Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 43
XLII. Ti... ti... titã!


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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Não me lembro de alguma vez me ter sentido tão nervosa e ansiosa como na tarde daquele dia. A conversa com Rubih corria ininterruptamente na minha mente e eu dava por mim a questionar as minhas intervenções a cada nova repetição. Tinha vezes que achava que estava a fazer o que era melhor para mim, tinha vezes que me arrependia de me ter deixado levar e tinha até vezes que me perguntava se não deveria ter simplesmente aceitado a oferta e seguido Rubih até ao titã. Não, não, não… Definitivamente, eu tomara a decisão certa. Não dar uma resposta definitiva dar-me-ia tempo para pensar melhor… mas isso só estava a deixar-me ainda mais confusa! O que faria? O que faria…?

— Eduarda? Estás bem? — perguntou-me Adonis enquanto caminhava ao meu lado.

— Hum? — só nesse momento notei que levara o cordão da blusa à boca e estava a roê-lo como se a minha vida dependesse disso. Cuspiu-o apressadamente — E-estou bem, sim… Ótima.

— Pareces preocupada…

— Não, não… Estou bem.

— E tu, Lee? — acrescentou o centauro na direção do elfo que caminhava a poucos passos de distância.

— Hum? — Lee afastou a mão da boca, revelando as unhas roídas — O que foi?

— Estás bem? — inquiriu Adonis.

— Sim, claro. Porque perguntas?

— Estás a trucidar as tuas unhas — fi-lo ver, indicando a sua mão com um gesto do queixo.

— Estás pálido — acrescentou Adonis.

— N-não estou nada! — Lee negou, mas voltou a submeter as suas unhas à tortura dos dentes.

— Para de roer as unhas! — ralhei, incomodada com aquilo. Eu gostava bastante das minhas unhas e não conseguia ver outras pessoas descuidar as suas daquela forma — O que é que se passa?

— Nada…

— Não mintas. Eu nunca te vi roer as unhas antes e é óbvio que há algo a incomodar-te. O que é?

Lee soltou um pequeno suspiro, mas tirou a mão da boca, escondendo-a no bolso das calças.

— Eu só… eu conheço este sítio…

— E daí?

— Daí, ficaria muito mais feliz se pudesse evitar passar por aqui.

— Não foste tu que planeaste o itinerário? — perguntei, confusa.

— Fui, mas o Nevra não aceitou o meu plano para contornar a cidade…

— Nós vamos para uma cidade? — inquiriu Adonis, curioso.

Lee assentiu.

— Estamos a caminho de Ryss.

— Ryss? — repeti — Isso não é uma das Cinco Grandes Cidades?

Lee voltou a assentir.

— As Grandes Cidade não são aquelas que guardam os cristais?

— Sim.

— Então… há um cristal em Ryss?!

— Sim…

— Isso não é perigoso? — perguntei, preocupada — Quero dizer… temos um titã atrás de nós! Não vamos colocar o cristal de Ryss em perigo?!

— Foi o que eu disse ao Nevra! — concordou Lee, irritado — Disse-lhe que passar por Ryss com um titã nos nossos calcanhares era uma péssima ideia, mas ele não me quis ouvir!

— Nós precisamos de passar por Ryss — afiançou o vampiro, surgindo subitamente do outro lado do elfo. Lee guinchou de susto e saltou para cima de mim, abraçando-se aos meus ombros.

— Precisamos? Porquê? — perguntei num tom rude e seco. Lee soltou-me depois de resmungar uma praga ao vampiro.

— Estamos curtos em poções e outros materiais medicinais. O tipo de coisa que só conseguimos comprar numa cidade. Seria bom também comprar mais alguma comida de conserva; a comida que os brownies nos deram estraga-se facilmente. E, o mais importante, há uma pequena hipótese de encontrarmos o segundo ingrediente da poção no mercado da cidade, embora eu não tenha essa esperança… No entanto, se tivermos sorte e encontrarmos o ingrediente, poderemos poupar muito tempo de viagem… e concentrarmo-nos mais no nosso outro propósito.

Nevra fixou o seu olhar no meu ao falar no “outro propósito” e eu senti um calafrio percorrer-me. Não estava a gostar nada daquilo…

— Quanto tempo vamos ficar em Ryss? — perguntou Lee, afastando o meu mau pressentimento — Só o “estritamente necessário”, como nos outros sítios? Ou…?

— Vamos dormir duas noites no quartel-general de Ryss. Seria rude se três chefes de Guarda e o emissário da Guarda Reluzente de Eel viessem a Ryss e não prestassem os devidos cumprimentos ao Sacerdote. Além disso, todos nós merecemos uma pausa e devemos fazê-la num sítio seguro, neste caso, Ryss.

— A-ah — fez Lee, engolindo nervosamente em seco — Nós vamos para o quartel…

— Sim. Há algum problema?

— N-não…

— Ele está a mentir — avisou a voz de Lithiel algures atrás de nós.

— Já estiveste em Ryss, Lee? — perguntou Nevra.

— Já…

— Não gostaste?

— N-não, nem por isso…

— Porquê?

Lee levou a mão à boca, pronto para recomeçar a roer as unhas, mas um uivo distante chamou a nossa atenção. O grupo imobilizou-se e olhámos todos para trás, para o caminho que já tínhamos percorrido.

— É o Chrome? — perguntou Ezarel, colocando-se ao lado de Nevra com Valkyon logo atrás.

— Parece que sim…

Ouvimos um novo uivo e, segundos depois, uma grande figura peluda surgiu lá ao fundo, correndo nas quatro patas na nossa direção. Valkyon levou a mão ao cabo do seu machado e Lithiel puxou uma pequena adaga.

A figura peluda aproximou-se e eu escondi-me parcialmente atrás de Lee quando vi o seu focinho apavorante. Parecia um lobo, mas as suas presas e orelhas eram mais longas e pontiagudas do que seria de esperar. O corpo coberto de pelo negro tinha uma estranha forma humanoide, como se fosse a fusão perfeita entre um lobo e um ser humano. O resultado era, ainda assim, visualmente grotesco.

Nevra avançou ao encontro do lobisomem e eu tive de segurar um grito alarmado quando a criatura se ergueu nas patas traseiras. Julguei que ia lançar-se ao vampiro e arrancar-lhe a cabeça com uma chapada das mãos munidas com garras poderosas… mas só as poisou nos ombros de Nevra. O vampiro cambaleou ligeiramente ao absorver o peso da criatura.

— Chrome? Chrome, o que é que se passa? — perguntou o vampiro, agarrando o pelo negro sobre as costelas do lobo que arfava aflitivamente — Fala, Chrome!

— Ti… — conseguiu o lobo pronunciar com uma voz cavernosa, muito diferente da voz do rapazinho que eu conhecia. Aquele bicho horrendo era mesmo Chrome?

— Ti…? — insistiu o vampiro.

— Ti… ti… titã! — conseguiu ele finalmente pronunciar por entre arquejos.

Os membros do grupo endireitaram-se. Eu senti o meu coração gelar no peito. O titã… viera buscar-me?!

— Onde? — perguntou Nevra, num tom baixo, mas urgente.

— A… a… atrás de mim! Eu… quase morri com o susto! Va… vamos embora! Não quero… ficar aqui!

— Vamos — concordou o vampiro, soltando-se das mãos de Chrome — Adonis, pega na Eduarda e vai à frente. Se virem o Leiftan, avisem-no!

— Não vamos lutar? — perguntou Lithiel enquanto eu inquiria, desconfiada:

— E vocês?

— Não, não vamos lutar, não temos condições para isso — disse o vampiro antes de se virar para mim — Nós vamos atrás de vocês só para prevenir. Agora, vai!

— V-vamos, Eduarda — pediu Adonis, estendendo-me a mão.

Eu lancei mais um olhar desconfiado a Nevra, mas o vampiro continuou a mandar-me subir para o dorso do centauro e não tive outra opção senão obedecer. Adonis partiu a galope assim que me sentiu segura e eu mirei o resto do grupo por cima do ombro até os perder de vista. A última coisa que vi foi o momento em que eles começaram a correr atrás de nós.

Não encontrámos Leiftan pelo caminho, por isso, não parámos. Adonis galopou durante o que pareceram horas até o contorno de uma cidade surgir lá ao longe. Forcei Adonis a abrandar, desci do seu dorso e fiz o resto do caminho a pé, vigiando o centauro pelo canto do olho. Ele estava muito cansado e temi que se sentisse mal.

— Já estou melhor — disse o centauro ao terminar de beber a água do seu odre — Podes subir outra vez…

— Nem penses, consigo ver as tuas pernas a tremer.

— N-não estão nada a tremer! — negou Adonis, corado e com ar ofendido.

— Estão, sim — insisti, rindo — Não te preocupes comigo, Adonis… Nós afastámo-nos bastante, o titã não nos conseguirá alcançar.

— Achas… achas que os outros estão bem? — perguntou o rapazinho, preocupado.

— Claro! — confirmei, tentando transmitir mais segurança do que aquela que realmente sentia — Não te preocupes…

— Nós devíamos apressar-nos — disse Adonis, cada vez mais agitado — Podemos pedir reforços quando chegarmos à cidade e…

— Adonis, calma… Tu não estás em condições de correr, vais acabar por te matar a ti mesmo. Se realmente os queres ajudar, tens de chegar vivo à cidade. Além disso, eu não acho que os outros estão em apuros. Lembras-te do que o Nevra disse? Eles não vão lutar. Eles estão a fugir do titã, tal como nós, simplesmente mandaram-nos vir na frente. Estarão aqui connosco não tarda nada, vais ver…

— Achas?

— Acho.

Adonis acenou com a cabeça, decidindo acreditar em mim, e ensaiou um pequeno sorriso.

— E-eu corri bastante e meti uma distância considerável entre nós… Talvez eles demorem um pouco mais a chegar… Terão de correr muito para nos alcançar!

Soltei uma pequena gargalhada e um silêncio confortável instalou-se entre nós.

— Hã… Eduarda? — chamou Adonis ao fim de alguns minutos.

— Sim?

— S-será que podemos… falar sobre… aquilo?

Entendi de imediato a que “aquilo” ele se referia e senti um arrepiozinho descer-me pela espinha. Era uma péssima altura para falar sobre aquilo, mas… haveria sequer uma boa altura?

— O que queres saber, exatamente? — perguntei, recusando-me a erguer os olhos do chão.

— Eu… eu quero entender o que o Leiftan quis dizer sobre… não se importar de partilhar e… sobre precisares de ajuda…

— Bem, acho que a primeira parte é bastante fácil de entender — disse com um suspiro — O Leiftan não se importa que eu esteja com outra pessoa.

— Mas… porquê? Ele disse que era egoísta e não queria partilhar-te com ninguém, mas tinha de fazê-lo porque precisas de ajuda… Como assim? Que tipo de ajuda?

Soltei mais um suspiro.

— É difícil explicar… e há coisas que eu nem sequer te posso contar…

— Porque não? Podes confiar em mim — garantiu rapidamente o rapazinho.

— Eu sei, Adonis — assegurei com um sorriso — Não é essa a questão…

— Qual é, então?

— São segredos…

— Ah… Entendo…

Ficámos em silêncio por alguns instantes até eu inspirar um fôlego de coragem.

— Basicamente — comecei a explicar —, o Leiftan está a ajudar-me a reunir Maana.

— Eu ouvi essa parte — murmurou Adonis — Ele disse que precisavas de Maana para reconstruir a tua casca humana…

— Isso já começa a entrar nos segredos — cortei rapidamente — O que tens de saber é que… eu recebo a Maana do Leiftan através de beijos. E é por isso que estamos a namorar, se é que podemos chamar-lhe assim.

— Vocês… não gostam um do outro? — admirou-se o centauro.

— Não. Quero dizer, nós gostamos como amigos, damo-nos bem, mas não sentimos amor um pelo outro.

— Mas… sentes amor por alguém?

— Não.

— Ah — murmurou Adonis, com ar muito triste — Pois…

Quis esbofetear-me a mim mesma quando me dei conta do que fizera. Ninguém merecia receber uma facada no coração com tamanha frieza, muito menos o Adonis! Pobrezinho! Antes de me conseguir conter, peguei-lhe na mão.

— O-o amor não nasce da mesma maneira para toda a gente, sabes? Há pessoas que são fulminadas por ele ao ver a sua alma gémea… e há outras que precisam de o construir aos poucos. Eu acho que sou o segundo caso — soltei um risinho nervoso — Sou também meio despassarada com os meus próprios sentimentos e tem vezes que só percebo o que sinto quando já é tarde demais. Por isso… não fiques triste por eu ser uma lesma nos assuntos do coração… okay?

Adonis fixou-me com os olhos arregalados de surpresa, mas acabou por abrir um sorriso luminoso. Devolveu o aperto na minha mão… e eu quis esbofetear-me outra vez. O que é que eu estava a fazer?! O coração de Adonis não era um ioiô! Maldita fosse eu e a minha grande boca! Eu não admitira já a mim mesma que gostava do Nevra? Era certo que estava possessa com o que ele fizera, mas…

— O Leiftan disse que eu também te podia ajudar, não foi? — perguntou Adonis num tom casual, arrancando-me dos meus pensamentos.

— Hum? Ah, sim, ele disse… Espera, quê? — alarmei-me quando percebi o rumo que a conversa estava a tomar. Adonis dirigiu-me um lindo sorriso de menino, com as bochechas ligeiramente coradas.

— Eu posso ajudar-te — repetiu — Eu… quero ajudar-te.

Quê?! — guinchei sem voz.

— Não queres a minha ajuda?

— N-não é… E-eu não… — gaguejei, atrapalhada, até conseguir dizer — Eu não quero correr o risco de magoar-te com esta história, Adonis. Ajudar-me com beijos pode conduzir a todo o tipo de mal-entendidos. O Leiftan e o Nevra “concordaram” em partilhar-me e, mesmo assim, quase se pegaram à porrada…

— O Nevra? — admirou-se o pequeno — T-tu também… b-beijaste o Nevra?!

— M-mais ou menos…

— O Nevra e o Leiftan estão a competir por ti?

— Parece que sim…

— Também quero!

— O-o quê? — perguntei, cilindrada.

— Eu também quero participar na competição! — exigiu o pequeno — Tenho os mesmos direitos que eles! Talvez não tenha as mesmas probabilidades, mas…

— Endoideceste?!

— Não, estou perfeitamente lúcido!

— Eu não quero enredar-te nesta história, Adonis! Não vou arriscar magoar-te!

— Não queres magoar-me ou isso é um subterfúgio para esconder o facto de não gostares o suficiente de mim?

— Não digas disparates, sabes bem que te adoro…!

— E eu amo-te, Eduarda! — revelou o rapazinho, exaltado e corado — Eu amo-te…

Quedei-me parada no meio do caminho, mirando Adonis com os olhos esbugalhados e o queixo caído. O centauro parou ao meu lado, baixando o rosto para esconder o seu rubor e colocar uma cortina de cabelo entre nós, mas não soltou a minha mão. Ficámos em silêncio por vários instantes até Adonis recomeçar a falar:

— Sei que jamais terei uma oportunidade de… f-ficar contigo. Quero dizer, tu és uma faeliena vinda da Terra… e estás a fazer esta viagem para poderes voltar para lá — soltou um risinho nervoso — A minha aparência provavelmente também te assusta… Tenho olhos de cores diferentes, quatro patas e uma cauda peluda… É estranho, n-não é? O Leiftan e o Nevra devem ser muito mais atraentes do que eu aos teus olhos. Eu sei de tudo isso… logo, sei que nunca iremos ficar juntos! Ainda assim… gostaria de ficar ao teu lado tanto quanto puder. Não quero ter quaisquer arrependimentos na hora de me despedir de ti. Quero dizer-te adeus sabendo que… sabendo que fiz tudo o que podia para viver contigo todos os bons momentos que me eram permitidos…

Eu não precisava de ver o rosto de Adonis para saber que ele tinha os olhos cheios de lágrimas. A sua voz acusava o choro e o suave tremor da mão entrelaçada na minha revelava o esforço para o segurar. Eu também senti os meus olhos humedecer, tocada pelas suas palavras tão sentidas. Sem me conseguir segurar, envolvi-o com os meus braços.

— És demasiado bom para ser real, Adonis — murmurei contra o seu estômago.

— N-não sou nada…

— És, sim… A rapariga que namorar contigo será uma grande sortuda.

— Eu quero que essa rapariga sejas tu… mesmo que seja por pouco tempo…

Ergui o olhar para o fixar.

— Não posso fazer isso contigo, Adonis. Seria desumano…

Adonis levou hesitantemente a mão ao meu rosto, acariciando-o com o nó dos dedos.

— Eu não me importo…

— Eu importo! Nós não estamos a falar somente de uma relação com prazo de validade… estamos a falar de uma relação que envolve mais pessoas do que nós os dois! Como te irás sentir ao ver-me com outro homem?

Adonis fez um pequeno sorriso amargo.

— Não será pior do que quando te vi com o Leiftan pela primeira vez… Eu já estou a sofrer, Eduarda. Não pode ficar pior do que isto. Se nós… n-namorarmos como namoras com o Leiftan e com o Nevra… não me sentirei pior do que já sinto. Pelo contrário, acho que me sentirei… compensado. Será mais fácil ver-te com eles também, porque… nessa altura saberei que posso ter o mesmo… n-não é?

Eu trinquei nervosamente o lábio inferior, encarando os seus olhos desiguais. O castanho avermelhado do lado direito e o verde do lado esquerdo. Apesar das diferenças de cor, ambos brilhavam da mesma forma ao devolver-me o olhar. Ambos transmitiam o mesmo calor e ternura…

— Tens a certeza? — murmurei, insegura — Adonis, eu não vou perdoar-me se…

O rapazinho calou-me ao poisar um dedo nos meus lábios.

— Eu sei no que me estou a meter — asseverou — Eu… só quero estar contigo. O resto… não importa.

Senti as lágrimas subir-me aos olhos e desejei poder corresponder os sentimentos de Adonis. Desejei mesmo, mas… não era assim tão simples…

— Eduarda? — chamou o centauro, hesitante e ligeiramente corado, tocando-me no lábio inferior com o polegar — Posso…?

Soltando um pequeno suspiro trémulo, assenti. Adonis abriu um sorriso de orelha a orelha e ajoelhou-se no chão para nos colocar ao mesmo nível. Ou quase… Na verdade, ficou alguns centímetros mais baixo do que eu. Envolvi o rosto de Adonis com as mãos e baixei a cabeça… mas só rocei as pontas dos nossos narizes. Mesmo assim, o centauro soltou um arquejo ansioso e abraçou a minha cintura, puxando-me para mais perto. Eu conseguia senti-lo tremer e, por alguma razão, o seu nervosismo divertiu-me. Fi-lo sofrer um bocadinho, beijando a ponta do seu nariz e os cantos da sua boca antes de realmente poisar os meus lábios nos seus.

Adonis soltou um novo arquejo e os seus lábios tremeram contra os meus ao retribuir a carícia. Era tão inseguro… mas tão terno. Seria o seu primeiro beijo? Provavelmente… Eu conseguia sentir a sua ingenuidade, a inexperiência… mas também a vontade de aprender.

Fora eu quem iniciara o beijo, mas foi Adonis quem o guiou. Ele foi beliscando carinhosamente os meus lábios com os seus, tateando, estudando, até se afastar e me olhar com as bochechas coradas e os olhos iluminados por um lindo sorriso.

— Desculpa, não sou muito bom com estas coisas — murmurou, coçando a nuca.

— Eu gostei!

— A sério? — animou-se o rapaz com o sorriso a alargar-se desmesuradamente.

Confirmei com um aceno e Adonis soltou um risinho divertido antes de se levantar.

— Bem, eu gostaria de passar o resto do dia com a minha boca colada na tua, mas temos um longo caminho a percorrer — disse ele, passando por mim com um trote animado muito semelhante a dressage — Podes subir para o meu dorso, sinto-me… revigorado! Vamos? — convidou, estendendo-me a mão.

Eu soltei um risinho e aceitei a sua mão, trepando para o seu dorso. Adonis puxou-me pelos pulsos para me dar um beijo desajeitado por cima do ombro e depois desatou a galopar.

A cidade que viramos antes, e que assumia ser Ryss, situava-se no topo de uma colina, mas Adonis subiu-a sem muitas dificuldades, levando-me consigo. Estávamos quase a chegar à muralha da cidade quando um uivo estridente nos fez olhar para trás. Vimos, lá ao longe, o resto do grupo emergir da floresta que abandonáramos há alguns minutos. Várias mãos se ergueram para nos acenar, mas a distância não me permitia distinguir com certeza a quem estas pertenciam. Consegui, no entanto, contar as cabeças.

— Estão lá todos — constatei, aliviada.

— E nenhum parece ferido — acrescentou Adonis — Esperamos por eles?

— É melhor…

Desci do dorso de Adonis e entretemo-nos com uma conversa amena e risonha até os outros nos alcançarem.

— Vocês estão bem? — perguntou-nos Nevra assim que chegou.

— Ótimos, Mestre Nevra — disse Adonis.

— Vamos entrar — apressou-nos Leiftan — O titã parece ter desistido, mas ainda não é seguro ficar fora da cidade. Será noite em breve…

— Temos de avisar o Sacerdote — disse Valkyon.

— Sim, temos — concordou Nevra — Vamos entrar.

A cidade de Ryss era muito semelhante à de Eel. Os edifícios eram diferentes, mas as zonas chave da cidade encontravam-se mais ou menos no mesmo lugar. O edifício alto que assumi ser o quartel-general de Ryss era quase igual ao de Eel, mesmo no interior. O átrio era espaçoso, mas muito movimentado. As portas para o refeitório já estavam abertas e, para minha surpresa, as portas para a sala do trono também. Conseguia ver uma pequena multidão de faeries no interior, ajoelhados no chão e com a cabeça ligeiramente curvada, como se estivessem a rezar.

— Estão a Honrar o cristal — explicou-me Adonis ao ver o olhar curioso que eu lançava à sala.

— Ah, é verdade, tu nunca viste uma cerimónia de Honra ao cristal, pois não, Eduarda? — disse Nevra — Gostarias de entrar?

— E-eu não sei se… — Leiftan começou a dizer, inquieto, mas Ezarel interrompeu-o:

— Se estão a Honrar o cristal, o Sacerdote deve estar lá dentro. Devíamos entrar e avisá-lo do… — o elfo hesitou ao ver a quantidade de pessoas em nosso redor — Vocês sabem…

— Vamos entrar — decidiu Nevra — Anda, Eduarda…

O vampiro estendeu-me a mão e eu troquei um breve olhar apavorado com Leiftan. Nevra iria levar-me ao cristal? Isso não seria perigoso? Não me faria querer consumi-lo? Bem não me faria, avaliando pela expressão de Leiftan!

— E-eu dispenso entrar — disse Lee de súbito, erguendo as mãos — Prefiro ir jantar…

— N-na verdade, eu também estou com imensa fome — comecei a dizer, agradecendo mentalmente ao elfo pela deixa — Posso ver as Honras noutra altura…

— Não, não, não — negou Nevra, agarrando-me pelo pulso e começando a arrastar-me para a sala do trono — Tens de ver, é lindo… e não demora muito tempo. Anda…

Senti o meu coração estremecer no peito e tentei puxar a minha mão da sua, mas Nevra não me soltou. Arrastou-me para o interior da sala e os meus olhos foram automaticamente atraídos para o estrado com o cadeirão. Um homem estava lá sentado, segurando um cajado de madeira igual ao de Miiko, mas o seu tinha uma gaiola redonda na ponta. E dentro da gaiola estava uma bonita chama verde. Uma chama verde que prendeu o meu olhar como um íman.

— Vês a Chama? — perguntou Nevra, baixinho — É o Espírito do cristal…

Espírito? Isso explicava a estranha sensação de que a chama me estava a devolver o olhar! Sentia a minha cabeça gelar lentamente, como se estivessem a injetar-me gelo por baixo do couro cabelo. Não era agradável, muito pelo contrário. O meu estômago revolveu-se e a náusea subiu-me pela garganta, sufocando-me. Um calafrio percorreu-me, as minhas palmas começaram a suar e depois… a dor explodiu na minha cabeça, acompanhada de uma voz feminina e desconfiada:

“Quem és tu?”


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 10/6/18]



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