Entre as Cortinas Dramione escrita por monalizacaetano


Capítulo 2
Nuvens que Precedem às Terríveis Tempestades


Notas iniciais do capítulo

Gente, obrigada pelas visualizações, comentário e favoritação!



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Luzes. Uma quantidade inexplicável de luz e claridade invadiam seus olhos entreabertos.

Talvez fosse o choque em abrir os olhos de repente, agora contrastando com todo aquele branco. Talvez os longos dias em que passou enfurnada na casa de seus pais, cortinas fechadas, luzes apagadas, sem ver nenhuma viva alma, tenham feito que se desacostumasse com luzes mais fortes, com a realidade do mundo lá fora que prosseguia. Se lembrou vagamente do que ocorrerá antes de tudo desaparecer, escurecer, acabar: havia tomado diversos comprimidos, não saberia dizer quantos ou quais. Depois sentiu como se estivesse prestes a morrer, e delirava sobre diversos aspectos de suas vida. Da forma mais mórbida possível, naquele momento, em meio à ânsia, dores e todo mal estar, sentiu-se também aliviada. O que haveria de ter ocorrido depois? Aquilo era a morte?

Sua boca estava seca, gostaria de ter forças para pedir um copo de água. Ainda sentia o gosto do sangue e as dores no abdômen haviam aumentado consideravelmente. Uma espécie de agulhada fisgou seu braço esquerdo, mas tudo que pode ver, antes de sua vista voltar a escurecer, foram vultos indistinguíveis em um corredor que parecia não ter fim. Um pensamento infeliz lhe ocorreu no limite entre consciência e inconsciência: não chegou ao fim em sua tentativa de suicídio, de alguma forma algo havia dado errado, aquele lugar que jugou ser a morte provavelmente era um hospital. “Merda.

***

  - Eu não sei o que você fará Rony, sinceramente não me interessa muito tendo em vista que você disse que cuidaria dela. Sei o que eu farei e te digo desde já: assim que ela sair desta porcaria de hospital, irá para casa comigo. - Hermione reconheceria a voz de Harry mesmo que estivesse atravessando um salão repleto de pessoas com milhares de outras vozes. Era uma voz firme e cuidadosa, como ele próprio. Era curioso porque Harry tinha a capacidade de deixar claro toda a sua dureza sem ser ríspido, e talvez esta fosse uma de suas melhores qualidades. Hermione Granger e Harry Potter eram melhores amigos, e isso significava que ela era capaz e se esforçava para compreendê-lo melhor que a maioria das pessoas, sempre foi assim. Reconhecia inclusive a maioria das emoções do amigo apenas por sua entonação.

No momento ele parecia não apenas completamente irritado como, principalmente, apavorado. Seu temperamento, na maioria das vezes pacífico e dócil, não podia ser encontrado em nenhuma de suas palavras agora. Duras e repletas de mágoa, ele estava mais parecido com Hermione do que ela acreditava ser saudável. Ela sempre fora dura, no início de sua adolescência esta era a característica que buscava de todas as formas esconder. De fato escondia-se através das colunas de livros, voz baixa, insegurança e timidez. Ao longo dos anos não foi capaz de mudar: estava fadada a ser dura, rígida e, diferentemente de Harry, ela não era tão doce. Quando a guerra explodiu, ela percebeu que talvez o destino havia moldado-a dura apenas para sobreviver ao conflito.

Apesar de distinguir vozes e outros ruídos como elevadores, passos e conversas distantes ininteligíveis, seus olhos permaneciam fechados contra sua vontade: eles pesavam toneladas. Ao que tudo indicava ela estava sob efeito de algum medicamento, apesar de consciente, não podia se movimentar. A cabeça doía como se estivesse aberta ao meio. Uma imagem quase engraçada lhe ocorreu: a cabeça aberta onde poderiam finalmente escapar todos os pensamentos tristes e agonizantes que abrigava dentro de si. Sua respiração estava entrecortada e fraca, com dificuldade o ar realizada seu percurso natural, entrar e sair, mantendo aquele corpo fraco ainda vivo.

 

— Eu realmente não me importo com Hogwarts, Rony. Não me importo com a volta às aulas. Eu me importo com ela. É tão difícil para você perceber que isso tudo é minha culpa? - Harry novamente. Hermione pode notar, novamente apenas ao ouvi-lo, o quanto ele estava se contendo para não romper em um ataque de raiva. A guerra havia deixado este triste efeito colateral em seu amigo, Hermione pode notar ao longo dos últimos meses, ele sempre estava com raiva de alguém ou de si mesmo. Era um comportamento terrivelmente autodestrutivo. Mas afinal, cada um deles, os tais heróis sobreviventes, se destruía de uma forma diferente e Harry não escaparia a essa regra. Não entendia bem o contexto da discussão, e pouco conseguia ouvir das sussurradas respostas de Rony, que acreditava estar longe o suficiente do alcance de sua audição.

— Harry, isso é culpa de todos nós. Ela esta doente, esteve doente desde a morte dos pais. Nós ignoramos esperando que melhorasse e aqui está o resultado. Você não esta sozinho... ajudaremos você a cuidar dela. - Gina. Apesar de tudo era bom ouvir a voz da amiga, Hermione notou.

 

Começava a entender, através da atenção ao diálogo que continuava a se desenvolver, o que se passava: provavelmente um dos amigos a encontrou e a trouxe para o hospital. Harry se culpava pela tentativa de suicídio. Não poderia estar mais errado. Se eles não existissem em sua patética vida, ela teria tomado a decisão ainda mais cedo, com mais coragem, de forma mais efetiva e de uma vez. Fazia força para abrir os olhos ou pronunciar algumas palavras, necessitava explicar aos amigos que o que ocorria não era culpa de ninguém. Necessitava retirar o peso dos ombros também cansados de Harry, Rony e Gina, pois, aquele peso era somente seu. Imaginava o desespero daquele que a encontrou, provavelmente desacordada e coberta de sangue. Sentia o nó em sua garganta se formando cada vez maior, estrangulando-a com a culpa. A garota dura havia rompido: todos podiam ver suas rachaduras de onde fluía toda a sua dor. A dureza ou rigidez resistiram apenas até a morte dos pais. Ela estava irreparavelmente quebrada.

 

— Ha- Harry... - Foi tudo que conseguiu reunir de forças para dizer. Conseguiu também, com enorme dificuldade, abrir os olhos. Enxergava tudo embaçado, como se sob seus olhos chovesse muito e os para-brisas não dessem conta de produzir imagem alguma com clareza.

 

— Meu Deus! Hermione! Você acordou!!! Como se sente? Alguém chama o médico!!! - Harry falava rápido demais e o efeito dos remédios e cansaço faziam com que Hermione tivesse dificuldade não apenas em responder como também em assimilar todas aquelas perguntas. Além disso, sua atenção desviou-se quando uma cabeleira ruiva, que estava próxima a porta, deixou o quarto em que se encontravam, quase correndo quarto a fora, sem olhar para trás. Ela olhou de Gina para Harry, como se perguntasse o que ocorreu, por que Rony havia fugido daquele jeito.

 

— Ele não está lidando bem com a sua... Bom, com o que houve. - Gina segurou sua mão e acariciou seus cabelos tão opacos e cheios de nós, Hermione não conseguia se lembrar de qual foi a última vez em que os penteou.

 

— O que houve? - Hermione perguntou, enquanto olhava ao redor. Estava em um quarto individual e amplo que cheirava a alcool e limpeza, o reconhecia como parte do hospital, o mesmo em que esteve há algumas semanas atrás, quando ainda acreditava que o longo tratamento psiquiátrico a ajudaria a voltar a ser ao menos um terço do que foi. Agora sabia ser impossível, o tratamento apenas a desgastou. Notou que haviam alguns fios ligados ao seu tórax, uma agulha conectada ao soro estava em seu pulso, ardia. Vestia roupas brancas e foi colocada em uma confortável cama, repleta de cobertores e travesseiros. Percebeu que os amigos não sabiam de qual forma responder, olhavam de um para o outro. O que havia acontecido era o já esperado mas ninguém seria capaz de expressar em palavras o que todos sabiam. - Quero dizer... Foi você que me encontrou, Gina?

 

— Harry e eu. Decidimos te visitar já que não respondia nenhuma das mensagens, corujas e telefonemas que enviamos e ao chegar lá... Eu só... Ainda bem que entramos pela porta da cozinha e ela estava destrancada. Hermione, por que não... - Gina não pode terminar o que quer que haveria de dizer. Secretamente agradeceu por isso, seus olhos começavam a arder e marejar ao longo da frase e queria, na verdade necessitava, ser forte para a amiga. Não queria também ser indelicada ou cobrar algo, ela queria apenas, se pudesse e Hermione permitisse, abrigá-la debaixo de seus braços e nunca mais soltar.

 

— Bom saber que está consciente senhorita Granger. - um homem de ao menos 35 anos adentrou o quarto. Vestia jaleco, carregava consigo uma prancheta, folhas e caneta, além do estetoscópio ao redor do pescoço. Era alto e magro, o rosto fino e gentil combinava com os olhos castanhos calorosos e, naquele momento, bastante preocupados. - Não tínhamos certeza se acordaria, Hermione. Posso chamá-la assim? - com o consentimento pouco firme de Hermione, ele prosseguiu. - Entende a gravidade do que fez? Foi necessária toda uma equipe de medibruxos para que dessemos conta de desintoxicá-la, e não tínhamos certeza, até agora, se havia de fato funcionado. Não sabemos se haverão sequelas... - enquanto falava ele a examinava superficialmente, registrando considerações em uma das folhas que carregava consigo.

 

— Me desculpe … Eu não quis criar problemas ou trabalho para ninguém, eu... - Hermione recuperava ainda mais a consciência, aos poucos e a cada minuto se sentia ainda mais envergonhada.

 

— Não se trata disso. - o médico segurou sua mão a olhando fundo nos olhos, depois voltou-se ao papel – Nada do que eu diga adiantaria neste momento, não é mesmo? - ele sorriu da forma mais doce e triste que ela jamais havia visto. - Deixemos todos os sermões para depois. Amanhã começaremos um novo tratamento, com antidepressivos mais eficazes e acompanhamento psicológico. Estou esperançoso de que funcionará. Eu e realmente acredito que boa parte do mundo bruxo, devemos muito à você. Queremos vê-la viva e bem. - Sem dar oportunidade para que Hermione pudesse respondê-lo, ele voltou-se a Gina e Harry, que acompanhavam todo o desenrolar da conversa em silêncio. - Sei que desejam estar ao lado dela. No entanto, acreditamos que mesmo a presença de amigos e familiares possam ser prejudiciais neste momento. Ela pode ficar inquieta, entendem? Um acompanhante logo virá e se responsabilizará por sua segurança durante toda a noite, aqui ela estará cuidada, garanto. Devo pedir para que vocês retornem amanhã, durante o horário de visita. - dito isso, ele lançou um último caloroso sorriso à Hermione e saiu da sala.

 

— Estaremos por perto, Mione. Amanhã estaremos aqui junto com você. Você não ficará sozinha de novo. - Harry disse, agora acariciava a testa da amiga. Ainda que gentis, suas palavras transbordavam algo parecido com objetividade ou determinação. Mais do que uma palavra de consolo, a frase era um aviso e promessa.

 

— Harry, eu sinto tanto... Eu realmente não quero que pense...

 

— Shh. Nada disso é necessário. Eu entendo, todos nós. Mas você não vai nos deixar. Não há a mínima possibilidade que qualquer um de nós permita isso.

 

Hermione não foi capaz de responder, sua garganta apertava novamente enquanto grossas lágrimas se formavam em seus olhos, ela teimosamente tentava segurá-las. Sorriu da melhor forma que pode ao casal, que a essa altura, despedia-se e rumava à porta. Finalmente sozinha. Só neste momento percebeu o quanto estava cansada e frágil. Mesmo que fosse impossível, sentia que se odiava ainda mais. Havia magoado da forma mais dolorida possível seus melhores amigos. Se colocou na posição de Rony e Harry por alguns instantes e percebeu o quanto havia sido egoísta, percebeu que provavelmente não conseguiria suportar uma tentativa de suicídio de qualquer um deles. Entendia a raiva que Rony transpareceu ao deixar o quarto sem olhar para trás, mais cedo. No meio de pensamentos conturbados, vergonha, promessas de tentar melhorar por aqueles que a amavam e difusos planejamentos futuros, voltou a dormir, vencida pelo corpo exaurido e poções medicinais.

Antes de abrir os olhos, pode ouvir um barulho que muito se assemelhava ao correr de cortinas se abrindo ou fechando. Quanto tempo havia dormido? Com a visão ainda embaçada, viu que alguém de fato abria as persianas da janela próxima a sua cama. Direcionou seus olhos para o lado de fora: ainda era noite, provavelmente madrugada. O hospital inteiro parecia dormir, apenas as máquinas continuavam seus afazeres, apitando vez ou outra e quebrando o silêncio que perambulava por todo o prédio. A dor de cabeça persistia, seu corpo estava aquecido mas parecia fraco. Após essas constatações imediatas, seus olhos pousaram no indivíduo de costas que encostava-se à janela com as duas mãos apoiadas no parapeito, respirando o ar puro da noite úmida e fria de outono. Garoava lá fora, as árvores depenadas debatiam-se como se tentassem se desvencilhar de algo ruim. O vento entrava pela janela e fazia Hermione sentir algo como um leve arrepio, como o presságio de que algo ruim estaria para acontecer.

Percebeu que se tratava de um homem encostado na janela. Alto. Cabelos loiros muitos claros, tão claros quanto os de... Poderia jurar que era ele. Não voltou a vê-lo desde aquele dia em sua maldita mansão, mas todos os anos de convívio forçado a fizeram decorar seus trejeitos, sua postura rígida, sua frieza. “Que bobagem, ele jamais estaria aqui”. Ele se virou como se fosse capaz de ouvir seus pensamentos, provavelmente ela ou a cama haviam feito algum ruído. Nunca entendeu Draco Malfoy e não entendê-lo a aborrecia mais do que qualquer provocação do mesmo. Talvez nunca fosse capaz de compreender porque alguém seria tão cruel gratuitamente. Malfoy foi um dos responsáveis pelo endurecimento, ao longo dos anos, de Hermione. Ela foi obrigada a endurecer para não acreditar que ele tinha razão, ela era inferior pelo simples fato de existir. Seus olhos se encontraram. Cinza, olhos tão cinzas quanto as nuvens que precediam às terríveis tempestades daquela região do país. Estas tempestades devastavam vilas, casas, cidades inteiras. Eram um pouco como ele.

 

— O que diabos você faz aqui? - Ela gostaria de ter tido mais firmeza na voz, no entanto, esta saiu fraca, um fiapo frente ao rosto impassível de Draco, poucos passos distante da cama aonde Hermione dormia até poucos minutos atrás. - Eu... Eu vou chamar o segurança e enfermeiros! Harry também deve estar por aí! - Ela agitava-se na cama, tentava arrancar forças de onde quer que houvesse. Em vão, percebeu: mal se movia e as frases eram entrecortadas por sua dificuldade em respirar.

 

— Não seja tão ridícula, Granger. - Disse simplesmente, como se dissesse “me passe o açúcar, por favor”. Três passos depois estava ao lado de Hermione, observando com curiosidade as anotações feitas à mão no soro pendurado. Em um rápido movimento, ele também ajeitou os travesseiros e cobertores de uma Hermione gradativamente mais pálida e trêmula pelo susto e, ainda mais, pela surpresa.

 

— O que... Mas que palhaçada é essa, Malfoy? Você veio me matar? Terminar seu trabalho? A guerra acabou e você continua preso àqueles imundos com quem trabalhava? - A voz saiu um pouco mais firme, ao mesmo tempo em que ela chutava as cobertas com os pés, considerando verdadeiramente retirar com as próprias mãos o acesso de soro em seu pulso, preocupada com o que quer que Malfoy pudesse ter inserido nele.

 

— Não seja ridícula, Granger. - Ele repetiu, desta vez com ainda mais calma, quase num sussurro. - Eu sou a merda do enfermeiro que passará a noite com você.


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Notas finais do capítulo

Caso estejam gostando, favoritem e comentem! Essas pequenas colaborações ajudam os escritores, MUITO ♥ Até semana que vem, beijinhos.