A viagem de Chihiro 2 escrita por A viajante do tempo


Capítulo 4
Capítulo 4




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         Havia horas que viajavam. Chihiro já estava coberta de suor e sonolenta, tanto que olhava para o horizonte numa espécie de torpor. O sol já estava se pondo, por isso o céu estava laranja e salpicado de nuvens róseas. De repente, Atnam adentrou uma nuvem colossal e por alguns minutos não dava para ver um palmo  à frente. Logo, porém, o nevoeiro abriu-se e eles se viram sobrevoando rios que, daquela altura, mais pareciam cobras brilhantes serpenteando  sobre a relva. Casas solitárias aqui e ali em ao meio campo, plantações indistinguíveis. Porém o destaque ia para a pequena vila, de casas de pedra e telhados redobrados no estilo oriental.Finalmente, no limite entre a vila e o bosque, erguia-se um enorme castelo no estilo chinês. 

     Chihiro observou admirada, pois imaginava um reino de dragões como algo mórbido, com restos de ossadas em alguns cantos, dragões a espreita e etc., mesmo não imaginando Haku vindo de um lugar desses. No entanto o que via era uma vila normal com pessoas aparentemente normais!Exceto que estas usavam roupas num estilo chinês arcaico. Porém, ela logo ficou claro que aquelas pessoas não eram como ela: observava com atenção uma moça colocando roupa no varal, no entanto havia varais bem altos, que até mesmo com uma escada não seria possível alcançá-los, de súbito a moça se transformou em um dragão comprido, num estilo muito parecido com o de Haku, e tranquilamente deu continuidade ao serviço. Também viu dois meninos brincando com uma bola; naquele momento, um dos meninos chutou a bola alto, ao mesmo tempo em que outro dava um salto impossível para um humano, rebatendo a bola no ar. Era tudo tão simples, porém cheio de coisas estranhas e incríveis para ela.

      De repente, uma sombra cobriu-os, quando Chihiro ergueu a cabeça para ver, uma enorme barriga de lagarto voava por cima deles: era um imenso dragão de asas longas.

     Eles pousaram em uma clareira no bosque.

     - Obrigada, Atnam. – agradeceu Chihiro, depois que desceu. Suavemente ela acariciou-lhe a enorme cabeça, o que Atnam pareceu gostar, pois novamente fez aquele som gutural. Quando percebeu que ele ia alçar vôo, se afastou rapidamente. Atnam bateu aquelas poderosas nadadeiras, quase arrastando os amigos com as fortes lufadas de ar que produziu.

     O grupo ficou observando Atnam desaparecer no céu, então Chihiro virou-se para o que achava ser o caminho para a vila. Finalmente, aqui estava ela! Se Haku estava mesmo por aqui, onde seria? Na vila, no castelo ou em algum outro lugar? Será que devia perguntar a alguém?

     Enquanto isso os outros a seguiam. Escondendo-se nas árvores do bosque, conseguiram alcançar as casas. Logo de cara, eles avistaram uma fila extensa, tão grande que ia dos limites da cidade em direção à entrada do castelo.

 - Desculpe. – Ela procurou informar-se com um homem grande que estava próximo. – Para que serve esta fila?

— Você não sabia? Esta fila é para entregar os tributos para o Huang Ho.

— Tributos?

— O Rei exige que você dê a ele o que você tem de melhor para oferecer.

—Em troca de quê?- Perguntou ela, confusa.

— Em troca de quê? Da sua vida, ora! – O homem observou-a desconfiado, como se aquela fosse a resposta mais óbvia.

— Mas isso não é certo! Esse rei não pode mandar nas pessoas desse jeito!

— Mas é claro que ele pode! Huan Ho é o rei a mais de duzentos anos! É dragão mais forte que existe! Venceu o antigo rei Yangtzé, até então pensávamos que era ele o mais forte que já existiu.

     Chihiro havia parado de escutar quando ouviu: “duzentos anos”. Seus pensamentos num salto voaram para Haku. Quantos anos ele devia ter? Que ele era mais velho que ela, ela sabia, mas quanto?

— Para ver o Rei eu preciso entrar nessa fila?

— Precisa.

— Mas pelo visto vai demorar uma eternidade!

— Eternidade é pouco tempo para nós, não é?

“Pra vocês sim, mas nós só temos apenas quatro dias!”

      Chihiro suspirou, definitivamente não dava pra esperar naquela fila. Eles tinham de encontrar outra maneira. De repente, sentiu algo tocar seu ombro: era Sem Rosto que apontava para um canal largo, entre a cidade e os limites do castelo. Ela sorriu para o amigo, entendendo a idéia.

      Primeiro, para atravessar o canal e chegar até o castelo, eles precisaram procurar pelas ruas da cidade um ponto deserto, perto do canal, onde pudessem descer sem serem vistos e escalar o lado para o castelo. Assim feito, atingiram o patamar do castelo e se esconderam no jardim que o circundava, evitando ao máximo a fila de cidadãos ali ao lado. Arrastando-se em meio à vegetação alcançaram as paredes do castelo. Por sorte, próximo ali havia uma janela espaçosa de madeira. Chihiro escalou-a com destreza, virando-se e ajudando Sem Rosto a subir também. Bõ foi carregado pelo seu pobre passarinho, que arfava loucamente carregando aquele rato gordo.

      Agora eles estavam no que parecia ser o hall de entrada do castelo: uma sala espaçosa, com grandes pilastras de pedra, adornadas com ouro e pedras preciosas. Eles se esconderam atrás de uma daquelas grossas bases e Chihiro observou admirada que cada base fosse feita com um tipo de pedra diferente: jade, lápis-lazúli, quartzo... O teto era muito alto e imponente, com vigas de madeira que o traspassavam e janelas laterais no alto, que impediam a penumbra no teto. Porém as tapeçarias ao redor eram de muito mau gosto, pois todas retratavam um dragão barrigudo e de rosto redondo.

      Felizmente, logo perceberam que não estavam sozinhos, pois no fundo do salão havia um patamar ligado por uma escadaria e bem no centro uma grande cadeira de jade maciça, com adornos em ouro. O dragão das tapeçarias estava displicentemente sentado nela.   

      - Aquele deve ser Huan Ho -  Chihiro sussurrou. Ele não era tão temível quanto esperava, na verdade parecia preguiçoso e não muito inteligente.

     Ao lado do rei, estava o que parecia ser seu conselheiro: uma ave Dodô, a muito extinta no mundo humano, usando uma roupa oriental de seda brilhante e segurando uma prancheta. Ainda, na frente do rei estava um homem, ou melhor, um gato que parecia e se comportava como ser humano. Este estava ajoelhado em frente ao rei.

— Por favor, Majestade, dê-me apenas um pouco mais de tempo. Eu e minha família, ainda não pudemos fazer a colheita, mas eu prometo que, assim que a fizermos, viremos aqui entregar os seus tributos. – Implorou o homem-gato.

— Não! – Disse o rei, com incisiva frieza. – Tem idéia do quanto gastamos para manter esse lugar em ordem?Quantias absurdas! Todos do reino devem contribuir, e não posso deixar que um único insignificante prejudique as contas do reino. É uma falta de respeito com todos que pagaram, com seu reino e seu Rei! – Gritou Huan Ho.

— Mas Majestade eu te imploro...

—Tirem esse insignificante daqui! – Sob esta ordem, os soldados, que estavam parados perto da porta, pegaram o homem pelos dois braços e arrastaram-no para dentro de uma porta escura e gradeada.

     Chihiro logo percebeu que não conseguiria nada com aquele dragão.

 - Não acho que esse Huan  Ho possa nos ajudar a achar o Haku. Ele parece ser bem insensível, e ainda por cima cruel! Temos de saber se o Haku está aqui, mas sem causar problemas...

     Por alguns segundos, ficaram em silencio ocupados com seus pensamentos, então Bõ teve uma idéia: pegou o passarinho, segurando-o pelas perninhas, e fingiu que varria um chão invisível, ao mesmo tempo estreitava os olhos, num gesto como se estivesse procurando algo. Chihiro entendeu a mensagem.

— Entendi, vamos nos disfarçar de empregados, assim poderemos ficar no castelo sem medo de sermos descobertos, ao mesmo tempo em que procuramos o Haku! Ótima idéia, Bõ! – Bõ fez cara de orgulhoso, enquanto o pobre passarinho fazia um muxoxo de indignação por ter sido tratado daquela forma.

     Mas talvez aquela pequena conferência entre os amigos tenha sido pouco discreta, pois perceberam que o Dodô encarava atentamente o lugar onde eles estavam escondidos. De súbito ele começou a se aproximar.

— Vamos sair daqui! – Chihiro declarou baixinho para os companheiros.

      Eles se apressaram para o corredor mais próximo, não era bom serem vistos agora, pois ela não achava que aquele rei fosse lhe dar algum trabalho caso pedisse.     

      Eles correram pelo o corredor, na tentativa de achar algum dormitório onde pudessem conseguir algumas roupas. No entanto, desembocaram em um amplo jardim, localizado no meio da construção. De repente, uma moça apareceu, carregando algo, que Chihiro não parou para analisar, porque o grupo rapidamente entrou na primeira porta que encontrou.

      Eles encostaram a porta e ficaram em silêncio. Chihiro torcia para que a mulher não os tivesse visto. Então, sentiu alguém chacoalhar-lhe o ombro, era Sem Rosto.

— O que foi? – perguntou ela. Quando ela virou-se, congelou.

     Haviam entrado em uma cozinha, o ambiente era rústico, porém bem arrumado e agradável, o problema, porém, é que já havia alguém ali: era uma mulher, talvez a mulher mais linda Chihiro já vira em sua vida. Ela tinha cabelos muito longos de uma cor azul- esverdeada escura e olhos de um verde familiar.

— Er...- ela tentou recompor-se- Olá! Somos os empregados novos do castelo, falaram para a gente vir pegar nossos uniformes, mas a gente acabou se perdendo hehe... – A mulher a encarava, silenciosamente. – Hum...Será que você pode nos ajudar? – Silêncio. –Acho que não...Ok, tchau!

     Antes de tocar a porta novamente, Chihiro sentiu um aperto em sua mão, virou-se: a mulher estava a poucos centímetros de seu rosto. Olhava-a de maneira terna, o que fez Chihiro enrubescer. De repente, com um puxão a mulher a guiou em direção a uma porta. Sem saber o porquê, Chihiro deixou-se guiar por aquela estranha que ao mesmo tempo lhe parecia tão familiar. Sentia que não precisava ter medo dela.

       A mulher os levou para dentro de um pequeno quarto. Havia uma cama bem arrumada no canto, um baú velho com uma lamparina em cima e uma janela pequena na outra parede, que permitia a entrada da luz solar. Quando entraram, a mulher trancou a porta e foi até o baú de onde tirou uma pilha de roupas bem dobradas. Estendeu-a na frente de Chihiro, medindo o tamanho. Eram uma blusa chinesa vermelha de presilhas laterais e uma calça: um uniforme, parecido com o que viram na mulher do corredor. Entregou a ela o vestido e foi pegar outra pilha de roupas.

— Desculpe, mas quem é senhora?

A mulher não respondeu, continuou a revirar o baú, tirou mais uma pilha de roupas e  entregou a para Sem Rosto, era uma camisa de chefe de cozinha.

— A senhora trabalha aqui? É a cozinheira? – a mulher afirmou com a cabeça.

— A senhora não pode falar? – novamente ela fez um gesto de afirmação.

— Ah... Obrigada por nos ajudar. Sabe – Chihiro, sem saber o porquê, sentiu que podia confiar naquela mulher - estamos procurando alguém, o nome dele é Nigihayami Kohaku Nushi. Será que você... – A mulher a interrompeu pousando um dedo nos lábios de Chihiro e encarou-a ternamente. Guiou até perto da cama e apontou para as paredes: havia muitos desenhos espalhados por toda ela, o primeiro que fitou logo chamou a atenção de Chihiro, com um pulo ela reconheceu:

— Haku! – Ela exclamou sem pensar. A mulher sorriu docemente para ela.

      Observando mais um pouco, Chihiro percebeu que praticamente todos desenhos eram de Haku, apenas alguns poucos eram ora uma paisagem, ora o retrato de alguém que Chihiro desconhecia, mas em sua maioria eram cenas de Haku, por exemplo:  ele correndo em um campo, com o vento espalhando suas roupas e a relva; outro dele criança, sorrindo e brincando de espalhar a água.

Em um segundo, ela entendeu quem era aquela mulher:

— A senhora é a mãe do Haku!

 


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