Passou-se duas semanas. Duas semanas totalmente diferentes das que já tivera. Antes que percebesse, havia virado rotina ouvir um avermelhado falante pelo caminho de casa, mesmo que ficasse só a ouvi-lo. O prateado havia aprendido mais sobre Nagumo Haruya, que vinha respondendo todas as suas dúvidas e quebrando as histórias bizarras que os alunos comentavam sobre si, apesar de Suzuno sempre se esquecer de pesquisar qual a flor na cabeça dele e de o avermelhado se negar a revelar.

Suzuno não podia negar que gostava de falar com ele, de contradizê-lo com suas opiniões, de poder falar coisas que nunca havia dito a ninguém. Se surpreendeu com o quanto esse tipo de atenção o fazia falta. No pouco tempo em que convivera com o avermelhado, percebeu que havia sido construído algo que não tinha com mais ninguém, isso o deixasse feliz e deveras mais leve, entretanto, ao mesmo tempo, o assustava. Temia se acostumar, temia jogar sua confiança em alguém e depois sair machucado... As pessoas no passado já o tinham machucado muito, por isso tornou-se uma pessoa que não confiava fácil em alguém, e preferira assim, mas aquele garoto, Nagumo Haruya, havia rompido essa barreira de proteção.

Se perguntava se o atacante o via como um amigo, nunca tinha tido um amigo antes, a palavra ainda lhe soava estranha, mas ao mesmo tempo confortante, tinha gostado. Tinha gostado muito. Porém, algo dentro de si ainda alertava que devia se afastar e proteger-se, proteger o segredo que havia sido alvo de pena e humilhação em outras escolas. O que Nagumo diria se soubesse de seu segredo? Ainda seria seu amigo? Não podia culpar-se de ter nascido assim, de ser como era, como sempre foi. Sua mãe adotiva bem lhe dissera: ‘se as pessoas não te aceitarem como é, não merecem sua amizade’. Ela estava certa, sabia, mas Suzuno sentia como se precisasse mudar, não se adecuar as pessoas normais, mas mudar de alguma forma. Seu segredo não era grande nem grave como a de muitas pessoas por aí, não tinha nenhuma doença, nem nada físico,  não era perceptível, mas lhe doía as complicações que ele podia lhe fazer, as pessoas que poderia afastar.

O celular despertou em cima da mesinha de cabeceira, interrompendo as divagações do prateado que o desligou rapidamente, mas não antes de ler a mensagem do treinador dizendo que o treino começaria mais cedo.

Suzuno se encolheu entre os cobertores, relaxando mais um pouquinho antes de sair da cama, se arrumar e ir para a escola. Já na sala de aula, sentou-se em sua carteira e pegou uma folha em que trabalhava fazia algum tempo, olhou-o, pensando no que poderia melhorar, era muito detalhista. Começou a desenhar, traçando linhas com a caneta e criando formas curvas e suaves, na cor vermelha, fazendo-o lembrar dos cabelos rebeldes do seu amigo.

Nunca encontrava Nagumo no caminho para a escola já que ele costumava chegar pontualmente na hora da aula e Suzuno preferia chegar mais cedo para desenhar, felizmente, pois o avermelhado provavelmente acharia seus desenhos muito estranhos, todos achavam.

— Oi - um ser de cabelo esverdeado falou em tom alegre, fazendo o prateado levar um susto.

Suzuno o encarou e não disse nada, sempre achou estranho dizer ou para um oi e nunca sabia o que dizer. As pessoas as vezes tentavam falar consigo, mas costuma ser só por curiosidade ou provocação e Suzuno não gostava, sentia certo nervosismo e o tom de brincadeira das pessoas. Principalmente Midorikawa, que parecia estar sempre de brincadeira.

Ao não obter resposta, Midorikawa virou um pouco o rosto, pensativo, logo sorriu largo.

— Vamos dar o nosso melhor, sim?

— Ahn? - Suzuno não entendeu.

— Vamos dar o nosso melhor no Campeonato Juvenil, né? - o esverdeado repetiu, empolgado.

Suzuno o olhou surpreso, não sabia como tinha esquecido. O Campeonato Juvenil de Futebol começaria em uma semana e escolas de toda a cidade estariam presentes, e quem se classificasse iria para o estadual, que iria para o nacional. Esse evento acontecia todo ano e estavam todos muito ansiosos. Já que eram um time novo e pequeno, ninguém os achava uma ameaça e os próprios jogadores do time não se achavam totalmente capazes de conseguir ir muito longe. Suzuno estava esperando por essa época fazia tempos, amava futebol, e esse campeonato era uma oportunidade muito grande, apesar de saber que não iriam muito longe. Voltou o olhar para o esverdeado que ainda o encarava animado e o respondeu com um aceno de cabeça, fazendo o outro aumentar o sorriso.

Suzuno percebeu algo diferente no esverdeado, ele já tinha vindo muitas vezes falar com ele, mas normalmente era para chamar para fazer alguma coisa que não queria ou fazer perguntas sobre sua vida sobre as quais não se sentia confortável em em responder, razão pela qual ficava calado. Midorikawa não estava fazendo isso agora.

— Que desenho desenho legal, parece fogo - Midorikawa disse, abaixando-se para ver melhor. Pegou o desenho e o virou de cabeça para baixo para ver como ficava. - Você que fez? Copiou de algum lugar? Como se faz? Será que eu consigo fazer? Isso é demais.

Suzuno arregalou os olhos com a mudança repentina de assunto e as perguntas sem freio do companheiro de time. Céus, perguntas demais.

— Er... Sim, não, não sei... Sim - o prateado falou respectivamente, meio receoso. - Cuidado com ele - disse ao ver o esverdeado virar demais o papel.

— Desculpa - ele falou e devolveu, ainda sorrindo. - É muito louco, parece fogo.

Suzuno sorriu.

— Todas as pessoas que veem meus desenhos dizem que parece ser alguma coisa, e sempre é uma coisa diferente - mas ele não via nada, só um monte de formas aleatórias feitas sem pensar, de qualquer forma, se surpreendeu em como estava fácil falar com o meio-campista.

— Mas isso só pode ser fogo, é sério, não sou louco não - o esverdeado retrucou, disposto a defender sua opinião.

Suzuno viu uma figura conhecida entrar na sala, e esse veio andando desleixadamente até eles, com uma flor de sabe-se-lá-qual-o-nome na cabeça e com sua costumeira expressão divertida. Suzuno guardou rapidamente o desenho em sua pasta e o escondeu em segurança na mochila. Midorikawa estranhou a ação repentina do colega, será que tinha dito alguma coisa errada? Até pular de susto ao ver Nagumo vem ao seu lado.

— Não chegue de fininho por trás das pessoas - Midorikawa reclamou, emburrado.

Suzuno não aguentou e deixou escapar um riso.

— Ele não aprende - murmurou.

— Uh? - Midorikawa olhou surpreso para o prateado, estava sorrindo? De repente, o esverdeado se tocou de uma coisa e olhou para Nagumo e para Suzuno e vice versa - Ah, entendi. É a cabeça do Haruya no seu desenho.

Os dois encaram o esverdeado, Nagumo sem entender e Suzuno envergonhado enquanto amaldiçoava o esverdeado mentalmente por ser tão boca aberta.

— Não era a intenção - Suzuno revelou encabulado e Nagumo  o olhou com curiosidade.

— Alguém me explica o que está acontecendo? - Nagumo não entendia nada.

— Não é nada não - Midorikawa coçou a cabeça. Suzuno o olhava de um jeito frio e apavorante, saiu de fininho dali ao perceber que tinha falado demais.

Nagumo olhou do meio-campista que já estava distante para Suzuno, esperando uma explicação, não gostava de ficar por fora.

— Não é nada demais - foi só o que o prateado disse.

Nagumo fez de tudo para Suzuno lhe dizer sobre o que falavam, mas ele se recusou a contar, entretanto, o avermelhado não desistia fácil. Seguiram com as aulas até o horário do treino no qual percorreu como todos os dias, e novamente Nagumo se preocupou com o estilo de jogar do colega e sua contenção na defesa, mesmo parecendo que ele tinha se soltado mais com Midorikawa. Pensou se já era hora de conversar com ele sobre isso, principalmente agora que o Campeonato Juvenil estava chegando. O time precisava se unir e confiar um nos outros, porém, não era o que acontecia, eles receavam em passar a bola para Fuusuke e o mesmo evitava tocar na bola que não fosse para roubá-la e passar rapidamente para os meios campistas.

Nagumo suspirou, decidido, iria conversar com ele amanhã.

— Se formos para o nacional, vai me mostrar o desenho? - Nagumo perguntou enquanto voltavam pelo caminho de casa, depois do treino.

Suzuno o encarou reflexivo e depois virou o rosto para outro lado. Lembrou-se das palavras de Midorikawa: ‘parece fogo’. Corou. Para ele, era Nagumo quem parecia fogo, não seu desenho.

— Tá bom - respondeu, sabendo que era quase impossível irem ao nacional com um time assim.

— É uma promessa - Nagumo encarou as orbes frias do outro com as suas que ferviam, certo de que chegaria a ver o desenho. - E nós vamos ao nacional, com certeza.

— Tem muitos times fortes.- retrucou.

— Então vamos ficar mais fortes que eles - empolgou-se Nagumo. - E vamos ganhar de todos.

Suzuno riu. Nagumo o encarou feliz, adorava ver o sorriso daquele anjo.

— Veremos - disse antes de cruzar a rua que dava para sua casa.

...

No dia seguinte, Nagumo andava nervosamente pelo campo de futebol. Estavam todos lá, se alongando para começar o treino, mais um importante dia de preparo antes do Campeonato. Mas o avermelhado sentia a falta de uma presença importante para si, não via o prateado em lugar algum. Olhava para todas as direções, procurando-o. Ele não era de se atrasar, justo hoje que tinha decidido conversar a sério com ele. Sua intuição apitou.

Perguntou por ele para seus companheiros de time, e nada. A preocupação aumentou, tinha-o visto nas aulas então ele não tinha faltado. Inventou uma desculpa para o treinador e foi procurar o colega pela escola, e de novo, nada.

Continuou andando inquieto e depois de quinze minutos, sentou-se em um dos bancos que tinha no pátio.  De cabeça baixa, apertou os punhos, tinha um mau pressentimento, devia voltar a procurar, mas já tinha passado por todos os corredores da escola, não sabia mais em onde ir.

— Haha ele ainda deve estar lá.

— Não vai sair tão fácil.

Nagumo levantou o rosto para as vozes que passavam. Reconheceu alguns colegas de classe e entre eles as garotas que falavam mal de Suzuno.

— Mas não foi muita maldade? - perguntou sarcasticamente um garoto, escondendo o riso.

— Vai dizer que não tinha vontade...

— Espero que ele fique lá até amanhã - uma garota disse.

De quem falavam?.. Nagumo apertou os punhos até sentir uma pontada aguda, apreensivo. Imaginava quem poderia ser. Não, sabia quem era. Eles não gostavam dele, não entendiam.

— Queria ver a cara dele agora. O branquinho deve estar desesperado.

Foi a gota d'água. Nagumo saltou do banco e foi até eles.

— Onde ele está? - perguntou. furioso. Fogo saia de seus olhos, assustando os garotos e garotas do bando, que não responderam. - Onde eles está? O que fizeram com ele?

Algumas garotas pareciam querer falar algo, mas o medo não deixava, já tinha quem dizia que ele era filho de uma pessoa importante da máfia, ou de um assassino.

— Só fizemos uma brincadeirinha. só isso - o garoto disse, desculpando-se.

Nagumo o segurou pelo colarinho e perguntou de novo, apressado, mas o garoto só ria.

As garotas acabaram apenas apontando para um corredor um pouco distante. Nagumo saiu correndo para essa direção, deixando os adolescentes para trás.

— Sério, isso deu medo - o garoto disse depois de Nagumo se afastar.

— O... O que deu nele? - a garota estranhou a preocupação.

— Vamos embora - disse outra. - Isso não tem mais graça.

— Tsc - o garoto deu de ombros e começou a caminhar com elas.

...

Nagumo se viu em um corredor normal. Já tinha passado por ali e ainda não via nada além de portas.

— Suzuno - gritou e esperou. Não houve resposta.

O avermelhado olhava para cada porta, cada lugar do amplo corredor aonde ele podia estar. Chamou-o de novo, nada, e de novo, e de novo. Até ouvir algo, um som oco e baixinho. Foi o suficiente, correu até sua origem encontrando uma porta na qual não tinha pensado em procurar antes.