Crossing Swords With The Devil escrita por Miojo-san


Capítulo 2
Memories In The Mirror




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Dizem que antes de morrer vemos nossa vida como se fosse um filme, quem diria que isso era mesmo verdade? Julian jazia, sozinho, no chão pétreo das ruínas do Temen-Ni-Gru, incapaz de se mover e sangrando muito. Sua mente estava cansada, seu corpo estava destruído, não havia mais salvação. Logo estaria no inferno e poderia procurar Emily.

 

 

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“Parabéns, Julian. A palestra foi simplesmente brilhante, traçar um perfil psicológico das populações e combiná-los com suas crenças para explicar as semelhanças culturais entre diferentes civilizações foi genial.” – disse-me James Cornwell, reitor da Universidade de Cambridge após minha primeira apresentação como professor titular na instituição em questão.

 

Penso que Dante seria totalmente incapaz de imaginar minha vida alguns anos antes de nosso encontro. Eu era um jovem professor de História da Religião, recém nomeado titular da cadeira da disciplina em questão na prestigiada Cambridge. Ironicamente, eu mesmo entrara na História da Instituição como o professor mais jovem a ocupar uma cadeira de prestígio.

 

“Haha, muito obrigado senhor.” – agradeci efusivamente enquanto apertava-lhe a mão antes de me dirigir aos outros expectadores para fazer o mesmo.

 

Minha palestra havia sido um sucesso, e em pouco tempo publicaria meu primeiro livro, no qual traçava um perfil da figura do demônio nas diferentes épocas e culturas. Um trabalho polêmico, sem dúvidas, mas que iria laurear ainda mais minha carreira. Após conversar com vários outros professores e alunos da faculdade, me retirei do prédio de King’s College, um prédio de belíssima arquitetura com uma capela gótica ao lado e me dirigi à garagem dos professores, desejoso de tomar meu carro e voltar para casa, para Emily.

 

À época, morava em uma pequena casa lilás na aconchegante zona urbana de Cambridge. A cidade vivia em função da universidade e o índice de criminalidade sempre foi baixo lá, por isso deixava meu carro na rua, dando à Emily a possibilidade de transformar o que, em Londres seria uma garagem, em um pequeno jardim de rosas. Para dizer a verdade, mesmo na capital acho que ninguém roubaria meu carro, um Chevy Impala vermelho que tinha, creio eu, o dobro da minha idade. Meu retorno ao lar fora tranqüilo, e logo entrava pela porta da frente, deixando meus livros e cadernos no carro, esse era meu trato com Emily: ela não se zangaria comigo se me atrasasse na faculdade, desde que deixasse sempre o trabalho fora de casa.

 

Logo que entrei em casa senti o cheiro característico da comida de minha esposa, um misto de culinária tradicional inglesa e comida árabe. A família de Emily viera do Marrocos pouco após a Segunda Guerra Mundial e se fixara em Londres, foi lá que a conheci por acaso em um filosófico café nas proximidades do Palácio de Buckingham. Já meus parentes eram tradicionais da Inglaterra, meus antecessores sempre se gabaram de pertencer à antiqüíssima família Lancaster e sendo honesto, acho que isso foi uma das razões que me levou ao estudo da História.

 

“Pela sua carinha satisfeita, eu acho que a palestra foi bem.” – brincou Emily, enquanto deixava a cozinha e vinha me beijar.

 

“Os alunos com certeza gostaram bastante, mas acho que minha idade ainda provoca algum desconforto nos professores mais velhos.” – disse com sinceridade enquanto a abraçava.

 

“Os alunos estão felizes de ter um professor mais próximo deles, e os professores mais velhos estão com ciúmes de seu talento. Você tem menos de trinta anos e é um professor titular! Eu, seus pais e até os meus pais estamos orgulhosos de você.” – replicou Emily enquanto eu me sentava no sofá da sala de entrada.

 

Ela por fim voltou à cozinha, o que me pareceu sobremaneira errado. Levantei-me e a abracei pelas costas, beijando-lhe o pescoço.

 

“Vamos comer fora hoje, para comemorar, que tal?” – sugeri.

 

“Hmmm, acho que é uma boa idéia, até mesmo porque tenho uma coisinha para lhe contar...” – ela respondeu, sorrindo energicamente.

 

 

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Pouco menos de um ano depois, acho que ninguém poderia prever, eu estaria afundado em álcool e drogas. Naquele jantar Emily me dissera que estava grávida, mas, nove meses depois, meu filho morre durante o parto e minha esposa mergulha na depressão. Um dia, após deixá-la no hospital, ela saltou para a morte pela janela do quarto no qual estava internada. Sequer conseguira enterrá-la de modo apropriado, não havia um único religioso na Inglaterra que realizasse o funeral de uma suicida. A alma dela estava aprisionada no inferno, sabia bem disso. Diferentemente dos outros professores que fechavam os olhos ao oculto, eu me aprofundei nele, bebi de suas fontes durante toda a minha vida. Iria salvá-la eu mesmo, era a única opção, mas como?

 

Abandonei meu emprego e fui para a distante Fortune Island, onde havia um culto ao demônio Sparda. Lá, ofereci meus serviços como pesquisador ao líder do culto, Sanctus, e fui posto sob o comando de Credo. Eu não tinha fé no pai de Dante como um salvador, mas esperava aprender o máximo possível com os livros e tradições da Ordem.

 

“Julian, não é? Eu sei que você é um estudioso, mas se vai ficar sob meu comando, vai precisar aprender a lutar.” – disse-me Credo em um tom ameaçador enquanto caminhávamos pelos campos de treinamento da Ordem.

 

“Como assim, meu senhor?” – perguntei com deferência.

 

“Nero! Venha cá!” – berrou – “Nero é um dos nossos, você vai lutar com ele.”- disse, com um sorriso amarelo enquanto me entregava uma espada, mais sofisticada do que as empunhadas pelos membros normais da Ordem.

 

“Esta espada aqui, por que é diferente das demais?” – perguntei.

 

“Haha, Sua Santidade o vê como um, como se diz, patrimônio intelectual, por isso foi confiada a você uma de nossas relíquias, Lohengrin.”

 

Não demorou para o, como agora sei, descendente de Sparda chegar, visivelmente contrariado. Ele era bem jovem, vestia uma calça negra e um colete vermelho por cima de uma camisa azul escura que cobria-lhe os braços, usava também luvas e botas negras. Fitou-me com curiosidade, e apontou-me sua espada, semelhante às dos outros membros da Ordem.

 

“Você é o novato? Vamos ver do que é feito.” – disse Nero com agressividade antes de correr na minha direção e tentar me golpear com sua espada.

 

A luta que se seguiu foi, para dizer no mínimo, ridícula. Nunca lutara antes em toda minha vida, Nero me arrastou por metade da área de treinamento com seus ataques frenéticos e poderosos. Aquele garota era absurdamente agressivo em seu estilo, derrotá-lo deveria exigir doses cavalares de energia e determinação.

 

 

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Permaneci mais de um ano junto à Ordem antes de completar efetivamente minhas pesquisas e traçar um plano de ação. Tornei-me amigo de Nero, e este me ajudou a encontrar as passagens secretas na biblioteca que, surpreendentemente, estavam repletas de demônios. Eliminamos a todos até que finalmente encontramos os dados que faltavam para finalizar meu trabalho: os escritos de Arkham, um humano que buscou o poder de Sparda no passado.

 

“Se vai fugir daqui, sugiro que o faça agora. Sua Santidade não vai ficar feliz ao ver que encontramos estes registros.” – disse-me Nero, visivelmente preocupado – “Preciso ir agora, senão vou me atrasar para a apresentação de Kyrie.”

 

“Obrigado, Nero.” – agradeci com sinceridade enquanto o descendente de Sparda saía correndo da biblioteca.

 

Fugir de Fortune Island com Lohengrin e os escritos de Arkham não foi tão trabalhoso quanto pensei que fosse ser, acabei sendo indiretamente auxiliado por Dante, que atraiu todas as atenções ao invadir um culto da Ordem e assassinar o sumo pontífice deles. Estava tudo acertado: primeiramente iria realizar um sofisticado ritual para invocar demônios e roubar seus poderes, depois, iria abrir um portal para o inferno e resgatar a alma de Emily pessoalmente.

 

Precisava de um local isolado e com grande presença sobrenatural para realizar o ritual, então viajei até a desolada Mallet Island, local no qual Dante derrotara Mundus alguns anos atrás. Fui recebido na ilha por alguns demônios de classe inferior, e lembro-me de ter agradecido mentalmente a Credo e Nero pelas longas horas de treinamento árduo na Ordem. Com alguma dificuldade, os eliminei e depois preparei o local para o ritual.

 

“Eu invoco, conjuro e comando...” – o ritual era sofisticado, foi necessário traçar símbolos arcanos no chão com o sangue dos demônios que matei.

 

Lembro-me como se fosse ontem, assim que terminei de proferir os encantamentos, os símbolos que desenhei no chão queimaram, e uma infinidade de pequenos portais se abriu, liberando almas negras que orbitavam ao meu redor. Senti medo, e logo estas almas entraram em meu corpo, provocando uma dor excruciante e não demorei a tombar e perder a consciência.

 

Quando acordei, senti em mim a força dos demônios, meu corpo estava mais forte e ágil, meus sentidos, mais aguçados. Era um poder que nas mãos erradas seria catastrófico, mas ele não estava com um despreparado, estava comigo. Senti de súbito um desejo de voar, e qual não foi minha surpresa ao ver que meu anseio foi atendido, enormes asas negras, como as de um morcego, abriram-se em minhas costas e fui capaz de alçar vôo, deixando Mallet Island para trás. Voei sobre os oceanos, mais rápido que qualquer ave, sentia-me vivo, forte, capaz de salvar Emily. Agora faltava apenas o portal, e para isto, precisaria ir atrás de Dante, ir atrás do filho de Sparda.

 

 

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Julian abriu os olhos lentamente e viu que poderia colocar-se de pé, estava curado. Levantou-se sem dificuldades e a primeira coisa que notou era que suas asas estavam à mostra, mas apesar disso, não lhe consumiam as forças, estava em um local em que elas podiam se manifestar com naturalidade. Foi então que o ex-professor parou para observar onde estava: em pé sobre um lago de sangue no qual várias estátuas de anjos jaziam destruídas. Não havia sol, apenas um céu tempestuoso e o cheiro negro de morte e enxofre. Estava no inferno.


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Notas finais do capítulo

-O Chevy Impala é uma homenagem a Supernatural, minha série de TV favorita xD