Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 22
XXI. A tua mão... brilha!


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]
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Miiko não aceitou bem o “aviso” de Nevra. Aparentemente, o teste das Guardas era uma tradição e uma formalidade que devia ser respeitada e cumprida, independentemente das circunstâncias. Nevra insistiu para que fosse aberta uma exceção, defendendo o meu “talento inato para camuflagem que poderia tornar-se um dos mais poderosos se fosse devidamente trabalhado”, mas Miiko manteve-se irredutível.

— As pessoas não entram nas Guardas pelos seus talentos pessoais, entram de acordo com o resultado do teste! O Chrome é o melhor alquimista da sua idade, melhor até do que o Ezarel quando tinha a idade dele e, no entanto, faz parte da Sombra!

— Pois faz, mas já te ocorreu que ele talvez estivesse melhor na Absinto?

— O resultado do teste é soberano!

— Porquê?! O teste nem sequer tem lógica, é só um monte de perguntas estupid…

— Silêncio! — cortou-o Miiko, batendo o seu cajado de madeira no chão — Não vou permitir que questiones a eficiência dum teste mais velho do que todos nós bem diante do meu nariz! Respeita o legado que os nossos antepassados nos deixaram e aceita o que daí vier! Sem questionar! Fiz-me entender?!

— Mas…

— Fiz-me entender?!

Nevra rangeu os dentes, mas acenou rigidamente com a cabeça.

— Ótimo! — aprovou Miiko — Agora, saiam! Tenho mais com que me preocupar!

Nevra voltou a acenar com a cabeça, pegou-me no pulso e puxou-me para fora do gabinete. Eu gostaria de ter colocado algumas questões ao vampiro, mas a forma como ele continuava a ranger os dentes dizia-me que aquela talvez não fosse a melhor altura. Descemos as escadas em silêncio e, enquanto atravessávamos a sala do trono, Nevra soltou o meu pulso para poisar a mão na minha cintura, puxando-me para mais perto.

— Vou dizer-te as respostas da Sombra — murmurou no meu ouvido.

— O-o quê?

O vampiro não respondeu. Puxou-me para o átrio, guiou-me através dos corredores por onde há pouco fugira dele e fez-me entrar no que parecia ser uma simples sala de estar. Fechou a porta, correu as cortinas das janelas e depois sentou-se num sofá de dois lugares, convidando-me a sentar a seu lado. 

— Ouve com atenção…

Nevra começou a recitar a pequena lengalenga de respostas, obrigando-me a repeti-la até ter a certeza de que a fixara. A ideia de fazer batota no teste não me agradava nada, mas a verdade é que não tinha uma ideia melhor. Entrar na Sombra não só me salvaria da Guarda de Ezarel como também me permitiria descobrir mais sobre esse intrigante dom para camuflagem. Mataria dois coelhos de uma cajadada! Três, aliás, se conseguisse fazer Nevra contar-me sobre a situação do cristal e do titã…

— Tens de fazer o teste o mais rapidamente possível, antes que te esqueças das respostas — aconselhou o vampiro — O Kero deverá abrir a biblioteca em breve, talvez pudesses esperá-lo à porta…

— Nem pensar, não vou deixá-lo ver-me assim! — neguei, apontando para as pernas nuas e para as meias brancas sujas de terra — Preciso de um banho e roupa decente… Infelizmente, sujei a única roupa que tenho por tua causa! Obrigadinha, Nevra!

— Tenho a certeza de que a minha irmã te poderá emprestar uma muda de roupa.

— Duvido. Ela é mais pequena do que eu, a roupa dela não me deve servir.

Nevra inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, intrigado.

— Conhece-la? — indagou antes de o seu rosto se iluminar de compreensão — Ah, vocês cruzaram-se na forja, não foi?

— Como é que sabes? — perguntei, admirada.

— Senti o vosso cheiro lá — disse antes de mudar de assunto — Adiante, está na hora de ires tomar banho, não temos tempo a perder. Eu vou pedir à Karenn para te levar alguma roupa, pode ser?

— Okay…

— Ou… posso levar eu a roupa e depois juntar-me a ti na banheira —sugeriu, abrindo um sorriso matreiro.  

— Vai sonhado! — neguei, levantando-me e encaminhando-me para a porta.

— Oh, vá lá, não sejas má…

— Não te quero perto de mim enquanto estou nua!

— Isso quer dizer que me queres por perto quando estás vestida?

Revirei os olhos, mas fui incapaz de conter o sorriso que se desenhou nos meus lábios. Nevra parecia mais um menino desesperado por afeto do que um homem a tentar seduzir-me, era… hilariante.

— Talvez — respondi, dirigindo-lhe um sorriso por cima do ombro antes de sair da sala.

Encaminhei-me de imediato para os dormitórios, sorrindo durante todo o percurso. Nevra iria dar trabalho depois daquela resposta, mas… não podia sair dali sem retribuir a cortesia de o provocar. Ele merecia…

Chegando ao dormitório, dirigi-me primeiro ao meu quarto. Peguei na roupa que me restava (casaco, calças e botas), na escova de Lithiel e regressei ao primeiro piso. A casa de banho das senhoras era grande e espaçosa, dividida em três divisões diferentes. Larguei os meus pertences no que parecia ser o vestiário, detive-me para fazer as minhas necessidades e só depois me preparei para tomar banho. Despi-me e deixei a roupa suja sobre um dos bancos por ali espalhados, não querendo misturá-la com a roupa ainda limpa. Quando toquei nas ligaduras, hesitei. Eu não lhes mexera durante exatamente vinte e quatro horas e temia o que iria ver. Como estaria a minha mão? Melhor? Pior? Igual? Ela não me doía, mas…

Inspirei um fôlego de coragem e comecei a desenrolar a gaze. Se não me doía, não podia estar assim tão…

Um pequeno grito horrorizado escapou-se-me de entre os lábios quando vi tiras inteiras de pele sair agarradas às ligaduras. Sacudi freneticamente a mão, enojada, tentando livrar-me daquilo, e as ligaduras caíram no chão, manchadas de pele azul e branca. A minha mão… a minha mão…

Cobri a boca com a mão sã enquanto mirava a minha extremidade direta. Os meus olhos arregalados encheram-se de lágrimas de desespero e não tardou para que estas me escorressem pela cara. Eu tremia tanto que quase não conseguia distinguir detalhes, mas o que havia para ver não era nada pequeno.

A minha mão era agora, toda ela, branca iridescente. A pele que saíra agarrada às ligaduras era aquela que antes me cobrira os dedos. As costas da mão ainda tinham pequenos restos de pele, mas pareciam tão fracos e frágeis que soube que os perderia durante o banho.

O que era aquilo? Porque é que a minha pele não parava de cair?! Parecia até que…

Arfei, em choque, quando uma ideia me atravessou o espírito.

Eu estava a mudar de pele. Uma estranha e macabra mudança de pele. Era a única explicação que fazia sentido! O branco iridescente era, afinal, a minha nova pele… Era a pele faery que a poção tratara de revelar! O líquido azulado fizera mais do que acusar Maana no meu corpo, ele abrira caminho através do meu lado humano até mostrar o que havia de faery em mim! Fora por isso que Leiftan me dissera para esconder a ferida! Ele sabia que a minha pele humana iria continuar a cair até revelar o que eu realmente era!

Sentia-me simultaneamente aliviada e aterrorizada por entender isso. Aliviada porque finalmente compreendia a situação. Aterrorizada porque não fazia a mais pálida ideia daquilo em que me estava a tornar.

Maldição! Onde estava Leiftan quando precisava dele?!

Resmungando contra o homem de cabelo loiro e negro, peguei nas ligaduras e escondi-as no meio da roupa suja. Servi-me da mão “ferida” durante o processo, aproveitando para verificar o seu estado. Conseguia mexe-la e segurar coisas sem dor, embora a nova pele estivesse ainda muito sensível. A água do chuveiro também não foi uma experiência agradável, atingindo a pele iridescente como agulhas finas e afiadas. Gostei, por outro lado, da sensação que esta transmitia quando usei a mão direita para esfregar o corpo. Era suave como pele de bebé…

Limpa e cheirosa, regressei ao vestiário embrulhada numa toalha branca… para encontrar Karenn sentada num banco, amordaçando-se a si mesma com as minhas ligaduras.

— O que pensas que estás a fazer?! — perguntei, chocada.

— Ah… desfulpa — disse ela com a voz abafada e distorcida pela gaze que tinha enfiada entre os dentes — Senti o feiro e não ressisti.

Eu limitei-me a fixá-la, boquiaberta, enquanto a via tirar as ligaduras da boca.

— Pronto, acho que tirei tudo — anunciou, estendendo-me as ligaduras húmidas da sua saliva.

— Que… nojo! — exclamei antes de me conter — Estavas a comer a minha pele!

— Era muito boa — garantiu Karenn, séria.

— Para com isso, que nojo!

— Sou uma vampira, não posso alterar a minha natureza! — defendeu-se a miúda, encolhendo os ombros.

— Pensei que a vossa natureza fosse beber sangue!

— E é, mas gostamos de comer uma guloseima de vez em quando.

— Céus…

— Olha, trouxe a roupa que o meu irmão pediu — anunciou Karenn, mudando rapidamente de assunto e mostrando-me a roupa dobrada a seu lado — Usei uma poção de dilatação permanente, mas não sei se acertei o teu tamanho. Talvez precise de uns ajustes…

— Obrigada — murmurei, estendendo a mão para pegar na roupa.

A lembrança de Karenn a comer a minha pele ainda ocupava a maior parte do meu raciocínio, de modo que só percebi o meu erro quando vi os olhos de Karenn arregalaram-se desmesuradamente. Escondi rapidamente a mão branca iridescente atrás das costas, mas… já era tarde demais.

— Bendita Chama, o que aconteceu à tua mão? — perguntou ela, atónita.

— Foi um acidente, mas não é grave, não te preocupes…

— A tua mão… brilha!

— B-brilha? — repeti, surpreendida.

— Sim! Não vês o brilho violeta que sai dela?!

Sustive a mão diante do rosto, virando-a de um lado para o outro enquanto procurava o dito brilho violeta. A pele branca parecia, de facto, emanar um brilho estranho, mas era demasiado difuso para distinguir alguma cor. Estava, aliás, convencida de que o brilho nada mais era do que uma ilusão criada pela intensidade da cor. Não podia ser mais do que isso…

— Não vês? — insistiu a vampira.

— Não… Deve ser impressão tua — defendi, esperando encerrar aquele assunto.

— Não, não é…!

— Olha — cortei-a, voltando a esconder a mão atrás das costas — Eu não gosto de exibir a minha mão neste estado, será que podes arranjar-me algo para a tapar?

— Uma luva?

— Sim…

— Posso arranjar, mas…

— Excelente, obrigada.

Karenn semicerrou os olhos, desconfiada.

— Eu vou buscar a luva — cedeu, levantando-se —, mas tu vais ter de me explicar o que aconteceu à tua mão.

— Desculpa? Eu não tenho de explicar n…

— É o preço pelo meu silêncio — acrescentou a pequena vampira, dando as mãos atrás das costas.

Foi a minha vez de semicerrar os olhos, nada feliz com o rumo da conversa. Quem diria que a pirralha era uma negociadora implacável…?

— O assunto não te diz respeito — lembrei.

— Estás a pedir-me ajuda para esconder a tua mão suspeita, por isso, acho que me diz respeito, sim. Não vou ajudar-te ou sequer guardar segredo se essa mão representar algum perigo para nós. Desculpa, mas é assim que tem de ser.

— A minha mão não representa nenhum perigo, garanto-te…

— Continuo a querer saber a história.

Soltei um suspiro enfadado, apertando a cana do nariz entre o indicador e o polegar da mão esquerda.

— Nem eu sei o que isto é! — admiti.

— Nesse caso, como podes garantir-me que não é um perigo?

Abri a boca para me defender, mas, desta vez, ela conseguira colocara-me contra a parede.

— Conta-me — insistiu ela — Talvez possa ajudar-te a entender o que essa mão significa.

— Foi o Nevra quem te pediu para fazeres isto? — perguntei, desconfiada.

— Não. Ele pediu-me apenas para trazer a roupa. Nunca referiu a tua mão.

Trinquei nervosamente o lábio inferir, indecisa. Eu não queria contar a ninguém, não queria confiar em ninguém, mas Leiftan não estava ali para me ajudar e Karenn talvez… talvez…

Soltei um novo suspiro, desta vez derrotado.

— Se contares sobre a minha mão a alguém… eu esfolo-te viva — prometi, apontando-lhe um dedo ameaçador.

— Terei de contar se for perigosa — disse a menina, honesta.

— Se for perigosa, eu mesma irei pedir à Eweleïn para a tirar do meu braço.

Karenn abriu um pequeno sorriso divertido.

— Combinado! — cedeu, dando alegremente meia volta — Vou buscar a luva, volto já!

Fiquei a vê-la afastar-se, esperando não estar a cometer um grande erro…

Vesti-me enquanto esperava Karenn, enfiando-me dentro de uma blusa branca de algodão sem mangas, umas calças de couro castanhas e um conjunto de lingerie que… enfim, sem comentários. Calcei as minhas próprias botas castanhas e estava já a pentear-me diante do espelho quando a irmã de Nevra por fim regressou.

— Aqui tens — disse, atirando-me um par de luvas de couro castanhas — Espero que te sirvam.

Calcei de imediato a luva da mão direita, movendo os dedos envolvidos por cabedal e fazendo uma pequena careta de desagrado.

— Odeio luvas…

— Ah, sim? Porquê? — perguntou Karenn, intrigada.

— Não sei, parece que só atrapalham…

— Talvez, mas também impedem os teus dedos de cair no Inverno.

— Prefiro arriscar perder os dedos — admiti com um risinho, soltando de seguida um suspiro — Acho que terei de me habituar…

— Já me podes contar como é que a tua mão ficou assim? — perguntou Karenn, recuperando a conversa anterior sem qualquer subtileza.

Soltei mais um suspiro e comecei a recolher os meus pertences.

— Falamos sobre isso no meu quarto, okay?

— Tudo bem.

Karenn ajudou-me a transportar as minhas coisas, pegando na minha roupa suja e nas ligaduras, e seguiu-me até ao meu quarto. Sentámo-nos na borda do colchão e contei-lhe, em voz baixa, algumas das coisas que me tinham acontecido desde que chegara a Eldarya. Omiti o aviso de Leiftan e as desconfianças de Lithiel, mas contei-lhe do roubo das amostras e do homem morto, rematando com o meu medo de fornecer novas amostras.

— Quero muito saber o que está a acontecer comigo, mas… eu não confio nas Guardas e tenho medo do que farão se as amostras revelarem algo que lhes desagrada. Se as minhas amostras são importantes ao ponto de alguém tentar roubá-las, é porque… provavelmente há algo de errado comigo — encolhi rapidamente os ombros, num gesto desconsolado — Se a Eweleïn recuperou as amostras do ladrão… é só uma questão de tempo até saber do que se trata.

Karenn concordou com um gesto de cabeça antes de poisar uma mão consoladora no meu ombro.

— Não te preocupes. Eu e o Nevra não vamos deixar que te façam mal.

— Mesmo se eu for perigosa?

— Tu não és perigosa. A tua mão pode ter uma origem maligna, mas, nesse caso, só tens de aprender a controlá-la. Se não conseguires, podes sempre amputá-la, como tu mesma disseste — acrescentou com um risinho malandro.

Fiz um pequeno sorriso, embora não me sentisse mais tranquila. A pequena vampira notou-o porque apertou o meu ombro com maior insistência.

— Não te preocupes — repetiu — Vai correr tudo bem.

— Espero que sim…

Uma suave batida na porta interrompeu a nossa conversa, fazendo-nos olhar na direção da entrada do quarto.

— Estás à espera de alguém? — perguntou Karenn.

— Nem por isso — neguei antes de erguer a voz — Quem é?

— Sou eu, o Lee — respondeu a voz do elfo do outro lado da porta — Acordei-te?

— Ah, n-não, Lee, claro que não — neguei, levantando-me apressadamente e abrindo a porta apenas o suficiente para o espreitar — Bom dia…

— Bom dia! — cumprimentou o elfo, abrindo um sorriso — Pronta para sair?

— Prontíssima! — disse Karenn atrás de mim, abrindo um pouco mais a porta para que Lee pudesse vê-la.

— Karenn! O que fazes aqui?

— Vim entregar um conjunto de roupa nova à Eduarda. Está linda, não está?

— Eu… acho que sim — disse o elfo, atrapalhado, mirando-me da cabeça aos pés.

— Devias ver o que está por baixo. Dei-lhe uma linger…

— Okay! — exclamei, sobrepondo a minha voz à de Karenn e apertando um braço em redor do seu pescoço — Vamos falar de coisas mais importantes!

— Socorro — gorgolejou Karenn, tentando soltar-se do meu braço.

— Acho que estás a estrangulá-la, Eduarda — notou Lee.

— Ah, ela é uma vampira, há de sobreviver.

— Socorro…

— Depende do tempo que continuares a apertá-la. Os vampiros são mais resistentes do que nós, mas ainda precisam de ar para viver.

— Aguentam mais tempo do que nós sem respirar, não?

— Lee… ajuda-me…

— Sim, isso sim.

— Vou deixá-la sofrer mais um bocadinho, então — decidi.

Lee encolheu os ombros, disfarçando um sorriso.

— Tudo bem.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 14/1/18]



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