Entre as Cortinas Dramione escrita por monalizacaetano


Capítulo 3
Empregado


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora! Tive alguns, muitos, problemas pessoais. Espero que gostem tanto quanto eu desse capítulo ♥



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Abriu os olhos com certa dificuldade, no entanto, rapidamente os mesmos se agarraram à janela entreaberta: era dia e o ambiente ainda cheirava álcool. Era como enxergar pela primeira vez: Hermione viu tudo claro, seus olhos finalmente conseguiam distinguir objetos e movimentos, as formas deixaram de ser apenas borrões. “Os efeitos dos remédios estão passando”, constatou. Pode perceber que do lado de fora chovia, uma chuva fina e elegante, suficiente para que qualquer melancolia de uma segunda feira cinza se transformasse em um problema maior. Hermione sabia bem: suas melancolias eram sempre um problema, levando em consideração a tentativa de suicídio, eram um problema para ou outros também. Seus amigos sofriam sua incapacidade em ser leve.

Um pingo de chuva caía em algum objeto metálico do lado de fora, provavelmente a calha do hospital, e a cada três segundos, Hermione contou, ouvia-se um plec. Sentiu vontade de se levantar, fechar a janela para fugir do barulho que passou a incomodá-la, mas suas pernas ainda estavam fracas, perigava levantar e cair. Plec.

Poderia chamar alguém para ajudá-la a fechar a janela, por onde entravam lufadas de vento forte e frio, balançando as cortinas como se alguém estivesse por detrás das mesmas. Também sentia fome e gostaria de pedir algo para comer. O sentimento de estômago vazio lhe tomava as entranhas pela primeira vez em muitos dias, talvez semanas. Queria acreditar que aquele era um bom sinal. Plec. O barulho absurdamente irritante a fez recordar em uma espécie de susto: Malfoy era seu enfermeiro. Ele era o alguém que ela deveria chamar. Ou qualquer coisa como um acompanhante sem formação. Forçou a memória para se lembrar: antes que ela fosse arrebatada novamente pelo sono, Malfoy lhe explicou da forma mais didática e sarcástica possível que uma de suas penas, por todos os crimes cometidos durante a guerra, foi servir naquele hospital, uma espécie de serviço comunitário do mundo dos trouxas.

Hermione exigiu, gritou e esperneou para que o seu acompanhante fosse trocado por qualquer outra pessoa disponível, não suportava estar no mesmo ambiente que o rapaz. Concluí e chegou mesmo a dizer para Draco: ele era uma espécie síntese de tudo de ruim que ela poderia se lembrar, de tudo de ruim que lhe aconteceu. Depois, vencida pelo efeito dos remédios e praguejando contra Malfoy, que naquele momento se tornou alvo de toda sua raiva e desespero contidos, ela adormeceu. Se recordou de seu último pensamento antes da inconsciência: o mundo bruxo e trouxa eram lugares injustos por natureza. Seus pais foram mortos, na verdade assassinados, e isso como resultado por ela estar do lado certo e correto da guerra. Os pais de Draco, ele próprio, saíram ilesos, pagavam trabalhos voluntários. Ela trabalharia dia e noite, definharia no pior emprego possível se isso significasse ter seus pais. Agora sentia vergonha deste pensamento, ela não era assim. Não queria se tornar tão amarga ao ponto de desejar coisas terríveis a quem quer que fosse. Plec. “Maldito barulho, maldita atenção à detalhes.

Ouvia com dificuldade e pouca clareza alguém falar palavras difíceis e vagas. Apurou os ouvidos e estava perto de entender... Plec. Mas não entendia, as palavras continuam incompreensíveis. No entanto, a voz se aproximava gradativamente. De relance ela pode ver, na outra extremidade do quarto que ocupava, um homem com um livro em mãos. O calhamaço lhe cobria o rosto, pois era segurado de frente ao mesmo. Ainda assim, ela o reconheceu: anos de convivência permitiam que ela o distinguisse pelos dedos longos e brancos, pela postura, por qualquer mínimo trejeito que os olhos atentos de Hermione fossem capaz de guardar. Quem ainda ocupava o quarto, a espreita como uma cobra, era Draco. Ele lia em voz alta trechos do livro que segurava. Ao mesmo tempo caminhava pelo quarto e, conforme se aproximava, as palavras ficavam mais claras. Malfoy não notou que Hermione acordou e o observava, absorto que estava em sua leitura.

 

— (…) Quanto a minha divisão dos indivíduos em ordinários e extraordinários, concordo que ela é um tanto arbitrária, mas acontece que eu não chego a insistir em números exatos. É só minha ideia central que eu acredito. Ela consiste precisamente em que os indivíduos, por lei da natureza, dividem-se geralmente em duas categorias: uma inferior (a dos ordinários), isto é, por assim dizer, o material que serve unicamente para criar seus semelhantes; e propriamente os indivíduos, ou seja, os dotados de dom ou talento para dizer em seu meio a palavra nova. Em linhas gerais formam a primeira categoria, ou seja, o material, as pessoas conservadoras por natureza, corretas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes, Formam a segunda categoria todos os que infringem a lei, os destruidores ou inclinados a isso. - Ouvindo a longa passagem Hermione chegou em, ao menos, duas conclusões: a primeira e mais clara era que o rapaz lia a conhecida obra de Dostoiévski, Crime e Castigo*.

 

Esta constatação, proveniente do conhecimento e apreço de Hermione para com o livro, era perturbadora. “Onde diabos Malfoy entrou em contato com um livro trouxa e, principalmente, russo?” A segunda conclusão, talvez ainda mais nebulosa e inconveniente do que a primeira, era que Draco lia muito bem, o que se poderia esperar de alguém proveniente de sua família e posição. Mas não se tratava de articulação ou respeito aos pontos e vírgulas. Draco lia bem porque sentia a importância de cada frase, o que ela revelava ou subentendia, quais eram as intenções mais escondidas de cada uma das folhas percorridas. O que determinada palavra queria, de fato, dizer. Ele lia como se estivesse vivendo tudo aquilo, era bonito de se ouvir, teve de admitir. Hermione sentia uma espécie de incomodo, como se estivesse adentrando um espaço pessoal que não lhe cabia, como se estivesse invadindo um aspecto de Draco que ele com muito esmero guardou trancado sabe-se lá Deus onde. Mas afinal, como uma leitura poderia se tornar algo tão íntimo? Através dos lábios de Malfoy, aparentemente, podiam. A moça movimentou-se, pés e mãos, a fim de fazer qualquer barulho que delicadamente, de forma despretensiosa, chamasse a atenção do rapaz.

Draco herdará de sua mãe o hábito de ler em voz alta. Depois, quando tudo endureceu ao seu redor, quando sua mãe não tinha mais tempo para bobagens e caprichos, quando os planos de retomada do poder e guerra invadiram sua vida, Draco reconfortava-se com sua própria voz, que substituía pobremente a de sua progenitora. Na longa e fria, mas ainda assim reconfortante, biblioteca de sua mansão, ele lia para si próprio. Ocupava cada espacinho do cômodo com a sua voz, gradativamente mais grossa e rouca, conforme os anos avançavam. O hábito foi uma das poucas coisas que manteve ao longo do tempo, que não se perdeu no emaranhado que sua vida se transformou. Acabou por introduzir a leitura na rotina de seu novo trabalho: não conseguia dormir enquanto estava lá, sentia sempre que estava sendo vigiado e no fundo sabia que era. Todos esperavam o momento em que ele haveria de desistir ou fazer algo ruim, propositalmente, para alguém. Draco perseverava, não por nenhum sentimento relativamente bom, mas apenas para contrariar todos. Concentrado na prazerosa leitura, ele ouviu distante o barulho dos lençóis na cama a sua frente. Hermione havia acordado e o inferno da noite anterior haveria de recomeçar.

Ela notou a percepção de Malfoy sobre seu despertar e movimento. Seus olhares se cruzaram por alguns instantes: a passividade e nostalgia que antes os olhos cinzas demonstravam logo enrijeceram em uma espécie de máscara. O corpo de Hermione reagiu, travou sua mandíbula e os punhos, pronta para qualquer que fosse o desafio de estar no mesmo ambiente que o rapaz. Foi assim durante todos os anos na escola: enrijecia ao vê-lo se aproximar, era como se se preparasse para o baque ou solavanco que viria.

 

— Se sente melhor? - A pergunta surgiu como uma espécie de vômito. Não era delicada ou mesmo demonstrava qualquer preocupação. Era maquinal, decorada. Malfoy não se importava e pouco se compadeceu com o estado em que a garota chegou na tarde anterior, coberta de sangue e desacordada.

 

— Consigo enxergar melhor hoje... - falou sem pensar, logo depois sua face se retorceu e rugas surgiram no centro de sua testa – Não é da sua conta.

 

Draco suspirou profundo e resolveu não responder, anotou em seu caderno de bolso a perceptível melhora da paciente, para posterior controle dos médicos. “Maldita sangue ruim, nem para morrer presta.” Entrementes observou, enquanto consultava o relógio. Eram onze da manhã e seu turno finalmente havia acabado, estava livre para deixar, ao menos por poucas horas, o hospital que lhe causava dia sim dia não maior repulsa. Estava livre dela.

 

— Malfoy, você pode pedir para alguém me trazer algo para comer? - Hermione gostaria de ter sido menos polida em seu tom de voz. Gostaria de jamais ter de pedir algo a alguém como ele, de novo.

 

— Eu não sou a merda do seu empregado, Granger. Levanta a bunda da cama e pede você mesma. - Era inacreditável como seu tom de voz nunca se alterava, poderia dizer algo terrível ou cotidiano, a frieza era igual. Exceto enquanto lia, descobriu Hermione. Draco deixou a sala sem olhar para trás, rápido e meio desengonçado, consultando uma última vez o relógio de pulso dourado.

 

Plec. Sozinha no quarto Hermione pode notar e se surpreender: esquecerá de contar as gotinhas irritantes do lado de fora da janela, entretida que estava em ouvir Draco ler. Plec. O barulho agora reaparecia e o quarto nunca parecerá tão grande.


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Notas finais do capítulo

Crime e Castigo é de longe um dos meus livros prediletos! Espero que tenham gostado, não deixem de me dizer o que acharam. Beijinhos :*



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