A viagem de Chihiro 2 escrita por A viajante do tempo


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Olá, desculpem pela demora. Este ano estou prestando vestibular, por isso não escrevo com frequência, mas prometo que não irei desistir de terminar essa história, até porque ela já esta terminada em meu caderno, só me resta transcrevê-la. Fico muito feliz de ter leitores para ela! Obrigada!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/763504/chapter/6

Por um longo tempo ela não conseguiu desviar os olhos daquele à sua frente. Haku estava em sua forma de dragão, exatamente como ela se lembrava. Estava desacordado e correntes em volta de seu corpo o mantinham a certa altura do chão. O recinto estava escuro, apenas uma janela em bloco, próxima ao teto, permitia a entrada de alguma luz. Isso e as correntes em volta de Haku, que estranhamente brilhavam com uma luz esverdeada. Ela logo concluiu que aquelas correntes não eram normais.

     Então, olhou ao redor para ver se havia alguma maneira de tirá-lo dali. Havia duas correntes, que ligadas às paredes ao redor pela esquerda e pela direita de Haku, suspendiam o corpo dele no centro do recinto. Observou também que junto as paredes havia escadas de pedras que levavam a base de cada corrente, talvez para facilitar o trabalho sem a necessidade de voar. Ela subiu em uma das escadas, tentou chacoalhar a corrente, pendurou-se, mas nada. A corrente nem se moveu. Sem se dar por vencida, foi em direção à próxima.

     Depois de testar cada corrente, enfim desistiu. Não conseguiria soltar Haku dali sozinha. Precisava pensar em outra maneira, ou então pedir ajuda. Frustrada e cansada, não percebeu que tinha se movido, e agora estava logo abaixo de Haku. Seus rostos estavam separados por metros de distância. Num gesto automático ela ergueu a mão: ainda não o havia alcançado.

    Em algum momento, percebeu que a luz da janela havia mudado de posição, o amanhecer estava próximo. Precisava sair dali e voltar para a cozinha antes que o castelo acordasse. Com uma ultima olhada para Haku, ela deu as costas e correu para as escadas.

      A descida das escadas sem dúvida foi melhor que a subida. Quando finalmente chegou a porta que dava para a sala do trono, ela cuidadosamente a abriu. No salão havia apenas um guarda, que andava por todo o perímetro do salão. “Será que os demais estavam em horário de café?” O objetivo dela agora era passar sem ser vista, mesmo que sua presença fosse notada. Ela então esperou o guarda virar e estar longe o suficiente, então disparou em direção ao trono e se escondeu. O guarda, vendo a porta aberta, apressou-se em verificar. Depois de olhar ao redor, subiu as escadas para checar o prisioneiro. Enquanto isso, Chihiro permaneceu quieta atrás do trono, prendendo a respiração. Quando finalmente achou seguro continuar, saiu de trás do trono e correu em direção à entrada leste.

     Disparando pelos corredores, ela quase derrubou as criadas que iniciavam os serviços matinais. Entrou na cozinha como um raio e bateu a porta. A Mãe de Haku cozinhava algo em uma panela de ferro. Ansiosa, Chihiro verificou se as duas estavam mesmo sozinhas, vasculhando os cômodos adjacentes.

    - Eu o encontrei! – disse ela ofegante e a amiga encarou-a. - O problema é que ele não acorda! Mas...por sua expressão acho que já sabia disso, não é?

   A mulher confirmou com a cabeça, tristemente.

— Como vamos tirá-lo de lá? – Chihiro deixou-se cair numa cadeira.

A mulher sorriu para ela e fez um gesto, indicando o coração de Chihiro. Esta não entendeu.

     Nesse momento, seus amigos entraram na cozinha. Sem Rosto, trazia uma cesta cheia de alimentos e Bõ, carregado por seu passarinho, tinha consigo uma cesta menor. O pobre do passarinho parecia que ia ter um colapso.

    Ali, na cozinha, porque era próxima ao jardim, tinha trepadeiras nas janelas. A luz do sol entrava por elas e esquentava as costas de Chihiro, que estava sentada perto da mesa. Bõ e seu passarinho estavam separando algumas verduras sobre a mesa. Vez ou outra, a Mãe de Haku pedia para ela experimentar o sabor de algo que ela e Sem Rosto cozinhavam, num diálogo animado, mas sem palavras.

Observar os amigos assim atenuou o aperto que vinha sentindo em seu coração, desde que vira Haku há algumas horas. 

— Vocês todos trabalhando e eu aqui sem fazer nada. – disse ela, levantando-se da mesa, apesar de que o que realmente queria era observá-los mais um pouco.   

     A Mãe de Haku a observou com ternura e entregou-lhe uma bacia de madeira, com alguns guardanapos sujos, uma barra de sabão e um esfregador de metal.

— É para eu lavar? Mas como se aqui não tem pia? – disse Chihiro.

     A outra foi até a janela do lado oposto ao jardim e pediu para Chihiro aproximar-se. Da janela dava para ver a parte de trás do castelo: um gramado que descia inclinado até um regato do rio que circundava a cidade, ali ele não passava por canais.

     Chegando ao rio, Chihiro ajoelhou-se e começou a preparar-se para lavar, porém, quando olhou para a superfície do rio, pulou de susto.

     Dois enormes olhos azuis a observavam.

     Preparou-se para se afastar, mas de repente achou que aqueles olhos lhe eram familiares, de um azul da cor do céu... Olhou, então, para cima e percebeu que na verdade a água refletia dois enormes olhos azuis entre as nuvens.

     De súbito, percebeu que não estava mais com medo, nem quando a enorme forma de Sapana Aasaman serpenteou em direção a ela. Em um segundo, ele estava à sua frente.

    Depois de um longo silêncio, Chihiro achou que ele esperava que ela se apresentasse. Então, fazendo uma reverência, disse:

— Olá, eu sou Chi... – “o que ela estava fazendo!” - ...zu! Meu nome é Chizu, é uma honra conhecê-lo.

     Ele nada respondeu. Ansiosa, preocupou-se em estar parecendo suspeita. De repente, o dragão rompeu em uma gargalhada alta, fazendo Chihiro sobressaltar-se e encará-lo aturdido.

— Eu é quem deveria dizer isso! É um prazer conhecê-la, Chihiro!

“Velho esquisito... Espera, o quê?!”

— Como sabe meu nome?

— Sei quem você é mesmo antes de nascer. Acompanhei seus pais e vi você nascer.

— Co-como? – ela sabia que havia muitas coisas que nem imaginava naquele lugar, mas isso já era demais!

— Sempre os observei lá de cima. – disse ele e apontou para o céu. – Sou Sapana Aasaman, Senhor dos Céus e dos Sonhos.

— Quer dizer que o senhor vive no céu?

—  Eu sou o céu.

Ela precisou de alguns segundos para digerir.

— Então porque o céu continua no lugar? – disse ela sem pensar. “Droga, e se ele se ofendesse?”

Ele novamente caiu numa gargalhada. Depois disse:

— Isso é só uma projeção minha. Na verdade, eu envolvo a Terra e todas as suas várias dimensões com meu corpo, assim a mantenho protegida do Espaço.

    Agora era a vez dela de ficar em silêncio, digerindo tudo aquilo. Sapana teve a gentileza de aguardá-la.

    As vezes, ela não conseguia entender como conseguiu continuar acreditando em sua aventura de quando tinha dez anos. Pois quando voltou para casa, a ciência sempre desacreditava tudo que ela vira. O que diriam os cientistas quando descobrissem que o conjunto de gases que formam a atmosfera, era na verdade um velho dragão que gostava de rir? Sem dúvidas ficariam pirados.

     Mas ela sabia o que a fizera manter-se firme quando voltou ao seu mundo, pois tinha certeza de que o que sentia por ele, ela não teria criatividade para inventar.

— Sei o que está pensando. – disse, Sapana, de repente – Uma coisa de que o céu é encarregado são os sonhos e pensamentos das pessoas. Sempre que alguém se perde em pensamentos, devaneia ou deseja lembrar-se de algo, ela olha para o céu e identifico através do olhar o que ela deseja. Você olha pra mim assim quando pensa no seu namorado.

—Ele não é meu namorado! – enrubesceu Chihiro.

— É sobre ele que vim falar. Sei de uma maneira de ajudar o jovem dragão.

Chihiro sentiu-se acender. E encarou o velho com ansiedade.

— Já ouviu falar de Yangtzé?

“Já, mas onde...”, pensou ela.

— Yangtzé era rei antes de Huang Ho. – interrompeu Sapana, ela se esqueceu que ele podia ler seus pensamentos. – Segundo o equilíbrio da Mãe Natureza, ele é quem deve governar essa terra. Sem ele ocorre desequilíbrio em várias dimensões.

— E o que aconteceu com ele?

— Foi derrotado por Huang Ho em um duelo e teve o trono usurpado. Mas não foi uma luta justa, Huang Ho trapaceou, eu vi. Yangtzé, então, foi exilado.

—Tenho certeza que o senhor sabe onde.

— Disso eu não sei. – ele sorriu. – Mas sei que precisarão de Yangtzé se quiserem derrotar Huang Ho.

“E onde Haku se encaixa nisso tudo?”, pensou Chihiro.

— Calma! Desde antes de te conhecer, o principal objetivo do jovem dragão era derrotar Huang Ho e trazer Yangtzé de volta. Mesmo depois de resgatá-lo acha que ele vai fugir com você e abandonar seu povo?

— Claro que não... – ela envergonhou-se. Sabia que estava sendo egoísta, foi só o que fizera todo este tempo.

—Então, minha querida, deve primeiro salvar Yangtzé, mas para isso precisa da ajuda de Haku.

      Ela levantou a cabeça e viu que ele sorria para ela, com ruguinhas formando-se nos cantos dos olhos. Então, ele desenrolou a cauda, expondo uma adaga.

— As correntes são feitas com pêlos da crina de monstro marinho, elas são fortes porque sugam a energia vital, mas com essa faca você poderá cortá-las. Já vi essa faca matar muitos monstros marinhos, por isso ela é experiente. – acrescentou ele com tristeza.

    Chihiro pegou a adaga e escondeu-a entre os guardanapos no balde.

Eles se encararam. Aquilo era tudo, concluiu ela.

— Sim, é o que posso fazer para ajudá-la. – respondeu ele, mais uma vez lendo seus pensamentos.

— Nos veremos de novo?- perguntou ela.

— Nesta minha forma, sim, uma ultima vez. Quando terminar o que veio fazer aqui. – ele estava desaparecendo. – Esta é minha hora, até logo, Chihiro.

    E dissipou-se, como nuvens no céu.

     Eram altas horas da noite quando Chihiro retornou à cela de Haku. Ao vê-lo seu coração deu um salto no peito. Então, lembrou-se que precisava ser rápida, tinha de soltá-lo antes do amanhecer. Desviando o olhar, subiu a escada mais próxima, empoleirou-se na corrente. Realmente, ela percebeu que a corrente era um feixe de pêlos muito grossos, como Sapana havia lhe dito.

     Depois de um longo tempo trabalhando, ela parou, pois apesar de a faca estar funcionando, os pêlos eram muito grossos e abundantes, nesse ritmo ela iria amanhecer e ela ainda não teria terminado. Ela virou-se, Haku estava pendurado, no centro da sala, por duas cordas, uma de cada lado...

    Então ela teve uma idéia.

     Com cuidado, começou a escorregar pela corda. O ponto em que Haku estava era o que exercia maior tração nas cordas, ao aproximar-se dele, estaria aumentando o peso no centro e também a tração, cortando próximo àquele ponto talvez facilitasse o processo. Enquanto escorregava pela corda, sem pensar, olhou para baixo. Ao fazer isso, viu que o chão estava longe; se caísse dali ficaria no mínimo muito ferida. Era melhor não olhar para baixo. Engoliu em seco e voltou a deslizar.

     Quando chegou a poucos metros de Haku, estendeu a mão e tocou-lhe a crina verde. Ele permanecia desacordado, porém ela pensou ter sentido uma vibração quando o tocou. Observou-o bem, não percebeu nem pulsação nem respiração dele, era como se estivesse congelado, ou morto...ela chacoalhou a cabeça e virou-se de costas para ele. Começou a cerrar no ponto acima de onde ela e Haku estavam.

     Felizmente, sua idéia surtiu efeito. Depois de algumas horas cerrando, a primeira corda cedeu. Num segundo, ela agarrou-se a crina de Haku e fechou os olhos. Num átimo, sentiu o vento zunir pelos ouvidos e terminar em um baque seco na lateral do corpo. Abriu os olhos, ela e Haku estavam suspensos pela corta que restara, tinham batido na parede oposta, onde a corrente estava presa. Por sorte, a faca ainda estava em sua mão.

     Virando-se para verificar se Haku não havia se ferido,deparou-se com dois enormes olhos verde-oliva, encarando-a, a poucos centímetros do seu.

— Haku, você acordou! – exclamou ela sem pensar.

    Abraçou-o no pescoço com toda a força. Ele ainda estava em sua forma de dragão.

     Ela estava tão feliz! Depois de tanto tempo sem vê-lo, percebeu que nem de longe suas lembranças poderiam reproduzir tudo que aqueles olhos significavam para ela.

     Ele descansou a cabeça de dragão no topo da dela e ficaram assim por alguns minutos, até quando ela percebeu que ainda estavam pendurados. Haku só poderia voltar à forma humana se estivesse totalmente livre daquelas correntes.

      Ela então pediu que ele a erguesse para que pudesse terminar de cortar a corda. Ele ainda a mantinha junto ao corpo, segurando-a pela pata dianteira. Porém, Haku ignorou-a e tomou a faca das mãos dela, com a cauda. Com destreza, começou a cerrar a corda. Em poucos minutos, ambos caíram no chão, num baque que ecoou pela sala. Haku protegeu-a do impacto.

      Preocupada, Chihiro rapidamente se ergueu e ajudou ele a tirar os restos das correntes. Enquanto arrastava, com dificuldade, um pedaço da corda para longe, ouviu atrás de si uma voz suave que ela conhecia bem.

— Chihiro.

    Ansiosa, ela se virou. E de repente começou a chorar.

 Droga, porque tinha de ser tão chorona?! Agora que ele estava bem na sua frente ela só sabia chorar. Era como se uma barragem estivesse rompido em seu peito, e tudo que estava guardado estivesse escapando. Ela se acocorou como fazia quando tinha dez anos e ficou ali chorando. Devia estar parecendo patética.

      Então, como das outras vezes, ele a consolou. Ela sentiu as mãos dele em seus ombros, exatamente como quando se conheceram. Ela não precisava ter vergonha de chorar na frente dele.

— Desculpe, Chihiro. –disse ele.

     Novamente ela rompeu em lágrimas. E em silencio ele deixou que ela chorasse. Quando finalmente achou que estava segura, encarou-o.

— Mais uma vez você me salvou, Chihiro. Obrigado. – sorriu ele.

— Eu queria te ver Haku. Mas não conseguia atravessar a passagem.

— Eu sei. – disse ele com tristeza. – Agora não temos tempo para explicações, precisamos sair daqui.

    Ele se levantou e, ainda segurando a mão dela, começou a conduzi-la para a saída. Foi só nesse momento que percebeu:

     Haku estava exatamente como ela se lembrava. 

    Eles já não eram da mesma altura, como antes, ela estava bem maior do que ele. Sua mão também estava um pouco maior do que a dele.

    De repente, se deu conta que nada havia mudado no mundo de Zeniba e Yubaba também. Tudo estava como era quando ela os conheceu, como se o tempo estivesse cobrando só a ela. Com amargor, sentiu que estava novamente longe de Haku, dessa vez uma distância intransponível.

     Nem percebeu que tinham parado. Ergueu a cabeça e enrubesceu quando viu que Haku a observava. Desviou o olhar. Será que ele lia seus pensamentos como Sapana?Ela esperava que não.

    -Chihiro, olhe para mim. – disse ele suavemente.

     Relutante, ela ergueu o olhar.

    - Meu corpo não vai ficar assim para sempre. – disse ele, com um sorriso de quem estava se divertindo com a situação.

    - Sério? – disse ela, talvez estivesse parecendo muito esperançosa. – Quer dizer... Legal.

   - Sim, como a água eu posso mudar de forma. Mas esse não é o momento.

   - Ok. Tudo bem. – disse ela. Estava envergonhada por ser tão fácil de ler, mas precisava admitir que ficou aliviada com a notícia.

     Ele pegou a mão dela e começaram a descer a escadaria. Chihiro queria fazer muitas perguntas à Haku, porém tinha medo dos guardas estarem por perto. Passou a maior parte da descida formulando perguntas para sussurrar, mas quando viu já haviam chegado à porta para o salão real.

    Haku abriu uma fresta na porta e espiou.

— Há quatro guardas  espalhados pelo salão, -disse ele, depois de fechar a fresta- não podemos passar por eles.

    Sem esperar qualquer resposta, ele aproximou-se da janela e pendurou-se no  canto desta, depois ergueu-se, ficando de pé no parapeito. Então, virou-se e estendeu a mão para Chihiro, ela a pegou e ele a ajudou a subir também. De pé, Chihiro espiou através do parapeito. Péssima idéia, pois estavam absurdamente longe do chão! Tanto que os rios eram como fitas prateadas sob a luz do luar. Ela sentiu seus músculos retesarem e, apavorada, agarrou-se na base lateral da janela, fixando o olhar num ponto à sua frente, um que não fosse a queda absurda logo ao lado.

 - Chihiro, - disse Haku, em algum lugar ao longe, seus ouvidos deviam estar abafados pelo medo – Chihiro, fique calma, não vou deixar você cair.

     Ela então desviou o olhar do ponto e o olhou. Ele estava bem à sua frente encarando-a, com cautela, devia estar preocupado que ela fizesse alguma besteira e acabasse caindo dali. Então, ele estendeu a mão e disse:

— Venha.

   Percebeu que ela havia se afastado um pouco dele, quando se agarrou ao parapeito. A janela não era muito larga, mas seu medo parecia transformar poucos centímetros em metros.“Só um passo, Chihiro”, disse para si mesma. “Um passo e você estará segura”. Com as pernas tremendo, ela cuidadosamente deu um passo. Sem o apoio da janela, parecia estar andando numa corda bamba. Concentrou-se em Haku e finalmente alcançou sua mão.

— Muito bem.– disse ele suavemente, quando ela agarrou sua mão. – Agora feche os olhos. – e ela ficou feliz em obedecer.

     Com um movimento rápido, ele jogou-a nas costas e saltou o parapeito. Foi tudo tão repentino que o grito ficou congelado na garganta dela. Ainda com os olhos fechados sentiu que o corpo de Haku se alongava e uma crina macia começava a roçar a pele dela.

      Sem pensar ela abriu os olhos. E agradeceu-se por fazê-lo.

    Era uma noite morna e a lua estava cheia. Eles estavam alto no céu se distanciando do castelo e da vila. Lá do alto, dava para ver os telhados, a relva alta que parecia macia dali,  o rio que saia da cidade e a percorria com seus meandros até enfim sumir na floresta. Ao longe havia montanhas, devia ser onde o rio nascia.

    Com brisa morna passando por ela, Chihiro relaxou os músculos. Aquilo era muito bom. Porque estava com medo, mesmo? Haku nunca a deixaria cair. Então, lembrou-se de que já voara com Haku uma vez, mas dessa vez, bem, era muito melhor. Lembrou-se, também, de que não havia dormido direito fazia dois dias. Então, envolveu o pescoço de Haku e afundou o rosto em sua crina, contudo sem tapar a paisagem da noite. Ouviu um som vibrante vir de dentro de Haku, como uma espécie de ronronar. Mas não parou para analisar o que poderia ser aquilo, pois suas pálpebras estavam cada vez mais baixas...

    Quando despertou, de repente, alarmada, estavam pousando na frente da janela do quarto da cozinha. De súbito, a janela escancarou-se e a mulher que surgiu observou Chihiro desmontar e correr até ela. Chihiro saltou o parapeito e abraçou fortemente a mulher, sentindo o rosto molhado, sem saber se as lágrimas eram dela ou da amiga, quando esta retribuiu o abraço.

     Ambas apenas se soltaram, quando Haku pulou o parapeito, já em forma humana. Então, a mulher a largou e correu até o filho, envolvendo-o em um abraço.

— É bom te ver também, mamãe. – disse Haku, num sussurro, retribuindo o abraço da mãe. Ela era bem mais alta do que ele, tanto que ela chorava com a cabeça sobre o topo da dele.

      Sem Rosto e Bõ também não faltaram nas boas vindas à Haku. Quando finalmente  a Mãe de Haku o soltou( depois dos protestos dele, de que ela o estava sufocando), ambos saltaram sobre ele.

— É bom vê-los também- disse Haku.

    Enquanto eles conversavam, Chihiro lembrou-se de que desde ontem estava com o colar azul. Estava procurando o feixe dele, quando foi interrompida com um toque em sua mão. Era a Mãe de Haku.

— Ela está te dando o colar. –disse Haku, atrás dela.

— O quê?! Mas eu não posso aceitar, parece algo muito valioso. – disse Chihiro com o colar entre os dedos, a jóia azul brilhava sobre a luz do luar.

— E é. É um selo de dragão, nela estão guardados todos os anos de nossa vida. Aceite. Ele trará sorte e proteção.

— Não posso!Se ele é o que disse, o que acontecerá com a senhora? – disse ela, voltando-se para a amiga.

    Haku e sua mãe se encararam, pareciam discutir através do olhar.

— Aceite, Chihiro.Ele a ajudará na luta contra Huang Ho. Não se preocupe, -ela abrira a boca para rebater - minha mãe não morrerá enquanto o colar estiver neste mundo.

    Ela desistiu de discutir, mas depois tentaria devolvê-lo novamente. Ao invés disso, ela perguntou:

— Como vamos encontrar Yangtzé?

— Não sei. –disse Haku. – Mas é essencial que o encontremos, sem ele não poderemos enfrentar Huang Ho.

— Huang Ho não me parece assustador...

— É que você ainda não o viu em sua forma real. Você sabe que os dragões são espíritos de rios, não sabe? 

Ela confirmou com a cabeça.

— Huang Ho é o segundo maior rio da China, perde somente para Yangtzé. Ele é uma importante fonte de vida em seu mundo, sem ele não seria possível a agricultura em algumas regiões e muitas pessoas passariam fome.

     Chihiro o encarou, admirada, nem suspeitava o significado que Huang Ho representava.

— Tudo que acontece aqui reflete em seu mundo. Continuou Haku. Desde que Huang Ho suplantou Yangtzé ele tem causado enchentes devastadoras, destruindo vilas, cidades e plantações próximas à ele. Yangtzé, por outro lado, esta com uma capacidade baixíssima, causando diversos problemas hídricos para a China.

“ E nós sempre colocando a culpa no clima”, pensou Chihiro. De repente, veio a cabeça:

— E o seu rio Haku? O que aconteceu com ele?

Por um segundo, ela pensou ter visto uma sombra de dor passar pelos olhos dele.

— Sofreu assoreamento. –disse ele friamente- Eu não tenho mais forma no seu mundo.

Ela lembrou-se de quando caíra em cima de Haku, quando ele era um rio. Ela ia se afogar se ele não a tivesse salvado. Na época, ela não sabia nada sobre dragões ou espíritos.

 Agora Haku estava morto em seu mundo. Espera! Isso quer dizer que ele não poderia voltar com ela?!

— Temos de nos apressar, de manhã irão descobrir que eu desapareci e...

    Num átimo de segundo, Haku foi envolvido num casulo de lençol, ficando apenas com a cabeça de fora. E pousou seco em cima da cama.

    Todos ficaram estupefatos, exceto uma pessoa. Chihiro olhou em volta, temerosa de que já tivessem sido descobertos e Huang Ho já estivesse ali. Surpresa, observou que a Mãe de Haku  estava tranquilamente tirando alguns lençóis do baú, próximo à cama.

— Ela quer que descansemos por hoje. – disse Haku, tentando se livrar do lençol.

“ Que maneira mais delicada de se expressar.”, pensou Chihiro.

— Ela está certa. – disse ela, enquanto ajudava Haku – Precisamos descansar, eu estou um trapo velho e você também, Haku, já que aquelas correntes ficaram sugando sua energia.

— Trapo velho?- disse ele, encarando com dúvida.

—Quer dizer cansada. Hum, é o que gente da minha idade diz no meu mundo. –Haku falava sempre tão certinho, aquilo era indício de que ele era bem mais velho? Ou simplesmente os dragões não falavam gírias?

— Ah. –disse ele e sorriu. Depois hesitou, pensativo. – Acho que as duas estão certas, vamos dormir um pouco. Chihiro você dorme com minha mãe na cama e Sem Rosto, Bõ e eu dormiremos na esteira.

— Quanto cavalheirismo! – brincou Chihiro e ele lhe devolveu o sorriso o que fez o coração dela pular.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A viagem de Chihiro 2" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.