Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 114
Encontros e reencontros -parte 2


Notas iniciais do capítulo

Oizinho!

Bom, tecnicamente já passou da meia noite então já é quinta! ;D

O que será que nos espera nesse capítulo hein? Olha... Preparem-se para mais surpresas.



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O Doutor fungou, arrancando a mensagem do fax, dobrando-a e guardando-a no bolso. Andou de cabeça baixa, fazendo uma volta de noventa graus no painel de controles. Então parou, sem conseguir encarar a TARDIS. Seu coração estava doendo. Sua respiração estava descompassada. Seus olhos estavam úmidos.

Desde que Luisa caíra no Vórtice, que ele não sentia um impulso de chorar tão forte quanto este. A TARDIS diminuiu o pulsar de seus motores, em respeito ao sofrimento dele. O lábio do rapaz tremeu. Ele queria tanto consertar as coisas... Queria tanto que Luisa estivesse em segurança. Queria tanto saber se ela estava mesmo viva.

Então, foi naquele milésimo de segundo, que ele teve uma idéia estupenda: Não podia desanimar agora. Antes de dar tudo como perdido, tinha primeiro que ter certeza dos fatos, que, em geral, resumiam-se em ter certeza de que Luisa estava viva ou não. Se ela tivesse sobrevivido à queda, então, talvez ele ainda tivesse uma chance de consertar as coisas e finalmente fazer a coisa certa: levá-la em segurança para casa, assim como aconselhou Noviça Wame.  

Rapidamente, ele se recompôs, já com um plano em mente e, com uma nova injeção de ânimo e esperança, apertou os botões certos, impulsionou a TARDIS em uma busca por respostas.

Vamos, garotona! Me leve para o futuro!

 

*      *       *

Ir para o futuro era um excelente plano. Na verdade, era o mesmo que deixar bem claro que ele queria tirar toda aquela história a limpo.

Em geral, o raciocínio era bem simples: Se o Doutor chegasse a Terra, num futuro não muito longínquo, e se deparasse com uma versão adulta de Luisa, então seria óbvio que ela sobrevivera ao acidente no vórtice. Se não encontrasse provas que comprovassem sua existência naquele tempo, então, aquela busca seria um caso perdido, e não valeria a pena continuar insistindo nela.

Todavia, ele estava ansioso para reencontrá-la. Tinha esperanças de que ela conseguisse exercer sua carreira de escritora, e quem sabe, já com aquele curto intervalo de tempo, seu nome pudesse ser conhecido Brasil afora, desta forma, ajudando a localizá-la com mais facilidade e rapidez.

Os motores da TARDIS desaceleraram: o Doutor pousara na Terra, alguns anos no futuro, em um lugar pra lá de especial: Uma Bienal do Livro.

Saiu da TARDIS, aspirando o doce aroma de livros novinhos recém impressos. O cheiro da tinta nas páginas encadernadas percorria todo um amplo galpão, dividido em uma espécie de labirinto de lojas e corredores, onde fixavam-se grandes boxes, representantes de cada editora.

Tirando uma barraquinha de Churros aqui e ali, o lugar exalava conhecimento. O Doutor adorava lugares como este. Alisou o terno e enterrou as mãos nos bolsos do sobretudo marrom (fazia tempo que não usava aquela combinação de roupas, porém, achou que a ocasião pedia por um visual mais elegante e aventureiro), enquanto caminhava por entre os corredores.   

O lugar não estava exatamente cheio. De fato havia muitas pessoas andando em passos largos, de um lado para o outro, carregando caixotes, checando a parte eletrônica ou a iluminação das enormes letras que catalogavam os corredores e quais editoras com aquela mesma letra, habitariam aquele departamento.

—Atenção. Testando: Um. Dois. Três.Testando: Três, dois, um. O.k, Mark! Está tudo em ordem... –disse uma mulher loira de boné, com um logotipo na camiseta, que aparentemente, todo o pessoal dos equipamentos estava usando. Ela testava o megafone principal, que tocaria música durante todo o evento.

Sem enrolar, o Doutor caminhou até ela. A moça desceu da escada em que estava, segurando um longo cabo enrolado no ombro, e nem viu o rapaz aproximar.

—Com licença? Oi. Eu queria fazer uma pergunta...

—Mark é quem responde as perguntas aqui. Qualquer dúvida pergunte a ele. Com licença... –ela foi rápida em responder. Então, contornou-o e continuou seu trajeto. O Doutor franziu o cenho.

—Calma aí! Espera, você não entendeu... É bem rapidinho, olha –ele alcançou-a. –Eu só queria perguntar se você por acaso conhece, ou se já ouviu falar de uma moça chamada Luisa Parkinson... o nome soa familiar de algum jeito?

A mulher fitou-o com impaciência.

—Olha aqui meu rapaz: eu estou mesmo muito ocupada nesse momento. Nós temos hora para abrir este evento. Pode não parecer, mas já tem uma fila infinita de pessoas se formando do lado de fora, e nós precisamos honrar com o horário de abertura: com os boxes em ordem e o equipamento todo funcionando, do jeitinho que o cliente gosta. Então, se me der licença...

Mas o Doutor cruzou a frente dela, impedindo-a de continuar.

—Desculpe, não quero mesmo atrapalhar... Só queria saber como posso encontrar as barraquinhas de autógrafos. Vai ter barraquinhas de autógrafos não vai? Escritores bons sempre tem barraquinhas de autógrafos...

A mulher franziu a testa.

—Você é um fã histérico, não é? Eu já imaginava... Sua fantasia o entregou –disse, revirando os olhos. O Doutor olhou para as próprias vestes, sem reação. A mulher prosseguiu, sem notar a expressão confusa no rosto do rapaz. -No mínimo deve ter passado pelos seguranças enquanto não estavam olhando... Isso não me surpreenderia. Nada mais me surpreende. Sabe: Há dois anos atrás, um homem entrou três horas antes do evento começar, vestido igual a um mergulhador com um terço no pescoço. Trouxe crustáceos e tudo mais; Ninguém entendeu o motivo dele ter vindo vestido assim, até que parou para repousar bem ao lado de um pôster intitulado: O Mergulhador Exorcista. Obviamente o rapaz deveria ser detido e expulso, mas como as leis nunca funcionam ao pé da letra por aqui...; E, acima de tudo, o cara saiu ileso porque a autora acabou chegando mais cedo e, para a sorte dele, ela era novata no ramo. Poxa vida, foi um escândalo! Você tinha que ter estado lá para ver...

—É mesmo? –o Doutor coçou a cabeça, curioso. –O cara bancou o idiota na frente dela?

—Não! A autora que bancou! –respondeu a mulher, com fibra. -Ela ficou tão entusiasmada por ter conhecido pessoalmente o primeiro admirador de sua obra que deu-lhe dez autógrafos e não deixou que nós o escoltássemos para fora. Hã! Engraçados os amadores... No início, querem ter todo o contato possível com os fãs. Depois de alcançarem uma fama considerável, passam a virar esnobes, usar óculos escuros e ignorar as mensagens dedicadas dos fãs, na Internet. –ela tirou o boné e enxugou a testa suada de trabalho. –Pode crer: Já vi isso acontecer mais de um milhão de vezes... É assim com todos eles!

Nem todos eles—disse uma terceira voz. Os dois se viraram e deram de cara com um homem de meia idade, magro e com uma barba grisalha no rosto. –Lia, Lia... Não afugente o rapaz! Na certa ele é mais um sonhador à procura de uma boa obra que possa entretê-lo. –o homem riu de um modo gostoso. –Certamente, todos estão aqui atrás disso.

O Doutor gostou mais daquele camarada.

—É. Pois é. Eu realmente não queria atrapalhar ninguém. É que estou à procura de uma amiga minha. Ela é escritora, imagino. Disse que estaria aqui, mas não sei onde posso encontrá-la.

—Ah, meu caro! –o homem pousou a mão em seu ombro. –Terei inestimável prazer em ajudá-lo a encontrá-la... Assim que você me mostrar seu bilhete vip.

O sorriso do Doutor não vacilou. Rapidamente tirou o papel psíquico do bolso e entregou-o ao homem, que botou óculos para ler a letrinha miúda.

Lia espichou o pescoço, ainda olhando desconfiada para o Doutor. O Doutor sorriu feito bobo, acenando para ela.

O homem grisalho devolveu-lhe “os documentos”.

—Muito bem John Smith. Siga-me. Vamos encontrar sua amiga. –e saiu andando, mostrando o caminho. O Doutor despediu-se de Lia, batendo-lhe continência.

Logo estavam os dois sozinhos, caminhando por entre uma seqüência de corredores vazios.

—Vamos por aqui, sr. Smith. –indicou o velho homem.

—Não, não. Pode me chamar só de John. –disse o Doutor. –Detesto formalidades.

—Muito bem, John. –o homem assentiu, então fez uma pausa, parando de andar e encarando-o. –Eu me chamo Mark. Sou o organizador do evento. Agora que já nos apresentamos... Gostaria de me dizer mais alguma informação sobre essa sua amiga escritora?

O Doutor pensou por um momento.

—Bom, ela é morena. Um metro e sessenta aproximadamente... Carrega uma bolsinha rosa, e beija bem.

Mark achou graça no comentário dele.

—Não, não, rapaz! –ele se aproximou. –Não sabe nenhuma informação mais técnica, por exemplo o nome do romance? Qual editora publicou o livro? Ou se ela é uma escritora novata ou já é bem conhecida...?

O Doutor deixou os lábios se entreabrirem.

—Ham... Não. Desculpe. Nós não nos vemos há bastante tempo... –sorriu, negando. -Ela é uma velha amiga dos tempos de puberdade. –e apontou para trás de si com o polegar, metaforizando que o tempo que passaram juntos parecia ter sido “ontem mesmo” (o que de fato, não deixava de ser uma verdade). -Na verdade, ela nem desconfia que eu estou aqui. Eu mantive tudo em sigilo. O senhor sabe como é: Cheguei aqui a trabalho, então fiquei sabendo da Bienal através de um amigo, e uma coisa e outra...  Então resolvi fazer uma surpresa pra ela, assim, de última hora.

Mark sorriu.

—Muito engenhoso, meu rapaz! É muito bom saber que eventos como este possam reunir velhas amizades... Agora, já que você não possui maiores informações atuais sobre a sua amiga, então teremos que encontrá-la do modo mais demorado, porém, igualmente eficaz: perguntando. –pôs a mão no ombro do Doutor, que sorriu de canto de lábios. –Vamos ver então... Vou me comunicar com Lia. –e apanhou um rádio comunicador do cinturão.

—Lia de novo? –o Doutor bufou. –O que essa mulher têm que faz todos os pelos da minha nuca se eriçarem?

Mark riu, tapando o fone contra o peito, para Lia não escutar suas próximas palavras. 

—Lia é um caso complicado. Ela já foi uma fã dedicada, quando jovem, mas teve uma desilusão tremenda quando o escritor que ela mais gostava, e para quem vivia escrevendo cartinhas de amor, casou-se assim, da noite para o dia, e nunca mais respondeu nenhuma carta de fã.

O Doutor crispou o nariz.

—O quê!? Esse cara assinou a própria sentença de morte...

—Foi com certeza um suicida—concordou Mark, então voltou a falar no fone, disfarçando o tom de voz divertido. –Lia? Sim. Sim. Eu ainda estou com ele. O quê? Como assim os cabos da sessão J arrebentaram? Não, Lia! De jeito nenhum vamos abrir a Bienal desse jeito! -dava para ouvir a voz alterada da mulher a distância, tagarelando do outro lado da linha. -Você é a supervisora, ora bolas! É o seu trabalho apreçar o pessoal para trocar a iluminação... Lia! Me escute: As pessoas vão pagar para terem um dia de recreação! Elas precisam se sentir bem neste ambiente... Ou você quer que a imprensa caia em cima de nós como da última vez com aquele mergulhador maluco? Sim. Sim. Eu sei que vai dar muito trabalho, então se apresse! Cada palavra que estamos trocando é um tempo desperdiçado à toa! –falou e desligou o comunicador rapidamente. Então olhou para o Doutor, fingindo não ter ocorrido nada. O Senhor do Tempo sorriu sem mostrar os dentes.

—Então, meu caro rapaz... –prosseguiu o velho Mark. –Acho que não poderemos contar com a ajuda de Lia, mas não se preocupe: temos muitas outras pessoas para quem perguntar. Claro, ninguém tão entendido quanto ela, mas enfim, daremos um jeito.

—Engraçado dizer isso, porque Lia disse o mesmo sobre o senhor. –falou o Doutor. –Ela disse que, tratando-se de respostas, o senhor Mark é o homem certo para se fazer perguntas.

—Verdade? –o homem pareceu estranhar a afirmativa. Por fim, acabou achando graça em tudo aquilo. –Sinto muito meu rapaz, mas desconfio que ela só queria mesmo se livrar de você.

—Então, o senhor não sabe onde encontrar minha amiga?

—Eu sou o organizador disso tudo. Porém, não tenho bola de cristal! Sabe quantos boxes existem neste lugar? E com a quantidade escassa de informações, não sei exatamente como poderei localizá-la...

—Ah, que pena. É que eu vim de tão longe... –o Doutor exalou, compreensivo. –Tudo bem. É que eu queria muito mesmo poder falar com ela. Mas, se não for possível, eu posso entender... –e começou a se afastar. –Obrigado senhor Mark! Foi mesmo muito gentil em não me expulsar...

O velho senhor Mark refletiu por um instante. O Doutor já estava refazendo o caminho quando o homem lhe dirigiu a palavra:

—Espere, John! Eu me esqueci da Lista!

O Doutor se virou bruscamente.

—A Lista?

—É obvio!

—Claro! Que burrice a minha: “A Lista”!

—Sim. A Lista. –confirmou o sr. Mark.

—Que Lista? –o Doutor fez uma careta. –Desculpe, não faço idéia do que o senhor esteja falando, mas estou gostando muito do rumo dessa conversa...

O senhor Mark se aproximou dele para explicar.

A Lista a que me refiro tem a assinatura de todas as editoras, confirmando presença. Com isso, temos também a listagem de autores confirmados para o evento e também onde suas mesas de autógrafos estarão dispostas. Com sorte, poderemos encontrar sua amiga com facilidade, consultando a Lista.

—Ora, e o que estamos esperando? Vamos ver logo essa Lista! –o Doutor disse animado, correndo por um corredor qualquer.

Mark inclinou o corpo em sua direção, mas ficou parado no mesmo lugar, apenas observando-o. Com essa não-investida, o Doutor refez os passos, agitado:

—O que houve? Por que não estamos correndo?

—Porque a Lista está no meu bolso. –disse o homem, simplesmente. O Doutor ergueu as sobrancelhas.

—Ah! Isso faz bastante sentido. –assentiu. –É bom, na verdade... Nos poupa de suar. Sério: Eu não gostaria que a primeira impressão que minha amiga tivesse ao me rever depois de tanto tempo fosse, no mínimo, esculachada. Credo. Que pesadelo. –tagarelou, indiferente com suas próprias alegações.

—Qual o nome da sua amiga mesmo? 

—Ela se chama Luisa Parkinson. 

—Certo. -Mark demorou-se ao verificar a lista toda num pequeno caderninho de bolso. O Doutor ficou parado bem ao seu lado: às vezes paciente, aguardando por uma notícia; às vezes não se contendo em ler algumas palavras aleatórias, por cima do ombro do homem. Com tudo, por fim, o sr. Mark fechou o livreto. Sua expressão era séria; meio decepcionada. Não encontrara o que estava procurando.

—Sinto muito John. O nome dela não consta aqui.

—Não, tudo bem. –o Doutor pareceu novamente cabisbaixo. Mantinha os olhos cravados no chão. –É sério. Eu... Eu tô legal. –sentiu o olho direito começar a lacrimejar. Fungou por um instante, sentido. Disfarçou bem, afinal de contas, pois Mark não percebeu o drama que sua afirmação carregava.

—Só há uma saída para você agora –ele disse, fitando o Senhor do Tempo. O Doutor ergueu a cabeça. –As barraquinhas de autores novatos, ainda sem nome conhecido. Elas ficam logo ali na frente, se seguir reto por esse corredor. –o velho sorriu, novamente colocando-lhe a mão no ombro. -É a sua última esperança, meu rapaz. Pelo menos por “essas bandas”. Quem sabe, essa sua amiga não seguiu um rumo diferente que não fosse o da escrita?

O Doutor esfregou as costas da mão contra o nariz, afastando aquele clima pesaroso e triste, então apertou a mão do homem, agradecendo sua ajuda, e sorriu ao se despedir, deslocando-se rumo ao corredor indicado.  

—Duvido muito. Ela adorava uma boa aventura... Assim como eu.

—Entendo –Mark sorriu. –Gostaria de poder ir com você, mas tenho coisas a fazer. Então boa sorte, John Smith. Estarei torcendo para que você a encontre logo. –acenou e foi-se, voltando ao trabalho.

O Doutor encarou seu destino de cabeça erguida: a extensão do corredor à sua frente. Percorrê-la poderia significar o fim permanente de sua busca, ou então, um turbilhão de emoções... Enfim, só havia uma forma de descobrir.

—Vamos lá. –respirou fundo e deu seus primeiros passos rumo ao desconhecido. Ele não sabia o que esperar. Também não sabia como reagiria, em nenhuma das situações, para ser exato. Caminhou. Um passo de cada vez, no seu ritmo. Cada segundo mais perto do fim do corredor...

Fez a curva e deu de cara com uma legião de barraquinhas improvisadas. Diferentemente das bancadas de autógrafos convencionais, essas eram mais rústicas: não passavam de mesas de plástico comuns –como as usadas em dia de churrasco, na casa da paia. –no entanto, estavam posicionadas lado a lado, com uma pequena distância entre si; Acima do conjunto mesa e cadeira, estavam erguidas coberturas no formato de pequenas lonas de circo, que o Doutor francamente não entendeu a utilidade, já que a Bienal ficava dentro de um espaço fechado, e não haveria o sol castigante para tornar úteis, utensílios como aqueles.

Ignorando essa pequena peculiaridade, ele caminhou como um hippie na praia, por toda a extensão de mesinhas cobertas... Muitas ainda estavam vazias –se porque seu representante estava atrasado, ou então, se conscientizando de que teria que por a cara para bater daqui a alguns minutos, disso ninguém sabia ao certo.

Como quem não queria nada, o Senhor do Tempo foi avançando. Quando chegou na metade da fileira, a coisa começou a ficar um pouco mais interessante: já havia bem mais movimento e muitos jovens autores ajeitavam suas cadeiras, ou disponibilizavam suas pilhas de livros de uma maneira diferente, procurando chamar atenção. O Doutor passou por todos eles, espichando o pescoço. Sabia que lamentaria mais tarde não ter dado uma olhadinha nos títulos literários: poderia ter algum realmente relevante. Porém, no momento, seu foco estava em localizar uma garota relativamente alta, com pouca massa corporal, cabelos castanhos e um sorriso acolhedor.

Passou por tantas barraquinhas que já estava até ficando zonzo. Contudo, nada foi tão arrebatador, quanto descobrir que acabara de passar pela última barraca.

Ao fazê-lo, o rapaz voltou a olhar para trás, aturdido: como assim acabara? Não podia ser! Ele nem tivera tempo para localizar Luisa...

Foi então que pensou: talvez ela realmente não estivesse lá. De que adiantaria persistir então?

Não! Ele não iria embora antes de ter total certeza de que a amiga não se encontrava abaixada ou apoiada atrás de algum lugar, no momento em que ele passara. Não era uma coisa de se admirar... O destino às vezes pregava peças. Quais eram as chances dele voltar e ter uma surpresa? E se fosse embora, ele nunca saberia! Mas do jeito que seu toque o incomodava, ele nunca conseguiria ir sem ter absoluta certeza, de que não deixara algo importante passar despercebido.

Enfim, decidido a refazer o caminho todo de novo, lá foi ele.

Demorou o dobro do tempo para ir e voltar, já que agora apertava os olhos, espiando mais meticulosamente. Todavia, parou de novo ao lado da última barraquinha e se apoiou nela, cansado. A anfitriã: uma garota de pouca idade, morena, com tranças e vestido justinho, ergueu os olhos azuis e intensos para ele.

—Com licença, deseja alguma coisa? –perguntou, gentilmente. Tinha uma revista em quadrinhos nas mãos. Era da Mulher Gato. O Doutor respirou fundo algumas vezes, se recompondo.

—Eu? Não. Desculpe... Será que dei essa impressão...? –disse, entre um suspiro e outro.

—Não é isso. É que você já passou em frente a minha banca umas três vezes seguidas. Foi impossível não notá-lo.

Sua banca?—o Doutor surpreendeu-se com a informação. Ela parecia jovem demais para ter qualquer conteúdo sólido o bastante para poder escrever um livro autoral. -Você é escritora?

—Não. Minha mãe é que é. Estou tomando conta da barraquinha para ela, mas eu não me incomodaria em dar alguns autógrafos por conta própria... –ela sorriu, divertida, apanhando uma caneta. O Doutor também sorriu, amistoso.

—Não obrigado. Talvez mais tarde. –ele encostou-se na banca e tornou a fitar o horizonte, ainda focado na busca pela amiga. A menina das tranças aproveitou-se da oportunidade para poder observá-lo melhor. Ele era sem dúvida um completo estranho que transpirava demais para um simples visitante admirador da literatura. Aquilo fez sua mente, fissurada por bons contos de mistérios, se entusiasmar um pouquinho...

—Estava fazendo cooper?

—O quê? Cooper?

—Eu vi você correndo pra lá e pra cá, numa espécie de circuito –ela explicou.

—Não. Eu só estava... Procurando alguém importante –arfou, continuando a tomar fôlego. -Puxa! Não sou mais tão jovem! –ele pôs as mãos nos quadris, e estalou a coluna. -Ufa! Isso é mesmo um alívio.

A garota da banca ergueu uma sobrancelha.

—Disse que estava procurando alguém importante. Trata-se de alguém famoso? Porque esse ponto é só para o anonimato...

—Essa é uma pergunta difícil de responder –ele concluiu. –Não sei a posição atual desta minha amiga. Não sei nem se ela ao menos seguiu essa profissão!

—Você é bastante confuso, não é? –ela achou graça.

—Sou. –ele concordou. –É. Talvez o bastante para virar um personagem de livro. O que você acha? Minha história pessoal daria uma boa trama?

A garota analisou-o por um instante.

—Hã... Acho que precisaria se esforçar um pouquinho mais.

Você acha? —ele desdenhou, brincalhão.  

—Engraçadinho. Sabe, é que, sendo filha de escritora, tenho uma pequena adoração por detalhes. E detalhes, ao meu ver, é logo o primeiro item que está faltando para me tornar íntima de você, de algum jeito.

Íntima de mim? Poxa vida! Vocês garotas não perdem tempo mesmo... –ele riu, levemente embaraçado. –Não acredito que estamos tendo essa conversa... Você parece que nasceu ontem! Quantos anos têm? Sete?

O rosto da menina ruborizou por completo.

Sete? Eu tenho Doze! —protestou, indignada. –Você acha que eu sou nova demais para quê? Eu só estava falando sobre escrever... Você é que veio distorcendo tudo e supondo coisas inapropriadas!

—Desculpe, se foi essa a impressão que passei. Mas eu confesso que não supus nada... –ele negou.

—Bom, isso é o que qualquer pedófilo diria. –ela lascou, acusatoriamente. –Mas não se acanhe: minha mãe logo vai chegar. E quando ela chegar eu farei questão de retratar em detalhes todas as coisas que você vem me dizendo...

—Bom, então não farei você perder mais do seu valioso tempo... –o Doutor foi saindo de fininho. Não queria se encrencar com a mãe de ninguém. Muito menos ser chamado de pedófilo. A garota, porém, contornou a banca de plástico e impediu-o de continuar.

—Espere aí! –se pôs na frente dele. O Doutor cruzou os braços, impaciente.

—O que foi agora? –inquiriu. Ela não respondeu. -Saí pra lá garotinha, eu não quero arranjar encrenca... –ele afastou-a de seu caminho. –Também não sou nenhum pedófilo, para o seu governo... Com licença!—empinou o nariz e deu-lhe às costas, ofendido.

—Não! Não vá embora... –ela segurou-o pela manga. A voz visivelmente demonstrando arrependimento. O rapaz parou abruptamente. Não soube direito porque, mas alguma coisa nela pareceu convencê-lo a dar-lhe mais uma chance. Por instinto, ficou com os olhos fixos na mão da garota presa em sua manga. Inconscientemente, isso o fez se lembrar de algo. A menina desenrolou as palavras presas em sua garganta: –É que, você é a primeira pessoa que pára em nossa banca...

Deixe-me adivinhar: E você quer que eu fique aqui para atrair o público...?

—Não é nada disso! –ela respondeu de uma vez. Então respirou fundo, e foi bem sincera com ele. -Olha... A verdade é que ninguém fica aqui por muito tempo: talvez pela localização, ou mesmo por estarmos no agrupamento dos autores desconhecidos do público. O fato é que eu e minha mãe ainda não tivemos uma só pessoa interessada no nosso livro a manhã toda... Vê se pode!?

Talvez porque os portões da Bienal ainda estejam fechados para o público—ele comentou, sem compromisso. A garota ignorou seu comentário.

—Você pode até me condenar, mas acredito que minha mãe ficaria muito satisfeita se ao menos uma pessoa viesse à nossa banca. Entende? Eu só queria que ela fosse pra casa, hoje à noite, feliz por pelo menos ter conseguido dar um autógrafo ou vender um exemplar... –ela explicou. O Doutor balançou a cabeça, considerando o bom argumento. –Será que isso é muita coisa para uma pobre filha querer para sua dedicada mãe?

O Doutor revirou os olhos com a dramatização da garota. Por fim, acabou sorrindo:

—Não. Eu acho que é uma causa bem nobre, na verdade.

Um sorriso imenso se abriu no rosto da menina.

—Então você vai ficar um pouco? É sério? Só até ela vir e te conhecer?

Só até ela me conhecer—ressaltou ele. –E que isso esteja bem claro! Não posso esquecer de que tenho uma busca para terminar...

Ai, Obrigada!—a garota deu-lhe um abraço espontâneo que o deixou meio desconcertado, meio contente. A garota também ignorou isto. –Tudo bem! Negócio fechado! Acredite em mim, você não vai se arrepender; A estória do livro é deveras empolgante... –ela começou a tagarelar. –...Você nem imagina. Minha mãe está realmente empolgada com isso e eu também estou! É, decerto o entusiasmo que estou sentindo não faz lá muito sentido, já que foi ela quem escreveu o livro todo, evidentemente... –fez uma pausa para respirar e por uma mecha de cabelo atrás da orelha. -O fato é que finalmente ela acredita que tenha acertado na ênfase dos personagens e na trama que os envolve...

—E do que se trata o livro, exatamente? –o Doutor puxou assunto.

—Ah! É uma aventura. Não posso dar muitos detalhes, se é que me entende... Só se você comprar um exemplar.—o rapaz contemplou-a fixo por um instante, provavelmente avaliando se seria um bom investimento ou não.

—Espere só um instante... –e começou a revirar os bolsos, a procura de algumas moedas. –Pronto! Aqui está –e estendeu-lhe o dinheiro, ao mesmo tempo que ela entregava-lhe um exemplar do livro. –Espere! –fez uma última pausa, antes de lhe passar as moedas. –Só mais uma perguntinha; É que estou curioso... Me amarro em todos os tipos de aventuras –ponderou. A garota ergueu as sobrancelhas, aguardando a pergunta. -Por acaso tem caubóis neste livro?

Só vai saber se compraaar—ela cantarolou.

—Uh... Certo! Você venceu. Passe ele pra cá!—e a primeira compra foi, enfim, efetuada.

Enquanto o Senhor do Tempo folheava o livro rapidamente, a garota tagarelou sem parar, por um longo intervalo de tempo: simplesmente porque estava feliz à beça por ter vendido o primeiro exemplar para a mãe, e também, provavelmente empolgada com a idéia dela ficar bastante orgulhosa com isso.

—Acredita se eu disser que eu e minha mãe nunca viemos juntas à Bienal? Quero dizer: ela já veio várias vezes com meu pai. Outras mesmo até sozinha, para checar o movimento e as vendas... Ela se amarra nessas coisas! –desatou a falar. O rapaz sorriu-lhe, simpático, levantando os olhos para fitá-la apenas por um momento durante a conversa; isto para depois voltar às páginas do livro da mãe da garota, que pareciam sugar sua atenção e atraí-lo como uma noiva ao noivo, em noite de núpcias. Sorrindo, com um pensamento que lhe ocorreu, a garota de tranças prosseguiu. –É sério: Você disse que estava procurando por alguém. Eu sei que vai parecer exagero, mas, se precisar de qualquer auxílio para encontrar outro escritor nesta feira imensa, é só você se informar com a minha mãe. Acredite: Mal havíamos chegado e ela já havia feito amizade com todo mundo neste lugar... Todos gostam muito dela. Isso porque ela tem carisma, se importa com o próximo... E é verdadeira.

—Sua mãe parece ser mesmo um exemplo de pessoa –ele comentou, após enfim, fechar o livro. –A propósito: Ela escreve muito bem. Eu adorei a estória! Prendeu mesmo a minha atenção: Três minutos e trinta é o meu novo recorde! Ganhou de lavada da média habitual dos quatro segundos e meio que costumo reservar para leitura recreativa. –comentou, animado. A estranha divagação tratava-se de mais um dos inúmeros talentos do Doutor: Ler super rápido e absolver todas as informações instantaneamente. Por um lado era uma habilidade muito útil, já que isso sempre contribuía para não fazê-lo perder tempo... Entretanto, quando o objetivo fosse aproveitar o tempo, lamentavelmente, nunca poderia contar com a companhia de um romance para entretê-lo.

Diante daquele distinto comentário, a garota sorriu, meio confusa.

—Mas você ainda nem teve chance de começar a ler a obra...

Ele sorriu, misterioso.

—Cá entre nós... –ele aproximou o rosto dela, como se fosse contar um segredo. -Vai ter um volume dois?

Ela riu, divertindo-se com o jeito juvenil e brincalhão dele. Por fim, disse:

—Vai ter que esperar minha mãe retornar se quiser que ela autografe o exemplar, ou dê mais detalhes sobre possíveis continuidades.  

—Ah, eu com certeza farei isto. –e balançou na mão o volume de capa flexível. –Escritoras de talento não se encontram as pencas, em todos os lugares.

A garota tornou a sorrir, com a gentileza de suas palavras.

—O que está dizendo? Mal conhece minha mãe... –falou, meio sem graça. Desviou os olhos por um momento, encarando a pilha de livros na bancada, pensativa. –Sabe, esta é, oficialmente, a primeira vez que eu venho aqui com minha mãe –a garota fez uma pausa instintiva. –Hoje cedo, ela me acordou dizendo que esse dia seria especial... Porque, pela primeira vez na vida ela sentiu que seus livros poderiam despertar o interesse das pessoas.

O Doutor sorriu de canto de lábios para ela.

—Pode ter certeza. Esse lugar parece ser bem convidativo. E o ano é promissor... Falando nisso, em que ano estamos mesmo?

Em 2032?—a garota disse, meio intrigada com a pergunta dele. 

—Eu não sei. Por isso estou perguntando!

—Puxa, você é confuso mesmo! Minha mãe gostaria de conhecer você... Ela adora pessoas interessantes.

—Ah, e agora eu sou interessante?—ele instigou, brincalhão.

A garota deu um sorriso largo. Duas covinhas apareceram em suas bochechas levemente rosadas.

—Desde que não diga coisas estranhas, sim, até que você parece ser legal.

Uhu! Ponto pra mim!—ele deu um soquinho no ar. A garota achou graça na empolgação dele. –O que foi? Nunca viu um homem comemorar uma vitória bem sucedida?

—Existem muitos homens como você? –ela perguntou, em tom brincalhão. Ele riu também. –Pronto. Viu como foi fácil? Agora nós já estamos um pouquinho mais próximos... –e estendeu-lhe a mão.

—Ah, bom saber! –ele apertou a mão dela. –Muito prazer em conhecê-la...

—Meu nome é Aline. Aline Bigby. Mas todo mundo abrevia meu nome gigante, digno de “realeza monárquica”, e me chama só de Aline Parkinson.

A mão do Doutor fraquejou durante o aperto. Seus lábios se entreabriram, estupefatos.

—E você, como se chama?

A mente dele não conseguia raciocinar. Sua cabeça estava girando fora da órbita.

—Doutor. Me... chame de Doutor.

Surpreendentemente, Aline esboçou a mesma careta perplexa que ele.

O Doutor!?—exclamou, impressionada. –Espere aí, eu sei quem você é: O homem que muda de rosto!

Aquilo deixou-o embasbacado.

—Por acaso nós já nos encontramos antes? –perguntou, curioso.

—Você já me viu sim, mas não com este rosto. Está um pouco mais sério e grisalho, atualmente, mas isso não o impede de ter um coração enorme. –explicou. –Você nos visita todo final de ano... Minha mãe diz que é tipo uma tradição: “Para reacender a chama das antigas amizades, e renová-las por mais um ano inteiro”. –deu uma risadinha. -Foi ela que inventou isso. Que eu saiba, essa superstição não faz parte do Natal. Mas cá entre nós, nossos Natais em família nunca foram muito regrados mesmo... Tão pouco foram comuns.

O Doutor esfregou os olhos: teve a sensação de estar delirando.

—Você fala muito da sua mãe... E seu sobrenome... É familiar pra mim. 

A garota segurou-lhe as mãos, mal cabendo em si de tanta felicidade.

—Minha mãe me contou que esse dia chegaria. Bem, sinceramente, creio que ela não imaginasse que fosse especificamente hoje, senão ela com certeza estaria aqui, conversando com você, ao invés de ficar zanzando pela Bienal. Mas, em sua defesa: Ela teve um pressentimento esta manhã. Disse que seria um dia muito especial; Ela sentiu isso! Acho que, bem lá no fundo, ela sabia que alguma coisa muito importante ia entrar em curso e, evidentemente, não era da venda dos livros que estava falando. 

O Doutor abriu um sorriso imenso, e inesperado. Sentia como se uma revoada inteira de borboletas tivessem invadido seu estômago.

—Quer dizer então... –instigou. A emoção quase transbordando.

—Acertou –ela sorriu em retorno; os olhos marejados. –Ela está aqui, Doutor. Luisa Parkinson está aqui.

Ao ouvir aquilo, ele cambaleou para trás, cobrindo os lábios. Fez um ruído engraçado ao tentar respirar e rir ao mesmo tempo.

Rá! Deus, eu não acredito! Não. Espera: Eu acredito sim! ACREDITO! –disparou, animado. Então olhou para Aline, mal cabendo em si. Seus olhos brilhavam de entusiasmo. -Eu a encontrei? EU A ENCONTREI!!! –gritou, então abraçou a menina, erguendo-a do chão e fazendo-a girar, enquanto dava argalhadas. –ELA ESTÁ VIVA! Era tudo o que eu precisava saber... Sua mãe está viva! Rá-rá! E ela é MÃE! Ela teve você! —ele comemorou. -Luisa está viva e eu não tenho mais dúvidas... Você é a prova concreta disso, Aline, simplesmente porque você nasceu! —ele pôs a garota de volta no chão e a observou por inteiro, encantado. -Oh, Aline Parkinson, você é um colírio para os meus olhos!

A menina riu, quando ele a abraçou de novo, exalando alegria. Nem haviam percebido, mas já fazia algum tempo que o rádio da Bienal estivera tocando música; porém, quando tocou *Eh!Oh!– Dr. Silvana e Cia, o volume foi aumentado ao máximo (sabe-se lá o porquê; Talvez Lia, a supervisora, estivesse checando o volume), e os dois foram instantaneamente contagiados pelo som, fazendo ainda mais algazarra.

Todas as pessoas próximas dali espicharam os pescoços, fitando-os com curiosidade, por causa do escarcéu que estavam fazendo. A dupla nem se importou com isto. Estavam felizes demais para qualquer coisa.

—Eu realmente não acredito –ele recomeçou. -Eu cheguei aqui na perspectiva de um dia ruim e sombrio... –fez uma pausa breve. -Não sei se você ficou sabendo, mas sua mãe sofreu um grave acidente, certa vez... E eu, sendo seu amigo, não poderia simplesmente aceitar o que aconteceu e seguir em frente com a minha vida. Cheguei aqui hoje, cego e determinado pela esperança de reencontrá-la. Procuraria por ela... Por uma pista, um rastro qualquer, em qualquer parte do tempo e espaço, que pudesse comprovar que ela estivesse mesmo viva e bem.

—E você sem dúvida acertou em cheio –ela concluiu, fazendo-o sorrir. –Vir a Bienal, como primeira opção, foi mesmo um ótimo plano. Como você sabia?

—Eu conhecia muito bem a sua mãe. –ele confirmou. –Sabe aquelas horas que as mulheres falam sem parar e os homens simplesmente desligam-se do planeta Terra? Bom, devo admitir que eu já fiz isso muitas vezes... Mas creio que em alguma dessas situações, eu devo ter prestado um pouquinho mais de atenção do que o habitual.

Aline cruzou os braços, demonstrando descrença.

—Não precisa se fazer passar por humano. Eu sei que você é alienígena.

—Tem razão –o Doutor concordou. –Eu nunca perdi uma só fala da sua mãe. Nunca fiquei fora do ar enquanto ela falava. Bom, pelo menos não perdi nenhum comentário importante. Talvez, porque o cérebro de um lunático não tenha como ficar ainda mais desconectado com a realidade, do que já está. Enfim, eu nunca entendi isso mesmo...

Aline riu, apanhando o livro de suas mãos, por um instante.

Sincero como sempre—brincou, então escreveu alguma coisa na contracapa; depois devolveu-lhe o exemplar, fechado. –Abra só quando estiver na TARDIS, O.k?

—Combinado. –ele sorriu. –Ah! Falando em TARDIS... Eu preciso ir. Não posso me demorar mais por aqui. Ainda tenho que salvar sua mãe, no passado... Sabe como é: nada aqui é fixo. Pode parecer que está tudo estável agora, mas se alguma coisa sair fora do planejado, esse retrato do presente que você conhece, e vive hoje, pode estar gravemente comprometido... –ele disse, agitado. Deu-lhe um beijo na testa e se afastou, correndo para longe.

—Mas Doutor... E minha mãe? Você não vai nem falar com ela?

—Lamento, mas não há tempo! Desculpe. –ele acenou, já distante. –Fica para uma próxima vez.

Aline teve que se conformar. Conforme ele se afastava, tornava-se cada vez mais difícil continuar mantendo contato visual: por algum estranho motivo, uma multidão de pessoas cismavam em passar em sua frente e esbarrar neles, sem se desculpar... Sim, só havia uma explicação viável para isso: a Bienal estava aberta ao público!

Vendo que logo perderia de vista o Senhor do Tempo, a garota teve que se apressar:

—Tá legal. E o que eu digo a ela, então? –gritou, para poder ser ouvida.

—Apenas diga que eu estarei presente no próximo Natal. Mesma hora, mesmo local dos outros anos! –sorriu ele, afastando-se; E assim, deixando a menina de olhar sonhador, como o da mãe, observando-o até desaparecer por completo, no meio da multidão.

Aline ficaria ali para sempre, acenando, se não fosse uma voz conhecida lhe trazer de volta à realidade.

—Aline? O que eu te falei sobre abandonar a nossa banca?

—Desculpe mãe –a menina correu para se juntar à mulher de olhos doces e ansiosos, atrás da mesa dos livros empilhados.

—Com quem estava falando?

—Ah, com alguém muito, muito especial... –Aline fez uma cara empolgada. -Adivinha quem!

Luisa suspirou, sorrindo.

—Não faço a menor idéia...

Nosso primeiro cliente!—a garota cantarolou, mostrando-lhe as moedas conseguidas com a primeira venda. –E você não vai adivinhar quem era...

Naquele momento, Luisa olhou fixo para o horizonte. Só viu a multidão de pessoas passando rápido como borrões; a música *Um Dia a gente se Encontra –Charlie Brown Jr. tocando de fundo; Por algum motivo, sorriu.

Aline estava certa: bem lá no fundo, sua mãe sabia.

 

*     *      *

Em contraste a esse momento, o Doutor abria o livro de Luisa dentro da TARDIS e lia as palavras que Aline rabiscara na contra-capa:

 

“Quando não temos escritores de verdade para dar autógrafos,

qualquer portador de uma caneta esferográfica deve servir”  :)


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Notas finais do capítulo

Para quem ficou curioso com os eventos apresentados... eu tenho certeza que a uma hora dessas vocês devem estar se perguntando: por que o Doutor não esperou a Luísa adulta retornar para poder perguntar onde ela foi parar quando caiu no vórtice e como ele fez para resgata-la? Bom, é uma coisa meio misteriosa mesmo... alguns chamam de destino, outros de "diga não ao Spoiler"... eu creio em uma hipótese acima de todas: a queda da Luísa no vórtice é um ponto fixo, o que significa que tudo, desde o momento que o acidente ocorreu, até toda uma sequência de eventos que isso gerou, estão protegidas por uma espécie de "selo" contra espertinhos de plantão que tentam passar a perna no universo e conquistar seus objetivos por caminhos mais fáceis.
Em teoria, é basicamente assim que funciona: quanto mais o Doutor fica esperando por ela na Bienal, mais o universo a mantém afastada dele, sem nem ao menos se dar conta disso. Essa teoria por exemplo explica o porque da Luísa ter chegado na banca de livros segundos após o Doutor ter ido embora. É basicamente uma emboscada... um perfeito golpe do tempo. Assim como a rachadura no quarto da Amy, onde duas partes do espaço-tempo nunca deviam se tocar... por ironia do destino, e também graças ao ponto fixo, a Luísa do futuro e o Doutor do passado se repelem.

***

*Agora, só fazendo um cálculo rápido (não que eu seja boa nisso, mas vamos lá):
A Luisa acabou de fazer 17 anos em 2015;
Daí agora em 2032 ela deve ter uns 33 ou tá pra fazer 34 anos (se já for fim do ano)
A filha dela, Aline, já tem 12 anos em 2032, o que significa que ela nasceu quando a Luisa tinha 22 anos, em 2020!!! AAAAAAAAAH
Gente. Berro que só agora me dei conta: nós estamos no ano em que a Aline nasceeeeu!
Não, eu não sou uma escritora tão relapsa, é que escrevi essa história a anos atrás, dai tinha me esquecido.

AWN QUE FOFO!!
Parabéns Alininhaaaaa!!

kkkkk, Ok, depois desse pequeno surto da autora (assim como o da autora de O Mergulhador Exorcista kkkk), vamos nos despedindo por hoje!

Domingo nos vemos de novo com mais um cap!

Até láá! bjs!



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