Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 44
XLIII. Sou um monstro...


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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“Não o ouças!”

A exigência autoritária assustou-me tanto que me sentei com um pulo. O movimento repentino fez a minha cabeça doer como se ma tivessem aberto com uma machadada e o meu estômago revirou-se. Rebolei para o lado, caindo da cama, e vomitei violentamente no chão. As contrações do meu esófago duraram alguns instantes, mas não tardei a sentar-me sobre os calcanhares e a olhar em volta, confusa. A última coisa de que me lembrava era de ter entrado na sala do trono, arrastada por Nevra. O resto era uma confusão de cor verde e uma voz feminina a perguntar-me quem era. A mesma voz que acabara de me acordara. Uma voz muito parecida com aquela que me arrancava ao sono em Eel, embora diferente…

Agora, estava num quarto desconhecido, iluminado pelo luar que entrava pela janela. A luz incidia sobretudo numa pequena mesa redonda com um tabuleiro com comida simples: uma sanduíche, uma fatia de bolo, duas peças de fruta e um copo de água. Presumi que era para mim, mas o meu estômago não estava em condições de aceitar fosse o que fosse. Eu não sabia se estava sequer em condições de mexer-me; tinha um peso estranho nas costas e sentia-me como se tivesse os músculos presos, não exatamente como uma cãibra, mas parecido. Levei a mão às costas, tentando massajá-las… e encontrei o volume da asa lutando contra as ligaduras que a seguravam junto ao meu tronco. A asa voltara a crescer e estava presa numa posição pouco confortável…

Soltei um suspiro trémulo e comecei a desapertar a blusa, mas um movimento na cama atrás de mim fez-me estacar. Virei-me, sobressaltada, e encontrei um Nevra em tronco nu a revirar-se entre os lençóis. Soltou um murmúrio, mas continuou a dormir. O que é que ele estava a fazer ali?!

Um suave brilho vermelho acendeu-se atrás de mim e dei meia volta mesmo a tempo de ver Rubih atravessar a janela. Literalmente, ela atravessou o vidro e entrou no quarto como um autêntico fantasma.

— Rubih? O que fazes aqui? — perguntei com um sussurro surpreendido, levantando-me do chão.

Rubih fez um “shh!” aflito, estendendo um dedo na frente dos lábios. Nevra voltou a mexer-se na cama.

— Por favor, Ama, ficai em silêncio — pediu a menina num tom baixo — Ireis acordar o vampiro…

Atendi ao seu pedido, mas desenhei as palavras “e tu?” com os lábios.

— Os faeries não conseguem ver-me ou ouvir-me, Ama, não tendes de vos preocupar — ergui uma sobrancelha admirada, mas decidi fazer as perguntas mais tarde — Eu vim entregar-vos mais uma mensagem do Amo Ashkore, Ama. Ele concordou em levar-vos para a Terra, mas tendes de fazer algo pelo meu Amo antes… Concedei-lhe um pequeno favor e o Amo Ashkore devolver-vos-á à Terra hoje mesmo.

O meu coração apertou-se, mas nem sei se foi de felicidade… ou de angústia. Eu queria voltar para a Terra, claro que queria, mas ao mesmo tempo… ao mesmo tempo, fizera tantos amigos ali, vivera tantas aventuras, sentira tantas emoções… Era difícil dizer adeus a tudo isso. Havia tanta coisa que queria fazer antes de ir, tanta coisa que queria descobrir. Aquela promessa de regresso era demasiado súbita, demasiado repentina… Era ridículo, mas eu não estava preparada para deixar Eldarya! Era muito inesperado… e também muito suspeito!

Fiz um gesto a Rubih para me seguir e encaminhei-me para a porta do quarto. No entanto, parei ao passar diante do espelho.

— Ama?

Ignorei o chamamento de Rubih, continuando a fixar o meu reflexo com os olhos arregalados de pavor. Uma grossa linha azul cruzava o lado direito do meu rosto, indo do canto do meu olho até à linha do maxilar, alastrando-se pelo queixo e para o couro cabeludo. A pele em redor do curativo no meu pescoço estava na mesma situação. Sobre o meu ombro, o osso da asa escapara-se através da gola da minha camisa e brilhava atrás da minha orelha, coberto de penugem.

— A vossa transformação está quase completa, Ama — notou Rubih — Sois linda…

— Sou um monstro…

— Disparate…!

— Eduarda? — tartamudeou Nevra, sonolento.

— Camuflagem! — guinchou Rubih — Agora!

Não precisei que ela mo dissesse duas vezes. Fechei os olhos e desejei com toda a minha força ser invisível. Ouvi um movimento brusco e arrisquei abrir os olhos, encontrando Nevra sentado na cama, esfregando o olho esquerdo sobre a pala enquanto olhava rapidamente em volta.

— Eduarda? — chamou num tom de voz mais firme — Onde estás?

Estava mesmo aos pés da cama… Felizmente, a camuflagem funcionara!

— A vossa camuflagem é impressionante, Ama! — disse Rubih — Nem eu consigo ver-vos ou sentir-vos…

— Eduarda? — continuava o vampiro a chamar, saindo da cama. Soltou um palavrão, calçou uma bota e, indo ao pé-coxinho até à porta, calçou a outra. Saiu do quarto a correr e eu segui-o até ao corredor, curiosa com a sua pressa. Nevra quase arrombou a porta do quarto diante do nosso, dando de caras com um Leiftan tão agitado quanto ele.

— Ela não está contigo? — perguntou o vampiro.

Leiftan negou.

— Senti a presença dela desvanecer-se do nada…

— Há quanto tempo?

— Agora mesmo! Ia ao teu quarto avisar-te!

Nevra olhou por cima do ombro, encontrando a porta aberta do quarto, e soltou outro palavrão.

— Ela devia estar comigo dentro do quarto…

— Mas deixaste a porta aberta — concluiu Leiftan, num tom reprovador — Bom trabalho, Nevra. Agora é impossível saber onde ela está!

— Achas que ela vai atrás do cristal?

— Não sei — disse o investigador, desconfortável — Vamos avisar o Sacerdote…

— Endoideceste? — admirou-se Nevra — O que achas que ele fará se souber que trouxemos uma titânide para dentro do quartel?

— Devias ter pensado nisso antes de a tentares com o Espírito do cristal! — lembrou Leiftan — Qual foi a tua ideia? Pensei que, como vampiro, saberias bem quão fortes são os impulsos da fome! Caramba, Nevra, tu viste a forma como a casca humana dela se está a degradar! Ela está fraca, faminta e, se anda por aí à procura duma maneira de consumir o cristal, é por tua causa! Fizeste um excelente trabalho, Nevra, realmente!

— Fala baixo, vais acordar os outros — silvou o vampiro.

— Nós temos de avisar o Sacerdote — insistiu o investigador — Se não pararmos a Eduarda agora, vamos perder mais um cristal!

— Ele vai matá-la!

— Um sacrifício necessário para nos manter a nós vivos…

— Como podes falar assim?!

— O que queres que diga? Queres que fique do lado de uma titânide? Dos nossos inimigos naturais? Da razão da nossa ruína? Esqueceste porque a deixei viver, Nevra? Ela era a isca do titã! Nós íamos matá-la, deixar que o titã viesse vingar a sua morte e matá-lo a ele também! Foi só por isso que guardei segredo! Foi só por isso que a protegi! Caso contrário, tê-la-ia morto no exato momento em que percebi o que ela era!

Eu… não estava a acreditar nos meus próprios ouvidos… Leiftan… quisera matar-me desde o início? E deixara-me viver apenas porque queria usar-me para chegar ao titã? Então, o seu outro plano para atrair Ashkore… era matar-me?!

— Mesmo assim. Acho que a Eduarda merece um pouco mais de consideração da tua parte — disse Nevra.

Leiftan soltou um risinho mordaz.

— Consideração? Por favor… Como se ela fosse ter alguma consideração por nós quando se estiver a empanturrar na nossa Maana!

— Leiftan…

— Não, Nevra — cortou o investigador — Eu não me vou deixar convencer pelos teus argumentos, porque tu estás completamente cego. Apaixonaste-te pela Eduarda e, mesmo sabendo a verdade, não consegues admitir que ela é um monstro. Bom, eu não sofro do mesmo problema e vou fazer o que é preciso ser feito. E ai de ti que te metas no meu caminho. Podes ser o líder desta missão, mas o meu estatuto continua a ser superior ao teu e é a minha vez de dizer: mexe um dedo que seja para ajudar a Eduarda e serás julgado e executado por alta traição. Fiz-me entender?

Nevra cerrou os dentes, mas baixou a cabeça e anuiu.

— Ótimo. Veste-te e encontra-me no átrio dentro de dez minutos. Vamos avisar o Sacerdote de que está uma titânide dentro do quartel.

Leiftan voltou para o interior do quarto, fechando a porta na cara de Nevra. O Mestre da Sombra esfregou exasperadamente a testa e recuou para o seu próprio quarto. Eu fiquei no corredor, com lágrimas de ira a descer-me pela cara abaixo. Eu não estava triste, estava só… perigosamente furiosa. Se eu não tivesse assinado uma promessa com sangue, estaria a ponderar seriamente destruir aquele mundo. Vá, isso era exagero… Iria só destruir a porcaria da cidade inteira! Como é que Leiftan podia dizer aquilo de mim? Como podia achar que eu estava atrás do cristal? Eu fizera-lhe uma promessa, caramba! Estaria ele só a mentir para despistar Nevra? Não, Leiftan não precisaria ir tão longe e dizer coisas tão terríveis se fosse apenas por isso! Ele… ele realmente não confiava em mim… Não sentia nada por mim, nem sequer amizade… Lithiel tinha razão na sua opinião sobre Leiftan… Desgraçado!

Fiquei no corredor até Nevra e Leiftan saírem dos quartos e descerem as escadas. Só então voltei para dentro do quarto, onde Rubih ainda estava, e desfiz o encantamento.

— Ama! — guinchou ela, aliviada — Voltastes…

— O que quer o titã que eu faça? — perguntei sem cerimónias.

Rubih hesitou.

— Ama? Estais magoada com o que ouvistes?

— Não estou magoada… estou furiosa! Diz logo o que o titã quer de mim!

Rubih voltou a hesitar, até que soltou um pequeno suspiro.

— O Amo Ashkore gostaria de ter a vossa ajuda para libertar a Ama presa aqui em Ryss.

— Só isso?

— Sim, Ama. Tendes apenas de ajudar o Amo Ashkore a entrar, ele fará o resto.

— Onde está essa titânide?

— Estou aqui para guiar-vos até ela, Ama — disse Rubih com uma pequena vénia.

— Ótimo. Leva-me lá.

— Por favor, reconstruí a vossa camuflagem, Ama. Não conseguiremos chegar até à Ama se estiverdes visível. Eu também não conseguirei ver-vos, então, caso surja algum imprevisto, assobiai e eu pararei imediatamente.

Concordei com um aceno e refiz o encantamento da camuflagem. Pedi a Rubih para indicar o caminho e, fazendo uma nova vénia, ela obedeceu, saindo a flutuar pelos corredores do quartel-general. Descemos as escadas e regressámos ao átrio, onde dois guardas de armadura vigiavam a porta da sala do trono. Leiftan e Nevra não estavam em lado nenhum, por isso presumi que já estivessem a avisar o Sacerdote da minha presença.

— Precisamos de distrair os guardas — disse Rubih, esvoaçando em torno das cabeças dos ditos — Eles desconfiarão se virem a porta abrir-se sozinha… Se tiverdes alguma ideia, Ama, por favor, colocai-a em prática.

Pois… Seria ótimo ter uma ideia. Infelizmente, não era o caso. Poderia atacá-los, mas não tinha a certeza de que conseguiria acertar algum ponto debilitante através da armadura. Além disso, isso tornaria as minhas intenções claras como água, caso alguém os encontrasse a agonizar no chão. Colocá-los para dormir com alguma poção teria o mesmo efeito. O ideal seria entrar sem que ninguém desconfiasse, mas como abriria a porta sem dar bandeira? Eu precisava… de uma distração. Ou de muita sorte. Se tivesse chegado mais cedo, poderia ter entrado atrás de Nevra e Leiftan. Estava, claro, a partir do princípio de que o escritório do Sacerdote de Ryss ficava no topo duma torre atrás da sala do trono, como o escritório de Miiko.

Esperar que alguém abrisse casualmente a porta era inútil, por isso comecei a caminhar em círculos no átrio, procurando inspiração para tecer um plano. Uma distração, uma distração…

Afinal de contas, a sorte estava do meu lado. Um homem embriagado abriu as portas do refeitório de par em par e começou a cambalear pelo átrio, cantando com uma voz muito desafinada. Os guardas entreolharam-se, mas não se moveram. O homem viu-os e riu-se.

— És tu, Reyer? — perguntou a um dos guardas com a voz lenta e mole — Estás de serviço esta noite? Eish… É preciso muito azar. Devias ter vindo beber c’a gente!

— Aturar a tua bebedeira, Sargh? Não me parece… Aliás, o que estás a fazer aqui tão tarde? Estiveste a beber até agora?

— Estive — confirmou — Bebi sozinho e bebi bem, para compensar os outros palermas que caíram para o lado ao fim de três canecas de cerveja. Fracos! Eu bebi o triplo e estou aqui! De pé e bem desperto!

— Nota-se — comentou o guarda Reyer num tom sarcástico.

— O único problema — continuou o bêbado, poisando uma mão na barriga com uma pequena careta — é que tenho o estômago às voltas…

— Não me digas que ele vai vomitar — disse o outro guarda.

— Vomitar é para fracos! — defendeu o bêbado — Eu não sou fraco! Sou resistente com um grookhan…! — e deu um pequeno murro no próprio estômago para comprovar. Não foi muito forte, mas, aparentemente, foi o único incentivo de que o seu estômago precisava para expelir o seu conteúdo. O bêbado dobrou-se pela cintura e vomitou no chão. Os dois guardas fizeram caretas de nojo, mas foram socorrer o amigo.

— Eu vou chamar uma enfermeira — anunciou Reyer ao seu colega — Fica com ele e certifica-te de que não desmaia no próprio vómito.

— Tudo bem…

Reyer desapareceu na porta que levava à enfermaria e o outro guarda foi apoiar o bêbado. Eu não esperei por uma oportunidade melhor. Corri para a porta e, certificando-me de que o guarda estava demasiado ocupado com o bêbado para olhar, abri-a sem fazer barulho. Entrei na sala do trono e fechei a porta com igual cuidado. Rubih já estava à minha frente, tendo flutuando sobre a minha cabeça para entrar.

— Estais comigo, Ama?

— Sim — sussurrei no tom de voz mais baixo que consegui.

— Ótimo. Vamos continuar…

Rubih flutuou através das cortinas da passagem em arco e, como eu esperava, havia umas estreitas escadas em caracol do outro lado. Subi-as atrás da menina vermelha e estávamos quase no topo quando ouvimos vozes. As de Nevra, Leiftan e um homem desconhecido. Parei de subir, hesitando, e senti o coração falhar uma batida ao perceber que eles estavam a vir na minha direção, descendo as escadas ao meu encontro. O terrível inconveniente era que as escadas eram demasiado estreitas para duas pessoas caminharem lado a lado. Eu não conseguiria evitá-los nem que me colasse à parede, o risco de um deles roçar em mim era demasiado elevado…

— Descei as escadas, Ama! — ordenou-me Rubih, aflita — Descei!

A bola de luz vermelha passou por mim tão depressa que deixou um rasto de luz atrás de si, como um pequeno cometa. Eu corri atrás dela, desejando que a camuflagem realmente abafasse o som dos meus passos. Eu não tinha tempo para ser cuidadosa, só me restava confiar na minha habilidade. Se eles me apanhassem… Não, isso não, por favor…

Cheguei ao fundo das escadas e regressei à sala do trono, onde seria mais fácil evitá-los. Os três homens não demoraram a chegar, caminhando apressadamente na direção do átrio.

— Chame os seus colegas, Mestre Nevra — dizia o homem com o cajado, desta vez sem a gaiola na ponta — e trate de chamar os líderes das Guardas de Ryss, Leiftan, sei que sabe onde os encontrar. Eu tratarei de avisar os guardas…

— Sim, Sacerdote — concordaram os homens de Eel antes de atravessarem a porta. Eu soltei um pequeno suspiro de alívio enquanto tentava recuperar o fôlego.

— Ama? Estais comigo? — perguntou Rubih, desorientada.

— Estou — sussurrei — Vamos continuar…

A menina voltou a fazer uma vénia e recomeçamos a subir as escadas. Tortura para as minhas pernas… Parecia que a minha sorte com o bêbado estava a ser cobrada! As entidades divinas de Eldarya eram fantásticas quando se tratava de me cobrar os pequenos favores que me faziam… Era uma pena que não punissem os meus “namorados” pelas maldades que me faziam!

Deixei cair a camuflagem durante um curto período de tempo, enquanto subia as escadas, para preservar alguma energia. Quando estávamos a chegar ao topo, Rubih avisou-me que havia mais um guarda e eu refiz o encantamento.

O guarda vestia uma armadura completa, como os outros, segurava a sua arma nas mãos e estava parado mesmo na frente da porta, em posição de combate. Parecia que estava justamente à minha espera e, por instantes, julguei que tinha sentido a minha presença a subir as escadas enquanto a camuflagem esteve inativa. Levei alguns segundos a lembrar-me que ele, provavelmente, já fora avisado de que havia uma titânide no quartel e, por isso, o seu trabalho era mais importante do que nunca. Ele estava e não estava à minha espera…

— Atacai-o, Ama — disse Rubih — Estamos quase lá… Quando o encontrarem, já será tarde demais.

Eu teria preferido evitar o confronto, mas parecia que não tinha outra alternativa… No entanto, o guarda era enorme, muito pesado, estava coberto de aço e era, inquestionavelmente, mais experiente do que eu em combate. Eu não fazia a mais pálida ideia de como tirá-lo do caminho!

Ou talvez…

Coloquei-me na frente dele, olhando-o nos olhos… e desfiz a camuflagem enquanto gritava “Buu!” O guarda assustou-se tanto que cambaleou para trás e eu aproveitei o seu desequilíbrio para puxá-lo para mim, rodando ao mesmo tempo para trocar as nossas posições… e empurrei-o escadas abaixo. O guarda gritou, mas o barulho da sua armadura a bater contra a pedra não foi tão alto quando temi que seria. Aquilo não iria acordar o quartel inteiro… felizmente.

— Vamos, Ama! — apressou-me Rubih, atravessando a madeira da porta.

Eu abri-a e fechei-a logo atrás de mim. Procurei uma chave na fechadura, mas não havia. Bolas!

— E agora, Rubih? — questionei, ofegante.

— Vinde comigo! — chamou a menina, voando através do escritório que era muito semelhante ao de Miiko. Havia uma zona ao lado e atrás da secretária de madeira que parecia um pequeno labirinto de prateleiras e Rubih guiou-me através dele até um espaço livre, no centro do qual estava um pequeno altar.

— Ide até ao altar, Ama — disse Rubih — E repeti depois de mim… “Sois o Espírito que sustenta o mundo com a mesma força com que o destruís. Sois a Força que alimenta a força com que vos seguramos. Sois o que mais amamos e odiamos. Ouvi este chamado e vinde. É hora de servirdes como em tempos fostes servido!”

Repeti a ladainha sem questionar e, assim que terminei, o altar começou a brilhar. Finos fios de luz dourada ergueram-se no ar e começaram a desenhar… uma gaiola redonda. Assim que esta ficou concluída, uma vigorosa chama verde acendeu-se no pratinho no interior.

— Isto é… — comecei a dizer, mas uma explosão de dor na minha cabeça calou-me. Caí no chão, vagamente consciente, enquanto a mesma voz feminina me devastava a mente.

“O que fazes aqui, criatura? Eu disse-te para não o ouvires!”

— Ama! — ouvi Rubih guinchar, aflita. Não lhe consegui responder. Eu mal conseguia ver ou respirar. A dor era demasiado forte, era como me estivessem a tentar arrancar o cérebro de dentro do crânio.

“Não é tarde para recuares, criança… Vai-te embora e deixa tudo como está.”

— Ama Eduarda!

“Eu não quero ser salva. Eu não preciso de ser salva…”

— O que estais a fazer à Ama Eduarda, Ama Ihlini?!

“É melhor assim… para todos…”

A voz calou-se, mas a dor de cabeça continuou. Fez todo o meu crânio latejar até me conduzir à inconsciência. Não sei durante quanto tempo apaguei, mas Rubih estava a chorar como uma criança perdida quando abri os olhos, voando em círculos sobre a minha cabeça.

— Ama Eduarda! — carpia ela — Ama Eduarda!

— Rubih… — consegui grasnar.

A menina de luz vermelha parou de circundar a minha cara e lançou-me um olhar arregalado.

— Ama Eduarda… Estais acordada! — choramingou, desta vez de felicidade.

— O que é que aconteceu?

— Não sei, mas creio que foi a Ama Ihlini…

— Ihlini? Quem é essa?

— É a titânide que viemos libertar, Ama… É vossa irmã, também.

Virei o rosto até conseguir ver a gaiola que permanecia no altar, com a chama verde acesa. O que era aquilo? Não era o Espírito do cristal? Porque é que a titânide falara comigo através da chama? Céus… Se a voz que me acordara nessa noite lhe pertencia, isso queria dizer que… a voz que me acordava em Eel era da titânide que estava lá presa? Mas… a titânide de Ryss dissera que não queria ser salva, ao passo que a de Eel não parava de pedir a minha ajuda… O que é que se estava a passar?

— Ama, não temos tempo a perder — lembrou-me Rubih, voando para mais perto da gaiola — Por favor, trazei o Espírito da Ama Ihlini…

— Espírito, hã? — murmurei, levantando-me com dificuldade. Cautelosamente, aproximei-me e peguei na gaiola.

O que estava eu a fazer? Estaria a fazer a coisa certa? A titânide dissera-me para ir embora e deixar tudo como estava… Isso, porém, significava colocar-me à mercê das Guardas de Ryss e Eel. Eles não me dariam tempo de explicar ou defender. Matar-me-iam sem hesitar, eu tinha a certeza disso. Por outro lado, o meu regresso a casa e, consequentemente, a minha sobrevivência estavam mais perto do que nunca… e eu não pretendia desperdiça-los só porque alguém gostava de ser um espírito verde numa gaiola!

Segui Rubih de volta à porta do escritório, julgando que iríamos sair dali… mas ela encaminhou-se para a secretária, atravessando as cortinas fechadas que estavam imediatamente atrás do móvel. Confusa, segui-a. Subi os degraus escondidos atrás do tecido… e deixei cair o queixo quando vi um gigantesco cristal verde no centro de uma ampla sala redonda.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 17/6/18]

Numa escala de 0 a 10, quanto odeiam o Leiftan? :P



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