Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 21
XX. Corre, bombom... Corre...


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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Ajuda… me…”

Sentei-me de repente no colchão, suada e ofegante, sentindo o estômago tão apertado de aflição que comecei a ter ânsias de vómito. Empurrei o lençol para o lado e rebolei para o chão, arquejando enquanto sentia o esófago contrair-se até me impedir de respirar. Parecia que as minhas entranhas estavam a tentar sair-me pela boca! Ar… eu precisava de ar!

Enjoada e sufocada, arrastei-me até ao corredor do dormitório. A temperatura ligeiramente mais baixa ajudou-me a clarear a mente e a reduzir o mau estar, mas o ar ainda não era suficiente para me passar pela garganta apertada. Obriguei-me a levantar e, com os joelhos a tremer, saí do dormitório para o claustro que o antecedia. Encostei-me a uma coluna próxima da porta e inspirei fundo, tentando acalmar-me.

Que raio fora aquilo? Estaria doente? Seria um ataque de pânico? Eu estivera sob muita pressão nos últimos dias, de facto, e o que vira no dia anterior servia bem como gatilho para um ataque. Céus… Ainda sentia um aperto no estômago sempre que me lembrava da imagem do homem morto. O peito e a barriga ensanguentados… os golpes… A única alegria que aquela memória me trazia era saber que aquele não era Leiftan. Uma alegria que desaparecia assim que me lembrava de que fora um homem desconhecido a roubar as minhas amostras. Porque teria ele feito aquilo? Qual seria o seu interesse em mim? Onde estariam as amostras agora? Será que Eweleïn já as recuperara? Estaria a estudá-las naquele preciso momento?

Sacudi a cabeça para afastar aqueles pensamentos que não me ajudavam nada a acalmar as batidas descompassadas do coração. Precisava de me distrair. Andava tão stressada ultimamente que até o meu subconsciente me pedia ajuda em sonhos, era ridículo…

Soltei um pequeno suspiro, tentando recompor-me. Sentia-me melhor, mas ainda estava demasiado inquieta para regressar ao quarto. Precisava de libertar a tensão acumulada de alguma forma, por isso, comecei a caminhar pelos corredores… que se encontravam completamente vazios. Estranhei a calmaria até me dar conta de quão difusa era a luz que atravessava as janelas. Era muito cedo, o sol ainda mal tinha nascido. Talvez devesse dormir mais um pouco depois da caminhada…

Os meus passos sem destino acabaram por me conduzir ao átrio. Estava quase a chegar à passagem em arco quando notei o conjunto de vozes baixas e graves. Intrigada, espreitei cautelosamente para o átrio, apurando os ouvidos enquanto observava uma Miiko muito transtornada conversar com três chefes de Guarda desgrenhados e em roupa de dormir.

— …está a piorar e eu… eu já não sei o que fazer — dizia a mulher-raposa.

— Honrá-lo ajudaria? — sugeriu Valkyon.

— Não — negou Miiko de imediato — As Honras parece que só fazem pior…

— Como é isso possível? — perguntou Nevra, perplexo.

— Não sei… mas tenho as minhas suspeitas.

— O titã?

Miiko anuiu com um gesto de cabeça e o meu queixo pendeu para o peito. Havia… um titã à solta em Eldarya?!

— Ele entrou no quartel sem ser notado pelo menos uma vez — continuou a Sacerdotisa — Como podemos ter a certeza de que não entrou outras?

— Mesmo que tenha entrado, ele jamais chegaria à sala do cristal — defendeu Ezarel — Ele não se pode materializar diretamente lá e…

— Eu também achava que não podia, mas depois da aparição daquela faeliena, já não tenho a certeza de nada. Talvez ela tenha aberto uma brecha na proteção da sala…

— Ou talvez ela tenha ido lá parar porque já havia uma brecha — atalhou Nevra — Miiko, o cristal começou a partir-se muito antes de a Eduarda chegar, não podes culpá-la pelo que está a acontecer.

Eu arregalei os olhos, sem querer acreditar no que estava a ouvir. O cristal azul estava a partir-se? Porquê? Como? Seria o titã a tentar consumi-lo? Porque não o matavam como tinham matado os outros? Porque é que o meu nome viera à baila?!

Nevra voltou subitamente a cabeça na minha direção e eu apressei-me a recuar contra a parede, sustendo a respiração enquanto tentava perceber se fora ou não descoberta. Não queria nem imaginar o sarilho em que estaria metida se eles soubessem que eu estava ali, a ouvir uma conversa que não era, certamente, para os meus ouvidos.

— Nevra? Passa-se alguma coisa? — ouvi Miiko perguntar.

— Não, nada — negou rapidamente o vampiro — Desculpa, estavas a dizer…?

— Quero um reforço imediato da segurança do quartel, em particular da sala do cristal. Se aquele monstro realmente estiver a entrar aqui à socapa, quero-o capturado e prontamente executado. Avisem e organizem os vossos homens, mas sem criar alarido. Não queremos instalar o pânico.

— Se o capturarmos… não deveríamos interroga-lo primeiro? — sugeriu Valkyon.

— Achas mesmo que ele dirá alguma coisa? — retrucou Miiko — O tempo do interrogatório será o tempo dele planear uma fuga, ou pior! Eu não quero aquela criatura a respirar perto do cristal. Quero-o morto e a arder numa pira, pois apenas assim teremos a certeza de que o cristal está seguro. Fiz-me entender?

— Perfeitamente…

— Lancem-se ao trabalho, então!

Ouvi os três homens começar a mover-se e apressei-me a sair dali, enveredando por outro corredor antes que algum deles tropeçasse em mim. Encontrei um sítio escondido onde poderia ficar à espera de os ver passar, mas parece que eles seguiram por outros caminhos. Não vi ninguém atravessar o corredor.

Comecei a sair do meu esconderijo, pretendendo regressar ao quarto… mas um braço de ferro voltou a puxar-me para trás enquanto uma mão me cobria a boca. Boa ideia, porque o grito que soltei teria acordado o quartel inteiro.

— O que fazes acordada a esta hora, bombom? — ronronou a voz de Nevra antes de ter tempo de me começar a debater — Não devias estar a dormir?

Eu apenas sacudi a cabeça, demasiado aflita com o susto para conseguir falar.

— Não devias estar aqui — continuou ele — Ainda por cima a ouvir atrás das portas… Que coisa feia de se fazer!

Empurrei a mão que permanecia sobre a minha boca e virei-me para encarar Nevra, pronta a defender-me. A expressão grave no seu rosto, porém, travou-me a voz na garganta.

— Como é que fizeste? — perguntou ele, sério.

— Fiz o quê?

— Como é que conseguiste chegar tão perto de nós sem que eu te notasse? Fizeste o mesmo ontem, quando passaste por mim para ver o cadáver. Onde aprendeste a esconder a tua presença dessa forma?

Eu inclinei a cabeça ligeiramente para o lado, confusa. Sabia ao que Nevra se referia, mas não sabia que resposta lhe dar. Já não era a primeira vez que alguém comentava os meus movimentos silenciosos e a minha presença, aparentemente, indetetável. A minha mãe estava sempre a queixar-se dos sustos que eu lhe pregava quando surgia, de repente, deitada no sofá da sala (embora eu estivesse lá desde que ela entrara na divisão) ou quando entrava na cozinha sem que ela me visse ou ouvisse. Eu não fazia aquilo de propósito, não estava a tentar esconder-me ou ser discreta, simplesmente… acontecia.

— Eu não escondo a minha presença — neguei — Fico simplesmente quieta num canto. Aliás, como diabos conseguiste meter-te atrás de mim sem que eu te visse?

— Tenho os meus métodos… Quero é saber quais são os teus!

— Eu não tenho métodos, não estava a tentar esconder-me de uma forma especial ou “sobrenatural”. Estava apenas escondida atrás da parede, ponto.

Nevra fixou-me, avaliando-me da cabeça aos pés, como se estivesse a tentar ler a verdade no meu corpo. Eu, por outro lado, tornei-me muito consciente das minhas pernas nuas. Bolas! Estivera tão alterada quando saíra do quarto que nem me lembrara de vestir umas calças! Sorte a minha que a camisola era longa o suficiente para tapar as cuequinhas, caso contrário, estaria a mirrar de vergonha!

Aliás… agora que penso isso, Nevra não estava muito mais tapado do que eu. Vestia apenas umas calças de algodão amarrotadas e umas botas de couro, premiando-me com uma gloriosa visão do seu peito largo e dos abdominais esculpidos…

Oh, Eduarda…

— Vamos fazer um jogo — anunciou subitamente o vampiro.

— Um jogo? — repeti, corada e desorientada com a minha fantasia.

— Sim. Eu serei o predador e tu serás a presa. Vou dar-te cinco minutos para fugires e te esconderes e depois irei à tua procura. Combinado?

— Qual é o propósito desse jogo?

— Descobrir por quanto tempo consegues fugir de mim.

— A sério? Só isso? Nesse caso, não estou interessada — neguei, principiando a afastar-me.

Nevra agarrou-me assim que virei costas, apertando um braço em redor da minha cintura. Comecei a debater-me, mas ele segurou-me com firmeza, puxando a minha cabeça para trás e sussurrando contra a minha jugular:

— Tens cinco minutos para te esconderes e uma hora para me despistares. Se te encontrar antes do tempo terminar, vou sugar-te até à morte — deu-me uma longa lambidela na veia, arrepiando-me a pele do corpo todo — Corre, bombom… Corre…

Não esperei que ele o dissesse uma terceira vez. Desatei a correr assim que senti o aperto dos seus braços afrouxar, gritando insultos enquanto me afastava. Ouvi-o rir até dobrar a esquina do corredor.

Vampiro tarado e prepotente! Esganá-lo-ia se voltasse a aproximar aquela boca pavorosa do meu pescoço! Ele lambera… Ugh! Que nojo!

Puxei a manga da minha camisola e limpei o pescoço enquanto me perguntava para onde iria. Onde me esconderia? Eu não conhecia muito bem o quartel e os sítios que conhecia não me pareciam muito propícios a despistar um vampiro. Só se… A biblioteca! Podia servir-me do labirinto de estantes para o enganar, podia conduzi-lo até ao fundo da sala e voltar a sair sem que ele me visse! Perfeito! Ou teria sido perfeito, se a porta não estivesse fechada. Raios!

Dei rapidamente meia volta, mas não tinha tempo de percorrer todo o caminho de volta até aos dormitórios. Segui por um corredor próximo e continuei em frente, desenhando mentalmente um mapa baseado nos caminhos que percorria. Virar aqui, virar ali e… bolas, aquele caminho não dava continuidade ao percurso que precisava fazer para chegar aos dormitórios. Onde é que eu estava?!

Encontrei uma porta que levava ao exterior e decidi seguir por aí. Fui parar ao topo de uma colina donde conseguia ver o que parecia ser um longo campo de treino. Havia uma fileira de bonequinhos de palha num canto, alvos circulares noutro e até o que parecia ser o percurso de uma corrida de obstáculos. Vi, para lá de tudo isso, uma pequena cabana que parecia ser uma forja, avaliando pela bigorna e pelas armas empilhadas debaixo de um toldo de madeira.

Desci as escadas até à base da colina e corri para a forja, decidida a pegar em algo que me permitisse defender do vampiro. As armas que divisara antes estavam danificadas, dobradas ou rombas, mas não tardei a encontrar a porta para o depósito de armas a sério. Havia espadas, lanças, alabardas, flechas para arco, todo o tipo de armas reunidas em grandes prateleiras ou barris. Fiquei desorientada por instantes, sem saber no que pegar. Acabei por escolher uma adaga. Não era muito grande nem pesada, pelo que não deveria ter dificuldade em manuseá-la.

Voltei-me para sair do depósito e continuar à procura de um esconderijo, mas choquei contra um pequeno vulto apressado quando ia atravessar a porta.

— D-desculpa, não te vi — murmurei, tentando contornar o vulto para sair dali.

Ele, porém, poisou uma mão na moldura da porta para impedir a minha passagem.

— Quem és tu? — perguntou com uma voz chilreante.

Dirigi finalmente um olhar ao vulto, apercebendo de que era uma rapariga de olhos verdes e cabelo meio negro, meio rosa.

— Sou a Eduarda, a humana que veio da Terra — apressei-me a apresentar — Podes, por favor, deixar-me passar? Estou com pressa.

— Pressa para quê? — inquiriu a miúda, erguendo uma sobrancelha desconfiada.

— Estou a fugir do Nevra! — confessei — Ele está atrás de mim e não quero mesmo ser apanhada por ele! Posso ir agora?

A miúda soltou um pequeno suspiro desiludido, mas baixou o braço.

— O meu irmão anda a brincar com a comida outra vez, hã? — constatou ela, num tom reprovador.

— Irmão? — repeti, surpreendida.

Ela abriu um sorriso coroado por longas presas brancas.

— É, sou a Karenn, a irmã mais nova do Nevra, muito prazer.

Hesitante, aceitei a mão que ela me estendia, mas, em vez de a apertar, a miúda levou a minha mão ao nariz, inspirando profundamente.

— Uau, cheiras mesmo bem — elogiou — Não admira que o meu irmão ande atrás de ti — desviou-se para o lado, convidando-me a sair — Eu continuaria a correr, se fosse a ti. Ele é bastante rápido e tem o nariz de um lobisomem. Deverá estar aqui não tarda.

Aceitei o conselho de bom grado, apressando-me a sair do depósito e recomeçando a correr.

— Boa sorte! — ainda ouvi Karenn gritar nas minhas costas.

Continuei a correr, sem tempo para agradecer.

Contornei a forja e segui em frente, afastando-me cada vez mais do quartel. Não sabia para onde estava a ir, mas não tardei a divisar o que pareciam ser campos de cultivo e, mais adiante, um pomar. Corri para o meio das árvores e subi na primeira que apanhei a jeito. Escondi-me no meio da folhagem, acalmei a minha respiração descompassada até se tornar inaudível… e esperei. Encontrei uma abertura por entre a folhagem de onde podia vigiar o quartel, mas não vi qualquer movimento durante bastante tempo. Karenn abandonou a forja entretanto e regressou ao quartel, mas depois… nada.

Estava prestes a convencer-me de que conseguira despistar o vampiro quando uma estranha bruma negra se ergueu no topo da colina. Senti um arrepio descer-me pela espinha abaixo e desejei com todas as minhas forças que aquilo não viesse na minha direção. Parecia uma sombra saída de um filme de terror, um daqueles espíritos que nos puxam para o fundo do poço… Horripilante.

A bruma revolteou um pouco no topo da colina. Desceu as escadas e dirigiu-se à forja. Deixei de a ver por alguns minutos, até que a divisei a deslizar pelo chão… na minha direção. Avançava devagar e com pequenos desvios, mas seguia, inexoravelmente, na minha direção.

Passou-me pela cabeça descer da árvore e correr para longe dali, mas desconfiava de que os meus movimentos não passariam despercebidos à bruma. Era tarde demais para fugir, só me restava ficar quieta e rogar às entidades divinas de Eldarya, fossem elas quais fossem, que aquilo não me encontrasse.

A bruma não tardou a chegar ao pomar, silenciosamente aterrorizante. Deslizava junto ao chão, como se estivesse a farejá-lo, provavelmente a seguir o meu rasto. Sustive a respiração quando aquilo chegou à minha árvore… e soltei lentamente o ar quando continuou em frente.

Ponderei as minhas hipóteses. Podia descer a árvore e fugir ou ficar quieta e continuar ali. Decidi fugir. Se fizesse bem as coisas, conseguiria sair dali sem ser notada. Tinha de confiar na minha suposta habilidade de ser silenciosa e indetetável.

Movi-me devagar, começando a descer a árvore pelo lado oposto ao da bruma. Chegando ao chão, espreitei o outro lado do tronco, mas não vi bruma alguma. Era Nevra quem se detinha a três metros de mim, olhando desconfiadamente em volta.

— Eu sei que estás aqui — disse, sobressaltando-me com o som da sua voz — O teu rasto foi mais difícil de seguir do que julgava, mas tenho a certeza de que termina aqui. Porque é que não te sinto? Não há cheiro, não há calor, não há sequer batimento cardíaco… Como é que fazes?

O vampiro começou a virar na minha direção e eu apressei-me a esconder atrás do tronco.

— Eduarda — chamou, num tom queixoso — Onde estás? Eu sei que estás aqui…

A voz dele mudou de direção, por isso arrisquei espreita-lo. Estava a afastar-se, penetrando no pomar enquanto continuava a tagarelar. Soltei um pequeno suspiro de alívio… e Nevra virou-se de repente, abrindo um sorriso satisfeito.

Dei meia volta e desatei a correr, ainda esperando conseguir fugir, mas a bruma negra passou por mim feita um raio e deu forma a Nevra apenas alguns passos à minha frente. Ergui a adaga, ameaçando o vampiro, mas ele limitou-se a sorrir. Desviou-se para o lado, agarrou-me o braço esticado e puxou-o até me forçar a dar uma pirueta. O movimento brusco fez-me tropeçar nos próprios pés e comecei a cair de costas. Nevra, no entanto, foi mais rápido e soltou o meu pulso para esticar o braço atrás dos meus ombros. Levou o joelho ao chão para amparar a minha queda e, quando dei por mim, estava apenas sentada no chão.

— Perdeste — anunciou o vampiro, com um sorriso vitorioso.

Eu voltei a erguer a adaga.

— Vais… sugar-me até à morte? — perguntei, ofegante da corrida.

Ele riu-se e tirou a arma da minha mão.

— Um dia, talvez… Agora, vou levar-te à Miiko.

— O quê? Porquê? — inquiri, confusa.

O sorriso de Nevra alargou-se.

— Temos de a avisar que vais entrar na Sombra.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 7/1/18] < é o meu aniversário :3



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