A viagem de Chihiro 2 escrita por A viajante do tempo


Capítulo 5
Capitulo 5




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         Em seus dedos Chihiro tinha uma algo que parecia um híbrido de lagosta e lesma, de cores fortes. Disseram-lhe que era uma iguaria muito apreciada ali, mas ela não conseguia entender como alguém conseguia comer aquilo. Na caixa a sua frente havia muitas outras coisas estranhas:  aves que nunca vira presas em gaiolas; ratazanas coloridas, bem maiores que as que conhecia, com uma casca dura sobre sua pelagem, ameaçava-a com seus dentes. Aqueles eram ingredientes da gastronomia dos dragões, sem contar os de grande porte que ficavam do lado de fora do castelo.

      De repente, aporta foi escancarada e o Conselheiro Real rompeu sala adentro, arfante e agitado:

— Onde ela está? Onde ela está? Ah! – exclamou quando finalmente viu a mãe de Haku. – Escute bem! O rei está com convidados agora e ordenou um grande jantar para esta noite... – ele tomou fôlego – pois nosso convidado de honra é ninguém menos que o Espírito Ancião do Céu, o grande Sapana Aasaman. Aquele velho, nunca avisa quando resolve aparecer!- murmurou ele, para si mesmo - Então, tudo tem de estar pronto o mais rápido possível!

        Ele bateu palmas e uma fila de empregados vestidos como Chihiro entrou. O Conselheiro rompeu porta afora, pois devia ter mais coisas que cuidar. Sem demora, a Mãe de Haku mostrou quem mandava na cozinha e começou a designar cada um à sua função. Bõ e seu passarinho tiravam as loucas do armário, um jogando e o outro pegando, Sem Rosto ajudaria na preparação dos pratos. Chihiro, porém, viu-se no meio da confusão da sala, com funcionários apressados. Sem perceber alguém havia posto uma bandeja em suas mãos e a empurrava porta afora. Confusa, ela automaticamente saiu. Ao perceber que serviria os convidados, correu pelos corredores com a bandeja de chá tilintando.

      Finalmente, alcançou a sala do trono. Haviam montado uma grande mesa no centro do salão. A mesa estava apinha de comidas, que ela não fazia idéia do que seriam. Dentre os convidados, havia aqueles na forma humana e os na forma original de dragão, todos finamente vestidos e com pinta de esnobes. “Devem ser os nobres do reino que são bajuladores de Huan Ho”, pensou Chihiro. Ainda sentado no trono, estava Huan Ho, olhando tudo de cima. Ele vestia uma capa carmesim, escondendo as asas pequenas demais para aquele corpanzil, também usava um disco branco em volta do pescoço, à moda francesa, porém Chihiro achou mais parecido com aqueles que colocam em hospitais, quando alguém machuca o pescoço.

       Na ponta oposta da mesa, de cara para Huan Ho, estava sentado um velho dragão chinês, de barba longa e sobrancelhas grossas. Seus olhos eram  de um cinza escuro. Encarava serenamente o rei vermelho.

       - O que traz O Grande Ancião do Céu ao meu magnífico reino? Veio admirar minha escadaria com diamantes? Ou minhas colunas de marfim?

     Houve protestos de admiração na mesa. Um dos dragões fez um som com a garganta.

— O senhor Aasaman veio barganhar, senhor. – disse um jovem e magrelo dragão, de uma pelagem negra.  – Ele quer que Huan Ho pare de aumentar sua torre, ou logo poderá ser vista pelos humanos.

— Minha torre? Mas é claro que não! Ela tem de ser a maior torre que existe, bem visível e imponente, assim sempre que alguém olhar para ela vai lembrar-se de minha riqueza e poder.

      Chihiro aproximou-se da mesa e começou a servir chá Oolong para os convidados, enquanto isso escutava.

   - Meu mestre se pergunta se vossa senhoria não teme os humanos. Afinal eles também regem o nosso mundo.

      Enquanto trabalhava, Chihiro percebeu que estava sendo observada, virou-se e viu que o velho dragão a encarava. Os olhos dele haviam mudado  para um azul da cor do céu. Sem perceber, ela havia parado de servir os convidados, só retornou a si quando um deles praticamente colocou a xícara em frente no nariz dela.

— Os humanos são como peixes, – continuava Huan Ho - cagam na própria água. Contaminam-nos e nos destroem, sendo que precisam de nós. Vez ou outra sentem alguma fúria nossa. Mas talvez se descobrirem que temos dentes e garras, possam nos respeitar melhor.

— Não é assim que funciona, não podemos pisar no mundo dos humanos. O equilíbrio é feito de modo indireto.

— E indiretamente podemos destruí-los! Eu já estou fazendo minha parte!Agora, porque estou falando com um criado como você?! Por que seu mestre não diz nada?!– Ele bateu no braço do trono, com raiva, seus olhos cintilando de raiva.

— Você é muito prepotente meu jovem. – disse Sapana, ele desviara os olhos de Chihiro e agora encarava serenamente Huan Ho. – Observo os humanos a mais tempo do que você e por isso temo eles. São criaturas com enorme capacidade construtiva, mas também grandemente destrutiva. Todo esse tempo em que os observei,  vi eles dominarem a natureza a seu favor e cada vez o fazem mais. Nada os impede de te dominarem também.

— Isso é impossível, sou muito mais poderoso que qualquer humano. Proporcionei a sobrevivência deles por séculos.

— A sobrevivência é mútua. Dependemos deles assim como dependem de nós. Além disso, sua torre me incomoda, ela me arranha.

— Você é apenas um velho tolo e medroso! Não prevê o futuro , não pode me dizer o que fazer! Além disso, não me importo nenhum pouco se algo te incomoda! – vociferou Huan Ho. E Chihiro se perguntava do que estavam falando.

— O aviso está dado. Se continuar a construir essa sua torre eu mesmo  tratarei de mandar um raio e a reduzirei ao pó. – Dizendo isso ele se levantou e saiu, metade dos que estavam na mesa se levantaram e o seguiram. Deviam ser sua comitiva.

     Assim, que ele saiu Huan Ho sibilou um “ Velho Arrogante”, que ecoou pelas paredes do salão.

—   Ei você! Venha servir seu rei!

Assustada, pois percebera que era à ela que ele se dirigiu, ela pegou a bandeja de chá e correu até ele.

— Velho arrogante! – disse ele. Então pegou o prato de aperitivos da bandeja e o revirou na boca. Chihiro apressou-se em encher uma caneca de chá para ele.

— Diga-me, criada, acha que os humanos tem forças para nos destruir?

— Não senhor! – Disse ela automaticamente, sem saber bem que tipo de conversa era aquela.

— O que estou fazendo? – perguntou-se. – Você é só uma criada afinal, nunca deve ter visto um humano.  – Chihiro engoliu em seco, ele não fazia idéia... –   Volte ao trabalho!

    Rapidamente ela se afastou, porém ficou intrigada: realmente pensou ter visto algo de insegurança por parte do rei?

     Era tarde da noite, quando Chihiro levantou-se. Ficara acordada esperando os outros dormirem e poder sair sem ser vista. Queria vasculhar o castelo, mas àquelas horas da noite o silencio e a discrição eram essenciais, por isso não queria uma comitiva. Com cuidado passou pelos amigos que dormiam em esteiras forradas por cobertores. Bõ roncava ruidosamente, o que era de grande ajuda. A mãe de Haku dormia tranquilamente em sua cama. De repente, quando passou por ela, Chihiro sentiu ser agarrada pelo pulso. Chihiro virou-se:

— Eu vou procurar o Haku. Quer vir comigo?- disse.

       A mulher sentou-se em sua cama e a encarou, então agarrou algo próximo ao tornozelo. Uma corrente etérea projetou-se em sua palma, quando soltou, a corrente desapareceu novamente. Chihiro sussurrou um pedido de desculpas, mas a mulher apenas negou com a cabeça. Então, tirou do pescoço um colar e colocou no pescoço de Chihiro.

       Era uma safira de um azul da cor do céu noturno. Sob a luz do luar, que entrava pela janela, produzia reflexos brilhantes nas paredes. Chihiro ficou admirada com o quanto ela era bonita. De repente, a Mãe de Haku deu dois toques na pedra e algo claro se iluminou dentro dela.

— O que é essa pedra? –perguntou Chihiro.

 A amiga apontou para si mesma e depois para Chihiro.

“ Através dela estarei com você.”, Chihiro entendeu.

— Obrigada! -  abraçou a amiga fortemente.

    Ela abriu a porta da cozinha cuidadosamente e verificou se não havia ninguém. Subiu as escadas com cuidado, meio abaixada, e saiu para o corredor. Então, chegou à sala do trono.  O imenso salão estava coberto pelas sombras, com apenas algumas tochas bruxuleando nas paredes.

Escondeu-se atrás de uma das pilastras e observou que havia dois guardas próximos ao patamar do trono e outros dois próximos as portas principais. Do lado oposto de onde estava, ficava a entrada para o lado oeste do castelo.

     De manhã, enquanto servia os convidados, teve muitos pretextos para vasculhar o castelo, porém nada, nenhum sinal de Haku. Queria muito ter um momento a sós com a mãe dele também, para ela lhe contar, mesmo que por desenhos, o que acontecera ao filho. Mas no fim do dia, apagou, exausta, debruçada sobre a mesa da cozinha. Agora, o lado oeste era o único lugar que ainda não procurara, mas para isso precisava atravessar o salão, sem ser vista pelos guardas.

     De repente, uma luz atravessou o salão. Era rápida como um raio. Alarmados, no primeiro momento ninguém se moveu. Então, a luz reapareceu, tomando forma e serpenteando acima dos guardas, como uma fita abandonada ao vento. De repente, a luz voltou a se movimentar, indo em direção aos guardas da entrada, derrubando-os. Chihiro não soube dizer se foi a luz quem os derrubou, ou eles que caíram de susto.  

      Os guardas que estavam próximos ao trono correram em direção aos caídos, deixando a passagem desprotegida. Era isso! Aquele momento de distração que Chihiro precisava! Ela não pensou duas vezes, correu até a porta mais próxima do lado oeste.

     Abriu e fechou a porta rapidamente. Meio atordoada encostou-se na porta, ansiosa que algum guarda a tivesse visto e viesse atrás . Porém, ninguém apareceu. Ela respirou aliviada e encarou a enorme escadaria adiante, que sumia numa curva. Era como uma escada que levava ao alto de uma torre.

     Enquanto subia, ela se perguntou se aquela era a torre sobre a qual ouviu mais cedo. Depois do que lhe pareceu horas, com algumas paradas para respirar, Chihiro finalmente vislumbrou o topo da escada. Enquanto subia, ofegante, o patamar ia abrindo-se a seus olhos. Então, de súbito seus pés pararam e, num átimo, começaram a correr. No topo daquela torre, preso a correntes e suspenso do chão estava quem ela por tanto tempo esperou:

Haku.


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