembrando de papai explicando a origem da casa.

—Meu nome é Thomas Allen.

Levei um susto. Meu nome é Wendy Allen, meu irmão Jackson Allen, meu pai Edgar Allen e minha mãe Ashley Allen... o que estava acontecendo?

—C-Como assim...?- falei arqueando as sobrancelhas.

—Meu pai era primo do seu. Somos primos distantes.

—O-O que...?- perguntei e sorri.- Que legal...- disse parecendo uma idiota.

Me espantei de maneira muito grande àquilo, mas foi ótimo saber que tínhamos um conectivo. Senti mais empatia a ele, mesmo que, provavelmente, ele não sentisse o mesmo, e mesmo que eu acabasse de descobrir que ele já sabia disso quando atacou minha casa, o que me fez ficar um pouco triste, mas sorri por alguns segundos a mais e me perguntei o motivo de meus pais nunca terem nos apresentado.

—Mas enfim, como era sua irmã?- perguntei afastando o desejo de abraça-lo de novo.

—Thalia era um ano mais nova que eu e se parecia muito com você. Era sensível e tinha um ótimo coração, e não importa qual fosse o erro, ela sempre era madura o suficiente para nos perdoar. Sabia a real importância da família e protegia mais aos outros do que a si mesma. Eu gosto muito do fato de olhar para você e me lembrar dela.

Sorri para ele e pensei que, apesar de tudo, eu ainda podia o confortar de alguma forma. Ele continuou.

—Minha mãe morreu depois que teve Thalia, então não me lembro muito dela, mas logo que isso aconteceu, meu pai se casou com minha madrasta e ela realmente conseguiu assumir o papel de mãe em nossas vidas. Ela trouxe Shay junto com ela. Ele era dois anos mais velho que eu, mas era bem maduro para a idade também e se esforçava mais do que tudo para ser um bom irmão. Parecia um segundo pai para mim e Thalia.

Lembrei-me de Jackson e senti uma pontada de saudades.

—O que aconteceu quando chegaram aqui?- perguntei.

Ele ficou mais sério e se mexeu, parecendo se sentir desconfortável. Fixou o olhar em mim.

—A história parece se repetir.- disse.

—Como assim?- perguntei.

Continuou olhando para mim, parecendo tentar se lembrar de tudo.

—Slenderman veio atrás de Thalia. Ela parecia estar ficando louca nos dois primeiros dias em que chegamos à casa. Fez até alguns desenhos tentando representar o monstro que vira nessa maldita floresta.

Lembrei dos desenhos grudados na lareira e pensei que talvez fossem os dela. Thomas tinha me dito que eram desenhos dele... talvez tenha mentido. Ele prosseguiu.

—Perdi horas de sono com ela me explicando o que via na janela do quarto. Algumas vezes entrava no guarda-roupas do quarto para se esconder de Slenderman, que a atormentava de noite. Ela tinha claustrofobia, então arranhava o guarda-roupas inteiro por dentro, tentando aliviar a agonia.

Levei um susto com aquela informação. Lembrei-me dos arranhões que vi dentro de meu guarda-roupa quando cheguei à casa. Me veio à memória também as roupas que já estavam guardadas no armário quando cheguei e conclui que eram de Thalia.

—Eu acreditava nela, de alguma forma conseguia sentir o que ela sentia. Uma noite, Thalia dormia comigo em minha cama, com medo e alguma coisa me acordou. Quando olhei para ela, estava tendo convulsões na cama. Nunca vou me esquecer. Depois, Slenderman apareceu lá, e, de forma resumida, matou meu pai, minha madrasta, Shay e me deixou lá, sozinho com Thalia. Ele fez seu trabalho de forma tão brusca quanto Jeff e quando Thalia ficou sã, eu pedi à Slenderman que me levasse no lugar dela. Ele aceitou e Jeff foi atrás de Thalia, já que ela havia sido apenas largada por Slenderman. Eu havia me tornado um proxy, mas precisava proteger minha irmã. Corri até ela e tentei levá-la para um local seguro, mas Jeff já estava com ela.- seu olhar ficou mais desesperado se lembrando daquilo.-Tentei fugir com ela mas ele nos pegou... e ela agiu. Pulou para cima dele, mas o monstro foi mais rápido e... fincou a faca em seu pescoço e depois ficou se divertindo cortando sua barriga e brincando com seus órgãos. Estava desesperado demais para fazer alguma coisa, somente gritei. Vi minha irmã ser morta em minha frente, e para me salvar... não fiz nada. Jeff viu que eu era um escolhido de Slenderman e me escolheu. Nessa hora, eu já havia perdido toda proteção de Slender e tinha medo dele voltar para trás e me matar por tê-lo largado, por ter tido um coração. Eu fui punido por ser uma boa pessoa e esse é um peso que vou carregar pelo resto da vida.

Ele abraçou as pernas e colocou a cabeça nos joelhos. Senti sua dor, parte dela pelo menos. Coloquei a mão em suas costas.

—Sabe, sei o que você está passando, sinto falta de muitas pessoas também e isso me dói muito, mas... vivemos em uma guerra.- ele olhou para mim, ainda abraçando as pernas.- Nós somos os soldados e, infelizmente, alguns precisam se sacrificar para salvar o exército.- acalmei minha voz para dar mais conforto.- E quando algum soldado faz isso, precisamos honrá-lo, mostrar que ele não morreu em vão, mostrar que vamos vingá-lo e que daremos um propósito à sua morte.

Aquele foi o consolo máximo que consegui oferecer, e espero que tenha o ajudado. De qualquer forma, naquele momento não existia mais Jeff, Slenderman ou quem quer que seja. Eu queria apenas livrá-lo daquilo. Ele me olhava boquiaberto e parecia ter relaxado mais. Tirei a mão de suas costas.

—Isso era o que eu queria ouvir.- disse.- Obrigado mesmo.

Sorri para ele e este deu um pequeno sorriso de volta. Percebi que estava tarde.

—Espero que fique bem.- falei me levantando.- Bom... vou achar um lugar para passar a noite.

—P-Pode...- ele gaguejou ainda sentado.- Pode ficar aqui se quiser.

Sorri novamente e me joguei em sua cama. Caí em um sono profundo, mas sabia que o pesadelo começaria só quando acordasse.


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Notas finais do capítulo

Nos vemos no próximo capítulo!



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