Crossing Swords With The Devil escrita por Miojo-san


Capítulo 3
Inside The Mirror




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Julian não sabia exatamente onde estava, afinal, ninguém nunca mapeou o inferno para posteridade. O lago carmesim e as estátuas destruídas davam a impressão daquele lugar ter sediado, em um passado muito distante, uma grande batalha. Talvez um embate entre Sparda e as tropas de Mundus? Não era possível afirmar nada com certeza e Julian realmente não estava preocupado com aquilo. Cachorros de aspecto monstruoso e muito maiores que seus equivalentes terrenos saíram de dentro do lado e rosnavam para o ex-professor, que adotou uma postura defensiva, protegendo seu lado esquerdo com uma asa enquanto abria a outra.

 

“Eu adoraria ter uma espada agora...” – resmungou.

 

Os cães saltaram na direção de Julian, que os repeliu com a asa que estava protegendo sua esquerda e, sem perder tempo, golpeou dois deles com sua asa direita, arremessando-os longe.  Havia pelo menos dez daqueles animais infernais, e o ex-professor não dispunha de uma arma eficaz para combatê-los. Os cães saltaram todos em sua direção, forçando-o a proteger-se com ambas as asas, como se formasse um casulo, para logo em seguida abrir violentamente suas asas, repelindo com força os inimigos.

 

Julian aproveitou o momento para alçar vôo, deixando os cachorros do inferno para trás. Do alto, aqueles mastins eram tão pequenos que não resistiu e deu uma sonora gargalhada.

 

“Até mais, sacos de pulga nojentos!” – berrou, antes de sair voando.

 

Sobrevoando o lago de sangue, logo reparou que ele era a desembocadura de um rio feito da mesma substância, mas que parecia ferver, queimando as almas de pessoas que se encontravam lá, presas por seus pecados. Perdeu um pouco de altitude, no intuito de observar os condenados e percebeu que se tratavam todos de bandidos, assassinos, militares e governantes, aquele rio de sangue em ebulição deveria ser, portanto, a punição aos violentos que usavam da força para oprimir o povo. Tentou retomar altura de vôo, mas foi interrompido por uma rajada de fogo que chamuscou-lhe as vestes.

 

“Argh! Mas que diabos?!” – gritou, enquanto pousava no chão negro de uma das margens do rio.

 

Julian voltou suas atenções ao local de onde a rajada tinha vindo: a outra margem, e viu nela um ser humanóide, com mais de dois metros de altura e uma cabeça que se assemelhava a de um bode. A criatura vestia uma armadura negra e tinha uma longa cauda de aspecto reptiliano, a parte inferior de seu corpo assemelhava-se à de um cavalo, e estava também protegida por armadura negra. Chamava atenção a espada que carregava, uma longa arma que tinha não uma, mas duas lâminas curvas de cor avermelhada e finamente trabalhadas. A arma parecia na verdade, duas espadas ligadas em um cabo de cor negra, igualmente trabalhado.

 

“Este não é lugar para um demônio alado! De que círculo você veio?” – inquiriu o demônio em tom ameaçador.

 

Julian arqueou uma sobrancelha, e colocou as mãos nos bolsos, aparentando calma, e ao mesmo tempo, curiosidade. O calor emanado pelo rio incomodava bastante, e os gritos das almas em chamas eram, para dizer no mínimo, aterrorizante.

 

“Círculo? Acho que você está confuso, eu vim da Terra.” – respondeu o ex-professor.

 

A criatura assemelhada a um centauro saltou sobre o rio, parando a poucos metros de Julian, que se virou para encará-la.

 

“Um demônio, nascido no mundo humano?! Presumo então que você nasceu mortal.”

 

“Exatamente. Chamo-me Julian, estou atrás do local onde os suicidas são aprisionados.”

 

O demônio andou de um lado para o outro, antes de apontar sua exótica arma na direção do invasor.

“Haha! Está atrás da Floresta dos Suicidas então. Sinto muito, mas você só pode entrar lá se passar por cima de mim. Eu, Asterion, guardião do Rio Flegetonte, vou condená-lo ao sofrimento eterno no rio vermelho!” – bradou o “centauro”.

 

Asterion galopou na direção de Julian, que rapidamente abriu suas asas e saltou por cima do inimigo. O demônio virou-se para o ex-professor e apontou-lhe a mão esquerda, disparando uma rajada de fogo que foi completamente bloqueada pelas asas negras do invasor, imunes ao fogo.

 

“Não pense que acabou!” – bradou mais uma vez o demônio, que arremessou sua espada na direção de Julian, atingindo o braço do rapaz.

 

A lâmina voltou rapidamente à mão de seu dono, que avançou contra Julian mais uma vez, forçando-o a dar uma cambalhota para esquivar-se dos cascos de seu oponente. Asterion disparou mais rajadas de fogo, todas bloqueadas pelas asas negras de Julian, que logo em seguida voou, pousando nas costas de seu inimigo. O centauro tentou em vão arrancar o ex-professor de suas costas, mas logo este já estava estrangulando-o. O rapaz sabia que isto não seria suficiente, então prendeu suas pernas ao redor do corpo de cavalo de seu oponente para logo em seguida imobilizar-lhe os braços e alçar vôo.

 

“O que pensa que está fazendo?! Solte-me agora!” – berrava Asterion.

 

“Já que é assim...” – disse Julian, ao sobrevoar o rio de sangue fervente.

 

O ex-professor soltou o inimigo, que caiu no rio em ebulição. O demônio urrou de dor enquanto fitava Julian com um misto de surpresa e ódio.

 

“Maldito! Como ousa?!” – gritou um indignado Asterion.

 

Julian pousou na margem esquerda do rio e encarou seu adversário derrotado. Devia ser por isso que demônios alados eram proibidos de ir naquele local, levariam vantagem contra o guardião do rio. Sorriu para o centauro antes de retomar diálogo.

 

“Onde fica a Floresta dos Suicidas?” – perguntou o ex-professor.

 

“E porque deveria te responder?” – retrucou o guardião do rio.

 

Julian voou e ficou sobre a cabeça de Asterion, colocou seus pés nela com suavidade e fitou o demônio com ar de superioridade.

 

“Eu posso tirar você daqui ou afundá-lo de vez.” – disse com tranqüilidade.

 

“Maldito! Está bem, eu digo! Voe para o Sul, você vai chegar a um deserto de areias brancas que a princípio vai parece intransponível. Continue voando em linha reta, você chegará à Floresta.” – explicou Asterion.

 

O ex-professor então segurou o demônio pelos braços e o retirou do rio, depositando-o nas margens. A criatura estava absurdamente ferida pelo Flegetonte, mas ainda assim, conseguiu levantar-se.

 

“Eu cumpri o que disse.” – disse Julian, sério.

 

Asterion galopou até ficar frente a frente com Julian, e estendeu-lhe sua arma.

 

“Tenho uma dívida com você, demônio alado. Aceite minha arma, Gae Bolg, forjada com presas de demônios.” – replicou o centauro.

 

Julian se apoderou da arma, e sem mais palavras, abriu suas asas e partiu voando rumo ao Sul. Voava veloz, sabia que logo atrairia a atenção de demônios mais poderosos, por isso não tinha tempo a perder. Quanto antes encontrasse Emily, melhor seria.

 

Voou por horas, talvez dias, mas não tinha uma noção exata de tempo naquele lugar, não havia nem dia e nem noite, apenas o céu negro e sulfuroso. O rio vermelho o acompanhou ainda por muito tempo, mas não encontrou nenhum grande demônio no trajeto. Por fim chegou ao deserto mencionado por Asterion, de fato uma imensidão de areias brancas, mas o demônio esquecera-se de mencionar os fortes ventos que mudavam de direção constantemente, dificultando o vôo. O local era habitado por pessoas cujo crime não estava evidente aos olhos do ex-professor, talvez fossem blasfemadores da algum tipo, mas não havia meios de se ter certeza. Julian seguia voando velozmente até que guinchos agudos puderam ser ouvidos. Uma multidão de criaturas aladas vinha ao seu encontro.

 

O ex-professor empunhou sua recém-adquirida arma e seguiu na direção dos monstros, travando contato com eles. Eram alguma espécie de harpia infernal, com corpo de mulher, pernas e asas de pássaro e feições distorcidas. As garras afiadas das criaturas visavam o pescoço de Julian, que golpeou as que se aproximavam com Gae Bolg, girando a espada dupla com ferocidade. O rapaz logo se viu cercado pelas criaturas e foi forçado a defender-se com suas asas, perdendo um pouco de altitude no processo. Repeliu duas harpias com sua asa direita e arremessou-lhes sua espada, ferindo-as. Julian voou na direção da arma, retomou-a e, sem perder tempo, foi para o alto, tomando distância das criaturas para logo em seguida mergulhar na direção delas, cortando-as com Gae Bolg. Derrubou as harpias restantes com esta investida, e então retomou sua trajetória rumo ao Sul.

 

Notou que não sentia fome, nem sede e nem sono. Talvez esta fosse a única vantagem de estar morto, pensou. O deserto branco estendia-se por uma área incomensurável e o ex-professor perguntou-se se aquele oceano de areia teria realmente um fim. Após o que lhe pareceu ser dias de vôo, finalmente avistou a Floresta dos Suicidas: uma floresta de árvores negras de galhos retorcidos e sem folhas, que exalavam um cheiro de podridão insuportável. Pousou próximo à floresta e caminhou em sua direção, sem ver uma única alma dentro dela. Foi então que, ao aproximar-se das árvores notou algo estarrecedor, as árvores tinham rostos humanos.

 

“As árvores são, na verdade, prisões para os suicidas.” – uma voz veio de trás de Julian.

 

O rapaz virou-se bruscamente, e deu de cara com um homem de meia idade, que nada vestia exceto um pedaço de pano velho ao redor da cintura. O aspecto dele era deplorável, parecia cego, e a pele branca era coberta por feridas e queimaduras. Julian apontou-lhe Gae Bolg, temeroso de mais um conflito.

 

“Não há necessidade para isso, sou um condenado ao deserto, como pode observar. Me chamo Ângelo.” – disse gentilmente o homem.

 

“Entendo...Como faço para falar com a pessoa presa?” – perguntou Julian, baixando a espada.

 

Ângelo sentou na areia branca e coçou a barba imunda. Parecia pensativo, por fim virou-se na direção do ex-professor com um sorriso amarelo.

 

“Como disse, elas são prisões, mas não no sentido literal da palavra. Dentro de cada árvore existe uma realidade idêntica à que envolvia o suicida, e dentro deste espaço, o condenado revive infinitamente a dor e o ato de tirar a própria vida.” – explicou o homem.

 

“Preciso então entrar neste espaço e quebrar o ciclo, correto?”

 

O condenado sorriu, e ficou em pé novamente, apenas para dar uns tapinhas no ombro de Julian.

 

“Você é esperto, entendeu rápido. Mas fique sabendo que se falhar, ficará preso dentro da árvore por toda a eternidade.” – completou.

 

“Não vou falhar.” – disse o ex-professor, resoluto.

“Boa sorte então meu jovem. Vai precisar disto aqui também, ele vai brilhar vermelho quando você estiver próximo de quem procura.” – disse Ângelo ao entregar um pequeno amuleto branco ao rapaz.

 

“Obrigado.” – agradeceu Julian com sinceridade.

 

O prestativo condenado evaporou no ar, como se fosse uma miragem, e o ex-professor entrou na floresta, alerta para qualquer movimento estranho. Notou, para seu horror, que o cheiro de carne podre que sentia vinha das árvores, e que elas não tinham seiva, e sim sangue. Por um momento imaginou a reação de Dante, o caçador provavelmente diria algo como “Mundus sempre capricha na decoração” e riria da situação absurda, apalpando os “seios” da árvore de alguma atriz suicida. O pensamento divertiu-o um pouco, e Julian deu um breve sorriso, olhando para baixo. Foi então que notou que chão da floresta era coberto por solos negros repletos de insetos bizarros e apresentava pequenas poças de sangue que escorria das árvores, e o jovem sentiu um misto de ânsia e vertigem.

 

O amuleto começou a brilhar forte após algum tempo de caminhada pela floresta negra e a intuição de Julian completou a missão de encontrar a árvore de Emily. O ex-professor fitou por um longo tempo o rosto de sua amada esculpido na árvore antes de tocar na casca escura.

 

“Vou te tirar daí, eu prometo...”

 

Julian girou Gae Bolg, cortando a casca exterior da árvore, que revelou possuir em seu interior uma intensa luz branca. O jovem tocou essa luz e logo em seguida sentiu como se tivesse cruzado oceanos de estrelas e mares de fogo, a noção de tempo esvaíra-se completamente, era como se estivesse preso em um sonho. Por fim acordou em um local completamente diferente da floresta. Estava em uma sala branca, limpa, com cadeiras perfeitamente alinhadas, não tinha mais suas asas e nem sua espada, estava de volta ao hospital no qual Emily se matara.


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Notas finais do capítulo

- A construção do Inferno que apresentei aqui segue a visão de Dante Allighieri em seu clássico "A Divina Comédia", com apenas algumas adaptações de minha autoria.



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