Girls and Blood — Reimagined Twilight escrita por Azrael Araújo


Capítulo 25
Twenty Four




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— Porque demorou tanto? — a garota de olhos verdes praguejou enquanto eu trancava a porta de seu quarto e jogava a mochila em algum canto do chão — Eu te liguei.

— Eu vi. Fiquei me perguntando o motivo, já que você odeia ligações. — eu revirei os olhos e me joguei ao seu lado, na cama.

Ela direcionou os olhos verdes ao meu rosto, preocupada. Eu conhecia aqueles olhos melhores do que os meus próprios e poderia dizer exatamente o que ela estava pensando.

— Estava com ela de novo. — não era uma pergunta.

Eu abaixei o olhar, praguejando internamente por ela me conhecer tão bem.

Ouvi ela respirar fundo e sabia que agora estava irritada.

— Droga, Bells, quando isso vai acabar?

Ela levantou da cama e ficou de pé, me encarando. Qualquer outra pessoa, talvez, não a levasse a sério considerando o moletom azul marinho gigante que usava — Lauren 97, estampado em detalhes brancos. Ficava comprido o suficiente para cobrir a calcinha, mas as coxas pálidas ainda podiam ser vistas. Tentei não olhar muito.

— Não entendo porque insiste nisso. — eu revirei os olhos, virando-me ficando de barriga pra cima.

— O que eu não entendo é porquê continua tendo essa... Coisa com ela. Você sabe que isso não é legal.

— Lauren — eu ralhei em um tom de aviso — Eu gosto dela.

A garota de olhos verdes continuava me encarando, o rosto obtendo um tom avermelhado.

— Não, Isabella. Você acha que gosta dela, por não sei qual motivo. Por ela ser bonita e simpática, ou sei lá, por achar ela super inteligente e especialista na sua matéria favorita. Mas você não gosta dela.

Ela andou até a escrivaninha e abriu o laptop antigo digitando furiosamente em seguida. Eu me sentei na cama, cruzando as pernas, e cocei os olhos com força. Estava cansada daquela discussão.

— Eu tenho lido esses sites, você sabe como eu sou. E adivinha o que eu descobri? — ela voltou a sentar na cama, de frente para mim e colocou o laptop em minhas coxas.

Olhei rapidamente algumas palavras minúsculas em um site com fundo amarelado, um brasão azul no topo da página. Olhei-a esperando uma explicação.

— Isso que você estão fazendo é bem errado, relacionamentos entre menores de idade e adultos não são... Legais. — ela ficou em silêncio me encarando por um segundo — Além disso ela é sua professora, Bells. Relacionamentos entre professores e adolescentes não podem existir, por lei. Você mal tem 14 anos. Eu estava me perguntando... Será que isso não é pedofilia?

Eu arregalei os olhos pelas palavras usadas. Lauren ainda me encarava em silêncio, mas seus olhos demonstravam que ela estava preocupada, agitada com tudo aquilo.

— Mas... Não pode ser, Laur. — eu neguei com a cabeça — Nós só... Ela me pediu em namoro.

— Eu sei, querida. Mas ela também te pediu pra não te contar a ninguém não é?

Eu cocei os olhos novamente e joguei o laptop de lado.

— Você nem mesmo contou pra sua mãe sobre aquela noite, no carro dela, quando vocês...

— Mas ela gosta de mim, ela sempre fala isso. — a interrompi e encarei-a, sentindo-me confusa — E... Eu gosto dela.

Ela negou. — Você não gosta dela.

Me irritei com sua palavras. Como ela poderia afirmar aquilo?

— Você não pode... Urgh, não pode sair por aí falando de quem as pessoas devem ou não gostar.

— Droga, Isabella, não seja burra. Você não gosta dela, só está... Sei lá, encantada com tudo isso. Você. Não. Gosta. Dela.

Ergui os olhos afiados para os dela, que estavam queimando.

— Porque acha isso, Lauren? — ela sentiu o tom de desafio na minha voz.

Ficamos em silêncio por um minuto, sem piscar, tentando vencer aquela batalha muda.

Então, num ímpeto meio desesperado, ela ficou de joelhos sob a cama e colou seus lábios quentes aos meus.

 

— Então, você e sua amiga Lauren... — Edythe começou a especular.

Eu neguei com a cabeça. — Não. O caso é que a Laur e eu sempre fomos melhores amigas. Nos conhecemos desde, sei lá, o primário. Sempre muito próximas, em algum momento a gente meio que... Começamos a...  droga, eu não sabia como dizer aquilo — Nós só meio que confundimos as coisas. Era legal e tal, mas não estávamos apaixonadas, percebemos isso com o tempo.

Edythe assentiu, mesmo não parecendo muito convencida daquilo.

— E quanto a ruiva?

— Victória era nossa treinadora na Educação Física. Como sempre gostei de esportes, às vezes eu ficava um pouco depois do fim da aula para tirar dúvidas ou simplesmente pedir algumas dicas. Ela sempre foi simpática e me ajudava com tudo que eu pedisse.

— Mas ela... — Edythe fechou os olhos com força, parecendo lutar com as palavras — Em algum momento, ela tocou você sem que consentisse? 

Franzi a testa diante daquela pergunta.

— Er... Ela me pediu em namoro. — abaixei a cabeça, envergonhada — Em uma noite, um pouco antes do meu aniversário de 14 anos, Lauren e eu estávamos numa festa na casa de uns veteranos do colégio. Lauren nem queria ir naquela coisa estúpida, eu a obriguei a ir comigo. — ri nostálgica com a lembrança de Lauren reclamando do frio e pegando minha jaqueta logo em seguida — No meio da festa, Laur e eu meio que discutimos. Sinceramente eu nem lembro o porquê, talvez por ciúmes bobos. Naquela época nós já... Sei lá, nos beijávamos às vezes, ainda estava tudo meio confuso. Laur ficou irritada quando viu umas garotas do último ano pedindo meu telefone.

"Nós discutimos e eu saí da festa. Eu já tinha bebido um pouco e tinha decidido voltar pra casa andando às duas da manhã, mas comecei a me sentir mal e coloquei tudo pra fora enquanto chorava. — ri da cena deprimente — Foi quando Victoria apareceu, de carro, e me ofereceu uma carona. Ela parecia realmente preocupada e sempre foi tão atenciosa comigo que eu pensei, porquê não?"

Edythe respirou fundo, mas eu não ousei olhar em seus olhos.

— Uns minutos depois ela começou com esse papo de que queria ser minha namorada. Eu achei legal e, sei lá, achava que poderia causar ciúmes na Lauren com isso. — dei de ombros — Só fui muito idiota mesmo. De qualquer forma, ela estacionou o carro numa rua qualquer e nós... Hm... Nós...

— Acho que já entendi. — Edythe me interrompeu. Apesar da voz rude, seu rosto parecia sofrer.

Praguejei mentalmente por ter que fazê-la passar por aquilo, mas eu não queria mentir. Não mais, não pra ela. Senti as lágrimas ameaçando escapar, mas eu não me permitiria chorar.

— Quanto tempo isso durou?

— Hã... Uns quatro ou cinco meses.

Engoli o bolo que se formava na minha garganta e olhei para a vampira que já não acariciava minhas mãos.

— Quem sabe disso?

— Minha mãe, os pais de Lauren... Minha mãe já namorava o Phil naquela época e ele disse que deveríamos denunciar, mas minha mãe convenceu ele de que seria melhor abafar tudo.

Edythe me encarou incrédula, seus olhos dourados borbulhando.

— Abafar?

— É, sabe, seria um escândalo. Além do mais, ela é professora e tal... — nunca entendi o que aquilo tinha haver, na verdade.

— Então essa... Essa vadia sem escrúpulos ficou impune? — assustei-me um pouco com sua raiva. Eu nunca havia visto ela xingar.

— Oh, bem, até onde eu sei. Minha mãe e Phil meio que amedrontaram ela o suficiente para ela pedir demissão e voltar pro Sul, de onde a família dela é. — dei de ombros.

A vampira permaneceu em silêncio por incontáveis minutos, os olhos ainda borbulhando.

— Por favor, não me odeie. — sussurrei.

Ela me olhou incrédula e confusa. — Porquê eu odiaria você?

— Porque a culpa é minha...? — eu meio afirmei, meio perguntei.

As lágrimas teimosas já desciam pelas minhas bochechas e Edythe me puxou para seu colo.  Deitei a cabeça em seu ombro enquanto ela circulava meu corpo com seus braços.

Me senti protegida. Me senti em casa.

— Shh, amor, tudo. Está tudo bem. A culpa não foi sua, você não tem culpa de nada. Olhe só, eu amo você mais do que tudo e prometo... Ninguém nunca mais vai machucar você.

Ela continuou me confortando, até que me mexi em seus braços.

Empurrei minha boca contra a dela, em desespero.

Eu amava aquela mulher, mais do que poderia imaginar. Eu queria ter mais corações para que pudesse entregar todos a ela, para pode tentar fazê-la ver a extensão do meu amor.

— Então você não me odeia? Não tem nojo de mim por isso? — eu perguntei, arfando, quando nossos lábios finalmente se separaram.

Ela negou, acariciando minha bochecha. — Eu amo você mais do que a minha própria existência. Vou dedicar cada respiração minha, cada pequeno ato à sua felicidade.

Ficamos em silêncio por mais alguns minutos até que ela alegou que precisávamos ir encontrar sua família — detalhe esse que eu nem me recordava mais.

Ela pulou pela minha janela enquanto eu me trocava para descer as escadas alguns minutos depois, bem no momento em que um motor nada familiar rugiu lá fora

 

Charlie, do sofá, me analisou por um segundo. — É ela?

— Talvez...

Depois de alguns segundos, a campainha tocou e ele deu um pulo. Corri ao redor dele e cheguei à porta primeiro.

— Dá para ser menos desesperada? — murmurou ele, baixinho.

Eu não tinha percebido como estava chovendo lá fora.

Edythe estava parada no halo de luz da varanda, parecendo uma modelo de anúncio de capas de chuva.

Ouvi Charlie inspirar de surpresa. Perguntei-me se ele já a tinha visto de perto. Era meio tenso. Mesmo quando se estava acostumado.

Fiquei olhando para ela, estupefata.

Ela riu.

— Posso entrar?

— Pode! Claro.

Depois de alguns segundos desajeitados, pendurei sua capa de chuva e fui com ela e Charlie me sentar na sala de estar. Ela estava na poltrona, então me sentei ao lado de Charlie no sofá.

— E então, Edythe, como estão seus pais?

— Muito bem, obrigada, chefe Swan.

— Pode me chamar de Charlie. Não estou de serviço.

— Obrigado, Charlie. — Ela exibiu as covinhas, e o rosto dele ficou atordoado.

Ele demorou um segundo para se recuperar.

— Então, hã, vocês vão jogar beisebol, hoje?

Não pareceu passar na cabeça de nenhum dos dois que os baldes e baldes de água que estavam caindo do céu no momento teriam algum impacto nos planos. Só mesmo em Washington.

— Sim. Espero que Bella não se importe de passar tempo demais com a minha família.

Charlie falou antes que eu pudesse responder.

— Eu diria que ela se importaria mais com a questão da água.

Os dois riram, e olhei de cara feia para o meu pai. Onde estava o bom comportamento que ele prometeu?

— Não devíamos ir? — sugeri.

— Não estamos com pressa — disse Edythe com um sorriso.

Eu cutuquei Charlie com o cotovelo. O sorriso de Edythe se abriu.

— Ah, hã, é — disse Charlie. — Podem ir, crianças. Tenho... um monte de coisas para...

Edythe se levantou em um movimento fluido.

— Foi ótimo ver você, Charlie.

— Sim. Venha nos visitar quando quiser, Edythe.

— Obrigada. Você é muito gentil.

Charlie passou a mão pelo cabelo, sem graça. Eu achava que nunca o tinha visto tão perturbado.

— Vocês vão voltar muito tarde?

Eu olhei para ela.

— Não, vamos ser razoáveis.

— Mas não espere acordado — acrescentei.

Entreguei a capa para ela e segurei a porta. Quando ela passou, Charlie me olhou com olhos arregalados. Dei de ombros e ergui as sobrancelhas. Eu também não sabia como tive tanta sorte.

Eu a segui para a varanda e parei.

Ali, atrás do Tracker, estava um Jeep monstruoso.

Seus pneus eram da altura da minha cintura. Havia grades de metal sobre os faróis e as lanternas traseiras, e quatro refletores grandes presos no para-choque. A capota rígida era vermelho-vivo.

Charlie soltou um assovio baixo.

— Coloquem o cinto.

Fui até o lado do motorista para abrir a porta para Edythe. Ela entrou com um pulinho eficiente, mas fiquei feliz de estarmos no lado mais distante de Charlie, porque não pareceu totalmente natural. Fui até o meu lado e subi desajeitadamente naquela coisa gigante. Ela já estava com o motor ligado, e reconheci o rugido que me surpreendeu antes.

Por hábito — ela não começaria a dirigir enquanto eu não colocasse o cinto —, estiquei o braço para o cinto de segurança.

— O que... er... o que é tudo isso? Como eu...?

— É um arnês de off-road — explicou ela.

— Ah.

Tentei encontrar os lugares certos para todas as fivelas, mas não estava sendo muito rápida De repente, as mãos dela estavam ali, voando em velocidade quase invisível, e sumiram de novo. Fiquei feliz que a chuva estivesse pesada demais para que Charlie enxergasse com clareza da varanda, porque isso significava que também não conseguia me ver com clareza.

— Er, obrigado.

— De nada.

Eu sabia que não devia perguntar se ela não colocaria o arnês dela.

Ela se afastou da casa.

— Mas é um... hã... Jeep bem grande o que você tem.

— É de Eleanor. Ela me emprestou para a gente não ter que correr o caminho todo.

— Onde vocês guardam essa coisa?

— Reformamos um dos anexos da casa e fizemos uma garagem.

De repente, a resposta anterior voltou à minha mente.

— Espere. Correr o caminho todo? Querendo dizer que ainda vamos ter que correr parte do caminho? — perguntei.

Ela repuxou os lábios como se estivesse tentando não sorrir.

— Você não vai correr.

Eu grunhi.

— Vou vomitar na frente da sua família.

— Mantenha os olhos fechados e vai ficar bem.

Balancei a cabeça, suspirei e estiquei a mão para segurar a dela.

— Oi, senti saudade.

Ela riu, um som agudo, não exatamente humano.

— Também senti, apesar de estarmos juntas minutos atrás. Não é estranho?

— Estranho por quê?

— Era de se pensar que eu teria aprendido a ser mais paciente nos últimos cem anos. E aqui estou, com dificuldade de passar um segundo sequer sem você.

— Que bom que não sou só eu.

Ela se inclinou para me dar um beijo beijo tímido, e depois recuou rapidamente e suspirou.

— Você cheira ainda melhor na chuva.

— De um jeito bom ou de um jeito ruim?

Ela franziu a testa.

— Sempre os dois.

Não sei como ela encontrou o caminho no temporal, pois parecia que havia uma cortina cinza líquida ao redor do Jeep, mas de algum modo achou uma estrada vicinal que era menos uma estrada e mais uma trilha montanhosa.

Foi impossível conversar por algum tempo, porque fiquei quicando no banco como uma britadeira. Mas ela parecia gostar da viagem, com um sorriso enorme o caminho todo.

E então, chegamos ao final da estrada; as árvores formavam muralhas verdes dos três lados do Jeep. A chuva era apenas um chuvisco, diminuindo a cada segundo, o céu mais claro através das nuvens.

— Desculpe, amor, temos que ir a pé a partir daqui.

— Sabe de uma coisa? Vou esperar por aqui mesmo.

— O que aconteceu com toda a sua coragem? Você foi extraordinária hoje de manhã e uns minutos atrás.

— Ainda não me esqueci da última vez. — Tinha sido mesmo só ontem?

De repente, ela estava do meu lado do carro e começou a me desafivelar.

— Eu cuido disso, pode ir em frente — protestei.

Ela terminou antes que eu terminasse de dizer as primeiras palavras.

Fiquei sentada no carro olhando para ela.

— Você não confia em mim? — perguntou, magoada, ou fingindo estar magoada, pensei.

— Essa não é a questão. Confiança e enjoo não têm relação nenhuma.

Ela me olhou por um minuto, e me senti bem idiota sentada ali no Jeep, mas só conseguia pensar no passeio de montanha-russa mais nauseante que já fiz.

— Lembra o que falei sobre a mente dominar a matéria? — perguntou ela.

— Lembro...

— E se você se concentrasse em outra coisa?

— Tipo o quê?

De repente, ela estava no Jeep comigo, um joelho no banco ao lado da minha perna. O rosto estava a centímetros do meu. Tive um leve ataque cardíaco.

— Continue respirando — disse ela.

— Como?

Ela sorriu, e seu rosto ficou sério de novo.

— Quando estivermos correndo, e essa parte não é negociável, quero que você se concentre nisso.

Lentamente, ela se aproximou e virou o rosto de lado para que ficássemos bochecha com bochecha, os lábios dela no meu ouvido. Uma das mãos deslizou pelo meu peito até minha cintura, evitando cuidadosamente os meus seios.

— Só se lembre da gente... Assim...

Os lábios dela puxaram o lóbulo da minha orelha de leve, depois se moveram lentamente pelo meu maxilar e pescoço onde ela deu uma lambida que me arrepiou por inteira.

— Respire, amor — murmurou ela.

Eu inspirei profundamente.

Ela beijou meu queixo, meu nariz, depois minha bochecha.

— Ainda preocupada?

— Hã?

Ela riu. As mãos estavam segurando meu rosto agora, e ela beijou de leve uma pálpebra e depois a outra.

— Edy... — sussurrei.

Os lábios dela pousaram nos meus, e não foram tão delicados e cautelosos quanto achei que seriam. Moveram-se com urgência, frios e firmes, e meus braços envolveram a cintura dela, tentando puxá-la para mais perto. Minha boca se moveu com a dela e fiquei ofegante, inspirando o aroma dela a cada lufada.

— Caramba, Bella!

E ela sumiu, deslizou com facilidade para fora do meu abraço, já a três metros e fora do carro quando pisquei e voltei à realidade.

— Desculpe — falei, arfando.

Ela olhou para mim com cautela, olhos tão arregalados que os braços apareciam ao redor do dourado. Eu meio que caí desajeitadamente para fora do carro, depois dei um passo na direção dela, ainda tonta.

— Acho que você vai ser a minha morte, Bella — disse ela, baixinho.

Eu fiquei paralisada.

— O quê?

Ela respirou fundo e apareceu do meu lado.

— Vamos sair daqui antes que eu faça uma grande besteira — murmurou ela.

Ela virou as costas para mim e olhou por cima do ombro com uma expressão de anda logo.

— Fique de olhos fechados — alertou ela, e saiu correndo.

Apertei bem os olhos, tentando não pensar na velocidade do vento que pressionava a pele sobre meu crânio. Fora esse sinal, era difícil acreditar que estávamos mesmo voando pela floresta como antes. O movimento do corpo dela era tão suave que eu acharia que ela estava andando por uma calçada com um gorila nas costas. A respiração dela ia e vinha regularmente.

Eu não tinha certeza de que tínhamos parado quando ela estendeu a mão para trás e tocou meu rosto.

— Acabou, Bella.

Abri os olhos e realmente estávamos paradas. Na minha pressa de sair de cima dela, perdi o equilíbrio. Ela se virou a tempo de me ver cair de bunda com os braços girando.

Por um segundo, ela ficou me olhando como se não tivesse certeza se ainda estava irritada demais para me achar engraçada, mas deve ter concluído que não estava irritada demais.

Ela caiu na gargalhada, com a cabeça virada para trás e os braços sobre a barriga.

Eu me levantei devagar e tirei a lama e as plantas da calça jeans o máximo que consegui enquanto ela continuava rindo.

Eu suspirei e saí andando na direção que mais se assemelhava a um caminho.

Alguma coisa segurou a parte do meu casaco, e eu sorri. Olhei por cima do ombro. Ela estava me segurando do mesmo jeito que me segurou em frente à enfermaria.

— Aonde você vai, amor?

— Não tinha um jogo de beisebol acontecendo?

— É para o outro lado.

Eu me virei.

— Tudo bem.

Ela segurou minha mão e saímos andando devagar na direção de uma área escura da floresta.

— Me desculpe por ter rido.

— Eu também teria rido de mim. — franzi a testa.

— Não, eu fiquei só um pouco... animada demais. Precisava da catarse.

Andamos em silêncio por alguns segundos.

— Ao menos me diga que deu certo, a experiência da mente domina a matéria.

— Bem... eu não fiquei enjoada.

— Ótimo, mas...?

— Eu não estava pensando sobre... dentro do carro. Estava pensando em depois.

Ela não disse nada.

— Sei que já pedi desculpas, mas... me desculpe. De novo. Vou aprender a me comportar melhor, se você quiser.

— Bella, pare. Por favor. Você me faz sentir mais culpa quando pede desculpas.

Eu olhei para ela. Nós duas tínhamos parado de andar.

— Por que você devia sentir culpa?

Ela riu de novo, mas dessa vez havia quase histeria na gargalhada.

— Ah, realmente! Por que eu devia sentir culpa?

A escuridão nos olhos dela me deixou ansiosa. Havia dor ali, e eu não sabia como ajudar. Coloquei a mão na bochecha dela.

— Querida, não entendo o que você está dizendo.

Ela fechou os olhos.

— Não consigo parar de botar você em perigo. Eu penso que estou me controlando, mas aí chegamos tão perto... Não sei como não ser mais isso. — De olhos ainda fechados, ela apontou para si mesma. — Minha própria existência te coloca em risco. Às vezes, eu me odeio verdadeiramente. Eu devia ser mais forte, devia ser capaz de resistir...

Coloquei a mão em sua boca.

— Pare.

Ela abriu os olhos. Afastou minha mão, mas a colocou na bochecha de novo.

— Eu te amo — disse ela. — É uma desculpa ruim para o que estou fazendo, mas ainda assim é verdadeira.

— Eu te amo — falei para ela quando recuperei o fôlego. — Não quero que você seja diferente do que é.

Ela suspirou.

— Agora, seja uma boa menina — eu disse, e me estiquei nas pontas dos pés.

Ela ficou parada enquanto eu roçava os lábios nos seus.

Ficamos nos olhando por um minuto.

— Beisebol? — perguntou ela.

— Beisebol — concordei, com bem mais confiança do que sentia.

 


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Notas finais do capítulo

Dúvidas?

TT: @pittymeequaliza