Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 9
VIII. Parece que não há Maana em ti.


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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Jamon cumpriu a sua promessa de não dizer mais nada, ignorando toda e qualquer pergunta que lhe fizesse, e eu não tardei em aborrecer-me. Sem nada para fazer para além de mirar as paredes e o humanoide do outro lado das grades, optei por me embrulhar no cobertor milagrosamente seco e deitar-me no catre. Não estava à espera de adormecer num sítio que me era tão estranho e com tanta coisa a preocupar-me, mas aconteceu. A verdade é que estava fisica e emocionalmente exausta.

Acordei sabe-se lá quanto tempo depois com o barulho de passos a aproximar-se, acompanhados pelo som ritmado de madeira a bater em pedra. Presumi que fosse a mulher-raposa, a tal Miiko, quem aí vinha mas não me dei ao trabalho de abrir os olhos para confirmar. Preferi fingir que continuava a dormir.

— Está tudo bem por aqui? — ouvi-a perguntar ao bater o seu cajado no chão uma última vez.

— Sim — confirmou Jamon — Ninguém aparecer. Humana dormir noite toda.

A noite toda?! Tanto quanto sabia, ainda era dia quando me deitara!

— Humana — repetiu Miiko com desdém — Isso é o que vamos ver… Acorda-a, Jamon.

O humanoide soltou um pequeno grunhido de aquiescência e não tardei a ouvir o som da tranca da porta a abrir-se. Era inútil continuar a fingir que dormia, por isso abri os olhos e tentei levantar-me. A dor que senti percorrer-me as pernas, todavia, rapidamente me fez desistir da ideia. Era ainda pior do que a dor que sentira antes!

— Não consigo mexer as pernas — murmurei quando Jamon chegou junto de mim — Dói tanto…

— Eduarda precisar levantar — defendeu ele.

— Eu não consigo… não consigo!

Jamon soltou um pequeno ronco arreliado, mas aproximou-se para me ajudar. Comecei a estender as mãos na sua direção, esperando que me fosse novamente oferecer apoio… mas ele pegou-me ao colo. Pegou-me mesmo ao colo.

— Q-qu’é que estás a fazer?! — perguntei, surpreendida.

— Jamon levar Eduarda.

— N-não tens de me levar, eu… eu…!

Jamon fixou-me, esperando que terminasse a frase, mas não havia nada que pudesse realmente dizer. Eu não conseguiria andar com aquelas dores, acabaria estatelada no chão ou a choramingar a cada passo que tentasse dar. Deixar-me ser carregada era de longe a opção menos embaraçosa e no entanto… sentia a minha dignidade minguar a cada segundo que passava naqueles enormes braços acastanhados.

— Eduarda? — chamou Jamon quando eu não continuei.

Soltei um pequeno suspiro derrotado e resmunguei:

— Tudo bem… podes levar-me.

Jamon acenou com a cabeça, soltando um novo grunhido de aquiescência, e levou-me para fora da cela, onde Miiko e o homem de cabelo loiro e negro nos esperavam. Ela, como sempre, olhava-me com desagrado. Ele, por outro lado, mantinha uma pequena ruga apreensiva entre as sobrancelhas.

— O que é que estás a fazer, Jamon? — perguntou Miiko ao ver-me nos braços do humanoide.

— Eduarda não conseguir andar. Jamon levar ela.

Miiko revirou levemente os olhos, como se a minha fraqueza a enfadasse, mas não fez qualquer comentário.

— Seja… Vamos é despachar o assunto.

Sem esperar uma reação da nossa parte, deu meia volta e encaminhou-se para a saída das masmorras. O homem de cabelo loiro e negro seguiu-a depois de me lançar mais um olhar apreensivo e Jamon e eu fomos atrás dele.

Agora que tudo estava mais calmo e não tinha de me preocupar com as dores nas pernas, pude prestar mais atenção ao espaço em meu redor. Não havia muito para observar enquanto subíamos as escadas, mas quando atravessámos a porta onde o vampiro me tinha apanhado, tive de me segurar para não arfar de espanto. A divisão estava cheia de humanoides a andar dum lado para outro, cada um mais estranho que o anterior. Havia pessoas com orelhas de coelho na cabeça, com folhas verdes em vez dos cabelos, com chifres na testa, com barbatanas nas orelhas… vi até uma mulher cuja parte inferior do corpo era uma serpente! Eram visões tão estranhas e perturbadoras que eu nem sequer prestei atenção à porta escancarada para o exterior por onde eles passavam. Preferi, em vez disso, voltar a minha atenção para o teto, onde o meu campo de visão estaria limpo daquelas aberrações, e tive novamente se me controlar para não arfar. O teto era alto, muito alto mesmo, suportado por quatro grossas colunas brancas. No interior do quadrado que estas formavam estava uma belíssima réplica em vidro do cristal azul e, no espaço livre em redor, fora pintado um magnífico fresco colorido que parecia retratar uma grande batalha. Não pude, infelizmente, prestar-lhe muita atenção porque logo fui transportada através duma outra porta, entrando no que parecia ser uma enfermaria. O general, o vampiro e o elfo de cabelos azuis já lá estavam, bem como a mulher pálida de cabelos brancos que vira tratar o braço do homem de cabelo loiro e negro.

— O que é que aconteceu? — perguntou ela quando me viu nos braços de Jamon.

— A humana não consegue andar — respondeu Miiko com um suspiro enfadado.

O elfo soltou um risinho escarninho.

— É tão inútil que nem andar consegue.

Eu lancei-lhe um olhar mortal, mas, antes de ter tempo de responder ao insulto, Miiko bateu o seu cajado no chão.

— Silêncio! — ordenou — Quero despachar este assunto o mais rapidamente possível! Eweleïn, começa.

A mulher pálida acenou levemente com a cabeça e apontou para uma cama próxima.

— Jamon, poisa-a aqui, por favor.

O humanoide soltou um pequeno grunhido e avançou para me poisar no sítio indicado, tendo o cuidado de me ajudar a recostar contra as almofadas empilhadas na cabeceira da cama. Eu murmurei-lhe um pequeno agradecimento e, enquanto ele se afastava, encarei as criaturas em meu redor.

— O que é que me vão fazer desta vez? — perguntei para ninguém em especial.

— Vamos abrir-te — disse o elfo com um sorriso empolgado — Para ver se encontramos algo nosso dentro de ti.

Eu senti-me empalidecer, o coração a palpitar no peito.

— Vocês acham que eu engoli alguma coisa?!

— Não é nada isso — negou a mulher pálida, aparentemente enfermeira, lançando um olhar muito reprovador ao elfo que ria baixinho — Vamos procurar vestígios de Maana no teu corpo, mas não precisamos de abrir-te para isso, fica descansada.

Descansada? Como poderia ficar descansada depois do que o elfo dissera?! O que raio era Maana? Como é que a iam procurar dentro de mim?!

— Só preciso que segures o conteúdo deste frasco — continuou a mulher pálida, mostrando-me um frasco igual ao do elixir da verdade — Se houver algum vestígio de Maana dentro de ti, por mais pequeno que seja, esta poção revelá-lo-á.

Eu lancei um olhar muito desconfiado ao frasco, mas não era como se pudesse recusar submeter-me aquele teste. Encurralada, acabei por acenar com a cabeça e estender a mão direita. A mulher pálida tirou a rolha do frasco e despejou cuidadosamente o líquido azulado na palma da minha mão. Deu depois um passo para trás e ficou, tal como os outros, a olhar fixamente para a minha mão.

Passaram-se três segundos. Seis. Doze. Eu desviei o olhar da minha mão para lançar um olhar interrogativo à enfermeira, que soltou um pequeno suspiro.

— Parece que não há Maana em ti. És humana.

— Não pode ser — recusou-se Miiko a acreditar — Algo não está bem, a poção não deve estar bem feita…

— Desculpa?! — perguntou o elfo, parecendo ofendido.

Miiko voltou-se para o encarar e, enquanto eles se envolviam numa discussão sobre a validade da poção, eu voltei a fixar o líquido azulado na minha mão. Estava feliz por a minha humanidade estar provada, mas, ao mesmo tempo, perguntava-me o que teria acontecido se o teste tivesse dado “positivo”. O que seria aquele Maana de que eles falavam…?

Fui desviada dos meus pensamentos por um ligeiro formigueiro na palma da minha mão. Lancei um olhar desconfiado ao líquido lá aninhado e franzi o sobrolho quando vi pequenas bolhas de ar estoirar na sua superfície. O que era aquilo?

— Hã… pessoal? — chamei, enquanto o borbulhar se intensificava e o formigueiro se transformava em pequenas picadas.

Ninguém me deu atenção, estando todos muito ocupados a tentar acalmar os ânimos da mulher-raposa e do elfo. No entretanto, as picadas foram-se tornando mais fortes e muito incomodativas.

— Pessoal! — chamei mais alto.

Eles voltaram as cabeças mesmo a tempo de ver a minha mão pegar fogo e ouvir-me gritar de dor.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 17/10/17]



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