Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 11
X. Onde é a biblioteca?


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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Eu não sabia do que eram feitos aqueles unguentos estranhos de Eweleïn, mas tinha de admitir que faziam verdadeiros milagres. As dores insuportáveis nas minhas pernas desapareceram em meras horas e, quando ela me trouxe algo para comer, fui capaz de segurar os talheres com a mão ferida sem qualquer dor ou desconforto. Estava já a caminhar dum lado para o outro, a testar a força das minhas pernas, quando um homem que eu não conhecia entrou na enfermaria com um sorriso tímido e um livro contra o peito.

— Olá, Eweleïn e… Eduarda, correto? — perguntou na minha direção num tom algo inseguro.

Eu lancei-lhe um olhar desconfiado antes de confirmar com um aceno de cabeça.

— Olá, Kero — respondeu Eweleïn — Precisas de alguma coisa?

— S-sim, na verdade… — lançou-me um rápido olhar nervoso — Na verdade, eu vim para falar contigo, Eduarda. Sentes-te forte o suficiente para isso?

Encolhi os ombros, confusa e cada vez mais desconfiada.

— Presumo que sim…

— Ótimo! — festejou o homem com um sorriso aliviado — Eweleïn, importas-te que nos sentemos por aqui…?

— Não, nada, estejam à vontade! Vou até aproveitar estares a fazer companhia à Eduarda para ir à ala de alquimia. Até já.

— Até já — despediu-se o homem enquanto Eweleïn se dirigia para o exterior.

Eu regressei à minha cama e sentei-me na borda, dedicando-me a inspecionar com o olhar o homem que permanecia parado no meio da sala. Ele era tão alto e magro que se tornava estranho. Parecia uma pessoa a quem tinham alongado demasiado os membros e o tronco e o chifre azulado no meio da testa não ajudava nada, estreitando ainda mais a sua silhueta. Vi uma fina cauda com um tufo de pelo azul ondular discretamente atrás dele e perguntei-me como é que o movimento não o desequilibrava. O tufo parecia tão grande quando comparado com o resto…

— Bom… hã… — disse o homem, aproximando-se com passos rápidos e nervosos e sentando-se na cadeira que permanecia ao lado da minha cama — Vamos começar… hã… O meu nome é Keroshane e fui enviado pela Miiko para te explicar algumas coisas sobre Eldarya e Eel, uma vez que terás de ficar aqui durante algum tempo. Convém saberes, em primeiro lugar, que estás em Eldarya, uma dimensão espácio-temporal diferente daquela em que viveste até agora.

— Até aí já tinha percebido.

— P-pois… hã… — Keroshane empurrou nervosamente os seus óculos de lentes quadradas contra a cana do nariz — Em segundo lugar, convém saberes que estás no quartel-general de Eel, sendo Eel o nome de uma das Cinco Grandes Cidades de Eldarya.

— Também sei isso.

— Oh… A sério? — admirou-se ele.

Confirmei com um gesto de cabeça.

— O Jamon contou-me, enquanto vigiava a minha cela.

— O que mais contou ele?

— Nada — respondi, encolhendo rapidamente os ombros.

— Presumo então que não saibas o que são as Guardas de Eel…

— Presumes bem.

Keroshane endireitou-se na cadeira com um sorriso, parecendo satisfeito por finalmente ter algo novo para me dizer.

— Permite-me então que to explique resumidamente… As Guardas de Eel são a autoridade da cidade, governando-a, protegendo-a, enfim… mantendo tudo em ordem. Existem quatro Guardas e cada uma tem a sua função específica. A Guarda Reluzente, da qual faço parte, cuida da administração da cidade e das restantes Guardas. A Guarda Absinto dedica-se à alquimia, produzindo poções, remédios e instruindo os nossos curandeiros. A Guarda Obsidiana constitui o nosso exército, protegendo a cidade e os seus habitantes. A Guarda da Sombra, por outro lado, é constituída por mensageiros e batedores que procuram, recolhem e transmitem informações importantes. Alguma dúvida até aqui?

— Não, apenas não percebo que serventia essa informação poderá ter para mim.

— É importante conheceres as Guardas se pretendes juntar-te a uma.

Eu endireitei lentamente os ombros, lançando um olhar desconfiado a Keroshane.

— Quem disse que eu pretendia juntar-me a uma?

Keroshane pigarreou levemente, voltando a empurrar os óculos contra a cana do nariz.

— Bom… hã… Foi uma sugestão da Miiko, na verdade. É possível que fiques aqui por um período de tempo considerável e a Miiko acha que seria injusto para com os outros habitantes do quartel-general deixar-te viver aqui… “de graça” ou como um hóspede. Ela quer que trabalhes para obteres comida e dormida, como todos os outros.

Franzi ligeiramente o sobrolho, desagradada pela conversa.

— Como um hóspede? Estão a gozar comigo? Até agora vocês só me trataram como uma prisioneira, não um hóspede! E ainda querem que eu vá trabalhar?! Vou ser promovida de prisioneira a escrava, é isso?!

— N-não, não é nada disso! — tentou Keroshane dizer, erguendo as mãos para se defender.

— Eu disse à Miiko que faria qualquer coisa para abrir o portal, mas esse é o único trabalho que estou disposta a fazer, mais nenhum! — continuei — Com sorte, regressarei a casa dentro de alguns dias, por isso diz-lhe que ela não precisa de se preocupar com o meu sustento!

Keroshane mexeu-se desconfortavelmente na cadeira.

— Eu não tenho a certeza de que consigas regressar a casa assim tão depressa… — murmurou num tom acanhado.

Franzi ainda mais o sobrolho e abri a boca para lhe perguntar o que raio pretendia ele dizer com aquilo, mas Keroshane logo retomou a palavra:

— I-independentemente disso, julgo que a entrada numa Guarda tornará tudo mais simples. Não só irá permitir-te integrar na nossa comunidade como irá ajudar-te a completar a tua missão de abrir o portal.

— Ajudar como? — perguntei, nada convencida.

— P-poderás, por exemplo, pedir a colaboração de outros membros da tua Guarda. Abrir um portal não é fácil, precisarás de todo o auxílio possível.

— Não deveriam ser vocês a prestar-me esse auxílio?

— Vocês, quem?

— Tu, a Miiko, a Eweleïn, sei lá!

— N-nós podemos tentar ajudar, claro, mas tens de compreender que temos várias outras tarefas a realizar e nem sempre estaremos disponíveis.

Eu fiquei a olhar para ele, boquiaberta. Ele com certeza não queria dizer que…

— Vocês estão à espera que eu abra o portal sozinha?

— Qual é o problema? — perguntou ele, confuso.

— Qual…?! — a voz falhou-se-me de tão admirada e zangada que estava — Qual é o problema?! Estão a gozar comigo?! Olha bem para mim, criatura! Eu sou humana! Acabei de chegar da Terra, estou completamente perdida e aterrorizada no meio deste mundo que desconheço, como diabos querem vocês que eu abra um portal místico para outro mundo sozinha?!

— N-não nos entendas mal! — implorou Keroshane, atrapalhado — N-nós vamos orientar-te no processo e ajudar-te como pudermos, simplesmente não será tanto quanto gostaríamos por não dispormos do tempo necessário! É-é por isso que queremos que te juntes a uma Guarda, os outros membros irão ajudar-te com aquilo que nós não podemos e terás sempre alguém a fazer-te companhia! Tudo se tornará mais simples! A-acredita em mim, por favor…

Eu limitei-me a lançar-lhe um olhar muito desconfiado. Tinha todas as razões e mais alguma para duvidar da veracidade do que Keroshane dizia e contudo… uma parte de mim acreditava que ele estava a ser sincero. A sua expressão triste e aflita parecia-me genuína o suficiente para confiar que ele estava a dizer a verdade ou, no mínimo, o que ele acreditava ser a verdade. Tinha sérias dúvidas de que Miiko pensasse da mesma forma que ele. O seu propósito era outro. Descobrir qual era seria difícil, mas fingir entrar no seu jogo poderia facilitar imenso esse trabalho.

— Imaginemos que aceito entrar numa Guarda… — comecei, quebrando o silêncio que existira até ali — O que teria de fazer?

Keroshane piscou os olhos, parecendo surpreendido com a minha cedência, mas depressa recuperou a compostura.

— Teríamos, em primeiro lugar, de fazer um teste para…

— Outro? — perguntei com desagrado.

— É-é um teste com perguntas — informou apressadamente — Não é nada de mais… Respondes a um questionário de dez perguntas e assim saberemos qual a Guarda mais adequada para ti.

— É difícil?

— N-não… Julgo que não… Eu tenho o questionário aqui se quiseres ver…

Keroshane abriu o livrinho que segurava contra o peito e estendeu-mo, permitindo-me estudar a lista de perguntas e respetivas opções de resposta. As quatro primeiras perguntas, apesar de conterem alguns termos estranhos, tinham opções que eu facilmente escolheria. A quinta, porém, fez-me franzir o sobrolho.

— “Qual das três espécies de faeries escolheria? Boina vermelha, afundador de navios ou blêmia?” O que é isto?

— São algumas raças de faeries…

— Até aí já tinha percebido — cortei-o — Mas porque raio tenho de escolher uma? O que é um blêmia? Porque carga d’água existe uma raça chamada boina vermelha e outra afundador de navios? Isto é alguma piada?

— N-não, claro que não…

— “Qual objeto tem mais Maana?” — continuei, lendo a questão seguinte — Vocês esperam mesmo que uma humana que só agora descobriu o que é Maana responda a estas questões com seriedade? Por favor, né?

— N-não tens de responder a todas — murmurou Keroshane.

— Assim mais vale não responder a nenhuma! — concluí, fechando o livro e devolvendo-o — Que raio de conclusão irias tu retirar dum teste incompleto?

— E-eu haveria de conseguir alguma coisa…

— Como, inventando?

— N-não…!

— Ouve — interrompi-o — Se queres que eu faça o teste e lhe responda com um mínimo de consciência, tens primeiro de me deixar conhecer este mundo.

Keroshane hesitou, mas acabou por acenar levemente com a cabeça.

— Eu compreendo — murmurou — Penso, aliás… que posso ajudar-te com isso.

— Ah, sim?

— Sim. Eu trabalho na biblioteca do quartel-general, posso fornecer-te alguns livros que…

— Isso era a primeira coisa que devias ter feito! — ralhei.

— D-desculpa…

— Onde é a biblioteca? Vamos buscar esses livros agora — decidi, descendo da cama.

— C-claro, mas… estás autorizada a abandonar a enfermaria?

Eu franzi o sobrolho, lançando a Keroshane um olhar muito zangado.

— Não sei, diz-me tu! São vocês os meus carcereiros!

— N-não foi isso que eu quis dizer! — negou rapidamente Keroshane, atrapalhado — Tu não és mais uma prisioneira, Eduarda, podes mover-te livremente dentro e fora do quartel-general!

— Qual é o problema, então?

— A Eweleïn… ela já te deu alta?

— Oh — fiz, lembrando-me apenas nesse instante que estava ferida — Ela não disse nada, mas eu sinto-me bem e não tenho dores. Acho que não há problema.

Keroshane torceu a boca, nada convencido, mas a voz de Eweleïn do outro lado da porta impediu-o de falar:

— Kero?! Eduarda?! Um de vós poderia abrir-me a porta, por favor?! Tenho as mãos ocupadas!

Keroshane ergueu-se com um pulo e apressou-se a acudir a Eweleïn, que entrou a cambalear devido ao peso das inúmeras caixas de madeira empilhadas nos seus braços.

— Deixa-me ajudar-te com isso — ofereceu-se Keroshane antes de inclinar a cabeça. O chifre na sua testa emanou um pálido brilho azul e as caixas começaram a flutuar, levitando suavemente até uma secretária próxima.

— Ah, obrigada, Kero! — agradeceu Eweleïn, soltando um suspiro aliviado — Não sei quanto mais tempo conseguiria segurá-las!

Keroshane corou levemente enquanto abriu um sorriso satisfeito. Eu, por outro lado, soltei um suspiro entristecido.

— Sei que estou louca quando vejo caixas flutuar e não acho isso estranho.

Eweleïn soltou um risinho divertido.

— Estás a habituar-te ao nosso mundo — constatou ela — Já agora, como te sentes? Tens dores na mão ou nas pernas?

— Não, nada.

— Ela já pode sair da enfermaria? — perguntou Keroshane à elfo — Eu gostaria de levá-la à biblioteca…

— Pode, claro, mas primeiro quero fazer-lhe um novo curativo na mão. Estás preparada, Eduarda?

— Vamos a isso. 


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 31/10/17]



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