Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 18
XVII. Viemos falar do portal.


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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Eu franzi o sobrolho, confusa.

— Queres… vir comigo para a Terra? — procurei confirmar.

Lee fez um gesto afirmativo com a cabeça.

— Porquê?

— Sempre quis ir à Terra — disse com um pequeno encolher de ombros — É o nosso berço, o sítio onde a nossa história começa. Gostaria de a visitar, pelo menos uma vez.

— Nunca lá foste antes?

— Não, as viagens para a Terra são fortemente desaconselhadas pelos Sacerdotes e eu não teria coragem de solicitar um portal apenas para dar um passeio no outro lado. Tu, no entanto, tens a desculpa perfeita para abrir um portal e pensei que… poderia aproveitar — soltou um risinho embaraçado — Sei que estou a ser oportunista, mas pretendo compensar-te ajudando a abrir o portal. Posso até tratar de tudo sozinho, não me importo, só preciso… de aproveitar a tua “boleia”.

— Espera aí — pedi-lhe, franzindo ligeiramente o sobrolho — Isso quer dizer que não tens autorização para viajar comigo, certo?

— Pois…

— Vou-me encrencar se formos apanhados, né?

— Não, penso que não, mas é mais seguro manter isto em segredo…

— Fantástico — resmunguei, esfregando a testa com uma mão exasperada — Eu não me importo que vás comigo, mas não quero mesmo meter-me em problemas. Já tenho que chegue.

— Se houver problemas, eu arcarei com toda a culpa, prometo — garantiu o elfo — Não quero prejudicar-te, só preciso… que me dês uma oportunidade. Por favor…

Soltei um pequeno suspiro, sem saber o que responder.

A minha vontade era recusar. Lee não tinha nada a perder na eventualidade de o seu plano ser descoberto, mas o mesmo não se aplicava a mim. O elfo poderia até tentar suportar toda a culpa, mas eu conhecia o suficiente de Miiko para saber que ela não me deixaria passar impune. Ela arranjaria maneira de me punir e o castigo mais provável seria… impedir-me de abrir o portal. Eu não ia arriscar o meu regresso a casa por uma mera “viagem turística” clandestina, mas, por outro lado, não entendia por que razão as viagens para a Terra eram “desaconselhadas”. Seria por temerem uma nova perseguição?

— Não tens medo de ser caçado pelos humanos? — perguntei-lhe, tentando ganhar mais algum tempo para pensar.

Lee riu-se.

— Não, eu sei esconder-me.

— Como irás regressar a Eldarya?

— Tenho os meus meios, não te preocupes com isso. Então, posso ir?

Soltei um novo suspiro e recostei-me contra as costas da cadeira.

— Eu não acho que seja boa ideia — admiti.

— Porque não?

— Tu não tens nada a perder se formos apanhados, mas eu tenho. Não vou colocar em risco o meu regresso a casa para que possas ir dar um passeio.

— Também não vais conseguir abrir o portal sem a minha ajuda — garantiu o elfo, abrindo um pequeno sorriso presunçoso.

— Como é que sabes? — perguntei, erguendo uma sobrancelha cética.

— Tenho quase a certeza de que precisarás de canalizar Maana para abrir o portal e, caso não saibas, os humanos não a absorvem.

Imobilizei-me ao dar-me conta de que ele tinha razão. Como não pensara nisso antes? A manipulação de Maana devia ser essencial para a abertura do portal e era algo que eu jamais conseguiria fazer. É certo que não sou apenas humana e tenho Maana em mim, mas ainda assim…

— Eu posso tratar dessa parte, não me custa nada — continuou Lee, quando eu não reagi —, mas só o farei se me levares contigo.

Passei uma mão pelo cabelo, cada vez mais nervosa. Conseguiria encontrar outra pessoa para tratar da parte mágica do portal? Talvez, mas quanto tempo demoraria? A ajuda de Lee poderia adiantar bastante o meu regresso a casa…

— Vamos fazer assim… — comecei, apontando-lhe um dedo ameaçador — Eu deixo-te vir comigo, mas se alguém desco…

— Ah, obrigado! — guinchou o elfo de forma efeminada, saltando da cadeira e atirando os braços em redor do meu pescoço — És a minha salvação, Eduarda, obrigado, obrigado, obrigado…!

— Estás a estrangular-me — ofeguei contra o seu ombro, tentando empurrá-lo.

— Ah, desculpa — disse ele, afastando-se e deixando-me finalmente respirar. Reparou que os humanoides mais próximos nos fixavam com curiosidade, por isso refreou o seu entusiasmo ao sussurrar — Temos de começar a preparar tudo, quanto mais cedo partirmos melhor. Já falaste com a Miiko? Ela já te explicou como abrir o portal?

— Não, ainda não.

— Estás à espera de quê? Vai perguntar-lhe!

— Nunca mais a vi e não sei onde a encontrar — admiti.

— Ela passa a maior parte do tempo no gabinete, posso mostrar-te onde é.

— Dava jeito…

— Já acabaste? — perguntou Lee de súbito, dirigindo o olhar para o meu tabuleiro.

— Sim, já…

— Então vamos!

Lee agarrou-me no pulso e arrastou-me para fora do refeitório sem sequer me dar oportunidade para protestar. Atravessou o átrio e encaminhou-se para uma grande porta de madeira ao fundo, fechada e ladeada por dois guardas de armadura negra.

Eu conhecia aquela porta. Fora para ali que o Comandante da Obsidiana me puxara depois de me encontrar com o vampiro.

Lee sorriu e dirigiu um rápido “boa tarde” aos guardas antes de praticamente arrombar a porta. Um deles seguiu-nos apressadamente enquanto entrávamos no que parecia ser a sala do trono, avaliando pelo grande e ornamentado cadeirão que estava no estrado ao fundo da divisão.

— H-hey, voltem aqui! Vocês não podem entrar…!

— Temos assuntos urgentes a tratar com a Miiko! — disse Lee, sem abrandar o passo.

— Vocês precisam de marcar uma audiência com a Ykhar! — continuou o guarda.

— Não temos tempo a perder!

Lee arrastou-me até junto do estrado e afastou as pesadas cortinas azuis que o ladeavam para revelar o início dumas escadas em caracol. O elfo já tinha um pé no primeiro degrau quando o guarda que nos seguia agarrou o pulso da minha mão ferida.

— Vocês não podem entrar assim no gabinete da Sacerdotisa! — ralhou ele, puxando-me para trás — Voltem lá para fora e esperem…

— Nós não temos tempo a perder! — insistiu Lee, puxando-me para si.

— Parem de me puxar! — protestei, sendo prontamente ignorada.

— Está alguém a morrer? — perguntou o guarda a Lee.

— Não — respondeu o elfo, confuso.

— Nesse caso, podem esperar até…

— M-mas ela está muito ferida! — disse rapidamente o elfo, apontando para mim — Ela está muito ferida na mão! Não vês as ligaduras?!

O guarda baixou o olhar para as ditas ligaduras.

— Não está a sangrar — comentou.

— Eu consegui estancar o sangue, mas a ferida dói-lhe imenso! Não dói, Eduarda? Dói, não dói?

Abri a boca para responder e aproveitar para protestar de novo, mas a única coisa que de lá saiu foi um grito de dor quando Lee beliscou com força as costas da mão que ainda segurava. O guarda soltou-me, sobressaltado.

— Vês?! — apontou Lee, satisfeito — Ela está a sofrer muito, tenho de a levar à Miiko antes que fique pior! Anda, vamos!

E puxou-me escadas acima, sem dar tempo ao guarda de nos impedir.

— Já estás a tratar de me meter em sarilhos?! — perguntei ao elfo enquanto seguia com dificuldade atrás dele.

Ele riu-se.

— Claro que não, estou a ajudar-te!

— Quebrar as regras na frente dos guardas não me vai ajudar!

— Veremos se dizes o mesmo quando tiveres as instruções para abrir o portal!

Eu gostaria de ter continuado a discutir, mas falar naquela situação consumia demasiado ar e esforço. Preferi concentrar-me em respirar e não tropeçar nos degraus.

As escadas pareciam intermináveis, mas, finalmente, alcançámos o topo. Desta vez, só havia um guarda a guardar a porta de madeira clara e ele foi totalmente ineficaz em impedir a entrada impetuosa de Lee no gabinete.

— O-onde é que vocês…? — começou o guarda a perguntar, atónito, enquanto o elfo avançava até ao centro da divisão.

— Miiko! — exclamou Lee, em jeito de saudação — Como tens passado? Há tanto tempo que não te via…!

A mulher-raposa, debruçada sobre uma folha de pergaminho na sua secretária, limitou-se a fixá-lo. Eu aproveitei os segundos de aparentemente calmaria para recuperar o fôlego.

— Eu conheço-te? — perguntou Miiko, erguendo uma sobrancelha.

— Dificilmente, sou um elfo bastante discreto.

— Discreto? — repeti, perplexa, lembrando-me da confusão que ele gerara para chegar até ali. Ele era tudo menos discreto!

— Eduarda — reconheceu Miiko, recostando-se na sua cadeira com uma expressão fastidiosa — O que é que fizeste desta vez?

— Eu? Eu não fiz nada! — defendi-me de imediato.

— Vieste falar-me da questão das amostras?

— Não…

— Viemos falar do portal — intrometeu-se Lee.

— Portal? — repetiu Miiko, erguendo ainda mais a sua sobrancelha.

— Sim! O portal para a Eduarda regressar à Terra.

— Ah, isso… Eu continuo a achar que uma humana… perdão, uma faeliena, não será capaz de dar conta do recado, mas se insistes…

— Eu sei que não sou capaz — admiti — Foi por isso que decidi seguir o conselho do Keroshane e pedir auxílio aos membros das Guardas. O Lee aceitou ajudar-me, por isso estamos aqui.

Miiko olhou de mim para o elfo, claramente desagradada, mas acabou por soltar um pequeno suspiro de rendição.

— Estou a ver… — puxou uma nova folha de pergaminho para si — Esperem lá fora enquanto faço uma lista de ingredientes para vocês.

— Tudo bem — cedeu Lee, abrindo um sorriso animado — Estaremos lá em baixo.

Miiko acenou com a cabeça e eu e o elfo saímos do gabinete, fechando a porta atrás de nós.

— Correu melhor do que eu esperava! — celebrou Lee enquanto descíamos as escadas.

— Ah, sim? Como esperavas que corresse? — perguntei, erguendo uma sobrancelha desconfiada.

— Pensei que fossemos acabar nas masmorras ou assim!

— Havia essa possibilidade? — perguntei, alarmada.

— Claro! Nós não podemos pura e simplesmente invadir o escritório da Miiko, isso seria muito rude…

— Tu és impossível! — ralhei, zangada — És tal e qual o Ezarel! Os elfos são todos assim ou é mal de família?

— Estás a insinuar que eu e o Ezarel somos aparentados?

— Yah…!

— Não vás por aí — avisou-me Lee, sério — Eu e o Ezarel não somos parentes e começa a irritar-me que toda a gente julgue que sim. Nós nem sequer somos parecidos!

— Devias olhar-te ao espelho — resmunguei antes de me conter.

— Disseste alguma coisa?

— Não, nada…!

Lee lançou-me um olhar desconfiado, mas não fez mais comentários. Terminámos de descer as escadas em silêncio, regressando à sala do trono, e sentámo-nos nos degraus do estrado enquanto esperávamos.

— Quanto tempo achas que demorará a abrir o portal? — perguntou Lee de súbito.

— Tenho a certeza de que será mais tempo do que eu gostaria. A Miiko quer que eu me junte às Guardas para não ficar a viver aqui “de graça”, por isso imagina…

— Ah — fez o elfo, desanimado — Deve ser bastante difícil de abrir…

— Sim…

Voltámos a ficar em silêncio até o elfo o quebrar:

— Posso fazer-te uma pergunta? Duas, aliás?

— Podes.

— Quando pretendias contar-me que és uma faeliena?

— Ah… isso… — pigarreei — Isso é algo que descobri recentemente e… é-me muito difícil de assimilar. Não te contei porque… é algo em que evito pensar, para dizer a verdade.

— Ah… compreendo…

— Qual é a segunda pergunta? — questionei para mudar de assunto. 

— Queria saber o que vais dizer à tua família quando regressares a casa.

— Como assim?

— Quando regressares e te perguntarem o que aconteceu… o que dirás?

Eu ergui o olhar para o teto do salão, inspirando profundamente.

— Não sei — admiti — Não lhes posso dizer a verdade, jamais acreditariam em mim. Acho que nem eu acredito ainda no que está a acontecer… uma parte de mim ainda tem esperança de que isto tudo seja só um sonho.

— Não é — negou Lee com brandura — Infelizmente, é bem real.

— Infelizmente — repeti com um risinho triste.

— Posso ajudar-te a inventar uma história, se quiseres — ofereceu-se ele, abrindo um sorriso mais animado — Posso até participar na tua história, que tal?

— Como é que vais participar na minha história?

— Como ator! Faço um papel qualquer, para te dar um… como é que se diz?… um álibi.

Soltei uma pequena gargalhada.

— E que papel seria esse?

— Não sei, é isso que temos de inventar.

— Só me ocorre o papel de sequestrador…

— Serve — cedeu Lee com um pequeno encolher de ombros — Vou desaparecer do radar humano de qualquer forma, assim desapareço com estilo.

Soltei uma nova gargalhada, desta vez acompanhada pelo elfo.

— Tenho mesmo de inventar qualquer coisa — reconheci, num tom mais sério — Nem que seja fingir que não me lembro de nada…

— Oh, isso seria muito interessante — aprovou Lee, entusiasmado — Podíamos dizer que caíste dum penhasco, bateste com a cabeça e fui eu que te salvei a vida… Serei o herói em vez do vilão!

— Tu és impossível! — ralhei, embora me estivesse a rir.

Lee riu-se comigo e passou os minutos seguinte a sugerir “papéis” para desempenhar na história que eu contaria à minha família, cada um mais caricato que o anterior. A barriga já me doía de tanto rir quando Miiko finalmente surgiu na sala, com um quadrado de pergaminho dobrado na mão. Eu e o elfo levantámo-nos rapidamente enquanto ela se aproximava.

— Aqui está — disse, entendendo-nos o pergaminho.

Lee foi mais rápido e pegou-lhe, abrindo-o rapidamente. Eu aproximei-me para espreitar.

— Isto são só os ingredientes da poção — notou ele, confuso — Falta o modo de preparo.

— O Ezarel tratará disso. Entreguem-lhe os ingredientes assim que os tiverem.

— Porquê? Eu posso fazer a poção — assegurou o elfo.

— Duvido. É uma poção extremamente complexa e delicada. Além disso… eu não posso, nem pretendo, deixar-vos conhecer todos os passos para a abertura do portal.

— Porquê?

Miiko lançou um olhar reprovador ao elfo.

— “Porquê” é a tua palavra favorita, não é?

— Pode dizer-se que sim…

Miiko revirou levemente os olhos, mas respondeu:

— Não vos revelo todos os passos para a abertura do portal porque essa informação é, e deverá permanecer, secreta. Não vou correr o risco de ter-vos a espalhar um conhecimento tão precioso por aí.

— Nós não vamos contar a ninguém — garanti.

— Não vou arriscar — repetiu Miiko pausadamente — Dei-vos aquilo de que precisam para iniciar a vossa missão: têm a lista dos ingredientes, basta encontrá-los e entregá-los ao Ezarel. Assim que concluírem esse objetivo, revelarei o passo seguinte. Entendido?

— Entendido — eu e Lee murmurámos ao mesmo tempo.

— Ótimo — aprovou a mulher-raposa antes de dar meia volta e desaparecer por trás das cortinas.

Lee soltou um suspiro desanimado, dobrando o pergaminho.

— Espero que uma poção seja o suficiente para nós os dois…

— É… espero que sim — respirei fundo, tentando recompor-me — O que faremos agora?

— Agora, procuramos os ingredientes da poção. Não os conheço a todos, mas sei onde encontrar a maior parte. Podemos até ter sorte e encontrá-los à venda na cidade.

— Pois, mas… eu não tenho dinheiro para comprar seja o que for e não quero que pagues tudo sozinho.

— Não te preocupes com isso — pediu Lee com um sorriso — Queres dar uma volta pelo mercado e ver o que encontramos?

— ‘Bora.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 19/12/17]



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