Glory and Gore escrita por Iulia


Capítulo 28
Just a trick of light to bring me back.


Notas iniciais do capítulo

Oi fml!! Voltei com este porque quero demais acabar essa historinha. Acho que ele é o penúltimooo!! Aí é o seguinte: 0 consideração com a linha do tempo, beleza? A guerra dura muito aqui e Clove tava buchuda há um tempão sem saber. Então é issooo. O título é absolutamente impessoal, só pesquisei alguma musiquinha com a Vibe e apareceu essa de uma pessoa chamada Gabrielle Aplin, uma doida pela qual eu era obcecada aos 13 anos. Espero que gostemm!



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Illeana fez sua primeira aparição em uma das noites mais escuras.

Ela não nasceu no 13, conforme as exigências de sua mãe muito jovem.

A espécie de seus pais, os Vitoriosos, estava lentamente se extinguindo, então ela não pôde realmente ter um castelo apropriado para governar. Foi na casa de um pedreiro, pelas mãos de Iana Kamp e Ella Stelian que ela respirou pela primeira vez, observada pelos olhos de muitos.

O quarto pareceu muito apertado para seus pais aterrorizados, que trocaram um olhar atribulado enquanto as outras mulheres a amparavam. Ela era muito pequena, uma prematura, ela saberia mais tarde, e a respiração de todo mundo estava um pouco entalada porque seus pais destruiriam o mundo inteiro se ela não sobrevivesse.

Eles eram impetuosos, seus pais, ela também saberia mais tarde.

Na primeira vez que eles se viram de verdade, contudo, Illeana foi segurada com delicadeza por mãos muito cuidadosas, mãos trêmulas, quase inseguras.

Clove a encarou pelo que pareceram eras. Confusão, choque, estranheza. Ela era muito pequena e por que porra essas coisas saíam prontas daquele jeito e ela tinha mesmo o mesmo cabelo dela. E ela sempre tinha tido alguns problemas com toda essa história de amar as coisas; mas a coisa em seus braços era muito pequena. Então os olhos de Clove brilharam como sempre brilhavam quando ela queria alguma coisa.

Cato foi mais suave, talvez mais habilidoso. Ele já tinha segurado bebês antes, só nenhum que fosse dele. Ele segurou Illeana como se ela fosse feita de vidro. Os olhos dele eram mais gentis que os de sua mãe, Illeana aprenderia muito em breve, e eles eram idênticos aos seus.

— Porra, Clove – foi o que Cato sussurrou, seus olhos ainda presos na criança em seus braços.

— Eu sei  – Clove respondeu, mordendo o interior de sua bochecha. 

O dia de seu nascimento seria recontado muitas vezes. Tinha escurecido muito cedo e eles estavam no meio de uma guerra. Eles tinham acabado de chegar em casa, uma visita muito breve para discutir os últimos ataques aos grupos de legalistas na Vila dos Pacificadores. O 13 demandou que eles voltassem logo, e Coin tinha um convite para que Cato participasse de mais uma investida contra a Capital no tal esquadrão especial, a que eles estavam dizendo ser a final.

Naquela noite, Clove reparou que Cato estava muito inclinado a aceitar.  

— Eu pensei que você não gostasse de mexer com revólver, Cato, eu pensei que você fosse sossegar o rabo depois desse tanto de merda – Clove tinha sibilado, sentada na sala de uma nova base na Arvina.

— Eu aprendi a mexer com eles – Cato respondeu, sua voz muito baixa.

— Então seu plano foi me engravidar com uma cria sua e sair por aí indo pra qualquer combatezinho que a Coin te chama? Já é o terceiro, você não precisa se esforçar desse tanto pra agradar ela. Não vai ter nota nem nada.

— A gente vai matar o velho, acabar com essa porra de uma vez. Eu vou voltar e vai dar tudo certo – ele replicou, encostado contra a janela cerrada da sala, seus olhos fechados e sua voz soando automatizada.

— Você sempre faz isso! – Clove exclamou, sua voz estridente distante de sua frieza sofisticada de sempre. – Você sempre dá um jeito de foder tudo e desaparecer na hora mais fodida, seu filho da puta, toda vez, até você finalmente conseguir ser morto, não é? Por que você não pode só sossegar, qual é a porra do seu problema?

— Clove, eu preciso ir. Eu não estou desaparecendo, eu vou participar de um ataque na Capital e vou voltar.

— Todo fodido, como sempre – então sua voz tinha recuperado um pouco do seu veneno normal e Cato se viu forçado a levantar a cabeça e encarar seus olhos frios. Clove não moveu um músculo, nem mesmo quando viu suas sobrancelhas erguidas. – Você foi pros Jogos e eu fiquei com a Gaia e o Teo e adivinha? Você voltou todo perturbado e eu tive que me virar com eles até você se ajeitar. Aí foi a vez de você ficar na porra da Capital e ainda...

— Clove. – Cato a cortou. Porque sua voz estava cheia de todas aquelas coisas, Clove não continuou. Ela ignorou a vontade crescente de descer o punho contra seu rosto. Jogando um último olhar afiado em sua direção, ela se levantou e caminhou até a porta. – Pra onde você vai?, está a maior merda lá fora. 

A única resposta que Cato recebeu foi a porta se chocando contra o batente.

Então, naquela noite, sua mãe caminhou sozinha de volta para a Patrus, contrariando as recomendações da tirana do 13. Illeana costumava tentar rasgar a barriga de Clove quando Cato estava por perto, mas, naquele dia, ela tinha estado muito quieta, quase como se soubesse o que estava para acontecer.

— A porra de um filho da puta – Clove resmungava, enquanto caminhava alheia a todos que mantinham os olhos bem presos em sua figura. Ela não era muito de conversar com a pessoa em seu estômago, mas, naquele dia, ela decidiu tentar, já que não tinha ninguém para ouvir. –Ele provavelmente não vai ser morto, nem nada assim, mas ainda assim a vontade que ele tem de morrer enche a porra do saco.

E aí, de repente, alguma coisa molhada atingiu as pernas de Clove. Ela parou por um minuto, tentando assimilar o que tinha acontecido. Levou um tempo. Às vezes, Clove esquecia que estava carregando a porra de um bebê no seu estômago. Sua boca secou, seu rosto empalideceu porque não era para aquilo estar acontecendo agora – talvez nem nunca.

Puta merda.

Dom abriu a porta e foi atrás de Ella enquanto Clove se acomodava em seu quarto antigo com a ajuda de Iana. Seus pais tinham bocas sujas e num futuro próximo, Illeana teria mais facilidade em xingar do que em falar seu próprio nome. Naquela noite em particular, Clove recitou todos os xingamentos que conhecia enquanto encarava o teto de seu quarto.

Ela não sabia no que estava pensando quando tinha decidido seguir em frente com tudo aquilo. Ela não podia ser uma mãe, ela era a Clove Kentwell. Ela devia ser jovem para sempre e permanecer a deusa da guerra de sempre. Não dava pra fazer isso se ela tivesse uma criança.

Você sabe, o problema era que Clove ainda era meio que uma criança. Ela não tinha tido tempo de crescer apropriadamente porque ela tinha precisado matar vinte e três crianças e se prostituir.

O problema era que Clove não sabia como fazer nada daquilo.

Foi só aí, no meio de suas atrasadas e terrificadas reflexões, que Cato chegou, fazendo uma entrada triunfal como sempre fazia, batendo a porta contra a parede.

— Por que a pressa? Só tem eu prestes a parir aqui – Clove cuspiu – Nenhuma briga ridícula para você se meter.

— Desculpa – ele disse, sua voz muito suave. Clove permanecia o encarando, cruzando os braços por cima de sua barriga; ela sentiu uma energia diferente quando olhou Cato de cima a baixo. Os olhos de Clove quase queimavam; ele trocou o peso dos pés, todo esquisito.

— O que é que você tem agora? – ela rosnou.

Desculpa, Clove, para de ser insuportável – Cato repetiu, coçando o nariz. – Eu só quero ir pra acabar com essa porra de uma vez, que nem eu disse pra você que eu ia fazer. Se eu fosse lá e tivesse certeza que eles estão mortos, que essa putaria vai acabar, eu iria...

— Foda-se, Cato – Clove o interrompeu, sua voz muito áspera. – Faz o que você quiser, eu estou pouco me fodendo. Você é mesmo perturbado dos infernos de sempre, eu não estou surpresa. Claro que você precisa aproveitar qualquer possibilidade de se matar bancando o herói, é óbvio que você tem se meter em uma briga que nem é sua. Como não?

É minha briga. E é sua também – Cato grunhiu em resposta, ainda parado na porta.

— Eu não quero que você fique pegando a porra das minhas brigas, que nem eu nunca quis – Clove retrucou, rapidamente, a voz ficando subitamente mais alta. – Eu não queria que você brigasse com o Wade, eu não queria você matasse o Naevio, eu queria que você... Foda-se essas putarias suas, Hadley, foda-se. Se você vai ficar aqui com essas conversas de doido, pode se retirar.

Cato encarou Clove por um tempo que pareceu eterno.

Eles se conheciam desde sempre, desde que Cato ainda era idiota o bastante para ficar chateado com a as descortesias dissimuladas de Clove. E, às vezes, ele ainda os via do mesmo jeito; Clove e sua selvageria estranha e ele e sua audácia estúpida. Às vezes, parecia que eles estavam parados no tempo desde que haviam assassinado o primeiro prisioneiro da Capital, que eles nunca haviam crescido. E se eles ainda eram crianças, que porra eles iam fazer para criar uma outra? 

Então, de repente, Cato sentiu medo, porque ele não sabia o que ele ia fazer com mais aquela pessoa na narrativa deles. Era estranho, como sempre, mas mais confortável porque ele podia ver uma coisa parecida no meio dos olhos verdes de Clove. Cato avançou e se sentou na beira da cama.

— Foda-se você, Clove – ele grunhiu.

Clove cruzou os braços, levantando os olhos para o telhado porque ninguém tirava aquela energia de adolescente mimada dela. Cato estava pronto para cruzar os próprios braços quando viu a gota de suor descer por sua têmpora. E, muito rápido, ele percebeu o esforço que ela estava fazendo para não gritar, o jeito que ela estava prendendo suas bochechas (do mesmo jeito que ela fazia quando eles se machucavam nas atividades de campo).

Então Cato segurou sua mão. Muito rápido, também, Clove a apertou.  

— Vai ser rápido – ele sussurrou.

E, como sempre, ele estava meio errado.

A aliança entre eles foi selada para todo o sempre quando o primeiro choro do bebê ecoou pela casa muito cheia. Eles tiveram uma menina, como eles sabiam desde o início. Fedra Delusa entregou a bebê à Clove.

No Distrito 2, todo mundo entendeu por que Cato Hadley e Clove Kentwell não estavam liderando os grupos para atacar o presidente. A mera existência daquela criança era uma declaração.

— Ela é incrível – foi o que Cato concluiu, levantando os olhos para Clove. Ela sorriu, do mesmo jeito meio irônico, meio triste, meio bonito que Illeana iria conhecer.

— Não é uma surpresa, você sabe. Todo mundo sabia que eu ia acabar grávida no segundo que parasse de tomar aquelas coisas da Capital – Clove comentou, de repente, segurando o pé do bebê como se nunca tivesse visto nada parecido. – Eu não devia estar surpresa.

Cato estava prestando atenção nela, agora, levantando os olhos do rosto de Illeana (ela tinha olhos azuis).

— Você pode estar.

Mas nada daquilo era realmente uma surpresa. Eles sabiam que aquilo tudo tinha sido cuidadosamente escrito pelas suas próprias mãos. Porque o elo que os unia deveria ter sido quebrado e ficava sempre perto de sê-lo, a evidência final daquele tipo de lealdade teria que aparecer eventualmente.

E Cato ficava se perguntando por quanto tempo eles haviam tentado aquela última transgressão.

— Eu nunca fico surpresa, Cato. Mas isso é esquisito. Essa coisa saindo de dentro de mim, toda pronta assim – Clove parou de falar por um momento, olhando para o teto. Do canto do seu olho, Cato a viu abrir e fechar as mãos por uns dois minutos, enquanto ele estudava as mãos de Illeana. Então ele ouviu um pequeno estalar de língua. – Deixa eu segurar ela. 

Clove segurou sua bebê, então, e, mais uma vez, se viu um pouco presa nas compleições pequenas dela, em suas mãos minúsculas, no preto absurdo em sua cabeça miúda. Não era possível que uma pessoa com aquele semblante inocente pudesse ser sua filha. De Cato, Clove podia se esforçar pra entender, ele já havia tido aquele semblante. Mas não ela. Ela tinha certeza que nunca tinha tido aqueles olhos. Ela tinha certeza que aquele bebê não poderia ter saído dela. E isso era quase bom.

Contudo, a bebê permaneceu sem nome pela primeira hora de sua vida.

Clove permanecia a encarando em um silêncio absoluto e Cato não parava de andar pra lá e pra cá pelo quarto muito pequeno para sua figura agigantada. Ele tinha motivos para ficar preocupado, afinal. Clove tinha passado sua gravidez fingindo um pouco que não estava grávida, que nem ela gostava de fingir que eles nem se conheciam direito. Eles não tinham mencionado nenhum nome para o bebê. Ele sabia de um, contudo, de uma das histórias que sua mãe costumava contar. A rainha de um reino distante, que era governado com justiça e tudo aquilo que faltava em Panem – e neles.

— Você sabe algum nome? – a voz de Clove ressoou, finalmente.

Seu rosto se iluminou um pouco e ele voltou a se sentar na cama. Ele tinha olhos muito brilhantes e muito cheios de coisa – olhos que Clove esperava que a bebê mantivesse – quando fez que sim com a cabeça.

— Illeana – ele anunciou. Porque ele era uma espécie de deus, também, seus anúncios não costumavam ser retrucados. Clove continuou observando seu rosto por um tempo, esperando pra ver algum traço de dúvida.

— Illeana – ela repetiu, testando o nome no ar. Ela deu mais olhada no rosto perfeito da bebê, viu seus olhos de outro mundo e seu cabelo surreal e ela soube que ela devia ser uma rainha, talvez uma parecida com a que havia na história que Cato havia a contado quando eles tinham dez anos. Ela iria carregar um legado e esse era o papel de uma rainha, afinal. – Ela é uma Illeana.

Illeana foi batizada, então, e o Distrito 2 soube quase imediatamente sobre sua gloriosa existência, a existência que desafiava todos os interditos claros daquele lugar. Ela tinha uma mãe sem coração e um pai com mãos de ferro e ela era como uma piada interna de mau gosto porque ela parecia um anjo e anjos não deviam nascer de monstros.

O Distrito 2 a idolatrou de pronto.

Naquela noite, eles todos dormiram no quarto antigo de Clove, seus pais muito aterrorizados para adormecer de verdade, muito aterrorizados para abrir os olhos e ver o que aconteceria em seguida.

— Cato, não volta pra Capital. – Clove disse, em um ponto na noite, e ela parecia muito com a garota que ele tinha conhecido na Academia há milhares de anos atrás. E Cato não negava nada a ela, não havia qualquer outra lealdade, qualquer outra aliança que não fosse a que havia entre eles. Ele sempre fazia o que ela queria (quando ele conseguia entender o que era).

— Eu não vou – ele respondeu, simplesmente, sustentando seu olhar. Clove sorriu muito rapidamente.

Eles tinham mais uma prova, agora. Do elo ilícito entre eles, da cisão que jamais pôde acontecer, da traição que eles tinham praticado contra a Capital (e por que não contra seu distrito e suas regras não ditas, que de certo proibiam uma garota da Patrus de se envolver demais com o filho de um Pacificador?). Então Illeana era uma coisa valiosa e provavelmente muito desejada para que eles a deixassem sozinha. Eles se organizaram em turnos, então, e seguraram o bebê contra seus corações disparados enquanto a noite se arrastava. Porque, claro, se eles passassem por aquela noite, eles com certeza conseguiriam passar por tudo.

E eles passaram. Illeana manteve os olhos do pai. Ela emitiu os seus primeiros sons. Eles tinham motivo pra permanecerem acordados na madrugada.

Contudo, não demorou muito para que eles soubessem bem o quão desejada Illeana era. Foi no seu oitavo dia de vida. Eles ainda estavam em casa, contrariando muito discretamente as ordens de Coin.

Começou assim; Attico deu duas batidas rápidas na porta de madeira antes de adentrar o quarto.

— O 13 mandou um recado – ele começou.

— Espera o Cato – Clove disse de imediato, levantando uma mão.

Seus seios doíam, havia um caroço em sua garganta havia quatro meses e oito dias e Cato ainda precisava lidar com sua vila cheia de legalistas nesse meio tempo porque Cato só era bom para guerrear e o 13 não ia admitir que eles ficassem sem o que fazer só porque tinha um bebê na história. Ele voltou rápido, contudo, o mesmo olhar aterrorizado que ela sempre via no espelho porque eles não tinham terminado de processar tudo aquilo.

— A gente não vai voltar pra lá ainda, ela é muito nova, a gente precisa de mais uma semana – Clove rosnou, assim que se sentou à mesa da cozinha. Attico se sentou à sua frente, mordendo o interior da bochecha. Cato se apoiou contra uma das bancadas, cruzando seus braços.

— Ela quer que vocês apresentem ela. Oficialmente. De frente para uma câmera – Attico finalmente disse, sua expressão calma como sempre.

— Ela tem uma semana de vida, nem tem nada pra apresentar – Clove retrucou de pronto, passando a mão pela testa em frustração porque sabia que não havia realmente nada que pudesse ser feito. O compromisso com o 13 precisava ser mantido. – Inteligente, anunciar pra todo mundo que tem a porra de um bebê aqui. Eu preferia que as pessoas da Capital que me foderam não ficassem sabendo dessa novidade.

Cato soltou um riso suspirado porque aquilo tudo era honestamente demais e saber a verdade do que Clove estava colocando era tão aterrorizante que chegava a ser engraçado. Quantas pessoas na Capital invejariam Clove, agora que ela tinha dado luz à sua herdeira? Ele se lembrou, bem rapidinho, de todas que já tinham ronronado sobre bebês e casamento, de peles estranhas contra a sua e das manhãs impossíveis.

Mas aquilo não era nada disso. Illeana não tinha nada a ver com aquilo. Clove era a única, agora.

— Como vai ser isso? – ele se forçou a perguntar.

— Eles avisaram que uma equipe chega aqui em casa de manhã.

— A Coin sabe que aqueles filhos da puta lá de casa estão dando trabalho. Eles não estão muito animados com a Illeana. E se alguém decidir atacar a gente por conta dessa apresentação? 

— O único problema é que ela está pouco se fodendo pra isso e está doida pra gente voltar pro 13  – Clove estrilou, checando vagamente a condição de seus seios permanentemente doloridos.

— O 2 inteiro já sabe sobre a Illeana, eu não acho que esse anúncio vai piorar a situação com relação ao pessoal daqui – Attico comentou, em um tom pacificador.

— Mas colocar ela nessa coisa de divulgação também não vai ajudar – Cato disse.

— Ela quer levar vocês de volta pro 13, vocês sabem, e o tipo de vocês está sumindo daqui, talvez seja mesmo o mais seguro. Vamos esperar até amanhã pra ver o que ela fala. Daqui a pouco o velho deve cair de vez. – Attico sussurrou, sua voz cheia daquela segurança confortante de sempre. Clove se viu acenando com a cabeça. Cato deu de ombros porque não havia muito o que fazer. Attico sorriu um sorriso triste e se levantou, dizendo que voltava da base com mais notícias.

— Vai ser rápido – Cato mentiu, de novo.

— É. Capaz que vai ser a última. Aí essa porra vai acabar – Clove fingiu que acreditou, sorrindo um pouco.

— É.

Eles mentiam muito bem.

No outro dia, eles cobriram tudo que conseguiam de seu rosto, para não dar muita alegria para ninguém. Cato e Clove sabiam que precisariam apresentá-la para seu distrito em uma cerimônia bonita, as divindades que eram, mas aquilo era diferente. Aquilo parecia muito errado. Aquilo fez Clove vomitar minutos antes da equipe adentrar a casa porque eles estavam usando sua bebê. Clove conseguia ver o jeito que eles iriam se curvar na beirada do sofá, imaginando, sonhando, com sua bebê e ela pertencendo a eles, com Cato morto de novo e elas duas vivendo em alguma mansão que nem a de Naevio, cercadas com ouro e perversão. 

Cato segurou seu cabelo e tentou sorrir, mas ele também conseguia ver, Clove sabia, mesmo quando ele corria as mãos em suas costas e dizia que tudo ia ser rápido.

Ela mal podia encarar o rosto redondo de Illeana uma vez que a equipe adentrou a casa de Dom. Eles não pareciam pais, do jeito que pais deviam parecer, então toda uma preparação foi necessária. Clove usou rosa e seu cabelo solto. Cato segurou a bebê.

— O que vocês querem que a gente fale? – Clove arrastou.

— O que vocês quiserem – foi a resposta, abafada pela roupa estranha que eles usavam.

— A gente vai mandar vocês irem se foder, então, bem rápido – ela latiu. Do canto da sala, Iana arregalou os olhos, espalmando as mãos. Ella decidiu ir para a cozinha, desaprovando Clove, como sempre. A equipe se remexeu inconfortavelmente. – São os hormônios.

— Controla as presas para essa porra acabar logo – Cato murmurou, ao seu lado. – Só começa aí. Vamos logo com isso.

— Façam um agradecimento em nome da bebê. Para os soldados que estão lá na Capital – alguém sugeriu. Clove meneou com a cabeça; alguém fez um sinal de positivo com a mão. Clove conhecia bem aquilo. Ela trocou um último olhar com Cato. Ela se lembrou da oferta de Coin, do tal esquadrão especial, da promessa de destruição, uma exatamente do tipo que Cato costumava aceitar.

— Povo de Panem, é com orgulho que apresentamos a vocês nossa filha. Ela nasceu há nove dias atrás, no meio de uma guerra que agora afirmo com afinco que precisamos vencer. Nossos corações e mentes estão com os soldados que lutam pela liberdade do nosso povo na Capital.

— Nós gostaríamos de agradecer a cada um que está marchando contra a Capital. Juntos, nós devemos derrubar Snow – Cato parou por um segundo. Clove apertou seu braço. O homem com a roupa estranha apontou para Illeana. – Nós devemos garantir que as crianças de hoje tenham um futuro melhor.

E deu certo. A câmera foi desligada.

— Não foi muito ruim – ele sussurrou, para Illeana e para Clove, ainda pálida como um fantasma, gelada ao seu lado. Cato fez menção de falar alguma coisa para ela, mas Clove já havia se levantado quando ele tentou. Ele deixou a equipe ver a bebê mais de perto, suspirando um pouco quando Illeana voltou seus olhos em sua direção.

À noite, a mensagem ecoou de novo e de novo na praça da Curia. O Distrito 2 assistiu a família que tinha sido criada pela Capital atentar contra ela.

Na casa de Dom, a mensagem ressoou pela sala, intercalada com as cenas do Tordo e com os depoimentos de Finnick e Johanna. Clove se sentou no sofá com Illeana enquanto Gaia ajudava Ella a fazer a sopa que alimentaria os soldados famintos que voltariam em breve. Ela assistiu o pacotinho roxo que era Illeana contra a figura enorme de Cato e o rosto bonito de Finnick remoendo seus dias na Capital e tudo se misturou um pouco e aquilo não deveria estar acontecendo.

Illeana tinha que ficar longe daquilo tudo.

Algum tempo se passou e Illeana era a única das duas que se mexia. Ella se sentou ao lado de Clove, eventualmente, observando daquele jeito descarado seu rosto lívido. Clove sabia que ela estaria mais do que disposta a segurar Illeana por alguns minutos para que ela pudesse ir vomitar bem rapidinho e talvez tirar um cochilo. Contudo, alguma coisa a impediu de passar a bebê para os seus braços. Ela viu seu quadro de Vitoriosa na prateleira do bar de Ella. Gaia se sentou ao seu lado, também, sempre ansiosa para segurar sua sobrinha, e Clove a viu usando o mesmo penteado que ela, jogando facas contra figuras humanas na Academia. Ela gostava de Gaia, talvez até amasse, mas aquilo tudo era demais e Gaia às vezes era muito parecida com ela e Clove ficava aterrorizada porque ela se lembrava que Gaia tinha passado tempo demais com ela e Clove não sabia se Illeana ia sobreviver àquilo.

— Vai dormir, princesa – Ella meio que ordenou, avançando na direção de Illeana.

Tudo aconteceu meio rápido. Clove ouviu alguém gritar, viu o relampejo dos olhos assustados de Gaia (seriam os de Illeana?) ­e os degraus da escada sendo escalados muito rapidamente. Então seu quarto antigo e o rosto perfeito de Illeana, mexendo as mãos contra o queixo de Clove.

— Está tudo bem, bebê – ela sussurrou, sacudindo Illeana pra cima e pra baixo, as costas encostadas contra a porta. – Ninguém vai te pegar, eu não vou deixar. Está tudo bem, eu não vou deixar você ficar no meio disso.

Illeana encarou e encarou e Clove tremeu e tremeu até que a primeira emitiu um grito agudo.

Ela era muito pequena pra fazer um barulho daquele, aquilo devia estar errado. O grito enregelou a espinha de Clove, que empalideceu ainda mais. Sua bebê devia estar com medo dela, também, aquela era a única explicação. Clove a sacudiu ao redor do quarto por muito tempo, mas nada a fazia parar. Ela tentou alimentá-la, tentou trocá-la, tentou fazer com que ela amasse ela de volta, mas nada funcionava.

Já estava tarde, agora. Eles já tinham a visto. Ela a odiava por isso.

Clove ouviu a voz de Ella do outro lado da porta. Gaia disse alguma coisa, também, mas ela não podia entregar sua bebê. Elas tinham que dar um jeito naquilo, as duas e só as duas. Illeana precisava amar ela de volta. Ela precisava garantir que ela ficasse longe daquilo tudo. 

— Por favor, por favor, por favor, bebê, por favor. Eu não vou te machucar, por favor – Clove se ouviu implorar, sua face cheia de lágrimas encarando o rosto vermelho de Illeana. – Por favor, Illeana, por favor. Você precisa me amar de volta, para de chorar, por favor.

Mas nada aconteceu. Illeana chorava porque ela devia odiar aquela mulher que precisaria chamar de mãe, aquela mulher que tinha a colocado naquele mundo terrível, cheio de sangue e sujeira e aquele tanto de mãos que tinham a tocado. E Clove tinha tido a audácia de carregar sua bebê no seu corpo maculado.

Clove contou horas. Ela não devia ter mais lágrimas. Illeana não devia ter mais voz.  

Clove a balançava para cima e para baixo. Nada acontecia. Elas duas choraram, então, por um longo tempo.

Cato chegou, em algum ponto, e Clove reconheceu vagamente a expressão assustada em seu rosto quando ele pegou Illeana. Ela o deixou, contudo, porque ele era o único que podia. Clove permaneceu sentada na cama, seus seios doendo e sua mente girando porque sua bebê não amava ela e ela devia ter imaginado que isso iria acontecer e ela tinha deixado que eles a vissem, que nem eles tinham a visto, que nem tinham visto Gaia.

Eventualmente, o choro parou. Illeana foi colocada no berço e Clove permaneceu onde estava.

— Clove – ela ouviu Cato chamar. – Porra, Clove, não faz isso.

Ele se sentou ao seu lado, todo perdido como sempre.

— Clove, o que foi? O que aconteceu?

Tudo tinha acontecido.

Seu primeiro cliente, um velho enorme cheio de diamantes, e o primeiro sorriso de Illeana. Cato tinha a segurado no chuveiro quando ela sequer conseguia sustentar seu corpo e Naevio tinha abaixado o zíper de seu vestido. Sua bebê tinha um cheiro suave e ela ainda conseguia ver o sangue impregnado entre seus dedos. Wade tinha a entregado Gaia e seus pais tinham a recebido depois de sua vitória. Illeana tinha ganhado um leão rosa de Iana e ela tinha recebido sua primeira faca de Brutus.

Cato tinha recebido a oferta de ir pra Capital. Ele não tinha falado nada, mas ela sabia, ela sabia que ele ia abandoná-la de novo.

Sua respiração entalou em sua garganta. Do canto do olho, ela viu um flash. Eles todos tinham os mesmos olhos e eles a acusavam por todos seus milhares de crimes.

— Clove, anda, fala comigo. O que aconteceu?

— Ela me odeia – ela sussurrou.

— O quê?

— Ela está no meio disso agora. Todo mundo que fodeu com a gente viu nossa bebê. Ela está no meio disso que nem a gente – Clove despejou, seus olhos de vidro vagando pelo quarto. – Ela me odeia por causa disso. Ela não para de chorar, eu não consigo fazer ela parar de chorar, ela tem medo de mim.

— Ela não te odeia, ela está com cólica. – Cato afirmou, de imediato. Clove finalmente olhou para ele, desesperada por uma outra opção. Ele sustentou seu olhar e Cato sempre tinha sido tão legal, tão disposto a lidar com ela e as coisas doíam demais às vezes. – Ela não te odeia, não é assim que essas coisas funcionam.

— E que porra você sabe a respeito disso?

— Eu juro, ela te ama. Você não fez nada de errado, Clove, está tudo certo.

Talvez fosse melhor se ela não amasse, mas aquilo funcionava para Clove, por enquanto. A respiração tranquila de Illeana preencheu o quarto. Cato não desviava o olhar, mas mantinha as mãos longe dela. Clove não gostava de ser o objeto desses estudos meticulosos.

— Por que você não deixou ninguém pegar ela? – ele perguntou, de repente, do mesmo jeito cru de sempre, nunca intimidado pelos seus segredos.  – A Ella sabe o que fazer,  se você achar que...

— Não, Cato, não – Clove dispensou, de repente. – Eu não quero ninguém mexendo com ela.  

— A Ella não é o 13, Clove, ela não é a Capital. Ela está aqui pra ajudar. A gente é uma merda nessa coisa e ela sabe mais, então se você vai surtar, passa ela pra alguém, essa porra...

— Foda-se! A Ella... Não, não dá, ia ser errado. Ela só fica quieta com você, ela gosta mais de você, você tem que ficar por perto – Clove estava gritando como ele. Contudo, sua voz esmaeceu no final, se tornando um fio de dor muito difícil de ouvir. Ela se encolheu na beira da cama, como nunca fazia antes. – Então você não pode voltar pra Capital, Hadley, você só tem que sossegar o rabo aqui, entendeu? Eu não... Você não pode ir.

Cato tinha acabado de brigar com seu irmão mais novo e o pessoal da sua vila não cedia e tudo doía um pouco demais, mas ele entendeu que aquela não era hora de discutir nada com Clove, nunca era se ela se encolhesse daquele jeito, se tinha aquela coisa nos seus olhos.

— Beleza, Clove. O que você quiser. Vai dormir. Eu vou resolver tudo aqui – ele declarou. Clove se deitou, ainda um pouco trêmula, ainda um pouco desconfiada e Cato esticou sua mão para tocar suas costas sem sequer pensar; ela não o empurrava mais. Em alguns minutos, ele ouviu sua respiração pesada.

Cato assistiu seu semblante tenso. Ele olhou para o rosto tranquilo de Illeana. Elas se pareciam muito. Cato só não tinha certeza do que devia sentir a respeito disso.


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Notas finais do capítulo

Acima deles só Deus, não é mesmo?? Feliz demais por poder abordar ainda mais Dramas Familiares e parentalidade de pessoas muito perturbadas. Voltei esses dias no primeiro capítulo e deveras emocionada por poder ter contado esta grande história de amor que foi atravessada por todo tipo de desgraça, picuinhas desnecessárias e TRAUMAS!!! Bão demais! Obrigadaa.



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