Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 10
IX. O que é Maana?


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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— Isto arde! Arde! — gritei, sacudindo a mão para me tentar livrar das chamas na palma.

Fui imediatamente rodeada pelos presentes, a enfermeira segurando-me o pulso da mão em chamas enquanto o general agarrava o outro. Aos pés da cama, o elfo ria tão alto que quase abafava os meus gritos e as vozes que me tentavam tranquilizar:

— Tem calma, é perfeitamente normal…

— Vai desaparecer em instantes…

— A chama não magoa, repara…

— ESTÁ-ME A QUEIMAR! — berrei com quanta força tinha, contorcendo-me devido às dores.

— Eweleïn, afasta-te! — ordenou uma voz masculina.

A enfermeira, muito confusa, chegou-se para um lado sem soltar o meu pulso, permitindo ao homem de cabelo loiro e negro despejar apressadamente um jarro de água em cima da minha mão. A chama extinguiu-se de imediato e eu parei finalmente de gritar, apesar de a mão me doer horrores.

— Estás bem? — perguntou-me o homem de cabelo loiro e negro no meio do silêncio pasmado em que todos os outros estavam mergulhados.

Eu mal conseguia respirar devido ao susto, quanto mais responder-lhe. Limitei-me a fixá-lo, dedicando toda a minha atenção aos olhos verdes que me observavam para me impedir de olhar para a minha própria mão. Não queria ver em que estado se encontrava; pressentia que desataria aos gritos se o fizesse.

Quando não obteve resposta da minha parte, o homem de cabelo loiro e negro agarrou cuidadosamente o pulso que a enfermeira ainda não soltara e examinou rapidamente a minha mão.

— Precisamos de tratar isto… Eweleïn?

A enfermeira devolveu-lhe o olhar, meio aparvalhada.

— Consegues tratar a Eduarda?

— Eu… S-sim, claro, mas… — franziu o sobrolho com confusão — Não percebo como é que isto aconteceu. A chama não deveria queimá-la!

— Há algum registo de reações semelhantes? — perguntou Miiko.

— Não que eu saiba…

Miiko virou-se de frente para o elfo, lançando-lhe um olhar expetante e zangado. Não disse nada, mas também não foi preciso. O elfo revirou os olhos ao mesmo tempo que soltava um bufo arreliado e virou costas, abandonando a divisão. Quando a porta se fechou atrás dele, Miiko soltou um pequeno suspiro cansado.

— Eu vou verificar junto do Ezarel se a poção estava, de facto, corretamente preparada. No entretanto, Eweleïn, quero que examines a Eduarda para averiguar se a reação não foi provocada por ela e não por uma possível anomalia na poção — soltou um novo suspiro — Pelo menos de uma coisa temos a certeza: ela não é humana.

Eu fechei os olhos ao ouvir o que, aos meus ouvidos, soava como uma sentença de morte. Aquilo não podia estar a acontecer… Era mentira. Era um sonho. Uma alucinação. Aquilo não podia ser verdade!

— Nevra, Valkyon, Leiftan — chamou Miiko enquanto se dirigia para a saída — Venham até ao meu escritório, preciso de falar com vocês.

O vampiro e o general acenaram e seguiram-na sem hesitar. Jamon, apesar de não ter sido chamado, também foi. Apenas o homem de cabelo loiro e negro ficou, olhando-me com uma nova ruga apreensiva entre as sobrancelhas.

— Leiftan! — insistiu Miiko, já no exterior da sala.

Ele engoliu em seco, hesitando, mas acabou por soltar o meu pulso e dar rapidamente meia volta, saindo com passadas largas.

— Bem! — exclamou a enfermeira quando ficámos sozinhas — Vamos começar a tratar a tua mão, sim?

Eu limitei-me a um leve aceno e fiquei a vê-la recolher aquilo de que precisaria para me tratar. Dispôs tudo numa pequena mesa com rodinhas e depois sentou-se numa cadeira ao meu lado, puxando a mesa para ficar entre nós.

— Poisa a mão aqui, por favor — pediu-me, apontando para uma pequena toalha branca no centro da mesa.

Eu comecei por obedecer, mas, no entretanto, tive um vislumbre da minha própria mão que me fez voltar erguê-la e sustê-la diante do meu rosto.

Se não soubesse a causa daquele ferimento, jamais teria adivinhado que era uma queimadura. A primeira camada de pele da minha palma desaparecera quase completamente, deixando a derme exposta, mas esta não estava vermelha ou enegrecida, como seria de esperar naquele tipo de ferimento. Estava branca. Um branco tão brilhante que quase se tornava iridescente. Um discreto tom de azul coloria os limites da ferida e zonas apenas levemente chamuscadas, intensificando-se nas pontas de pele que se tinham soltado e encarquilhado devido ao calor.

— O que é isto? — perguntei à enfermeira, desconfiada e um pouquinho assustada.

— Não sei, mas pretendo descobrir. Dá cá a mão.

Estendi-lhe novamente a mão e ela poisou-a sobre a toalha. Puxou de seguida um círculo de vidro encaixado num pé articulado, semelhante a uma lupa de consultório, e examinou atentamente a minha mão através dele.

— A tua ferida apresenta todas as características duma queimadura em segundo grau, exceto pela cor. Assumir que isso se deve à cor da chama que te queimou parece-me uma explicação demasiado fácil e pouco plausível — pegou numa longa pinça metálica, com a qual segurou uma das pontas soltas de pele — Magoo-te?

— Não…

— Vou tirar uma amostra então — anunciou, trocando a pinça de mão e pegando numa tesoura cirúrgica — Não te mexas, por favor…

Eu tentei obedecer, mas foi impossível evitar um espasmo e um queixume quando ela deu um pequeno puxão na minha pele para a conseguir cortar.

— Desculpa — murmurou enquanto guardava o meu pedaço de pele num frasquinho — Vou agora tratar da tua mão, pode ser?

Fiz um aceno afirmativo com a cabeça e, enquanto a via trabalhar, reunia coragem para começar a falar.

— Quanto… quanto tempo demorará a sarar? — perguntei num tom baixo.

— Não mais de uma semana.

— Ficarei… com cicatrizes?

Ela abriu um pequeno sorriso tranquilizador sem desviar o olhar do que estava a fazer.

— Não, fica descansada.

Engoli nervosamente em seco antes de colocar a questão que mais me incomodava.

— Serei capaz de voltar a mexer a mão?

O sorriso dela alargou-se, como se a minha pergunta a divertisse.

— Claro que sim. A queimadura não foi assim tão grave, apesar do aspeto que tem.

Voltei a acenar com a cabeça e, um pouco mais tranquila, recostei-me contra as almofadas empilhadas nas minhas costas. Gostaria de ter simplesmente relaxado e recuperado dos sustos provocados por aquele teste, mas via-me impedida por todas as outras questões que me martelavam a cabeça.

Ponderar a mera hipótese de não ser humana parecia-me ridículo. Eu era uma rapariga completamente normal, não tinha nada que me distinguisse das pessoas da Terra da mesma forma que não tinha nada que me aproximasse das pessoas daquela realidade bizarra. É certo que os meus olhos eram dum estranho tom violeta que mais ninguém na família tinha… Os meus pais tinham-me até levado ao médico em bebé, temendo que fosse alguma deficiência visual… Acreditar, todavia, que isso me tornava em algo que não um ser humano era pura estupidez! O que haveriam então de ser pessoas com heterocromia? Ou os albinos? Era tudo uma questão de melanina! Não significava rigorosamente nada!

— Edarda?

Ergui rapidamente o olhar para a enfermeira, que observava atentamente o meu rosto enquanto segurava a minha mão enfaixada entre as suas.

— Eduarda — corrigi com um murmúrio — O meu nome é Eduarda.

— Eduarda, certo… Eu chamo-me Eweleïn.

Eu limitei-me a acenar com a cabeça.

— Sentes-te bem? — acrescentou Eweleïn.

— Sim, claro…

— Estavas tensa e com ar preocupado — hesitou — Não é difícil adivinhar porquê depois de tudo o que aconteceu, por isso só me resta perguntar-te se… queres falar sobre isso.

Trinquei nervosamente o lábio inferior enquanto ponderava a oferta. Fazer as perguntas seria fácil. Difícil seria lidar com as respostas. Viver naquela incerteza, porém, também não era uma opção. As dúvidas que o teste levantara quanto à minha identidade acabariam por me conduzir à loucura se eu continuasse a recusar-lhes uma resposta.

Inspirando um fôlego de coragem, voltei-me para Eweleïn.

— Qual é a probabilidade de o resultado do teste estar errado?

— Baixíssima. Foi o Ezarel quem preparou a poção e ele leva a alquimia muito a sério. Mesmo que tenha feito algo de errado, é inquestionável o facto de a poção ter reagido e de isso significar que tens Maana dentro de ti.

— O que é Maana?

— Ah, bem… — ela coçou nervosamente a ponta duma das suas longas orelhas — É um… fluxo de energia. O tipo de coisa que no teu mundo chamariam de “magia”.

— Tudo aquilo que tem Maana é… “mágico”?

— Sim. Só os faeries conseguem absorver e canalizar Maana. É justamente isso que nos separa dos humanos.

— Não é possível um humano absorver Maana?

— Não. Os seus corpos repelem-na com a mesma naturalidade com que nós a absorvemos.

— Não há uma exceção à regra? — tentei uma última vez.

Eweleïn negou com a cabeça.

— O mais próximo que existe dum humano com Maana são os faelien — acrescentou — São híbridos de faery e humano.

— Como vou saber se é esse o meu caso?

— Sem informações sobre os teus ascendentes, é difícil descobrir, mas tendo em conta a demora da poção em reagir à tua Maana e a tua aparência humana… acho que podemos dizer com relativa segurança que és uma faeliena.

Acenei levemente com a cabeça, aceitando aquela explicação apesar de todas as questões que esta levantava quanto à minha família. Seriam também os meus pais parte “mágicos”? Ou…?

— Não fazem teste de ADN aqui? — perguntei num murmúrio.

Eweleïn franziu levemente o sobrolho, confusa.

— O que é isso?

— Um teste ao sangue — expliquei de forma sucinta, encolhendo levemente os ombros. Não valia a pena explicar-lhe se ela não o pudesse fazer…

— Ah, não, não fazemos isso — admitiu ela — A única coisa que podemos fazer é examinar-te para tentar encontrar características de outras raças. Características físicas, digo.

Voltei a encolher os ombros.

— Não tenho nada de estranho em mim… tirando a cor dos meus olhos.

— Já tinha reparado — revelou Eweleïn — Olhos violeta são raros em humanos, não é verdade?

Eu apenas consegui acenar com a cabeça, demasiado desanimada com o rumo que aquela conversa estava a tomar. Eweleïn deve tê-lo notado porque poisou uma mão consoladora no meu ombro.

— Vou pedir a uma amiga minha para fazer uma pesquisa sobre raças de olhos violeta. Talvez se torne mais fácil lidar com a situação quando tiveres todas as respostas.

Duvidava um pouco de que assim fosse, mas voltei a acenar com a cabeça para a tranquilizar.

— Mudando de assunto! — anunciou Eweleïn num tom alegre enquanto se levantava — Explica-me lá: porque é que o Jamon teve de te trazer no colo?


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 24/10/17]



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