Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 31
XXX. Humana, faery, algo pelo meio?


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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— Eduarda!

— Estás bem?!

— Eduarda!

Senti uma data de mãos manusearem os meus membros extenuados e virar-me de barriga para cima. Um círculo de rostos pairava sobre mim, partilhando a mesma expressão preocupada… exceto um certo e determinado elfo.

— Cepo! És mesmo um cepo! — gargalhava Ezarel, agarrado à barriga.

— Não há tempo para piadas, tens trabalho a fazer, Ez — disse Nevra, puxando-me para o seu colo — A Eduarda e o Leiftan precisam de ajuda!

— Leiftan? — repeti, confusa.

— Eu estou bem — serenou o homem de cabelo loiro e negro algures atrás de mim.

— Não, não estás — negou Nevra, levantando-se comigo nos braços — Estás a sangrar e não é pouco!

Ezarel parou de rir ao ouvir as palavras do vampiro e adotou uma expressão séria e profissional.

— Estás ferido? — perguntou ao Leiftan — Onde? Com que gravidade?

O investigador da Reluzente abriu um pequeno sorriso tranquilizador. Eu mirei-o com atenção, procurando sinais de fraqueza ou desconforto, mas não encontrei nenhuns. Ele estava tão forte e sadio como no dia em que o vira pela última vez. Como é que Nevra sabia que ele estava ferido…?

— São só alguns arranhões e eu já tratei deles — afiançou Leiftan.

— De certeza? É que o golpe na tua barriga não para de sangrar e tem um cheiro estranho. Acho que está envenenado…

— Envenenado?! — repetiram algumas vozes.

Ezarel avançou com passadas largas na direção de Leiftan e o investigador erguer as mãos num gesto apaziguador enquanto recuava um passo atrapalhado.

— Ezarel, eu estou bem, eu…

— Vais deixar-me examinar a ferida ou vou ter de te amarrar?

— Eu já disse que estou bem!

— Estás com medo de quê, então?

— Eu não…

— Lado direito, abaixo do fígado — cortou Nevra.

Leiftan lançou um olhar confuso ao Mestre da Sombra, distraindo-se tempo suficiente para o Diretor da Absinto espetar o dedo indicador na zona indicada pelo vampiro. O toque não deveria doer particularmente, mas Leiftan inspirou de forma brusca e audível, empalidecendo visivelmente. Baixou lentamente o rosto, escondendo-o da nossa visão.

— Estoico — notou Ezarel, abrindo um sorriso endiabrado — Vais subir as escadas, entrar no quarto e deixar-me examinar a ferida ou preferes que te faça desmaiar, aqui e agora?

Ezarel colocou um pouco mais de pressão no tronco de Leiftan, deixando-o da cor da cera. A sua maçã-de-adão subia e descia enquanto ele engolia convulsivamente. Ia vomitar…

— Eu… vou para o quarto — murmurou Leiftan.

— Lindo menino — gabou Ezarel, tirando o dedo da barriga de Leiftan — Toca a andar.

Leiftan baixou um pouco mais o rosto e, com uma mão a proteger a zona do fígado, entrou na estalagem. Ezarel seguiu-o.

— Vamos entrar — pediu Valkyon, num tom de voz baixo — Já chamámos atenção suficiente…

Nevra concordou com um aceno de cabeça e avançou para a porta, levando-me consigo. Vi, por cima do seu ombro, o resto do grupo seguir-nos… e vários transeuntes a mirar-nos com curiosidade, cochichando entre si.

Nevra carregou-me para o interior dum dos quartos da estalagem e poisou-me numa das três camas individuais, assegurando-se de que eu estava bem e confortável.

— Estás quente — constatou, poisando uma mão na minha testa — Tens a certeza que…?

— Estou quente porque estou farta de andar — expliquei, afastando a sua mão — Estou bem, a sério. Foi só uma tontura.

Nevra torceu o canto da boca, pouco convencido.

— Vou pedir ao Ezarel para vir ver-te depois de tratar do Leiftan…

— Não — recusei, teimosa — Só preciso de comer qualquer coisa e descansar.

Nevra semicerrou o seu único olho, mas não insistiu. Saiu do quarto e, minutos depois, voltou com uma tigela de sopa e um pãozinho. Sentou-se na borda da cama ao lado da minha e começou a explicar enquanto me via comer:

— O Leiftan só reservou três quartos, portanto teremos de nos dividir em grupos de três para dormir. Tu vais ficar aqui com a Karenn e a Lithiel.

— Tudo bem.

— Eu vou ficar no quarto em frente. Se acontecer alguma coisa… ou estiveres com vontade — acrescentou, abrindo um pequeno sorriso malicioso —, podes procurar-me lá.

— O Leiftan vai ficar contigo?

O sorriso do vampiro vacilou.

— Não sei. Porque perguntas?

— Estou preocupada com ele.

— O teu príncipe reluzente está bem — garantiu num tom que me pareceu um pouco mais seco — O Ezarel deu-lhe um antídoto para o veneno e fechou a ferida. Vai sobreviver.

— Quero vê-lo.

— Knock knock! — exclamou Ezarel, entrando no quarto — Cheguei.

— Nunca te ensinaram a bater à porta antes de entrar?! — ralhei.

— Eu disse “knock knock”.

— Já cá estavas dentro quando disseste isso!

— Qual é o problema? Interrompi o teu ritual de acasalamento com o Nevra, foi? Oh, que pena…

— Não interrompeste nada, Ez — tranquilizou-o o vampiro, levantando-se.

— O que é que estás a fazer aqui? — perguntei ao elfo.

— Vim examinar-te.

— Porquê?

— Foi a única desculpa que arranjei para poder despir-te e tocar-te.

O quê?!

Ezarel revirou os olhos, contendo um sorriso divertido.

— Não sejas ridícula, cuspideira, porque raio achas que quero examinar-te? Já te esqueceste que caíste de focinho no chão quando aqui chegámos? Ela bateu com a cabeça? — acrescentou na direção de Nevra.

— Provável.

— Isso explica o agravamento da estupidez… Esperemos que não seja permanente, ela não pode dar-se ao luxo de perder a pouca inteligência que tem…

— Hey! — protestei.

— Estás bem, cuspideira? — perguntou-me o elfo, num tom de voz alto e arrastado, como se estivesse a falar com uma mulher muito velha e meio surda — Entendes o que estou a dizer? Quantos dedos vês?

— Para com isso! — exigi, batendo na mão que ele ergueu diante do meu rosto – Sai do meu quarto!

— És pobre e mal-agradecida — suspirou Ezarel, abanando a cabeça com reprovação — Despe as calças, quero examinar as tuas pernas.

— Nem pensar! Não me vou despir à tua frente!

— Eu viro-me de costas — predispôs-se o elfo, revirando os olhos com enfado.

— Não preciso que examines as minhas pernas!

— Achas que não? Como é que vais andar amanhã?

— Faz o que ele diz, Eduarda — pediu Nevra, num tom brando — Precisas de recuperar as tuas forças.

Soltei um grunhido desagradado, mas obedeci. Nevra virou as costas quando poisei a sopa e metade do pão em cima da mesa-de-cabeceira e pude despir as calças com um mínimo de privacidade. Fiz uma espécie de fralda com a peça para cobrir as minhas cuequinhas e autorizei-os a virar-se para mim.

— Vamos começar — murmurou Ezarel, puxando a tampa do boião que trazia na mão.

O elfo começou a espalhar um unguento para as dores nas minhas pernas e não consegui evitar um pequeno espasmo quando as suas mãos poisaram na minha pele. Eu gostaria de dizer que o tremor fora uma reação à frieza da pomada… mas uma parte de mim sabia que não era verdade. Havia uma pequena, minúscula, ínfima hipótese de a minha reação se dever ao toque das mãos masculinas, mas preferia esmagar a minha própria cabeça contra a parede a admitir tamanha estupidez. Não era o seu toque suave e cuidadoso que me estava a fazer relaxar daquela maneira. Era o unguento. Só podia ser o unguento.

Trinquei o lábio com força quando as mãos de Ezarel passaram para lá do meu joelho, alcançando a minha coxa. A minha pele animou-se, aquecendo e enrubescendo. Virei o rosto para o lado, tentando esconder a minha agitação, mas as mãos do maldito elfo não paravam de subir e estavam quase a…

Uma suave batida na porta fê-lo afastar-se. Nevra deu licença para entrar e eu soltei um trémulo suspiro de alívio antes de verificar quem chegara.

Lee estava parado na ombreira da porta, lançando um olhar arregalado das minhas pernas nuas para as mãos de Ezarel.

— Lee — reconheceu o vampiro — Precisas de alguma coisa?

— Hã… — fez o elfo, atarantado — Eu… eu vim chamá-los para jantar e… vim ver como estava a Eduarda…

— Deve estar melhor — disse Ezarel, fechando o boião de unguento — Apliquei-lhe uma boa dose de bálsamo nas pernas, estará livre de dores durante as próximas vinte e quatro horas.

— A sério? Eu também tenho dores. Será que… será que poderia ter um pouco desse bálsamo também, Diretor?

— Claro, toma — ofereceu Ezarel, atirando-lhe o recipiente — Bom proveito. Eu vou comer, estou cheio de fome…

Ezarel saiu do quarto e Lee seguiu-o apressadamente, dizendo algo como “eu não sei aplicar isto, faça-o por mim, Diretor!” Nevra disfarçou um sorrisinho e encaminhou-se também para a saída.

— Termina a sopa e descansa — aconselhou-me, em jeito de despedida — Partimos cedo amanhã…

A porta fechou-se atrás do vampiro e eu fiquei, finalmente, sozinha. Ponderei seguir a sugestão do Mestre da Sombra, mas não conseguiria descansar enquanto não fizesse o que tinha a fazer. Terminei a sopa, voltei a vestir as calças, testei a força das minhas pernas e, satisfeita com o meu equilíbrio, saí do quarto.

Nevra dissera que dormiria no quarto em frente ao meu, por isso comecei por aí. Bati à porta e chamei Leiftan, mas não obtive resposta. Havia a possibilidade de ele estar a ignorar-me, por isso experimentei a maçaneta. A porta abriu-se e eu espreitei para o interior. Leiftan estava lá, deitado de barriga para cima numa das três camas. Tinha os olhos fechados e pensei que estivesse a dormir, mas as pálpebras escurecidas pela dor e pelo cansaço ergueram-se quando me aproximei. Fixei os olhos verdes que brilhavam na semiobscuridade e quedei-me muda aos pés da sua cama. Tinha tantas perguntas para lhe fazer que não sabia por onde começar…

— Olá, Eduarda — disse ele, numa voz ligeiramente enrouquecida.

— Olá, Leiftan.

— Como estás? Parecias esgotada…

— Estou bem. E tu?

Leiftan abriu um pequeno sorriso tranquilizador.

— Estou bem, obrigado…

— Sentes-te forte o suficiente para ter uma conversa séria e franca comigo?

O sorriso do investigador desfez-se lentamente. Soltou um suspiro.

— Eu sei o que queres saber — murmurou, desviando o olhar para a janela —, mas não te vou dizer.

— Ah, vais, sim — contestei, abrindo um sorriso ameaçador — Não tens outra opção.

— Porque dizes isso?

— Porque a ferida que me disseste para não mostrar a ninguém… está a crescer. Está a espalhar-se e é só uma questão de tempo até ser impossível escondê-la.

Leiftan sentou-se na cama com uma expressão ligeiramente alarmada.

— Espalhou-se… até onde? — perguntou num tom baixo e amedrontado.

Soltei um suspiro pelo nariz e comecei a desapertar os botões da minha blusa. Afastei a gola para revelar o meu ombro direito e Leiftan levou uma mão trémula aos lábios entreabertos de choque.

— O meu braço direito… é todo assim — revelei, apontando para o branco iridescente iluminado pelo seu suave brilho violeta — As minhas costelas, as minhas costas… — a minha voz quebrou-se e fiz uma pausa para domar as lágrimas — O que é isto, Leiftan? Eu estou a mudar de pele, não estou? Vou ficar toda assim? Estou a transformar-me em quê? Responde, Leiftan! Eu sei que sabes!

Leiftan não se moveu ou pronunciou durante vários segundos. Não conseguia desviar os olhos arregalados do meu ombro. Os seus pés deslizaram até ao chão e ele levantou-se, aproximando-se.

— Responde-me, por favor — implorei, sem conseguir evitar que o choro que continha se revelasse na minha voz.

O homem de cabelo loiro e negro continuou a ignorar o meu pedido. Agarrou a gola da minha blusa e puxou-a mais um pouco, revelando mais da minha pele iridescente e a roupa interior que cobria o meu seio. Não me importei. O olhar que ele me lançava nada tinha de quente ou íntimo. Era puro medo e choque.

— Oh, Eduarda — gemeu, angustiado — Perdoa-me. Eu não pensei… não pensei que acontecesse tão depressa.

— O que é isto? — insisti, apontando para o meu ombro — Há alguma forma de parar a mudança? O que farei quando chegar ao meu rosto? Eu não posso começar a andar de cara tapada, isso só irá chamar ainda mais atenção!

— Eu… eu não sei… Perdoa-me… Perdoa-me — Leiftan afastou-se, envolvendo o próprio rosto com as mãos como se estivesse a segurar a cabeça no lugar — Eu quero ajudar-te, quero mesmo, mas… não sei como…

— O que sou eu? O que vai acontecer comigo? O que irão os outros fazer quando… descobrirem o que sou?

Leiftan sacudiu a cabeça.

— Eles não podem descobrir. Não podem…

— Eles vão descobrir — fi-lo ver — É cada vez mais difícil esconder isto e está prestes a chegar o ponto em que será impossível. Eu preciso de saber o que está a acontecer, para saber aquilo com que devo contar.

Leiftan voltou a sacudir a cabeça e começou a marchar nervosamente de um lado para o outro. Dei-lhe algum tempo para reorganizar as suas ideias, mas ele não parecia estar prestes a tomar uma decisão (muito menos uma que me fosse favorável). Impaciente, peguei-lhe no braço quando ele passou por mim… mas a onda de calor que senti subir-me pelo braço fez-me saltar para trás, surpreendida. Leiftan fez também um gesto brusco para se afastar de mim, lançando-me um olhar arregalado. Eu mirei-o com desconfiança. Eu conhecia aquela sensação. Era o mesmo calor suave e lânguido que sentira quando tocara no homem mascarado. Porque é que…?

— O que és tu? — perguntei.

— O que queres dize…?

— A tua raça faery — cortei, num tom agreste e exigente.

— Sou um daemon.

— De certeza? O que foi… isto? — perguntei, apontando para o braço com que lhe toquei — O que é esta onda quente? Não a senti com mais ninguém. Só contigo… e o titã.

Leiftan ensaiou um sorriso que pretendia ser matreiro, mas apenas parecia incerto.

— Onda quente? Tens algum interesse amoroso em nós, Eduarda?

— Não tens o talento do Ezarel para fazer piadas, Leiftan.

O sorriso do investigador alargou-se.

— Tens razão, desculpa…

— Porque não paras de te esquivar às minhas perguntas e começas a falar? O que te impede de dizer a verdade?

O sorriso desapareceu sem deixar rasto.

— Tenho medo — murmurou ele — Tenho medo por ti, por mim… por Eldarya.

— Eldarya? Não estás a exagerar um bocadinho?

— Não quero ver o meu mundo destruído, Eduarda.

— Eu não vou destruir o teu mundo…

— Promete — exigiu o investigador num tom sério que fez um arrepio descer-me pela espinha abaixo. Fixei-o, surpreendida, e ele devolveu-me o olhar sem vacilar — Promete que não vais destruir Eldarya.

— Eu… Porque faria isso? Como faria isso? Sou só uma humana…

— Tu não és humana. A tua “humanidade” é só um invólucro. Um disfarce… Camuflagem, se quiseres.

As suas palavras enregelaram-me como se me tivesse forçado a engolir um cubo de gelo. O que queria aquilo dizer?

— O que sou, então?

Leiftan sacudiu a cabeça.

— Promete-me que não irás juntar-te ao titã para destruir o meu mundo e matar o meu povo… e eu conto-te.

— Eu… prometo — murmurei, desorientada.

— Mostra-me a palma da tua mão direita.

Confusa, comecei a puxar a minha luva e estendi-lhe a mão iridescente com a palma virada para cima. Leiftan aproximou-se e vi-o segurar, meio escondido, um pequeno punhal.

— O que vais fazer com isso? — perguntei, amedrontada.

Ele não respondeu. Deteve-se a poucos centímetros de mim e levou a lâmina à própria mão direita, abrindo um pequeno lanho na palma.

— O que é que estás a fazer? — inquiri, horrorizada.

— Quero que assines a tua promessa com sangue — explicou, estendendo-me o punhal.

— O quê? O que é isso? Como é que…?

— Uma promessa assinada por sangue não pode ser quebrada… a não ser que queiras enfrentar uma morte lenta e dolorosa. Assina a tua promessa com sangue e eu contar-te-ei o que és.

— Porque queres que faça isso? Qual é a necessidade?!

— Quero garantir a sobrevivência deste mundo e, quem sabe, a tua também. Assina a promessa… e eu contar-te-ei o que és.

Eu não estava a entender nada do que estava a acontecer, mas percebia perfeitamente a gravidade do que ele me estava a pedir. Uma promessa que me mataria se não fosse cumprida não era coisa simples! Porque estaria a pedir-me aquilo? Qual era o seu propósito? Como é que uma promessa poderia salvar o mundo e a mim mesma? Estaria a cair numa armadilha? Talvez… mas não tinha importância. Eu não pretendia destruir Eldarya e, mesmo que quisesse, não teria os meios para isso. A única coisa que podia fazer era juntar-me ao titã e dar-lhe o que ele procurava…

Ah… Era isso… Leiftan estava a garantir que o titã não se serviria de mim para destruir o mundo. Se fosse capturada e forçada a seguir as ordens do titã, a promessa seria o botão de emergência que arruinaria os seus planos. Trágico… mas inteligente.

— Faz o corte — pedi — Eu não consigo…

Leiftan agarrou cuidadosamente a minha mão estendida e eu quase suspirei quando senti o seu calor subir-me pelo braço. A sensação era tão agradável e relaxante que quase não senti a lâmina deslizar na minha pele. Uma linha avermelhada rasgou o branco iridescente e o brilho violeta. Leiftan tapou-a com a sua própria mão, unindo os nossos cortes.

— Eduarda?

— Sim?

— Prometes não compactuar com a destruição deste mundo ou o extermínio dos seres que o habitam?

— Prometo.

— O meu sangue é testemunha da tua promessa. Assim seja…

Senti um pequeno ardor na mão, mas não me movi até o investigador me soltar. Um arabesco vermelho vivo enfeitava agora a minha palma iridescente. Leiftan tinha um igual, mas era branco, quase impercetível.

— Obrigado — murmurou ele.

— Quero as minhas respostas — exigi sem cerimónias.

Leiftan fez um pequeno sorriso.

— Presumo que sim… — murmurou, pegando no manto negro que estava dobrado aos pés da sua cama — Vamos dar uma caminhada. Não quero falar nisso aqui…

— Caminhada? Não podes sair do quarto, estás ferido!

— Estou bem. O Ezarel tratou bem de mim — dirigiu-se para a porta e abriu-a — Anda.

Eu trinquei o lábio, indecisa. Ele estava ferido e tínhamos um titã nos nossos calcanhares, não era boa ideia sair da estalagem… mas a minha ânsia por respostas era mais forte. Pedi-lhe um instante para ir buscar um casaco e, ainda a enfiar os braços nas mangas, segui-o escadas abaixo. O salão da estalagem estava cheio de gente a comer e a beber e nós aproveitámos a confusão para sair sem ser notados. Percorremos o caminho até à entrada da vila e continuámos em frente, afastando-nos cada vez mais da povoação. Já era noite cerrada, mas a lua estava cheia e coloria tudo com contornos de prata.

— Leiftan — chamei quando a vila estava reduzida a pontinhos de luz atrás de nós — Já estamos longe o suficiente…

— Sim — concordou, parando de andar — Acho que sim…

— Já podes responder à minha pergunta?

O investigador soltou um pequeno suspiro.

— Não é fácil…

— Não me venhas com lérias — pedi, impaciente — Tu prometeste que dirias! O que sou eu, afinal? Humana, faery, algo pelo meio?

— Tu não és nenhuma dessas coisas — murmurou Leiftan — Tu és… diferente.

— Porquê? Diz de uma vez!

Leiftan soltou um suspiro trémulo e virou-se para me encarar. Fixou os olhos verdes nos meus e abriu a boca para falar. Começou a pronunciar um débil “tu és…”, mas voltou a cerrar os lábios enquanto os olhos se arregalavam de pavor. A sua mão moveu-se tão depressa que não a consegui ver, só a senti fechar-se no meu braço e puxar-me para trás dele com tanta rapidez que tropecei e quase caí. Estava ainda em desequilíbrio quando ouvi o investigador rosnar para as sombras da floresta:

— Eu sei que estás aí…

— Ficaria desiludido se não soubesses — disse uma voz masculina desconhecida — Não te incomodes comigo. Estou só a assistir à vossa conversa. Continua…

— Vai-te embora.

— Rude…

— Quem é? — perguntei baixinho quando reuni coragem suficiente para espreitar sobre o ombro de Leiftan.

A resposta demorou a chegar. Um vulto negro destacou-se da escuridão da floresta. Um par de olhos vermelhos acendeu-se no meio do negrume. O vulto avançou até à estrada iluminada pelo luar… e eu senti o coração saltar até à garganta quando o homem mascarado surgiu na nossa frente.

— É… o titã — arquejei, sufocada pelo medo.

— E o teu irmão mais velho — acrescentou a criatura com um sorriso a transparecer na voz — Não ficas feliz por me ver… Eduarda?


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 18/3/18]



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