Posso contar nos dedos as expressões do seu rosto desbotado, inerte como uma superfície inabalável. Gelo. Espesso. Queima só de olhar, arrepia o coração. De medo ou encanto. Deixei passar uma vez, mas a segunda você me tomou.   

Com o queixo sobre a mão, num bar, deixando o gelo diluir o que bebia. Um traço de preocupação lhe desenhava a face, tão raro que se dissolveu num segundo, trazendo uma ingenuidade que parecia não lhe pertencer, mas ficou, iluminando você pra mim.

Recordo a mecha de cabelo que deslizou por seus dedos, suave como seus olhos naquele momento. E os meus sorvendo cada movimento, emolduraram você na minha memória. Um anjo oculto pelas trevas, devoto de alguém que não lhe ama, pronto para morrer pelo que sente apenas para ter um lugar no coração que lhe rejeita.

Pobre criança que se derrama, sufoca, engana, mas jura amor. Vê tão pouco que não sofre e se acaso o sofrimento lhe viesse não o reconheceria. Sabe muito de métodos e quase nada dos próprios sentimentos. É só entre as pessoas, vale para os outros somente dinheiro. Dono da prática, vazio de tato. Para mim, um perdido com caminho traçado, cheio do que nada lhe vale e desejoso do que afasta na mesma proporção que busca.